O Cristianismo, assim como o Islã, possui em seu âmago características que o transformam em uma religião universal. Essa universalidade costuma se manifestar no fato de qualquer um pode fazer parte daquela comunidade religiosa, independentemente de suas origens sociais, étnicas e assim por diante. Não obstante, podemos encontrar essa universalidade se manifestando através de pontos geográficos distintos, como o fato da religião atingir pontos distantes do planeta, milhares de quilômetros de distância do seu nascedouro.

No caso do Cristianismo, o mesmo pode ser encontrado no mais extremo do Ocidente e do Oriente, fixando raízes em locais que outrora eram dominados por outros credos e culturas. Isso não foi diferente no contexto Árabe.

Dentre os locais que o cristianismo se enraizou foi no sul da Arábia, sendo a cidade de Najran a região mais famosa pela sua comunidade cristã, chegando a ser mencionada no Alcorão e tendo uma delegação entrando em contato com o profeta Muhammad em Medina.

Mártires cristãos: vítimas de um rei judeu e homenageados no Alcorão

Os judeus chegaram na Arábia antes dos cristãos, provavelmente no século I a.C. na condição de mercadores ou juntamente com as tropas romanas que ocuparam parte da Arábia [1] entre os anos 24 e 26 nas expedições de Aellius Gallus. Posteriormente, já na Era Comum, a Arábia se tornou uma região de maior importância para os judeus, principalmente após a destruição do Segundo Templo no ano 70 pelos romanos, tal como pela expulsão dos judeus de Jerusalém em 135 d.C. Não obstante, a rápida ascensão do cristianismo no Império Romano foi um dos fatores que contribuíram para um maior direcionamento da atenção judaica para o Sul da Arábia (KUNG, 2007).

O judaísmo se tornou uma religião popular na Arábia, enquanto que após a ascensão cristã no Império, o cristianismo era frequentemente associado à Bizâncio e Etiópia, considerados como inimigos. Já por volta do século IV EC, Theophilos, o Indiano, que era cristão ariano e missionário para o Império Bizantino, conseguiu converter os Himiaritas, que por sua vez governavam o sul da Arábia desde o século primeiro antes de Cristo, sendo sucessores dos Sabeus. Apesar da expansão cristã pela Arábia, a posição do judaísmo se manteve praticamente intacta.

Com a intensificação das disputas entre cristãos e judeus, o século VI foi palco de mais de uma perseguição de judeus contra cristãos. O caso mais emblemático das perseguições judaicas foi cometido pelo rei hiamirita Dhu Nuwas, convertido ao judaísmo.

Como dito anteriormente, o sul da Arábia já possuía uma relação de longa data com o judaísmo até o surgimento do Islã. No caso do Reino Hiamirita em particular, essa história teria sua gênese com o rei Tubaa Abu Kariba Asad, que alçou ao trono por volta de 390 EC, vindo a governar até o ano 420. Nomeado como rei do Iêmen por um chefe local, é narrado que Abu Kariba levaria sua tribo até o norte para Yathrib (hoje Medina) para que pudesse guerrear com os judeus que lá habitavam. Entretanto, diferentemente de seu objetivo inicial em batalhar contra os judeus, acabou aprendendo com eles e vindo a se converter ao judaísmo, voltando para o Iêmen na companhia de dois rabinos. Dessa maneira, seus seguidores acompanharam os mesmos passos, transformando assim o Iêmen (que nessa época era o Reino Hiamirita) em um território dos judeus.

Após isso, o Reino Hiamirita seria continuamente governado por judeus. Porém, caso os historiadores árabes estejam certos sobre Dhu Nuwas e conforme foi mencionado anteriormente, o mesmo não era judeu de nascimento, mas sim um convertido ao judaísmo tal qual Abu Kariba mais de um século antes dele. Ao se converter para o judaísmo, Dhu Nuwas teria adotado o nome Yusuf.

O novo rei galgaria ao poder em 522, provavelmente após assassinar o governante anterior, Dhu Shanatir. Após seu assassinato, a cabeça de Shanatir ficou exposta na janela do palácio, e Nuwas assumiu o governo do Reino Hiamirita.

Na tentativa de disseminar o judaísmo, Dhu Nuwas perseguiu os cristãos de seu reino. Conversões forçadas, destruição de igrejas e vilas culminaram no massacre dos cristãos da cidade de Najran, que hoje faz parte do território da Arábia Saudita.

A comunidade cristã da cidade de Najran (sudeste da atual Arábia Saudita) é atestada por diversas fontes, dentre elas por historiadores árabes-muçulmanos. Ibn Ishaq, historiador muçulmano e um dos primeiros biógrafos do profeta Muhammad, afirmou que foi em Najran onde o cristianismo de fato enraizou-se na região Sul da Arábia.

Assim como os coraixitas de Meca antes do advento do Islã, o povo de Najran também estava imerso no politeísmo característico da região antes da ascensão do Cristianismo, adorando como divindade uma tamareira, árvore muito comum na Arábia. Os habitantes de Najran também realizavam festivais para honrar essa árvore, até que o chefe da comunidade, Abullah ibn ath-Thamir se converteu ao cristianismo, sendo o primeiro membro da cidade a abraçar a fé cristã. Pouco tempo depois um cristão chamado Phemion se estabeleceu na cidade, convertendo muitos ao cristianismo e os ensinando sobre a fé.

Entretanto, apesar da adoção da fé cristã, o cristianismo dos moradores de Najran não é o que pode ser considerado como “cristianismo ortodoxo” [2], mas sim duas vertentes consideradas heréticas: nestorianismo e monofisismo. No caso do nestorianismo era mais uma variante das doutrinas de Nestório do que a mesma em sua forma mais “pura”, sendo absorvida após um viajante de Najran voltar de seu trajeto em al-Hira, atual Kufa.

Os membros dessa comunidade sofreriam com a vileza de Dhu Nuwas. O rei judeu primeiramente ofereceu a possibilidade de conversão ao judaísmo, prometendo assim imunidade a quaisquer ataques ou punições, caso contrário seriam mortos. Como de se esperar, os cristãos de Najran recusaram a proposta de conversão de Dhu Nuwas, o que selou o destino desses fiéis.

Em sua mais nova represália, Nuwas começaria matando o chefe de Najran, Harith ibn Kaleb (São Aretha, para católicos e ortodoxos) em 523, e em seguida 340 homens que também foram selecionados para abraçar a morte.

Dhu Nuwas veio contra eles com seus exércitos e os convidou a aceitar o judaísmo, dando-lhes essa opção de escolha ou a morte. Então ele cavou trincheiras para eles; queimou alguns no fogo, matou outros pela espada, e os mutilou até ter matado quase vinte mil (ISHAQ, 2004, p. 25).

A estimativa de mortos no massacre, em geral, fica em torno dos 2 mil mortos (Ibn Ishaq fala em 20 mil, conforme citação acima). Porém, algo que choca na atitude do rei judeu foi justamente a crueldade em que os cristãos foram tratados, algo que o próprio Alcorão narra: os fiéis foram jogados vivos em trincheiras em chamas:

Condenados estão os escavadores da trincheira. Que acenderam uma fogueira com abundantes combustíveis: E sentaram-se em volta dela, para assistir à tortura dos crentes. E foram torturados só por terem acreditado em Deus, o Poderoso, o Digno de louvores! Ao Qual pertence o reino dos céus e da terra; e Deus é, de tudo, Testemunha. Sabei que aqueles que perseguem os fiéis e as fiéis e não se arrependem, sofrerão a pena do inferno, assim como o castigo do fogo (Surah 85:4-10).

Posteriormente o Império Bizantino saberia do massacre contra os cristãos, e motivado por um sentimento misto de interesses geopolíticos e zelo pelos irmãos de fé, decidiram reagir. A opressão de Dhu Nuwas viria seu fim após a derrota sofrida pelo exército da Abissínia (Etiópia), aliados de Bizâncio. O mais provável de ter acontecido é que o imperador Justino I tenha requisitado ao seu aliado Ella-Asbeha, rei da Abissínia, que invadisse Najran, matasse Dhu Nuwas e anexasse ao império Bizantino o Reino Hiamirita.

Algumas fontes afirmam que quem pediu a ajuda da Abissínia foram na verdade refugiados dos massacres perpetrados pelo rei judeu. De qualquer forma, cerca de 7 mil homens seriam enviados para frear as atrocidades de Nuwas, liderados por Abraha al-Ashram, o vice-rei do Negus (rei) da Abissínia. Dessa maneira, al-Ashram finalmente colocaria um fim no reinado de terror de Dhu Nuwas,  

Os vitoriosos Etíopes mesmo séculos após os eventos se vangloriaram da superioridade africana ao derrotarem Dhu Nuwas e conquistarem novas terras, conforme narrado por al-Jahiz no século VIII:

Nós (africanos)…conquistamos o país dos árabes até Meca e os governamos. Derrotamos Dhu Nowas (rei judeu do Iêmen) e matamos todos os príncipes himiaritas, mas vocês, brancos, nunca conquistaram nosso país (BEN-JOCHANNAN, p. 231, 1991).

Segundo a narração citada acima, as forças etíopes (abissínias) chegariam até Meca em suas expedições após derrotarem Dhu Nuwas. Assim como o martírio dos cristãos de Najran foi registrado no Alcorão, o ataque abissínio em Meca também seria lembrado pelo livro sagrado do Islã, ficando esse evento conhecido na memória árabe como Ano do Elefante.

A invasão em Meca foi devida à tentativa da Abissínia em rivalizar com Meca como centro religioso, na época do governador cristão da Arábia do Sul, Abraha al-Ashram, o mesmo que havia derrotado Dhu Nuwas. Para poder estabelecer o Cristianismo em solo Iemenita, os etíopes construíram uma grande igreja em Sanaã, atual capital do Iêmen. A igreja foi construída com o objetivo de se tornar um grande centro de peregrinação e uma “fonte de receitas” para rivalizar com a própria Meca, que possuía como atrativo religioso a própria Caaba. Ao finalizar o templo, Abraha expressou seu desejo de prosseguir com seu projeto imperial destruindo a Caaba, pois acreditava que sem seu templo os árabes se converteriam ao cristianismo, se tornando leais súditos do Reino de Himiar. Naturalmente que houveram represálias por parte dos árabes pré-islâmicos da tribo Coraixita à construção do templo cristão, sendo que um dos membros de Quraysh foi até Sanaã, adentrou a igreja e (provavelmente) defecou em seu altar, profanando assim o templo cristão e gerando o envio de 40 mil homens em direção à Caaba para destruí-la.

Várias tribos árabes ao longo do caminho tentaram parar a incursão abissínia em direção à Meca, mas todas as tentativas falharam. Em pânico, os mecanos evacuaram a cidade quando souberam que os cristãos estavam próximos, e dentre os refugiados, estava Aminah, mãe de Muhammad, com este ainda em seu primeiro ano de vida. Eis que Abraha finalmente chega aos portões de Meca, se aproximando da cidade com seu grande exército juntamente com elefantes de guerra, promovendo alguns saques, como roubo de rebanhos.

Dentre esses elefantes, o que estava à liderança se chamava Mahmud. Segundo consta em algumas tradições, assim que o elefante pisou no solo sagrado em Meca logo caiu de joelhos, recusando-se a se mexer. Após isso, já entrando no campo teológico islâmico, Deus teria enviado uma revoada de pássaros que jogaram pedras nos abissínios, afugentando-os em pavor diante do milagre. Tal ocorrido ficou marcado para sempre na memória dos coraixitas de Meca, sendo mais tarde narrado pelo Alcorão na Surah 105, Al Fil (O Elefante).

Cristãos de Najran na época de Muhammad

Após o tratado de Hudaybiyah em 628 e já em Medina há pelo menos seis anos após a Hégira (622), o profeta Muhammad enviou diversas cartas diplomáticas para as mais variadas lideranças globais, convidando todos ao Islã. Cartas foram enviadas para o imperador Bizantino, Heraclius; para o shah Sassânida, Khosrow II; para o rei etíope Najashi; e para o governante do Egito, al-Muqawqis. Indo mais além, o bispo católico romano de Najran, Abdul Haris Ibn Alqama, também receberia uma carta de Muhammad sendo convidado para se converter ao Islã.

O profeta, contudo, não enviaria somente uma carta. Algumas delas foram entregues aos cristãos de Najran diretamente por grandes nomes, como Khalid ibn Walid, o famoso general muçulmano invicto em suas batalhas, e Ali ibn Abi Talib, primo do profeta e quarto califa Rashidun para o Islã sunita, considerado dentro do xiismo como o legítimo sucessor de Muhammad após sua morte.

Quando os cristãos não se converteram através dos dois mensageiros supracitados, Muhammad enviou Al-Mughira para explicar melhor o Islã aos cristãos de Najran. Em resposta, os cristãos enviaram uma delegação de 60 pessoas (incluindo 45 eruditos) para visita-lo em Medina.

O encontro entre o profeta Muhammad e a delegação cristã aconteceria por volta do décimo ano da Hegira, ou 632 do calendário gregoriano [3]. No mínimo três fatores importantes podem ser extraídos desse encontro. O primeiro é o evento conhecido como Mubahala. O segundo é a permissão concedida por Muhammad aos cristãos para que pudessem rezar em sua mesquita. Por último, mas não menos importante, é o acordo de paz realizado por ambas as partes no fim do encontro diplomático.

Evento de Mubahala

Al-Mubahala, derivado da palavra bahlah [4], foi um acontecimento importante no encontro entre o profeta do Islã e a delegação cristã de Najran. Os cristãos ao chegarem em Medina tentaram converter os muçulmanos para sua religião, conforme atestado em algumas fontes, como no Asbab al-Nuzul de al-Wahidi, famosa obra que visa expor os motivos das revelações dos versos corânicos [5].

Segundo Irfan Omar (2007), após a tentativa cristã de converter Muhammad e os muçulmanos para o cristianismo, grandes debates teológicos passaram a ocorrer, principalmente no que diz respeito à divindade de Cristo. É nesse contexto que ocorre o evento de Mubahala, um antigo costume árabe onde dois lados com afirmações conflitantes fariam um juramento para que Deus castigasse os mentirosos [6]. Nesse caso, era um juramento para determinar sobre quem estava com a razão a respeito da divindade de Cristo.

Nos comentários do gênero Asbab al-Nuzul,  a surah 3:61 do Alcorão teria sido revelada no contexto do evento de Mubahala, com os seguintes dizeres:

Porém, àqueles que discutem contigo a respeito dele [Jesus], depois de te haver chegado o conhecimento, dize-lhes: Vinde! Convoquemos os nossos filhos e os vossos, e as nossas mulheres e as vossas, e nós mesmos; então, deprecaremos para que amaldição de Deus caia sobre os mentirosos (ALCORÃO, 3:61).

Segundo conta a tradição islâmica, o Profeta recitou esta Revelação para os cristãos e os convidou a se encontrarem com ele e sua família e resolverem sua disputa da maneira aqui sugerida (mubahala). Eles disseram que pensariam sobre o assunto, e no dia seguinte, quando foram até o profeta, viram que Ali ibn Talib estava com ele, e atrás deles estavam Fatima e seus dois filhos. O Profeta estava vestindo um grande mando, extenso o suficiente para envolver todos os seus familiares nele, incluindo ele mesmo. Por esta razão, os cinco são reverentemente conhecidos como "o Povo do Manto" (LINGS, 2015).

Como dito anteriormente, o costume de mubahala era algo sério entre os árabes. Dessa forma, levar seus familiares para a disputa exigia grande coragem e certeza do que afirmava, uma vez que uma maldição divina poderia recair sobre os entes queridos dos disputantes. Confrontados com essa visão de Muhammad com sua família, os cristãos de Najran decidiram não mais aderir ao antigo costume árabe, uma vez que acarretaria outras consequências além de uma eventual maldição divina, já que estavam em território muçulmano e eram tidos como “hóspedes” (BILL, 2002).

Novamente segundo Lings (2015), o profeta decidiu então em propor um acordo favorável para ambas as partes. Uma vez que o governo de Muhammad estava se fortalecendo em Medina e muitas delegações da Arábia iam até ele para fornecer acordos de paz, Muhammad decidiu propor um acordo semelhante com os cristãos de Najran, prometendo protege-los, assim como seus locais de culto e sua liberdade de praticar o cristianismo. Em troca, os cristãos teriam que pagar uma taxa, amplamente conhecida como jyzia [7].

Quanto à liberdade religiosa concedida pelo profeta aos cristãos, trata-se de preceitos corânicos a proteção aos locais de culto. Conforme a visão corânica, igrejas, monastérios e outros locais de culto (como sinagogas etc.) são invioláveis, uma vez que nesses locais o nome de Deus é mencionado e Ele é exaltado e glorificado:

Em casas, que Allah permitiu fossem erguidas e em que fosse celebrado Seu Nome, nelas, glorificam-nO, ao amanhecer e ao entardecer (ALCORÃO, 24:36).

Ainda segundo o Alcorão, Deus protege esses locais de culto ao afastar eventuais destruidores.

Esses são os que, sem razão, foram expulsos de seus lares, apenas porque disseram: "Nosso Senhor é Allah." E, se Allah não detivesse os homens uns pelos outros, estariam demolidos eremitérios e igrejas e sinagogas e mesquitas, em que o nome de Allah é amiúde mencionado. E, em verdade, Allah socorre a quem O socorre. Por certo, Allah é Forte, Todo-Poderoso (ALCORÃO, 22:40).

Indo mais além:

E quem mais injusto que aquele que impede, nas mesquitas de Allah, se mencione Seu Nome, e se esforça em arruiná-las? A esses, não lhes é admissível nelas entrarem senão temerosos. Há para eles na vida terrena, ignomínia e haverá para eles na Derradeira Vida, formidável castigo (ALCORÃO, 2:114).

Não somente, mas além de seguir os preceitos corânicos de preservar os locais de culto cristãos, Muhammad também permitiu que os cristãos rezassem em sua mesquita em Medina. Quando chegou a hora dos cristãos rezarem, eles se levantaram para realizar sua adoração na mesquita do profeta. Muhammad então disse para alguns de seus companheiros, que objetaram a atitude dos cristãos: “Deixe-os [adorar]”, e assim os cristãos oraram voltados para o leste.

Esta permissão não foi apenas o primeiro exemplo de diálogo cristão-muçulmano, mas foi a primeira vez que os cristãos oraram em uma mesquita. Embora o profeta Muhammad e os cristãos de Najran não tenham conseguido chegar a um consenso em todas as questões teológicas, ele, no entanto, deu-lhes um lugar para ficar perto de sua casa e até ordenou que os muçulmanos montassem sua tenda.

NOTAS

[1] Mais especificamente na região conhecida como Arábia Felix pelos romanos, ou Sul da Arábia. Essa localidade engloba territórios do atual Iêmen e sul da Arábia Saudita.

[2] Com ortodoxo refere-se aos cristãos Católicos Romanos, Reformados, Ortodoxos e assim por diante.

[3] Todavia, trata-se de uma data contestável. O ocorrido pode ter sido ainda antes.

[4] Que pode ser traduzido como algo parecido com “maldição”.

[5] Asbab al-Nuzul não é somente o título do livro de al-Wahidi, mas o nome desse gênero de estudos corânicos que visa estudar o contexto das revelações enviadas ao profeta Muhammad.

[6] Embora usar o nome de Deus em algum juramento seja uma prática perfeitamente aceitável dentro do Islã, invocar o poder de Deus contra outros muçulmanos na forma de uma maldição (sabb, lan) é condenado nos hadiths. O profeta é lembrado por nunca ter amaldiçoado um muçulmano e por ter incluído entre os direitos de uma esposa que ela não fosse amaldiçoada por seu marido. Em um relato, é dito que o profeta comparou amaldiçoar um crente com assassiná-lo, uma declaração que reflete uma crença generalizada no poder das maldições para causar danos reais às pessoas. Por vezes, tais juramentos continham maldições contra si mesmo, com frases como: “que Deus me envergonhe se eu deixar de fazer tal coisa”. Esse tipo de juramento também foi amplamente condenado pelos juristas muçulmanos.

Indo mais além, os juramentos era algo muito comum nas disputas judiciais pré-islâmicas em uma prática conhecida como lian, uma provação usada para resolver acusações de adultério em casos em que nem a confissão nem as testemunhas estavam presentes no caso (LEWINSTEIN, in MERI, 2006, p. 185)

Louis Massignon (1883–1962) afirmava que o encontro de São Francisco de Assis com o sultão al-Malik al-Kamil teria equilibrado o evento de mubahala na época do profeta Muhammad, uma vez que o santo católico teria desafiado o sultão para um desafio, sendo recusado pelo governante (GRIFFITH, 2008).

[7] Há narrativas diferentes a respeito dessa história do encontro entre Muhammad e a delegação de Najran. Em outra narrativa, uma delegação teria sido enviada a Muhammad pelo mesmo motivo que outras regiões faziam o mesmo: aliança política e demonstração de respeito ao novo poder que surgia em Medina, e não motivada por cartas enviadas pelo profeta convidando-os ao Islã. Contudo, debates teológicos acabaram ocorrendo, culminando no evento de Mubahala.

Curiosamente, podemos encontrar no Asbab al-Nuzul de al-Wahidi que antes desses debates teológicos entre cristãos e muçulmanos ocorrerem, os judeus de Medina se precipitaram e foram até a delegação para debater com os visitantes, gerando uma discussão acalorada ao ponto de ambos os lados gritarem uns com os outros. Nesse contexto teria sido revelado o verso 113 da Surah al-Baqarath do Alcorão: “Os judeus dizem: Os cristãos não têm em que se apoiar! E os cristãos dizem: O judeus não têm em que se apoiar!, apesar de ambos lerem o Livro. Assim também os néscios dizem coisas semelhantes. Porém, Deus julgará entre eles, quanto às suas divergências, no Dia da Ressurreição”.

BIBLIOGRAFIA

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BILL, James. A. Roman Catholics and Shi’i Muslims: Prayer, Passion and Politics. The University of North Carolina Press, 2002.

CONSINDINE, Craig. Pluralism and the Najran Christians: How Prophet Muhammad Went Beyond Tolerance. HuffPost, 2016.

CONSINDINE, Craig. Religious Pluralism and Civic Rights in a “Muslim Nation”: An Analysis of Prophet Muhammad’s Covenants with Christians. MDPI, 2016.

GRIFFITH, Sidney H. The Church in the Shadow of the Mosque. Princenton University Press, 2008.

ISHAQ, Ibn; HISHAM, Ibn. The Life of Muhammad. Tradução de Alfred Guillaume. Oxford University Press, 2004.

KUNG, Hans. Islã: Past, present and future. OneWorld Publications, 2007.

LEWINSTEIN, Keith. “Cursing”. In MERI, John W. Medieval Islãic Civilization: An Encyclopedia. Routledge, 2006.

LINGS, Martin. Muhammad. A Vida do Profeta do Islã. Attara, 2015.

MACKINTOSH-SMITH, Tim. Arabs: A 3,000 History of Peoples, Tribes and Empires. Yale University Press, 2019.

OMAR, Irfan A.. A Muslim View of Christianity. Orbis Books, 2007.