A história do Islã no Nepal talvez remonte ao século 14, quando mercadores muçulmanos da Índia e do Oriente Médio começaram a negociar na região, durante o reinado de Ratna Malla, (1482-1520), criador do reino de Kantipur, cuja capital é a célebre Katmandu. Estes primeiros comerciantes convidados pelo rei logo se estabeleceram no Nepal e se casaram com mulheres locais, formando a base da comunidade muçulmana. Durante a expansão do Império Mughal, soldados e oficiais muçulmanos também emigraram para o Nepal, fortalecendo ainda mais a presença do Islã. Como a palavra “Nepal” designava apenas ao atual vale de Katmandu, onde os estados de Kantipur, Lalitpur e Bhaktapur (atual Bhadgaon) eram os reinos dos reis Malla, alguns pesquisadores acreditam que embora as mesquitas e madraças só tenham surgido no Nepal no período Malla, a presença de muçulmanos na região, principalmente nos distritos montanhosos, já existia (SIDDIKA, 1993).

A Mesquita Pancha Kashmiri Takiya Masjid, em Kathmandu. [Fonte:  KashmirLife]

Esta teoria possui como evidência a guerra entre Ghiyath al-Din Tughluq (Nascimento desconhecido - 1325), sultão muçulmano de Deli, atacou a cidade fortificada de Simraungadh. Seu ataque foi inspirado pelo desejo de acabar com o costume de sati, a imolação das viúvas, pois a cidade estava próxima a imolar na pira funerária as 10 consortes de seu governante falecido. Depois de conquistar a cidade, Tughluq se estabeleceu por alguns dias em Kathmandu e ali pode então ter começado o intercâmbio entre muçulmanos e nepaleses. Este intercâmbio cultural não foi abalado nem mesmo quando Tughluq atacou Kantipur e destruiu os mosteiros da cidade, pois assim que a batalha acabou, o próprio Tughluq ordenou que artesãos muçulmanos ajudassem a reconstrução dos templos e mosteiros nepaleses (VERGATI, 2005). Esta ligação é demonstrada no próprio templo de Hanuman em Kathmandu, onde o rei Pratap Malla (1624 – 1674) mandou escrever a inscrição do pórtico também em Urdu, a língua adotada por muitos muçulmanos nepaleses (ibid).

A mesquita mais antiga do Nepal é a Pancha Kashmiri Takiya Masjid (em nepalês: पञ्च कश्मीरी तकिया मस्जिद), cujo nome significa “A Mesquita dos Cinco Anexos dos Kashemires”, pois possui cinco anexos: a sala de oração, uma madrassa, um salão de reunião e tumbas dos líderes religiosos Haji Mishikin e Gyasuddin Shah.  Foi erguida o reinado de Pratap Malla, cujo reinado foi marcado por grandes obras e construções (GIUSEPPE, 1799). A construção da mesquita foi impulsionada pelo fluxo migratório de muçulmanos da Caxemira, que fugiam ao Nepal para escapar da perseguição de nacionalistas xivaístas da Caxemira e daí a referência aos caxemires em seu nome. O cemitério de Hazrat Mahal ainda está preservado no lado sul da mesquita.

Prithvi Narayan Shah (1723 – 1775), unificador do Nepal, tinha boas relações com a comunidade muçulmana nepalesa, que o ajudou no seu esforço e, assim, ganhou seu favor.

Os muçulmanos também foram relevantes na unificação do Nepal durante o reinado de Prithvi Narayan Shah (1723 – 1775), o último monarca do Reino de Gorkha e primeiro rei do Nepal unificado. Na sua época, o Nepal era dividido em 5 reinos e, em suas campanhas militares, os muçulmanos foram hábeis e leias responsáveis pelo fabrico de arma e logística de batalha (SHIMKHADA, 2022). Este evento fez com que Rajendra Bikram Shah (1813 - 1881) concedesse uma condecoração à comunidade islâmica: o selo vermelho (ibid). Rajendra, que foi o último governante anterior à dinastia Rana, transmitiu o legado de reconhecimento da contribuição islâmica ao país, pois a partir de Bir Shumsher Jung Bahadur Rana (1852 - 1901), o governo passou a publicar seus editos também em urdu e persa, os idiomas utilizados pela maioria dos muçulmanos nepaleses, principalmente na cultura, conforme é notado no campo da música, que fez surgir no Nepal a excursão de diversos músicos indianos muçulmanos que alcançaram sucesso no Nepal, como Inayat Hussain Khan (1849 – 1909) e Ghagge Nazir Khan (1850 - 1920) (BOOTH, 2013).

Neste mesmo período, os muçulmanos da Índia também migraram para o vale de Kathmandu e receberam um lugar chamado "Khi Gal". A intervenção no setor educacional durante o período Rana também teve impacto nas madraças. Naquela época, os filhos e filhas do povo nepalês não-muçulmano não sabiam ler, enquanto os mais abastados eram enviados para estudar em Calcutá, na Índia. Nesta época, a dinastia Rana permitiu a abertura de centenas de madraças, que aumentaram a alfabetização de muçulmanos e não-muçulmanos.

Entretanto, este rico intercâmbio e influência foram abalados pelas ações colonizadoras britânicas: depois de serem derrotados pelos lutadores pela liberdade da Índia e forçados a deixar a Índia, os britânicos conseguiram dividir a Índia em três partes em nome das castas e da religião, em conluio com os oponentes dos muçulmanos na Índia, principalmente sob a influência de Jawaharlal Nehru (1889 - 1964), político e estadista nacionalista hindu. Os britânicos e seus antigos inimigos hindus, isto é, os nacionalistas que lutavam contra a colonização, temiam que, se deixassem a Índia sob influência islâmica, para eles isso seria uma grande ameaça futura, principalmente pelo padrão mais elevado de educação da população muçulmana. Para evitar isto, as madraças passaram a ser banidas sob vários pretextos.

Os nacionalistas hindus começaram a apagar a história dos muçulmanos que viviam no Nepal há muito tempo. Estes eventos levaram a uma crescente perseguição e preconceito aos muçulmanos nepaleses, que passaram a enfrentar não só o rígido sistema de castas da região como os próprios nacionalistas hindus (DASTIDER, 2000), para conseguir sobreviver e crescer. Pois apesar desta presença de longa data, o Islã é uma religião minoritária no Nepal, representando uma pequena porcentagem da população do país: segundo dados da National Muslim Commission levantados em 2018, perfazem 21,866, cerca de 1% da população.

Procissão de Mawlid an-Nabawi, aniversário do Profeta Muhammad em Bhairahawa, Nepal.

Entretanto, dados do censo nacional de 2021 apontam que os muçulmanos constituem 4,4% da população nepalesa, concentrada principalmente na região de Terai, e sua população é de maioria sunita. Apesar do baixo número de adeptos, o Islã tem uma presença significativa e contribuiu para aspectos culturais, sociais e econômicos do país. E isto não é apenas histórico, mas atual: segundo uma reportagem do Courrier International, os muçulmanos, embora sem grandes representações no exército e na política, são importantes influências educacionais e também na questão dos direitos das mulheres:

“Segundo Khurshid, estudante da Universidade Tribhuvan em Kirtipur [perto de Kathmandu], quase nenhum muçulmano trabalha no serviço público, exceto três professores em escolas locais e um profissional médico. Nenhum deles foi mais longe no exército ou na polícia. “Mas alguns desempenharam um papel muito ativo na cena política local, observa Nil Saru, um contador local. "E a comunidade também está envolvida no empoderamento e educação das mulheres", diz Shekh Ayub, diretor do jornal mensal Madhur Sandesh. “Existe uma madrasa [escola corânica] que foi aprovada pelo Ministério da Educação, mas sem subsídio público no momento. As duas mesquitas também estão à espera de ajuda estatal.”

Como é recorrente na história islâmica não só do Nepal, mas também em outras regiões, a educação é um ponto chave para o Islam no Nepal. Mesmo com a falta de apoio estatal, madraças como a Aisha Banat já possuem 406 alunas ativas. A nova constituição local, promulgada em 2015, começou a retirar os muçulmanos nepaleses das sombras. Segundo a reportagem “The Muslims of Nepal: Coming out of the shadows”, da Al Jazeera:

A nova constituição do país, que entrou em vigor em 2015, inclui os muçulmanos pela primeira vez, acrescentando-os a uma lista de grupos marginalizados. A constituição também garante uma cota de empregos para os muçulmanos, que atualmente ocupam menos de 1% dos cargos públicos. Muitos muçulmanos estão se sentindo positivos sobre o que o futuro pode trazer. Nepalgunj, que tem a maior população muçulmana de todas as cidades do Nepal, possui uma estação de rádio comunitária muçulmana, escolas e organizações de caridade, todas dirigidas pela comunidade minoritária. Faruqi está otimista com as perspectivas dos muçulmanos no Nepal.”

A história do Islam no Nepal, que é formada pelo vasto intercâmbio cultural e inclusive religioso, como já foi comum não só na história do Nepal, mas na Índia como um todo. O apagamento cultural e as dificuldades podem ser superadas, mas enfrentam atualmente o perigo do nacionalismo hindu. Políticos nacionalistas indianos influentes e líderes religiosos como Shankaracharya Swarupananda Saraswati advogam o fim das cotas para minorias não-hindus. Quanto ao Nepal, o mesmo guru declarou em uma visita junto de autoridades políticas indianas:

“O Nepal já é uma nação hindu em seus princípios, se a Índia também se tornar uma nação hindu, isso dará orgulho a cerca de 1,2 bilhões de hindus espalhados pelo mundo.”

Ao colocar o Nepal como uma nação de princípios exclusivamente hinduístas, os ativistas do nacionalismo hindu buscam apagar não só o legado islâmico no Nepal, como também desejam continuar e ampliar um processo de injustiça social e segregação de uma população que sempre contribuiu para a formação da nação.

Bibliografia:

  • BOOTH, Gregory. More Than Bollywood: Studies in Indian Popular Music. Ed. Oxford University Press, 2013.
  • VERGATI, Art et société au Népal. Ed. A & J Picard, 2005.
  • SIDDIKA, Muslims of Nepal. Ed. ‎Gazala Siddika, 1993.
  • SHIMKHADA, Nepal: Historical Study of a Hindu Kingdom. Ed. Deepak Shimkhada, 2022.
  • Shankaracharya Swaroopanand Saraswati advocates scrapping reservation, The Economic Times.
  • KHALID, Saif. The Muslims of Nepal: Coming out of the shadows.
  • DASTIDER, Muslims of Nepal's Terai, Vol. 35, nº 10, Ed. Economic and Political Weekly, 2000.
  • Nepal: Musulmans, népalais et parfaitement intégrés. Courrier International. 2010.
  • SINGH, Bhupendra. मथुरा पहुंचे नेपाल के पूर्व मुख्य न्यायाधीश: बोले- भारत बने हिंदू राष्ट्र, दुनिया पर पड़ेगा सकारात्मक प्रभाव.
  • GIUSEPPE, Pe. Asiatic Researches: Or, Transactions of the Society Instituted in Bengal, for Inquiring Into the History and Antiquities, the Arts, Sciences, and Literature, of Asia, Volume.