O declínio de Roma devido às diversas invasões bárbaras fez com que o império adotasse o foederati, sistema pelo qual tribos menos hostis eram convidadas a fazer intervenções militares contra os inimigos do Império em troca de porções territoriais vantajosas para viver. Assim, os visigodos germânicos foram convidados pelo imperador Flavius Honorius para para combater vândalos, suevos e alanos, e colocar ordem no sudoeste da Gália sob a liderança de seu rei, Ataulf, em 410. Após se firmarem na Gallia Aquitania, estes guerreiros quebraram o acordo feito com os romanos poucas décadas antes, e sob o rei Eurico, que reinou entre 466-484, começaram a anexar outras províncias romanas, uma delas, a Hispania, que compreendia a Península Ibérica, formando seu próprio reino independente, diferente do haviam combinado.

Após serem expulsos pelos francos da Gália no início do século VI, este povo germânico teve que se contentar em estabelecer-se na parte ibérica de seu reino, fundando uma nova capital, Toledo, e ali reinando sob o mix de fenícios, celtas, iberos, cartagineses, romanos, celtiberos, hebreus, alanos, bascos, gregos, suevos e vândalos que se mesclavam desde antes da anexação romana. O estabelecimento dos visigodos entretanto não foi nada pacífico, e eles tiveram de enfrentar a resistência de diversos povos que ali já viviam e seus reinos, e não iriam tolerar aqueles germânicos, que para começo de conversa, foram convidados para fazer uma intervenção na Gália, e agora anexaram a Hispania. Após inúmeras guerras civis, conflitos com líderes militares locais, e a tentativa de reanexação do território ibérico ao Império Romano pelos bizantinos ser expelida por Suintila (r. 621-631), o Reino Visigodo foi finalmente firmado

Desde antes da conversão de Recaredo I (586–601) ao catolicismo, os visigodos tinham sido cristãos arianos, e essa vertente não-calcedoniana do cristianismo havia fixado raízes no reino. Com a adoção do cristianismo romano pelos reis e parte da nobreza, os arianos passaram a ser perseguidos e terem seus bispos removidos, bem como os judeus, que eram a minoria que mais sentia o peso do punho de ferro dos visigodos, sendo escravizados.

O reino visigótico funcionava numa espécie de monarquia eletiva, através da qual eram os barões da alta aristocracia que escolhiam o futuro soberano, sempre que o anterior rei morresse, o que, obviamente, causava conflitos quase infinitos. Entre 710-711, o sábio rei Vitiza morreu, com suspeitas de que tenha sido assassinado. O velho rei somava inimigos tanto no establishment católico como entre os nobres, por coisas como o incentivo ao casamento de padres bem como alívio político aos judeus. Especula-se que quem deu cabo da vida do rei foram os partidários do nobre Rodrigo, que se tornaria o principal candidato à sucessão. Rodrigo tinha a rivalidade de Ágila, filho de Vitiza, que estava igualmente disposto a lutar pelo trono de seu pai. Neste período, o reino dividiu-se mais uma vez, com ambos os candidatos a recolherem influentes apoios para uma guerra civil que agora se iniciava. Mais uma, diga-se de passagem.

Agila, mais jovem e fraco, fora derrotado por Rodrigo, que assumiu o controle da Península e do Reino, a contragosto de muitos, que ainda preferiam a continuidade da linhagem de Vitiza, mas que cujos apoiadores não encontravam qualquer refúgio senão em Septem, atual Ceuta. No Norte da África, na outra margem do estreito de Gibraltar, o último exarca bizantino, o conde Julião, mantinha um posto avançado no Magrebe, que acabara de ser tomado em sua totalidade pelos muçulmanos há poucas décadas, que o governavam a partir de Ifríquia, sob Mussa Ibn Nusayr, um oficial omíada. Em certa ocasião, Rodrigo exigiu como prova de lealdade de Julião, o governante cristão mais ao sul, o envio de sua filha, Florinda, á corte em Toledo para que fosse ali educada, e mantivesse a lealdade de seu pai. Julião assim o fez, contudo, o monarca visigodo estuprou e engravidou a jovem.

Irado, Julião agora confabulava com os partidários Agila para que o déspota Rodrigo fosse derrubado. Mas a quem recorrer? Seus compatriotas bizantinos do outro lado do Mediterrâneo estavam envoltos em seus próprios conflitos com o expansivo Califado OmÍada, e já não tinham mais interesse nem meios de reaver a antiga Hispania tomada pelos visigodos. Assim sendo, foi a quem estava mais perto, Tariq Ibn Ziyad, à quem ele e os nobres visigodos descontentes com o rei se voltaram.

Tariq, governador de Tânger, tinha consigo 1.700 homens, e o exército mais eficiente de sua época. Basicamente nada detinha os muçulmanos, que sequer tinham interesse na Europa, e naquela altura estavam focados na rica e próspera Ásia Central, lugar da antiga Rota da Seda, que se tomada, faria do Califado Omíada o império mais poderoso da terra. Sem nenhuma ordem específica no entanto, Tariq decidiu ajudar Julião e os dissidentes.

Contudo, historiadores debatem sobre quais seriam os termos do acordo. Segundo alguns, Julião não era bizantino e sim visigodo de origem, querendo com ajuda de Tariq estabelecer Agila no trono. Outros especulam que abandonado pelos bizantinos e com a querela pessoal com Rodrigo, o estuprador de sua filha, o conde não viu problema algum em abrir as portas do reino para governantes que considerava mais justos, e cujo império era mais organizado, desejando ser integrado aos omíadas. Seja como for, o fato é que Tariq aceitou intervir no reino vizinho, basicamente como os visigodos haviam feito antes, quando aceitaram intervir nos assuntos romanos.

O comandante berbere chegou com suas poucas tropas na primavera de 711. Desembarcando ao sopé de uma montanha que hoje leva seu nome, ”Gibraltar”, ou “Montanha de Tariq’’, ele mandou incendiar todos os seus navios, e disse a seus homens que não haveria retorno para casa. Era lutar ou morrer. Ajudado por aliados visigodos que já conheciam o terreno, foi fácil evitar emboscadas.

O rei Rodrigo sequer sabia da chegada dos muçulmanos convidados por Julião, pois estava no norte, combatendo seus irmãos em Cristo bascos. Quando soube, eles já estavam em avanço continuo, tomando algumas posições, cidades e vilarejo, para alegria dos judeus, que os viam como libertadores daquele reino decadente que os oprimia.

As forças do rei e de Tariq se encontraram nas margens do rio Guadalete, e ali travam uma encarniçada batalha. Rodrigo e seus homens se veem desesperados, quando até naquela ocasião, mais e mais desertores passam para o lado de Tariq. O exército visigodo é massacrado, e o próprio Rodrigo morto. Após o rescaldo da batalha, o avanço muçulmano contínua, e, com a chegada de Mussa e seus reforços, a Conquista de Tariq é então concluída.

Os filhos de Vitiza e demais nobres são incorporados a burocracia omíada, e a vida ali não muda muito, para além dos novos nomes nas moedas. A liberdade religiosa é restabelecida, com arianos, judeus e católicos podendo praticar suas fés, e bispos, sendo Oppa o mais famoso, são integrados ao govenro islâmico. Alguns resistentes buscaram estabelecer sua independência com o fim do reino, e se refugiam nas Astúrias e na região basca, que não despertava o interesse dos conquistadores naquela altura, por serem longínquas, montanhosas e pobres.

E assim, tal qual tomaram a Hispania 250 anos antes se aproveitando de um acordo que não cumpriram com os romanos, os visigodos a perderam para um acordo, aparentemente, também não cumprido pelos muçulmanos, que se fizeram valer do convite de intervenção para tomar o reino, como haviam feito os visigodos antes deles. A chegada de Tariq deu início a 781 anos de governo muçulmano na Península Ibérica, que só se findaria em 1492.

Bibliografia:

-Cameron, Ward; Perkins and Whitby. The Cambridge Ancient HIstory – Volume XIV. Late Antiquity: Empire and Successors, A.D. 425–600. p. 48.

-BUNTING, Tony – Guadalete – 711 in 1001 Battles that changed the course of history. Dir. R. G. Grant. Londres: Quintessence Editions, 2011.

-LAGO, José; RODRÍGUEZ, José – Los Visigodos: El fin del reino visigodo

-Bachrach, Bernard S. “A Reassessment of Visigothic Jewish Policy, 589–711.” The American Historical Review, Vol. 78, No. 1. (Feb., 1973), pp 11–34.

-Ibn ‘Abd al-Hakam (1922). Charles Cutler Torrey (ed.). Kitāb futuḥ misr wa akbārahā: The History of the Conquests of Egypt, North Africa, and Spain. New Haven: Yale University Press.

–Henry Bradley (1887) The story of the Goths
-Brian A. Catlos, Kingdoms of Faith: A New History of Islamic Spain