Tanto a tomada da Sícilia pelos muçulmanos no século IX como sua perda no XI se entrelaçam num fator tão semelhante, que tudo parece se tratar de um mero topos: uma simples fórmula literaria para passar a mesma ideia ou acontecimentos com personagens diferentes. Pois, foi a convite cristão que eles chegaram, e também foi convidando cristãos que a perderam.

Tudo começou em 827, quando após uma série de desavenças internas e rebeliões entre o líder da frota bizantina da ilha, Eufêmio, e o imperador Miguel II, o Amoriano, a oportunidade da conquista do sul da Itália surgiu para os governantes do Emirado Aglábida, um estado islâmico do Norte da África, mais especificamente na Ifríquia, atual Tunísia.

Eufêmio buscando estabelecer sua propria egemonia, apelou a Ziayadat Allah I para que lhe enviasse homens em troca de uma aliança, que o mesmo aceitou, com as primeiras tropas muçulmanas chegando a convite do general cristão ortodoxo para tomar terras de Miguel em seu nome. Após uma dura campanha na qual o proprio Eufêmio acabou morrendo durante o cerco de Enna naquele mesmo 827, o emir decidiu tomar como pagamento pela ajuda as terras que tinha conquistado em nome do líder cristão falecido, criando assim, o Emirado da Sícilia.

As alianças entretanto não pararam por ai. Após o estabelecimento islâmico na ilha, mais pedidos de ajuda sempre estavam disponíveis nos conflitos fraccionais entre cristãos da Península Italaina, com a propria Napoles requisitando tropas muçulmanas para combater Sicard, o principe lombardo de Benevento, em 837. Este jogo de chamar muçulmanos na falta de um bom exército resultou na criação de mais um emirado em solo italiano, o de Bari.

No entanto, o Emirado da Sílicia sessou sua expansão peninsular, enviando exporadicamente forças expedicionárias ao lorde cristão que oferecesse as maiores vantagens, e desenvolveu um dos maiores centros culturais do mundo mediterraneo medieval. Por mais de dois séculos, o Emirado foi uma potencia não só islâmica como também européia, influente no contexto Penínsular, e no eixto bizantino-fatimida, e em relação a al-Andalus na Península Ibérica.

Mas, tudo uma hora chega a seu fim. Em 1044, sob a dinastia árabe dos Kalbidas e seu emir Hasan al-Samsam, a ilha seguiu o mesmo destino do califado de Córdoba em 1031, se fragmentando completamente em quatro qadites, ou pequenos feudos (a versão síciliana das taifas ibéricas): o qadite de Trapani, Marsala, Mazara e Sciacca liderado por Abdallah ibn Mankut; o de Girgenti, Castrogiovanni e Castronuovo sob Ibn al-Hawwàs; Catania detida por Ibn al-Maklatí; e a de Siracusa sob Ibn Thumna, enquanto o emir al-Samsam reteve o controle de Palermo por mais tempo, antes da cidade adotar um autogoverno sob o conselho de xeques.

Seguiu-se um período de disputas entre os qadites que provavelmente representavam grupos de parentesco disputando o poder. Ibn Thumna matou Ibn al-Maklatí, tomou Catania e se casou com a viúva do qadi morto que era irmã de Ibn al-Hawwàs. Ele também tomou o qadite de ibn Mankut, mas quando sua esposa foi impedida de retornar de uma visita ao irmão, Ibn Thumna, aliado dos fatímidas, atacou Ibn al-Hawwàs apenas para ser derrotado. Quando ele deixou a Sicília para recrutar mais tropas, isso deixou Ibn al-Hawwàs brevemente no controle da maior parte da ilha. Vendo-se aliados e, tal como Eufêmio em 827, Ibn Thumna partiu em busca de ajuda cristã em 1061, na pessoa do conde normando Rogério de Altavilla que estava cravando seu proprio Estado na Itália as custas de lombardos e bizantinos, para derrotar Ibn al-Hawwas e tomar toda a Sícilia para si.

Rogério não podia estar mais feliz com a chegada do qadi muçulmano. O viking cristianizado o tratou com honrarias e sem pestanejar concordou em partir com uma força combinada islamo-cristã para tomar a Sílicia em nome de seu agora aliado. E assim foi. Após um longo periodo de campanhas na quais Rogério tinha total ajuda muçulmana até mesmo quando teve que sufocar uma rebelião na Calábria durante o cerco à Jato, e viu os muçulmanos tomarem a cidade em seu nome e a manterem para ele até voltasse a Sícilia.

Ao seu retorno, o conde continuou suas vitórias com a ajuda de Ibn Thumna, porém, tal como também ocorreu com Eufêmio em 827, o qadi morreu em 1062 enquanto sitiava Entella. Rogério então decidiu tomar como pagamento pela ajuda as terras que tinha conquistado em nome do líder muçulmano falecido, criando assim, o Reino Normando da Sícilia.

Bibliografia:
-Brown, Thomas S. (2008), "Byzantine Italy (680–876)", in Sheppard, Jonathan (ed.), The Cambridge History of the Byzantine Empire c.500–1492, Cambridge: Cambridge University Press

-Birk, Joshua C. Norman Kings of Sicily and the Rise of the Anti-Islamic Critique

-Metcalfe, Alex (2009), The Muslims of Medieval Italy, Edinburgh: Edinburgh University Press,

-Treadgold, Warren (1988). The Byzantine Revival, 780–842. Stanford, California: Stanford University Press.

-Metcalf, The Muslims of Medieval Italy, pp. 94-95

-M. Amari - Storia dei Musulmani di Sicilia vol. 3, I edizione - Firenze, Le Monnier, 1868.

-V. Di Giovanni - Cronache Siciliane dei secoli XIII. XIV. XV - Bologna, Romagnoli, 1865.

-L. Gatto - Sicilia medievale: eventi e personaggi di un'isola che ha rappresentato nei secoli dell'età di mezzo il crocevia tra Occidente, Oriente bizantino e mondo arabo - Roma, Newton Compton, 1992.

-L. Natoli, A. Rigoli - Storie e leggende di Sicilia vol. 1 - Palermo, Flaccovio, 1982.

-Lemma «Ibn al-Thumna» (U. Rizzitano). in: The Encyclopaedia of Islam