Nem sempre a expansão da fé islâmica seguiu o ritmo das conquistas árabes. Enquanto as conquistas militares dos califados foram umas das mais rápidas da história humana, a islamização dos povos conquistados na maioria das vezes levou séculos para se concretizar. Entretanto, muitas das vezes a islamização de certos locais só foi possível devido às conquistas militares, isso pois se o Islã chegasse em determinado lugar realizando proselitismo, sem dúvidas seria barrado pelas grandes potências da época, os impérios Sassânida e Bizantino, que por sua vez já possuíam as suas religiões oficiais. A questão aqui não seria a mera tolerância de súditos muçulmanos, mas sim a pregação do Islã para os súditos de outras crenças: cristãos, zoaroastras, budistas e assim por diante.

Para compreendermos a islamização da Ásia Central, antes se faz necessário um breve retrospecto à época em que viveu Muhammad e também o contexto da própria Arábia.

Primeiramente, na Arábia do século VII, incursões militares (razzias) faziam parte da vida econômica dos árabes, assim como fora para os Arianos na Ásia Central muito antes do Islã. Quando os muçulmanos migraram de Meca para Medina no evento conhecido como Hégira em 622, várias incursões contra as caravanas de Meca foram realizadas, por pelo menos dois motivos: o primeiro é que quando os muçulmanos fugiram para Medina deixaram absolutamente tudo o que tinham em Meca, portanto precisavam recuperar de alguma forma. Desnecessário dizer que não havia como simplesmente dialogar com os perseguidores que tentavam mata-los para que devolvessem seus legítimos bens. O segundo motivo já foi citado: as incursões faziam parte da vida econômica dos árabes, então era natural de se esperar que um governo nascente e em guerra se valesse das incursões para se fortalecer em um período de crise.

Havia, porém, exceções para os ataques militares: não atacar membros do próprio clã, nem atacar nos meses sagrados, nem atacar os grupos com quem havia sido firmado algum tipo de pacto de não-agressão. Assim, conforme Muhammad foi obtendo cada vez mais sucesso em Medina, emissários de diversas regiões da Arábia foram enviados até ele para firmar tais pactos. Tal declaração de lealdade ficou conhecida posteriormente entre os escritores muçulmanos como “submissão”, ou ainda islam em árabe (que vem a ser o próprio nome da religião). Não obstante, tanto as fontes islâmicas quanto não-islâmicas sobre o assunto interpretaram o ocorrido como uma conversão à religião islâmica por parte dos povos da Península Arábica.

Contudo, ao que parece os árabes que firmaram o pacto possuíam um entendimento um pouco diferenciado do termo islam, sendo uma submissão mais à Muhammad enquanto líder temporal do que ao Islam como religião de Deus em que Muhammad era Seu Profeta. Assim, certos problemas surgiram após a morte do Profeta em 632: a maioria das tribos árabes se rebelaram. Tal rebelião foi chamada pelos escritores muçulmanos que narraram o fato como “apostasia”. As rebeliões cessaram após a eleição de Abu Bakr como califa e novo líder da comunidade islâmica. É nesse ponto que entra a expansão islâmica para fora da Arábia: como os muçulmanos possuíam um pacto de não-agressão com as demais localidades árabes e as razzias eram um aspecto econômico importante, o Califado se viu forçado a ter que se expandir em direção aos territórios dos Sassânidas e Bizantinos. A vitória dos muçulmanos sobre os maiores impérios da região foi avassaladora, e sem dúvida um motivo de surpresa tanto para os combatentes islâmicos quanto para os impérios pegos de surpresa. Segundo Foltz (2010):

É importante reconhecer o aspecto econômico da expansão islâmica, impulsionada pela antiga tradição árabe de incursões. Embora, em retrospectiva, muçulmanos e não-muçulmanos tenham visto nesta expansão inicial um grande elemento de zelo religioso, os exércitos árabes da época estavam simplesmente fazendo o que eram naturalmente aculturados a fazer, e o que as condições econômicas de sua terra natal sempre os compelia. O que havia acontecido era que, pela primeira vez, todos os grupos árabes da península haviam excluído para si próprios a possibilidade de atacar outros grupos árabes. Eles foram forçados, portanto, a atacar em outro lugar. Sua nova perspectiva religiosa pode, de fato, tê-los inspirado também ao dar um significado divino a seus sucessos cada vez maiores, mas outros fatores também estavam em ação (FOLTZ, p. 87, 2010).

As conquistas islâmicas, por mais incrível que isso pareça, não foram tão complicadas como poderíamos imaginar. Muito embora os impérios conquistados pelos guerreiros do Islã fossem imensos e extremamente influentes, já se encontravam fragilizados em algumas regiões devido aos anos e mais anos de conflitos. Não obstante, em certos locais em que os muçulmanos chegaram, as populações locais abriram os portões da cidade para facilitar a conquista islâmica, uma vez que certos governos eram opressivos com a população local: a ameaça externa, portanto, não era uma ameaça de fato, mas uma esperança para um povo oprimido. Esse fenômeno da população local facilitar a conquista dos exércitos muçulmanos não foi algo raro, sendo um expediente relativamente comum durante a conquista do Norte da África. Em muitos locais conquistados pelo Islã, os muçulmanos não foram mais estranhos àquelas terras do que quem já as ocupava antes deles.

No que tange à Ásia Central, por se tratar de uma localidade muito ampla e que demandou contextos, épocas e pessoas diferentes para a sua islamização, abordaremos aqui aspectos gerais e alguns específicos da proliferação da religião islâmica na região. Dentre os principais personagens históricos quanto à conquista e islamização da Ásia Central foi Qutayba bin Muslim (669-715), um dos comandantes do exército do Califado Omíada. As tropas de Qutayba chegaram na região de Samarqanda (Uzbequistão) uma década após a batalha de Nahavand, que foi marcada pela importante conquista de regiões como Khurasan e o enfraquecimento fatal do Império Sassânida.

Narra Thomas Arnold (2018) que as populações nativas da região da Ásia Central inicialmente apenas fingiram aceitar a religião islâmica, voltando aos seus cultos quando as tropas islâmicas eram expulsas da região. Porém, com a chegada de Qutayba e a conquista definitiva de regiões como Bukhara (também no Uzbequistão), os povos locais finalmente aceitaram o Islã de forma definitiva.

Poucas são as informações a respeito da expansão do Islã enquanto fé e religião na Ásia Central, porém sabemos que a oposição dos habitantes de Bukhara e Samarqanda à nova fé foi em geral muito violenta, ao ponto de o governo islâmico proibir todos os não-muçulmanos a carregarem armas consigo. Outro ponto que ilustra bem essas reações violentas à nova fé é o fato de que não obstante o desarmamento dos que não abraçaram o Islã, os próprios muçulmanos em geral dificilmente compareciam às mesquitas nas orações comunitárias da sexta-feira ou ainda em locais públicos sem que estivessem armados. Havia ainda a preocupação de que novos convertidos estivessem novamente simulando sua conversão, e assim preparando um ataque velado à comunidade islâmica dentro da mesma, motivo pelo qual o governo islâmico se valeu de espiões para monitorar a ameaça.

Muito embora nem sempre os governos islâmicos encorajassem novas conversões ao Islã, vemos algo diferente em certas regiões da Ásia Central, onde os governantes ofereciam dinheiro para os novos convertidos que comparecessem nas mesquitas nas orações da sexta-feira. Indo mais além, autorizaram ainda que o Alcorão fosse recitado em persa ao invés de árabe, para que assim as populações nativas pudessem melhor compreender a religião do Islã e seu livro sagrado.

O progresso do Islã enquanto fé na região da Transoxiana foi de fato muito lento. Novamente segundo Arnold (2018), alguns dos habitantes locais aceitaram a religião ainda durante o governo de Omar II (717-720), assim como muitos adentraram ao Islã através da pregação de um certo Abu Sayda, de quem nos falta maiores informações, mas que pregou a nova fé durante o reinado de Hisham (724-743) e inicialmente em Samarqanda. Contudo, foi somente no reinado de Al-Mutasim entre 833-842 que o Islã se espalhou definitivamente na região, ou seja, cerca de um século depois dos primeiros muçulmanos pisarem na Ásia Central. Costuma-se creditar essa grande expansão do Islã no governo de Al-Mutasim às relações mais próximas da região com a nova capital islâmica do Califado Abássida, Bagdá.

Pelo fato das informações a respeito da conversão dos povos locais ao Islã ser muito escassa, várias lendas surgiram para suprir essa lacuna histórica. Em uma delas, conta-se que na cidade de Khiva (Uzbquistão) um santo muçulmano chamado Pahlavan, servia ao rei pagão da Corásmia. Acontece que Pahlavan era um lutador muito famoso, e certa feita o rei da Índia ouviu falar a seu respeito e mandou o seu melhor lutador para desafiar Pahlavan: o perdedor teria sua cabeça decapitada. Certo dia Pahlavan ouviu a mãe do lutador indiano rezando para que seu único filho não perdesse a luta. Comovido, o santo muçulmano decidiu perder, o que revoltou imensamente o rei da Corásmia, que ordenou a decapitação de Pahlavan. Porém algo milagroso ocorreu no exato momento em que o rei colérico ordenou que matassem o santo muçulmano: seu cavalo saiu em disparada em direção a um precipício, porém Pahlavan conseguiu alcançar o cavalo e segurá-lo para que o rei não caísse em direção à morte. Como gratidão, o rei se converteu ao Islã, enquanto o lutador muçulmano foi viver a sua vida no deserto como um eremita.

Outras histórias milagrosas são contadas e envolvem a conversão de outras figuras importantes da região, por vezes envolvendo aparições do próprio profeta Muhammad em sonhos. Mas, diferentemente de outros locais em que o Islã se espalhou, as informações sobre a conversão da Ásia Central à religião islâmica são muito escassas, por vezes misturando histórias miraculosas com personagens reais, ou ainda personagens que hoje possuímos pouco ou nenhum registro de sua pregação.

BIBLIOGRAFIA

-KENNEDY, Hugh. The Great Arab Conquests. Da Capo Press. 2007.

-ARNOLD, Thomas Walker. The Preaching of Islam. Scholar Select Edition. 2018.

-HOYLAND, Robert. In God’s Path: The Arab Conquests and the Creation of an Islamic Empire. Oxford University Press. 2015.

-FOLTZ, Richard. Religions of the Silk Road: Premodern Patterns of Globalization. Palgrave Macmillan. 2010.