Como é de amplo conhecimento, o século XVI foi extremamente movimentado, principalmente para Portugal e Espanha, que protagonizaram diversas “descobertas” e conquistas, construindo impérios de uma extensão invejável.

A Europa católica no final do século XV e no início do século XVI foi inspirada por um grande zelo missionário, estimulado pelas tensões resultantes das guerras prolongadas com os Otomanos e a ameaça do protestantismo e dos Estados protestantes, bem como pela empolgação devido às “descobertas” das terras "pagãs" na Ásia e nas Américas. Os pioneiros nesse mais novo empreendimento foram os monarcas católicos da Espanha e de Portugal, fortemente influenciados pela ideia apostólica da realeza cristã, tão proeminente na Idade Média. Em 1493, Bulas Papais tornaram uma obrigação para todos os reis católicos promover a expansão do Cristianismo e, no ano seguinte, o Tratado de Tordesilhas dividiu o mundo em duas jurisdições espirituais. Uma foi atribuída à Coroa portuguesa e a outra à espanhola (ISHII, 2008).

O patrocínio real concedido pelo papa aos monarcas da Espanha e Portugal tornou-os responsáveis pela conversão dos "pagãos" e, portanto, pela construção de igrejas e mosteiros, pela nomeação de arcebispos e posições religiosas menores e também pelo financiamento do esforço missionário. Diferente de qualquer outra religião que foi para o Sudeste Asiático, portanto, o Cristianismo foi apoiado pelo esforço de um governo secular localizado do outro lado do mundo (ISHII, 2008).

Além dos motivos puramente religiosos, outro fator que influenciou as expedições portuguesas e espanholas para a região do Sudeste Asiático foi a busca por especiarias. Após a queda de Constantinopla em 1453, conquistada pelo Império Otomano sob a figura do Sultão Mehmet II, as rotas terrestres do Mediterrâneo Oriental ao Sudeste Asiático, passando pela Ásia Central e Oriente Médio, eram controladas pelos otomanos, persas, árabes, indianos e malaios. Foi necessário, portanto, novas estratégias por parte dos reinos católicos ibéricos para contornar esse grande bloqueio, e o grande valor e versatilidade das especiarias sem dúvidas foi uma forte justificativa para tamanho esforço:

Tornar a comida mais palatável para os gostos medievais mais exigentes desencadeou a busca por especiarias de todos os tipos: pimenta, canela, cravo, noz-moscada e gengibre, que eram oriundos do Oriente. As especiarias acentuavam o sabor suave da carne e do peixe enquanto os preservavam na ausência de refrigeração. Especiarias como pimenta-do-reino eram tão caras que podiam até comprar terras, pagar impostos, libertar uma cidade e até pagar dotes (AGONCILLO, 1990, p. 69).

Como consequência do bloqueio dos povos acima citados e motivados pela grande importância das especiarias, portugueses e espanhóis precisaram procurar novas rotas para terem acesso a esse tesouro do Oriente. A solução encontrada pelos portugueses foi conquistar Malaca em 1511, dois anos após sua chegada à região.

Os espanhóis chegariam mais tarde, em meados do século XVI. Sua chegada ao arquipélago que agora faz parte das Filipinas modernas, bem como a intenção da Espanha de espalhar o cristianismo, causou um conflito com Brunei, então governado pelo sultão Saiful Rijal, culminando na Guerra Castelhana.

As expedições espanholas partiram do México, território sob seu domínio no Novo Mundo, chegando a Cebu nas Filipinas em 1565 com a liderança de Miguel Lopez de Legazpi. Em 1564, López de Legazpi foi contratado pelo vice-rei Luís de Velasco para liderar uma expedição no Oceano Pacífico, para encontrar as Ilhas Molucas, famosas por suas especiarias, onde os primeiros exploradores Fernão de Magalhães e Ruy López de Villalobos desembarcaram em 1521 e 1543, respectivamente. A expedição foi encomendada pelo rei Filipe II da Espanha, que em sua homenagem foi dado o nome do local de Las Islas Filipinas por Villalobos. O vice-rei morreu em julho de 1564, mas a expedição ocorreu mesmo assim.

Do México, Legazpi levaria consigo em novembro de 1564 cinco navios, transportando 500 soldados, mais da metade dos quais eram mexicanos compostos pelos povos nativos da região, enquanto os restantes, os espanhóis, partiram do porto de Barra de Navidad, na Nova Espanha, onde hoje é o estado de Jalisco, no México. A expedição contaria ainda com seis missionários agostinianos, dentre eles o frade Andrés de Urdaneta.

López de Legazpi e seus homens navegaram no Oceano Pacífico por 93 dias. Em 1565, eles desembarcaram nas Ilhas Marianas, onde ancoraram por um breve período e reabasteceram seus suprimentos. Lá eles lutaram com as tribos Chamorro e queimaram várias de suas cabanas.

Um chefe local da ilha de Bohol forneceria informações para Legazpi a respeito de Cebu, inclusive o acompanhando como guia. A expedição de López de Legazpi ancorou no Rajahnato de Cebu em 13 de fevereiro de 1565, mas não desembarcou devido à oposição levantada pelos nativos. Em 22 de fevereiro de 1565 a expedição chega à ilha de Samar e faz um pacto de sangue com Datu Urrao. Os espanhóis seguiram para Limasawa e foram recebidos por Datu Bankaw, depois para Bohol novamente, onde fizeram amizade com Datu Sikatuna e Rajah Sigala. Em 16 de março de 1565, López de Legazpi fez um pacto de sangue com Datu Sikatuna.

Em 27 de abril de 1565, a expedição voltou a Cebu e desembarcou lá. Rajah Tupas desafiou os espanhóis, mas foi derrotado. Os espanhóis estabeleceram uma colônia, batizando os assentamentos de Villa del Santisimo Nombre de Jesús, em homenagem a uma imagem de Santo Niño de Cebu em uma das casas nativas, o artefato cristão mais antigo nas Filipinas, que orginalmente teria sido um presente de Fernão de Magalhães à Rajah Humabon, que recebeu o nome de batismo de Don Carlos após sua conversão ao cristianismo.

Durante algum tempo, Cebu tornou-se a capital do arquipélago e o principal entreposto comercial. Foi também a primeira cidade a difundir o cristianismo nas ilhas. Esse proselitismo cristão acabou causando desentendimentos com alguns governos locais, alguns compostos por líderes muçulmanos, sendo esse o caso do Sultanato de Brunei sob o governo do sultão Bolkiah.

Por volta de 1485, Bolkiah havia fundado o estado de Kota Serudong, outrora o Reino de Maynila, servindo ao governo central de Brunei em oposição ao reino local de Tondo, no delta do rio Pasig. O grande número de Estados na região, longe de ser um problema para a evangelização dos católicos espanhóis devido à influência de Brunei, foi na verdade uma vantagem, simplificando o processo de conversão dos povos locais.

Em 1571, Lopez de Legazpi atacou e cristianizou Manila, até então território islâmico, tornando-se a capital das Filipinas e também um centro de comércio e evangelização. Os Visayas, (povos de Kedatuan e do Rajahnato de Cebu), que antes da chegada dos espanhóis travaram guerra contra o Sultanato de Sulu e o Reino de Maynila, agora se tornaram aliados dos Espanhóis contra o Sultanato de Brunei.

O século XVI foi um período de grande fervor religioso, principalmente na Península Ibérica. Não pode ser esquecido, por exemplo, o fato de que judeus e muçulmanos haviam sido expulsos do território espanhol, assim como a Inquisição Espanhola funcionava a todo vapor para garantir a integridade da fé católica na região. Assim, os conquistadores espanhóis, envoltos do sentimento de Reconquista, valeram-se de sua oposição e ódio contra os muçulmanos da Península em suas guerras contra os muçulmanos de Brunei. Esta guerra também deu início às Guerras Moro-Espanholas nas Filipinas contra o Sultanato de Sulu e o Sultanato de Maguindanao.

Em 1576 houve uma tratativa diplomática frustrada entre espanhóis e o sultanato de Brunei. O governante espanhol em Manila, Francisco de Sande, que havia acabado de voltar do México, enviou uma missão diplomática até o sultão Saiful Rijal. Nesse diálogo, os emissários espanhóis informaram que queriam manter boas relações com o Sultanato, pedindo também a permissão para difundir o Cristianismo na região. Indo mais além, pediram ainda pelo fim do proselitismo islâmico nas Filipinas [1].

Como era de se esperar, o sultão rejeitou a proposta enviada por Francisco, expressando de forma clara também a sua oposição ao evangelismo cristão. Na verdade, Francisco de Sande considerava Brunei uma ameaça à presença espanhola na região, alegando que "os Moros [2] de Bornéu pregam a doutrina de Muhammad, convertendo todos os Moros das ilhas".

Em 1578 os espanhóis declarariam guerra, e em março dariam início a sua jornada até Brunei. Liderados por de Sande, a expedição consistia em 200 espanhóis, 200 mexicanos, 1.500 nativos das Filipinas, assim como 300 nativos de Bornéu.

Algo que chama a atenção neste confronto é justamente a variedade étnico-racial que ele apresentou. Assim, no lado espanhol, podemos encontrar os mestizos, mulatos e até povos indígenas, esses últimos oriundos do Peru e do México. Já no lado do Sultanato, essa diversidade racial também não era muito diferente, uma vez que além dos próprios nativos malaios, encontravam-se ainda o resultado das expedições militares otomanas, compostas geralmente por: turcos, egípcios, swahilis, somalis, sindis, gujaratis e malabares.

A migração muçulmana do Império Otomano, Egito, Meca e Arábia era tão constante que podemos encontrar reclamações dessa natureza ao rei espanhol sobre sua presença em Bornéu e nas Filipinas:

Persas, árabes, egípcios e turcos trouxeram a maligna veneração e seita [de Muhammad] para cá, e até mouros de Túnis e Granada vieram aqui, às vezes nas armadas de Campson [Kait Bey], ex-sultão do Cairo e rei do Egito... Assim, parece-me que esses Moros das Ilhas Filipinas [são] principalmente aqueles que, como já foi dito, vêm do Egito e da Arábia e de Meca, e são seus parentes, discípulos e membros, e todos os anos dizem que os turcos vêm para Sumatra e Bornéu e para Ternate, onde agora estão alguns dos que foram derrotados na famosa batalha que o Sr. Don Juan de Áustria venceu.

Nessa batalha que em tese foi quase um conflito entre “Astecas” versus árabes, africanos, asiáticos e otomanos, os espanhóis acabaram levando a melhor. Em 16 de abril de 1578 a Espanha conseguiu invadir a capital de Brunei na época, Kota Batu, com a ajuda de dois nobres da cidade, Pengiran Seri Lela e Pengiran Seri Ratna.

O sultão Saiful Rijal e o Paduka Seri Begawan Sultan Abdul Kahar foram forçados a fugir para Meragang, depois para Jerudong, onde fizeram planos para expulsar o exército conquistador de Brunei. Nesse ínterim, os espanhóis sofreram pesadas perdas devido a um surto de cólera ou disenteria, ficando muito enfraquecidos pela doença. No entanto, esta guerra entrou na consciência local como um episódio heroico, com os espanhóis sendo expulsos por Pengiran Bendahara Sakam Ibni Sultan Abdul Kahar e mil guerreiros nativos para restaurar o poder do sultão sobre o Império. Os espanhóis retornam a Manila em 26 de junho de 1578, 72 dias depois. Antes de fazer isso, eles queimaram a mesquita, uma estrutura alta com um telhado de cinco andares.

Muito embora os espanhóis tivessem recuado, ainda conseguiram impedir que o Sultanato de Brunei recuperasse o poder que outrora detinha. Alguns anos depois, as relações melhoraram e a Espanha começou a negociar com o Sultanato. O fim da Guerra Castelhana também permitiu que a Espanha concentrasse sua atenção na guerra Moro-Espanhola.

Brunei iria encolher cada vez mais ao longo dos anos, deixando de ser um império marítimo para se tornar apenas uma cidade-estado. O território, contudo, continua até os dias de hoje graças a sua aproximação cautelosa com as potências europeias, porém muito menor do que foi um dia, pois além das intervenções espanholas na região, parte de suas terras foram cedidas ao britânico James Brooke por causa de revoltas locais.

NOTAS

[1] O mais interessante é que dois anos depois, em 1578, Francisco de Sande escreveria uma carta ao capitão Estevan Rodriguez de Figueroa com os seguintes dizeres: “Você deve ordenar a eles (o povo de Mindanao) que não admitam mais pregadores da doutrina de Mahoma, visto que é má e falsa, e somente a dos cristãos é boa. E porque estamos nessas regiões há tão pouco tempo, o senhor de Bindinaot foi enganado por pregadores de Bornéu, e as pessoas se tornaram Mouros.”.

[2] Moros aqui não deve ser confundido com os Mouros da Península Ibérica. Trata-se, porém, dos povos nativos da região de Bangsamoro, grupos étnicos majoritariamente muçulmanos. Os Moros são o maior grupo não-cristão das Filipinas, país composto por mais de 80% de católicos, totalizando cerca de 5% da população total da Ilha.

REFERÊNCIAS

AGONCILLO, Teodoro A. History of the Filipino People. Garotech Pub, 1990.

FRANCIA, Luis H. A History of the Philippines: From Indios Bravos to Filipinos. The Overlook Press, 2014.

ISHII, Yoneo. The Arrival of Christianity. In TARLING, Nicholas. The Cambridge History of Southeast Asia. From early times to c. 1800. Cambridge University Press, 2008.

NICHOLL, Robert. European Sources for the History of the Sultanate of Brunei in the Sixteenth Century. The Star Press, 1975.

TAN, Samuel K. A History of the Philippines. University of the Philippines Press, 2008.