Texto de: Rukshana Qamber

A colonização espanhola da América Latina começou no século XVI. Foi também o período em que a Coroa Espanhola começou a consolidar seu poder após ter derrotado seu principal inimigo interno, os muçulmanos, em 1492. Decretos reais foram emitidos regularmente para proibir muçulmanos e mouriscos1 de ir para as Índias. Consequentemente, a questão da presença islâmica na América Latina não chamou seriamente a atenção dos historiadores. Além disso, os registros da Inquisição renderam poucas informações sobre muçulmanos ou mouriscos na América Latina. Com poucos resquícios de arquivamento a seguir, a pesquisa raramente foi realizada sobre os muçulmanos durante o século após o desembarque de Colombo nas Índias Espanholas. No entanto, a presença muçulmana nas colônias espanholas é uma questão vital que adiciona uma nova dimensão à diversidade das religiões e culturas latino-americanas e à própria história do Islã.

O século XVI foi um período de consolidação do poder político na Península Ibérica, península composta por Espanha e Portugal. Embora o conceito de Estado-nação moderno tenha sido desenvolvido na Europa do século XIX, muitos de seus elementos eram encontrados na Península Ibérica. Neste contexto, o papel da Igreja Católica foi fundamental para dar legitimidade ao estado espanhol em evolução. Juntos, eles unificaram um país que acabava de emergir de uma prolongada guerra contra os muçulmanos da Espanha. A colaboração entre a Coroa e a Igreja era vital para salvaguardar e promover os interesses do estado nascente. Embora às vezes essa colaboração assumisse a forma de uma disputa de poder entre indivíduos, os objetivos gerais permaneceram os mesmos: purgar o país de seus inimigos internos em potencial, especialmente os não católicos, por meio do aparato da Inquisição.

Tidos como inimigos, era cada vez mais imperativo converter os não católicos, instruí-los na fé católica e, se necessário, livrar-se deles, de uma forma ou de outra. Uma das maneiras de se livrar dos muçulmanos e mouriscos era expulsá-los da Espanha, uma política que inadvertidamente levou um bom número deles a desembarcar nas colônias hispano-americanas. A Igreja tentou controlar sua presença nas Américas e estabeleceu vários braços da Inquisição em várias partes da América Latina. O controle exercido pela Igreja acabou levando à eliminação dos muçulmanos nas periferias espanholas.

De 1501 em diante, uma série de leis foram promulgadas na Espanha para controlar o tráfego humano de e para as colônias espanholas a fim de povoá-las com espanhóis e propagar a cultura espanhola, cujo ingrediente principal era a fé católica. Assim, a Coroa proibiu a entrada de muçulmanos, judeus, ciganos e seus descendentes na América.2 Também proibia convertidos ao catolicismo e seus descendentes de ir para as colônias hispano-americanas. Em outras palavras, na perspectiva dos convertidos, sua renúncia à fé foi em vão até mesmo para seus netos no que se refere a obter sua entrada legal nas Américas. A lei também proibia os filhos e netos dos acusados ​​publicamente de apostasia (sanbenitos) e daqueles que haviam sido punidos por praticar heresia segundo a Igreja Católica (reconciliados) de ir para a América. A pena mínima para a violação desta lei foi o confisco da propriedade dos violadores e a humilhação pública.3 Essas leis e decretos se referiam à potencial “poluição” islâmica na Espanha do século XVI e em suas colônias americanas. As exceções provaram a regra da exclusividade católica e, quando o imperador concedeu autorizações para viagens às Índias a alguns muçulmanos convertidos ao cristianismo, como parte do contingente doméstico de seus senhores, isso não diminuiu o estabelecimento oficial da pureza católica nas colônias espanholas na América.4

É, portanto, evidente que mesmo as pessoas legalmente de ascendência muçulmana poderiam ir para as colônias hispano-americanas sob a dispensa real feita para empregados domésticos. Conforme indicavam as licenças, os proprietários deviam assegurar à Coroa que seus escravos praticavam o cristianismo desde os 10 ou 12 anos. Portanto, os convertidos que praticavam secretamente o Islã, ou que simplesmente não pareciam praticar o catolicismo, eram suscetíveis à punição pelos tribunais inquisitoriais. Como a Inquisição possuía um amplo aparato para descobrir apóstatas, seus registros são um lugar óbvio para buscar informações sobre a presença de muçulmanos convertidos ao catolicismo nas colônias hispano-americanas.

Como descobrir um muçulmano disfarçado?

Durante os séculos XV e XVI, o clero espanhol estava geralmente familiarizado com os aspectos teológicos e práticos do Islã. Esse conhecimento demonstra vários fatos: que a compreensão religiosa – em oposição à mera tolerância – era de fato uma marca registrada da Espanha, apesar dos esforços de zelosos teólogos cristãos para apagar todos os vestígios do Islã durante este período. Isso significava que vários teólogos católicos ainda possuíam um bom grau de conhecimento sobre os preceitos fundamentais do Islã.5

Uma atmosfera de compreensão religiosa também permeou muitas partes da sociedade espanhola. Os proprietários feudais das regiões mediterrâneas do país forneceram apoio, proteção e emprego aos muçulmanos da Espanha, ou seja, aos que praticavam abertamente o Islã entre 1492 e 1525, bem como aos mouriscos e seus descendentes durante o período de 1526-1614. Claramente, a coexistência pacífica ou convivência prevalecia em partes da Espanha e muitos senhores cristãos protegiam seus subalternos muçulmanos. Por exemplo, os grandes proprietários de terras da província de Valência em 1526 pagaram 50.000 ducados ao estado espanhol livrar da perseguição para seus vassalos muçulmanos.6 Os proprietários de terras, por sua vez, foram impelidos a proteger seus trabalhadores muçulmanos porque garantiam a prosperidade e a sobrevivência econômica dos donos das terras. Um ditado comum entre esses proprietários era que “mientras más Moros más ganancia” ou quanto maior [o número de] muçulmanos, maior o lucro.7

O emergente estado Espanhol e uma quantia de teólogos Católicos, entretanto, viam a presença do Islã na península com suspeitas. Por alguns períodos encontramos a coexistência pacífica de um lado, mas por outro, o exercício de uma pressão veemente e esforços contínuos em converter os Muçulmanos para o Catolicismo. Essa situação gradualmente aumentou uma severa intolerância católica contra todos os outros credos durante o século XVI. Após emitir o Decreto de Janeiro de 1526, a Coroa realizou esforços enérgicos para converter forçadamente todos os Muçulmanos que restavam para o Catolicismo. A severidade desse decreto significou que em 1526, a maioria dos muçulmanos haviam se convertido ao catolicismo.  Os musulmanes/morros ou Muçulmanos da Espanha foram gradualmente transformados de Muçulmanos para Mudejáres (isso é, os Muçulmanos vivendo sob governo cristão). Depois de 1526, os Mudejáres, todos haviam formalmente se tornado mouriscos, e eram assim identificados até o começo do século XVII quando os Católicos se tornaram o único grupo reconhecido na Espanha.

No entanto, a Igreja não ficou satisfeita com esta conversão formal. Ele sabia que, embora as pessoas se convertessem sob coação, elas continuavam a não praticar a nova fé ou a se apegar às suas crenças religiosas anteriores. Às vezes, os novos convertidos persistiam em suas práticas muçulmanas como forma de resistência, mas muitas vezes eles não praticavam a nova fé apenas porque não eram bem versados ​​na teologia, ritos ou práticas cristãs. O próprio Edito de 1525 reconheceu essa falha no esforço de conversão. Ele afirmava:

Tendo conseguido durante muito tempo a conversão dos mouriscos destas terras, e tendo executado diversas penas pelo Santo Ofício da Santa Inquisição, e tendo concedido muitos Editos de Graça, não omitindo os de temor, ou diligência para instruí-los em nossa Santa Fé, [não fomos] capazes de obter o fruto desejado [desses esforços]. Ninguém foi convertido por causa de sua obstinação e do perigo que tem ameaçado nossas Terras. [Para] mantê-los nestas [terras], somos representados por pessoas muito sábias e tementes a Deus, às quais seria oportuno remediar brevemente… 8

Essas pessoas “muito sábias e tementes a Deus” tentaram instruir adequadamente os muçulmanos que se converteram à fé católica por meios como fornecer educação religiosa adequada às crianças em árabe, a língua com a qual estavam familiarizados. Em 12 de dezembro de 1564, os prelados da Espanha reuniram-se em Madri para buscar uma solução para o que era visto como “o problema Mourisco”. O então recém-nomeado Arcebispo de Valência, Martín de Ayala, afirmou que pretende levar a cabo na sua diocese a formação adequada das crianças mouriscas na fé católica. Ele também defendeu o uso da língua árabe para ensinar teologia e rituais cristãos. Em 1566 editou em Valência a Doutrina Christiana en lengua aráviga y castellana (“Doutrina cristã nas línguas árabe e castelhana”). O efeito do tratamento humanizado dado a esses muçulmanos convertidos ao catolicismo foi que, dois anos depois, quando ocorreu o grande levante muçulmano nas montanhas de Granada, ocorreram apenas duas pequenas rebeliões no estado de Valência.9 Não obstante, o pensamento geral da Igreja que se desenvolveu em Madri foi recorrer a medidas severas para transformar esses convertidos em cristãos convictos.

A repressão desses conversos foi realizada com diligência, especialmente em Granada, e o resultado foi a rebelião de 1568–1570 nas montanhas Alpujarra. Os Mouriscos de Granada, em contraste com os de Valência, enfrentaram a dispersão e em 1570 mais de 80.000 deles foram enviados a várias partes da Velha Castela, dando início ao que foi denominado “um processo de perpétuo movimento”.10 No entanto, em retrospectiva histórica, a dispersão desses convertidos do Islã parece ter sido uma “opção suave” em contraste com as alternativas sugeridas. O debate que engendrou incluiu propostas que vão desde a expulsão até as “opções difíceis” de castração e extermínio.

A “opção suave” continuou a ser defendida por alguns membros da Igreja e em 1582 a Inquisição defendeu que “os mouriscos eram, afinal, espanhóis como nós”.11 Além disso, alguns clérigos renovaram seus esforços para instruir os novos conversos a se tornarem bons cristãos. Alguns bispos reconheceram que havia muçulmanos em suas congregações que haviam se convertido apenas formalmente ao cristianismo, mas não tinham um conhecimento profundo de sua nova fé. Para corrigir essa situação, em 1599 a Igreja publicou instruções para educar os mouriscos sobre a doutrina e prática cristãs, chamadas Catecismo para instrucción de los nuevamente convertidos de moros ou “Catecismo para a Instrução dos muçulmanos recém-convertidos”.12

Claramente, a Igreja combinou uma abordagem de vara com uma cenoura pendurada para tornar melhores cristãos seus novos convertidos. O método da cenoura compreendia a educação na nova fé, e o método da vara significava o uso da Inquisição. Consequentemente, o espaço para a diversidade religiosa na Espanha diminuiu rapidamente no final do século XVI e no início do século XVII. Com o passar do tempo, o impulso da Inquisição para desenterrar e punir a heresia e a apostasia tornou-se mais rigoroso. Por exemplo, a Inquisição encorajou as pessoas a relatarem suas suspeitas sobre as práticas não católicas de seus vizinhos, e aqueles que não realizaram tal espionagem foram punidos.13 Algumas dessas práticas supostamente não cristãs incluíam o uso de roupas finas ao andar nas ruas ou em passeios, especialmente aquelas feitas de seda.14 Na Espanha, a aversão entre os cristãos ao uso de seda era notável porque os muçulmanos, e especialmente os mouriscos durante o século XVI, eram famosos pela excelente seda que produziam. A sericultura era uma indústria muito importante na província de Valência e em outras áreas do sul da Espanha onde os mouriscos formaram comunidades importantes.

A fim de enraizar o dogma e a prática cristã entre os muçulmanos recém-convertidos da Espanha, frequentar a Igreja tornou-se obrigatório junto com a participação em festivais religiosos. A proliferação de festas fez com que quase todos os dias do ano fossem dedicados a um santo, e sua comemoração assumiu, portanto, um enorme significado: quem não festejava esses eventos públicos se destacava e era notado pela inquisição sempre vigilante. Além disso, a Igreja periodicamente emitia instruções para identificar pessoas que continuassem sendo muçulmanas privadamente. Essas instruções foram reeditadas anualmente durante as celebrações da Páscoa. 16

A partir do século XVI, a Páscoa assumiu uma importância primordial, durante a qual as pessoas de cidades e vilarejos inteiros tornaram-se “atores” no desfile da crucificação. A reconstituição das Cruzadas também fez parte do desfile de Páscoa chamado “Moros y cristianos”, ou muçulmanos e cristãos. Neste espetáculo, muitas pessoas se ofereceram para representar os coloridos “Moros” ao invés dos antiquados cristãos. A razão fascinante para a popularidade contínua desse papel, especialmente na América Latina, é que as pessoas tendem a recuperar suas identidades pré-Conquista por meio de seus trajes variados.17

Os dias dos santos e outros festivais eram ainda celebrados com comidas especiais, como os pães doces que quase invariavelmente eram preparados com banha. Assim, foi relativamente fácil detectar pessoas, especialmente crianças, que não comeriam essas ofertas atraentes, já que a Igreja aparentemente usou a doutrina: “Nós somos o que comemos” para a descoberta do que Luís Cardiallac chama de Cripto-Muçulmanos da Espanha durante o século XVI em diante.18 Outros mecanismos de controle social consistiam no relato de ausências de iconografia cristã nas residências. Por exemplo, a Inquisição acusou as pessoas de serem heréticas, alegando que elas não tinham em seus quartos a cruz, as estátuas da Mãe e do Filho ou outros símbolos cristãos. Além disso, os muçulmanos se banhavam com muito mais frequência do que os cristãos, principalmente nas quintas-feiras à noite ou nas sextas-feiras de manhã, e secretamente observavam o Ramadã. Estes foram considerados indicadores de sua identidade muçulmana.

A conversão e a doutrinação cristã foram reforçadas pelo medo da Inquisição. Entre 1560 e 1614, os casos contra os mouriscos nos julgamentos da Inquisição no leste da Espanha constituíram 73,2% do total, em Saragoça a porcentagem foi de 57% e em Granada 40%. Os apóstatas e não-crentes no dogma católico não podiam esconder sua falta de religiosidade e nas áreas outrora de maioria muçulmana da Espanha, “a pedagogia do medo assumiu um rosto mourisco”.

A severidade da lei impressionou os muçulmanos com a necessidade urgente de se converter ao catolicismo, de ocultar completamente suas crenças religiosas internas ou de fugir da Espanha. Embora em 1525 a conversão forçada tenha ocorrido e os muçulmanos granadinos convertidos ao catolicismo tenham se dispersado para a Velha Castela, todo o corpo de muçulmanos convertidos ao catolicismo não foi definitivamente expulso da Espanha até o Édito de 22 de setembro de 1609. Depois disso, os últimos bastiões restantes de muçulmanos na Espanha desapareceram de Valência em 1614. Durante o período de 1609 a 1614, mais de meio milhão de muçulmanos deixaram a Espanha.20

Os ulemás muçulmanos emitiram pronunciamentos (fatwas) que permitiam aos muçulmanos da Espanha o uso de total flexibilidade para aderir ao credo muçulmano. A observância até mesmo dos princípios “básicos”, como foi indicado, poderia ser suspensa a fim de salvar o maior dom concedido por Deus, a vida humana.21 Na Espanha, essas fatwas permitiram que os muçulmanos garantissem sua sobrevivência praticando a taqiyyah e kitman, o que significa discrição e ocultação ao invés da observância pública de dogmas e ritos. A Taqiyyah é permitida ao muçulmano que vive isolado em um meio altamente hostil. Em tais circunstâncias adversas, o muçulmano pode adotar a profissão pública e a prática de uma fé imposta, desde que a fé no Islã seja mantida no coração.22 A mera intenção de um muçulmano de permanecer crente é suficiente para ser considerado como tal por Deus. Talvez seja essa forma de pensar a favor da dissimulação ou taqiyyah que deu origem ao ditado comum nas Américas para pessoas de todas as categorias, especialmente na burocracia crioula: “obedezco pero no cumplo” – obedeço, mas não concordo.

Os muçulmanos espanhóis podiam resistir ou viver clandestinamente, mas o reconhecimento também deve ser concedido à grande rota de fuga que se abriu em 1492 com a queda de Granada: a rota para as Américas.23 Além disso, durante o início do período colonial, a principal preocupação da Coroa era reduzir e eliminar os enormes custos que estava incorrendo no projeto de colonização. Na verdade, as exigências econômicas e práticas deveriam permanecer em justaposição às considerações religiosas, ideológicas e outras ao longo da colonização espanhola das Américas. Portanto, durante as primeiras duas décadas após 1492, a Espanha permitiu que qualquer um que quisesse ir às colônias o fizesse a fim de estabelecer a soberania espanhola. Nem a religião, nem a raça, nem mesmo a nacionalidade do imigrante tiveram importância primordial para os esforços da Coroa e da Igreja Espanhola para consolidar o controle político das colônias hispano-americanas. A Coroa também encorajou e até patrocinou a presença de mulheres na América para reconstruir sua própria ordem social.

Assim, a história oficial de permitir que apenas católicos fossem às colônias deve ser considerada, tendo em mente as seguintes ressalvas: (1) Na Espanha, logo após a queda de Granada, foi dada sanção religiosa, por meio de fatwas, para permitir aos muçulmanos valer-se da taqiyyah, ou seja, a profissão pública e prática do catolicismo e a fidelidade privada ao Islã. (2) Prevaleceu na América espanhola o credo obedezco pero no cumplo. A burocracia Crioula, em particular, reconheceu a futilidade de numerosas leis e decretos irrelevantes emitidos em Madri e considerou esse credo muito útil para manter a lealdade à Coroa Espanhola e a autonomia para assuntos locais. (3) A resistência e a existência clandestina podiam ser, e foram, mantidas pelos muçulmanos espanhóis e estes foram estimulados por seus simpatizantes cristãos, como os senhores feudais, porém uma atraente válvula de escape também foi aberta para a América em 1492.24 (4) Além disso, durante o período colonial inicial, a principal preocupação da Coroa era reduzir e eliminar os enormes custos do projeto de colonização. Portanto, encorajou as pessoas – qualquer tipo de pessoa – a ir para as novas colônias.25 Em meados do século XVI, a Coroa voltou atrás desse pensamento e proibiu categoricamente os não católicos de irem às Índias Espanholas.

Restrições contra muçulmanos nas Índias

 Ao longo do século XVI, a Espanha percebeu ameaças políticas e militares de suas minorias religiosas e, especialmente, de muçulmanos nos países vizinhos. Os levantes muçulmanos de 1499 e 1568-1570 reforçaram esse pensamento. Além disso, os espanhóis também sentiram que enfrentavam ameaças constantes dos corsários otomanos e berberes. Assim, eles perceberam que eram confrontados com a ameaça muçulmana tanto de dentro como de fora. Além disso, em vista do grande medo do Islã atrair novos convertidos, todos os muçulmanos que se declarassem como tais, ou mouriscos, escravos ou livres, foram rotulados como pessoas proibidas de ir ou residir nas colônias hispano-americanas. Essas interdições foram inicialmente decretadas contra aqueles que eram abertamente muçulmanos, mas também foram posteriormente estendidas para incluir os mouriscos. Isso porque a Igreja considerava os mouriscos praticantes clandestinos do Islã e, quando foi descoberto que o praticavam nas Índias Espanholas, a Inquisição os puniu severamente. Embora o que está sendo listado abaixo não seja uma coletânea exaustiva dos decretos, essas reales cédulas ou ordens reais mostram que os muçulmanos foram especialmente alvos de exclusão e expulsão do assentamento nas colônias espanholas:

 • A preocupação em 1501 parece ter sido com a presença na América de muçulmanos livres ou muçulmanos convertidos ao cristianismo: “Não consinta ou forneça espaço para que possa ir [para as Índias] muçulmanos ou judeus, ou hereges, ou os reconciliados ou pessoas recém-convertidas à nossa fé”.26

• Duas ordens foram emitidas contra o uso de seda e brocados nas Índias no ano de 1509. Como a seda era principalmente produzida e usada por mouriscos e, em particular, a cobertura de seda da cabeça de mulheres muçulmanas foi proibida, essas ordens equivaleram à proibição da cultura muçulmana.27

• Os descendentes das pessoas queimadas na fogueira foram proibidos de ir para as Índias.28

• Em 15 de fevereiro de 1530, a Coroa emitiu uma ordem em Madrid para proibir a ida para as Índias de todos os escravos que fossem “berberes, da casta dos muçulmanos ou judeus de sangue mestiço”.29

• Em 14 de abril de 1540, o imperador ordenou que “os escravos e escravas que eram berberes e os recém-convertidos muçulmanos e seus filhos… devem ser expulsos da ilha ou da província onde [se encontram] e sejam enviados a essas terras, [isto é, terras peninsulares] pelos primeiros navios que chegarem.”30

• Uma Ordem Real de expulsão de 14 de agosto de 1543 foi dirigida aos presidentes e juízes das Audiências e a outros juízes das Índias ordenando-lhes que procurassem e expulsassem dos referidos territórios os escravos berberes ou mouros e os enviassem de volta às terras peninsulares.31

• Um decreto foi emitido em 1551, segundo o qual todos os escravos – negros, pardos, mulatos, mouriscos e berberes – foram obrigados a aquietar-se e servir a seus senhores.32

• Em 1552, porém, a Casa do Comércio (la Casa de la Contratación) proibiu a entrada nas Índias de escravos berberes da casta dos muçulmanos, ou judeus, ou mulatos. A pessoa que os apresentasse incorreria em uma multa de mil pesos.33

• A Ordem Real de 17 de junho de 1559 foi dirigida aos funcionários do Peru informando-os do grande perigo representado pelos turcos.34

• Novamente em 13 de julho de 1559 uma Ordem Real foi enviada aos Arcebispos de Santo Domingo, México e Lima, encarregando-os do dever de informar-se sobre os luteranos, muçulmanos e judeus em suas dioceses, para puni-los e obrigá-los a retornar a essas terras [isto é, Espanha].35

• A Ordem Real de 24 de fevereiro de 1561 usou a nova linguagem para declarar que uma autorização de viagem estava sendo emitida para uma mulher mulata ser transportada para as Índias, desde que ela não fosse muçulmana nem judia.36

• Restrições contra muçulmanos e mouriscos estendiam ao campo da cultura. Isso é evidenciado pelo fato de que instruções foram enviadas a Manila – que estava sob a jurisdição da Inquisição do México – em 28 de abril de 1587 que era proibido “casar essas mulheres à sua maneira, usar suas roupas, comida, bebidas ou [observar] outros ritos e cerimônias.”37

• Em 20 de março de 1596 o rei Filipe II da Espanha enviou instruções a Gaspar de Zuñiga, vice-rei da Nova Espanha (México) para a evangelização entre os índios. Afirmou que o vice-rei devia garantir que os indígenas não entrassem em contato com os mouriscos. O rei também ordenou que esforços diligentes fossem feitos para descobrir quaisquer mouriscos que pudessem ter ido para a Nova Espanha e “para garantir que ninguém permaneça lá por qualquer motivo”.38

• Em 1696, Francisco Castellanos foi injustamente acusado de ser mourisco. As autoridades da Coroa aceitaram então que o termo Mourisco havia assumido outro significado no México e refletia a cor da pele ao invés de crenças religiosas. Daí em diante, os mouriscos seriam chamados de Moriscos de la secta de Mahoma, ou muçulmanos convertidos da seita de Muhammad.

• Em 27 de julho de 1700, as autoridades da Coroa elaboraram mais detalhes sobre a diferenciação dos mouriscos dos nativos do México.

Essas restrições eram dirigidas não apenas contra a doutrina e o ritual islâmico, mas também contra as práticas mouriscas. A Inquisição espanhola estava totalmente ciente da importância da prática dos rituais islâmicos centrais e das expressões periféricas da cultura islâmica. Obviamente, viu que tanto o ritual quanto a cultura eram essenciais para a sobrevivência da fé e de fato ajudaram a reforçar sua prática. Consequentemente, a Inquisição erradicou totalmente todas essas práticas, literalmente queimando até a morte as pessoas que as observavam e incendiando os livros que estavam remotamente associados ao Islã na Espanha.39

Como é comum na maioria das expressões culturais, o ônus de leva-las adiante recai, em última instância, sobre as mulheres. No caso das práticas islâmicas ao longo dos tempos, um dos principais campos de batalha era frequentemente o corpo da mulher muçulmana, especialmente na maneira como se vestia, e no caso dos mouriscos não era diferente. Em 1529 o Arcebispo Avalos de Granada informou a Imperatriz Isabel sobre a situação em Granada, e ela afirmou:

Tome cuidado especial com o que eles preservam – exceto no que se refere às almaslafas, as vestimentas típicas do vestido feminino Mourisco – porque este, o Rei, meu Senhor, por alguns motivos justos ordenou que fossem supervisionados.40

Para esclarecer, a Rainha era mais rígida em relação à religião do que o Rei e por isso queria saber a que costumes os mouriscos se apegavam, mas o Rei já havia permitido que as mulheres Mouriscas usassem suas roupas típicas, embora sob a condição de “supervisão oficial.” Essas restrições contra as roupas mouriscas tinham precedentes: em 1508, o Rei da Espanha, enquanto estava em Burgos, emitiu uma cláusula contra as roupas dos Mouriscos.41 Os funcionários que viam o confronto cristão-muçulmano em termos relativamente moderados consideraram as restrições ao uso de vestimentas tradicionais injustas. A este respeito, o apelo feito em 1514 por roupas de estilo árabe pelo conde de Tendilla pode ser lembrado, quando ele apontou que a vestimenta mourisca era um traje tradicional espanhol e não roupa estrangeira. O apelo mais memorável para as roupas e costumes dos mouriscos (danças, língua, etc.) foi o de Don Francisco Núñez Muley, um muçulmano convertido ao catolicismo, que defendeu sua causa em 1567 na Audiência de Granada. Desnecessário dizer que ele não teve sucesso.42

A luta pelo direito de continuar usando roupas muçulmanas na Espanha também foi travada pelos próprios muçulmanos. Eles tentaram negociar esse direito com o rei da mesma forma que haviam negociado o direito de continuar sendo muçulmanos praticantes: pelo pagamento de uma taxa, um eufemismo para suborno. Em 1517, os alfaiates e comerciantes mouriscos de Granada exploraram a possibilidade de oferecer 80.000 ducados para continuar a usar suas roupas tradicionais. Eles esperaram até que o rei os visitasse em 1518 e ofereceram-lhe a possibilidade de uma vantagem pecuniária se ele permitisse que continuassem a usar o estilo de roupa que sempre usaram.43 Os alfaiates de Granada tiveram êxito em suas negociações. Por um “favor” de 21.000 ducados, o rei da Espanha revogou a proibição das vestes tradicionais de seus súditos muçulmanos. As negociações de 1518 continuaram válidas durante os oito anos seguintes. Os muçulmanos de Granada conseguiram inicialmente manter intacta sua religião e quase toda a sua cultura após a derrota política em 1492. Em 1526, como já visto, as promessas reais de 1492 foram revogadas e todos os muçulmanos da Espanha tiveram que se converter ao cristianismo, ainda assim, eles continuaram a negociar pelo direito de manter sua cultura, uma parte importante da qual era o direito de usar seu próprio estilo de roupa. Mais uma vez, em 1526, eles pagaram 80.000 ducados e tiveram sucesso em obter a extensão do relaxamento de implementar a proibição de suas vestes.44 Assim, ao longo do século XVI, os convertidos do Islã na Espanha, sempre que possível, continuaram a se vestir como sempre se vestiram. Os livros contemporâneos com ilustrações refletem essa tradição e, em particular, a vestimenta feminina chamou a atenção das pessoas que fizeram os desenhos.45

Quando essas mulheres foram para as colônias hispano-americanas durante os séculos XVI e XVII, continuaram a refletir essa tradição em seus padrões de vestimenta.

As considerações econômicas desempenharam um papel vital na busca de uma política repressiva em relação aos muçulmanos da Espanha. Da mesma forma, durante o início da fase de colonização logo após 1500, a Coroa Espanhola estava tão desesperada para “povoar” os territórios americanos recém-conquistados que permitiu que mouriscos fossem levados lá como escravos, de preferência se fossem criados na casa de seus Proprietários. Alguns desses muçulmanos foram descobertos pela Inquisição nas Américas e tiveram que passar pelo complexo processo de extração de informações e punição por estarem sob suspeita de heresia e apostasia.46

Terminologia Inquisitorial do Século XVI

Uma lista selecionada de termos inquisitoriais e o significado especial de algumas outras palavras que estavam em uso é fornecida a seguir para servir a um propósito triplo. Um, esses termos explicam a hierarquia e as funções dos principais detentores de cargos da Inquisição Espanhola. Segundo, as explicações ajudam a compreender os procedimentos dos julgamentos da Inquisição na América Latina colonial. Três, alguns dos termos que estavam em uso durante o século XVI e especialmente na Inquisição espanhola mais tarde se tornaram redundantes ou cujo significado mudou drasticamente com o tempo. Esses termos, portanto, fornecem uma visão sobre as formas de pensar do século XVI e, consequentemente, fornecem-nos um meio de voltar no tempo. Esses significados arcaicos são atribuídos a palavras como infecção, mancha, poluição e medo.

Iremos agora ponderar sobre o significado de alguns dos termos mais importantes usados ​​em conjunto com a Inquisição.

Alguacil: Meirinho. Suas principais funções eram prender os prisioneiros e escoltá-los da prisão ao tribunal. Havia também alguacils seculares.

Apóstata: uma pessoa que subverte a teologia do catolicismo após receber o batismo. Em outras palavras, um apóstata é aquele que desiste de acreditar na religião. Pode ser esclarecido que durante os períodos medieval e moderno na Europa, a acusação de apostasia só poderia ser levantada contra os cristãos batizados. Muçulmanos e seguidores de outras religiões foram protegidos contra a investigação inquisitorial porque acreditavam em sua própria religião. Este é um fato significativo na história espanhola, pois a conversão forçada foi instituída em diferentes momentos em suas várias partes: em 1499 em Granada, em 1501 em Castela, em 1525 em Valência, etc.

Audiencia: Comparecimento do acusado nas audiências do tribunal da Inquisição. Haviam três dessas audiências dadas ao acusado. Seu planejamento era realizado pelos juízes da Inquisição e, dadas suas inúmeras outras funções, as audiências podiam ser realizadas com vários anos de intervalo. No entanto, se o preso solicitasse audiência, esta era concedida imediatamente, antes que ele mudasse de ideia. Diante do medo gerado por uma audiência, a maioria dos presos preferiu ser convocados. Os tribunais tinham um aspecto sombrio e intimidante e o acusado tinha de permanecer de pé durante a audiência. As testemunhas podiam ver e identificar o acusado sem serem visíveis para ele ou ela. Todo o processo foi concebido para inspirar medo no prisioneiro acusado.

Auto de Fé: Literalmente, um ato judicial de fé, cumpriu a exigência da Inquisição de que as pessoas condenadas confessassem publicamente não serem católicas. Era um grande evento público, celebrado com muita pompa e espetáculo e realizado na praça principal. Frequentemente, as pessoas eram obrigadas a se vestir de uma maneira que representasse o crime que cometeram. Para citar alguns casos, os acusados ​​de sodomia usavam peruca, um grande babado de renda e cosméticos faciais, e as camisas dos bígamos estavam marcadas com o sinal de múltiplos casamentos.47

Blasfêmia: Falar contra a religião católica.

Comulgar: Receber a sagrada Eucaristia ou os sacramentos. Consiste no consumo ritual do pão e do vinho, representando respectivamente o corpo e o sangue de Cristo.

Coroza: O chapéu cônico usado pelos penitentes, mas não deve ser confundido com um chapéu semelhante usado pelos bispos. Às vezes, a coroza era pintada com representações do pecado cometido.48

Penalidades econômicas: A pena inquisitorial básica era uma multa econômica pesada. Também era bastante comum que os tribunais inquisitoriais decretassem o confisco de todos os bens pertencentes a uma pessoa. Os condenados à morte por queima na fogueira também deveriam cumprir essa parte da sentença. A Inquisição obteve muitas receitas em dinheiro por meio de multas, confiscos, etc. 49

Medo versus ódio: O procedimento da Inquisição baseava-se na obtenção da confissão por meio do sigilo e do medo.50 No entanto, também admoestou seus funcionários a “proceder com toda a temperança e brandura e com muita consideração, porque assim… a Inquisição seria muito temida e respeitada, e não daria ocasião para que… fosse odiada.”51 Claramente, o medo da autoridade foi visto de forma positiva, enquanto o ódio foi percebido como tendo um impacto negativo no funcionamento da autoridade. O Manual de los Inquisidores (O Manual dos Inquisidores) fornece instruções explícitas sobre como aterrorizar o acusado que teve que ser submetido a um julgamento na Inquisição.52

Heresia ou Herejías: Desviar-se da religião. A Igreja considerou a heresia como uma escolha consciente de seguir um dogma religioso [fora da ortodoxia cristã, aparentemente pelo texto]; portanto, os hereges estavam sujeitos à punição. A heresia tornou-se um grande problema e, eventualmente, a vasta maioria dos julgamentos da Inquisição foi realizada pela prática da heresia. As heresias eram de vários tipos, incluindo paganismo, superstição e bruxaria. A heresia mais comum era a bruxaria e a realização de práticas supersticiosas. Antes da criação da Inquisição em 1236, os hereges eram perseguidos pela autoridade civil. As autoridades confiscavam suas propriedades, os marcavam no rosto e os exilavam.

Inquisição: Tribunais especializados administrados diretamente pelo Vaticano, exceto na Espanha, onde estava sob a Coroa. A Inquisição Espanhola foi fundada em 1480. Era principalmente contra os judeus, não os hereges cristãos ou os convertidos do islamismo ao cristianismo. A Inquisição Espanhola atingiu o seu ponto mais severo durante os primeiros 20 anos, quando dois terços dos julgados foram mortos.53 Gradualmente, a Inquisição estendeu sua jurisdição a questões seculares como sodomia, usura e bigamia, ou seja, questões materiais que nada tinham a ver com heresia.54 Havia três juízes em um tribunal inquisitorial.

Limpieza de sangre: Literalmente, pureza de sangue. A Inquisição acabou estabelecendo genealogias precisas e as colocou em seus arquivos que eram atualizados e secretos, tornando-se a única autoridade a conceder esse certificado.55 O certificado era necessário para o ingresso nas ordens religiosas ou na universidade e para o exercício de cargos públicos. Aos que buscavam esse certificado, foi cobrada uma taxa que se tornou uma importante fonte de renda inquisitorial.

Cristãos velhos e novos: Os cristãos velhos e “bons” possuíam o certificado de pureza de sangue. Os cristãos novos eram convertidos ou descendentes de convertidos ao catolicismo. De acordo com a Coroa e a Igreja Espanhola, sua relativamente recente introdução na fé os tornou imperfeitos e “maus” praticantes dos ritos católicos.

Penitente: Pessoas que se arrependeram de seus pecados perante a Inquisição. O penitente usava o sanbenito, a veste prescrita contendo os símbolos do crime ou pecado pintados nele. Normalmente, era para ser usado na igreja principal da cidade onde o criminoso residia e em dias festivos. Para evitar a vergonha pública, pessoas importantes usavam o sanbenito nas instalações da Inquisição. Na igreja, os penitentes eram obrigados a carregar velas na cabeça, mãos e pés e ajoelhar-se em frente ao altar. Na penitência pública, o penitente tornou-se objeto de difamação pública. 56

Poluição: Contato com ideias contrárias à fé católica.57

Prisões: A estrutura organizacional da Inquisição incluía prisões, onde os acusados ​​eram mantidos até o julgamento e onde poderiam ser torturados para extrair confissão. Muitas vezes as prisões da Inquisição eram os alcazares, ou prisões reais. Eram muito melhores do que as prisões comuns.58

Pessoas proibidas: na América Latina, eram judeus e muçulmanos durante o início da era colonial. Em meados do século XVI, os luteranos foram adicionados à lista. Posteriormente, ciganos e advogados foram incluídos entre as pessoas proibidas de entrar e se estabelecer nas colônias hispano-americanas. As pessoas não estritamente proibidas, mas desencorajadas de ir para essas colônias, incluíam homens e mulheres solteiros, que foram instados a se casar em breve ou a enfrentar penalidades econômicas. Isso porque o Estado espanhol considerava os solteiros uma ameaça à paz pública.

Proposições: a maior e talvez a mais importante categoria de ofensas tratadas pela Inquisição durante os séculos XVI e XVII era aquela abrangida pelo termo “proposições”. Uma “proposição” era uma ofensa verbal, mas os inquisidores estavam menos preocupados com as palavras do que com sua intenção, com o perigo implícito para a fé e a moral.

Vergonha pública ou vergüenza pública: Usar o sanbenito e a coroza e desfilar na cidade, geralmente montado em um asno.

Recluso: Um devoto religioso que vive fechado sozinho em uma cela de mosteiro.

Reconciliar: fazer uma breve confissão e assim estar novamente em boas relações com a Igreja. Em outras palavras, ser reintegrado ou aceito novamente em sua igreja.

Relaxamento: os tribunais inquisitoriais podem considerar as pessoas culpadas de crimes puníveis com a morte, como apostasia, blasfêmia, etc. Os tribunais inquisitoriais também podiam prender e torturar pessoas para obter confissões, mas não podiam cumprir a sentença de morte, conforme implica a extração de sangue. Para tanto, os acusados ​​foram encaminhados aos tribunais seculares. Esse processo de envio de pessoas consideradas culpadas pela Inquisição aos tribunais seculares foi denominado relaxamento. As pessoas podiam ser “relaxadas” e queimadas pessoalmente e em efígie.

Sanbenito: “O sanbenito, uma forma corrupta das palavras saco bendito, era uma vestimenta penitencial usada na Inquisição medieval e aderido pela espanhola. Geralmente era uma vestimenta amarela com uma ou duas cruzes diagonais impostas sobre ela, e os penitentes eram condenados a usá-la como uma marca de infâmia por qualquer período de alguns meses até a vida toda. Aqueles que deveriam ser relaxados em um auto de fe tinham que usar um sanbenito preto no qual estavam pintadas chamas, demônios e outros objetos decorativos. Qualquer pessoa condenada a usar o sanbenito comum tinha que colocá-lo sempre que saísse de casa … A ordem para usar um sanbenito pelo resto da vida… era invariavelmente comutada para um período muito mais curto, a critério do inquisidor.” Essas vestes foram penduradas na igreja local em perpétua memória.59 As igrejas utilizando o sanbenito exibiam sua piedade e desgraça por terem um número de não-católicos ou apóstatas em sua paróquia. Por vezes, algumas paróquias consideraram o sanbenito um sinal de honra.60

Seita: Refere-se a diferenças religiosas e a palavra é, portanto, um “falso cognato” na língua inglesa, onde seu significado seria mais para “religião”. Por exemplo, dizia-se que os protestantes eram da seita de Martinho Lutero, os judeus eram da seita de Moisés e os muçulmanos pertenciam à seita de Muhammad.

Solicitar: Um padre solicitar um relacionamento amoroso com uma mulher no confessionário. O crime estava sob a jurisdição da Inquisição.

Mancha: O relacionamento familiar com muçulmanos ou mouriscos mancha uma pessoa com a “heresia” do Islã. As linhas a seguir explicam amplamente esse pensamento:

Eu sou um homem

Embora de casta inferior

De sangue puro, e de forma alguma

Manchado por [sangue] hebraico ou muçulmano.61

Tortura: As prisões seculares e inquisitoriais praticavam a tortura. No entanto, o tipo de tortura que faria o prisioneiro sangrar não era permitido e nem a execução da pena de morte pela igreja ou pelas prisões inquisitoriais. Alguns métodos de tortura consistiam em não permitir que o prisioneiro se comunicasse com outros prisioneiros, forçando-os a consumir grandes quantidades de água e esticando-os sobre cavaletes que eram apertados para extrair a confissão.

Testemunhas: As testemunhas convocadas pelo tribunal da Inquisição não eram vistas pelo acusado e seus nomes eram omitidos antes de seu depoimento ser lido para o prisioneiro. O acusado poderia então adivinhar a identidade, repudiar seu depoimento e fornecer esses dados ao seu advogado de defesa.

Pessoas recém-apresentadas aos motivos, terminologia e procedimentos da Inquisição podem acabar ficando totalmente confusas, e citamos um incidente divertido na série atividade de assegurar a hegemonia católica. No início do México colonial, havia uma pessoa reconciliada que usava o sanbenito. A população local achou que era um novo tipo de roupa e um sujeito brilhante achou que os espanhóis o usavam durante a Quaresma. Como se tratava de uma roupa simples, ele copiou e fez melhor do que o original. Satisfeito com sua confecção, o mexicano virou empresário, fez vários sanbenitos lindamente pintados, e saiu pelo México vendendo suas roupas novas aos espanhóis. Ele até inventou o chamado de vendedor em sua própria língua, “ticohuaznequí benito?” que significava na tradução: “você deseja comprar um benito?”62

A Inquisição na América

Um dos principais objetivos da Coroa e da Igreja Espanhola era garantir que as colônias permanecessem intocadas pela presença e influência de não católicos. Para este fim, os bispos nas colônias receberam plenos poderes inquisitoriais em 1532 e realizaram vários Autos de Fé espetaculares. A Inquisição americana foi formalmente anunciada em 1569. Foi estabelecida em Lima e no México em 1571 e em Cartagena em 1610.63 É interessante notar que o Édito de 1492 previa a capitulação política dos muçulmanos ao invés de sua perseguição religiosa.64 Na verdade, o documento de rendição garantia liberdade aos muçulmanos de praticar sua religião e, portanto, compreendia uma separação clara entre política e cultura. No entanto, o bispo Ximénez de Cisnero de Granada discordou do que considerou como negligência do imperador Fernando para com seus novos súditos muçulmanos. Posteriormente, ele convenceu o monarca a impor a conversão aos muçulmanos de Granada e, em geral, a apoiar as políticas da Igreja Católica. Essa congruência da Igreja com o poder do Estado nascente pode ser exemplificada na carta que Bartolomé de Las Casas, célebre na história latino-americana por defender com sucesso os indígenas contra a escravidão, escreveu em 1545, não ao arcebispo, mas ao imperador, no qual suspeitava da ortodoxia de Francisco Marroquín, primeiro bispo da Guatemala, para seus supostos ascendentes mouriscos. A carta afirmava que, “como esta pessoa tem uma linhagem suspeita, suas palavras são ainda mais suspeitas”.65 Assim, a Inquisição no Peru e no México, onde foi criada inicialmente nas colônias hispano-americanas, teve o total apoio da coroa espanhola. A Igreja e a Coroa espanholas coordenaram os esforços para processar os muçulmanos e outros não católicos nos centros do vicariato hispano-americano de Lima, Cartagena e Cidade do México.

Iremos agora tentar descrever como a Inquisição operou no Peru e no México. Isso também lançará alguma luz sobre as condições enfrentadas pelos muçulmanos na América Latina durante o período em estudo.

Peru

Tanto o Peru quanto o México tinham inicialmente inquisidores provisórios. Em Cuzco, em 1560, o prelado-mor da Catedral foi encarregado simultaneamente do Santo Ofício. Este Inquisidor foi responsável por instituir três julgamentos contra mouriscos. O primeiro caso foi o de um arrieiro, Luis Solano, filho do mourisco Juan Solano y de Mencia. Ele havia sido “relaxado” para os tribunais seculares porque admitiu que era “um maometano e propagador de uma religião falsa”. No mesmo dia, 30 de novembro de 1560, Alvaro González, vulgo Hernando Díez, de Hornachos de Castilla, acusado pelo mesmo motivo, foi condenado por ser um feiticeiro e foi relaxado aos tribunais seculares. Ambos forneceram combustível para os incêndios do primeiro Auto de Fé realizado em Lima, Peru. Ao mesmo tempo, Lope de Peña, um mourisco de Guadalajara, foi acusado de ser muçulmano, mas sua vida foi preservada. Ele foi condenado à prisão perpétua e a usar o sanbenito pelo resto da vida.66

Nove anos após o estabelecimento de seus tribunais provisórios, a Inquisição foi formalmente estabelecida no Peru e no México. Quando começou a funcionar em Lima, Peru, em 29 de janeiro de 1571, seu objetivo principal era o de detectar “tudo o que fosse dito ou feito em favor da lei morta de Moisés dos judeus, seus rituais ou da seita perversa de Muhammad, ou a seita de Martinho Lutero e seus seguidores. ”67 Ao longo dos anos, apenas algumas pessoas foram julgadas sob a acusação de serem mouriscas. Dois homens parecem ter sido renegados, mas, depois de obrigá-los a cumprir a abjuração obrigatória, a Inquisição os absolveu.68

A Inquisição tinha uma ordem hierárquica bem estabelecida, mas tinha dificuldade em encontrar pessoas qualificadas para ocupar os vários cargos disponíveis nas colônias. No entanto, foi estendida para além das sedes dos dois vice-reinados principais, México e Lima, e comissões regionais foram criadas no Panamá, Quito, Cuzco, La Plata, Los Charcas, Potosi, Arequipa, Guamango e Puerto de Plata.69 Madrid ordenou um terceiro tribunal inquisitorial completo em 2 de julho de 1609 que foi instalado em Cartagena em 22 de fevereiro de 1610.

A nova sede também tinha jurisdição sobre as Antilhas. A Inquisição afirmou que “como esta cidade [Cartagena] era um porto marítimo e entrada para estrangeiros nesses domínios, ela poderia exercer vigilância contra a chegada de pessoas ou livros infectados com heresia”. O cargo foi encarregado de proteger contra heresias que eram “a Lei de Moisés, a seita de Lutero e a seita de Muhammad”.70 As datas para ordenar e estabelecer a Inquisição colombiana são bastante significativas, lembrando que os mouriscos foram expulsos da Península Ibérica durante os anos de 1609 a 1614. Assim, a persistência do “problema Mourisco” fez com que a Coroa Espanhola estendesse amplamente a Inquisição pelas colônias hispano-americanas.

No entanto, poucas informações estão disponíveis sobre os julgamentos de muçulmanos em Cartagena.

Apesar do estabelecimento relativamente recente da Inquisição colombiana, por volta de 1615 a Inquisição tornou-se “morta funcionalmente” tanto na Espanha quanto em suas colônias. Já havia perdoado os judeus e sua principal tarefa durante o século XVII continuava sendo a descoberta de bruxas e astrólogos sob a acusação de praticar superstições. A escassez de informações históricas sobre os muçulmanos na América Latina também resulta dos incêndios que ocorreram nos arquivos da Inquisição em Lima e Cartagena e destruíram a maior parte de seus registros.71 A tabela abaixo indica o número de julgamentos da Inquisição realizados na Espanha e em suas colônias americanas durante os séculos XVI e XVII.

No Peru, a tabela original mostrava apenas dois casos, entre parênteses, de pessoas sendo julgadas por serem mouriscos. Uma investigação posterior revelou sete casos da Inquisição contra mouriscos ou mohametanos, e a tabela reflete os números corrigidos. No entanto, poucos dos procedimentos revelaram qualquer prova substancial de uma prática firme do Islã. Além disso, no Peru, não há casos conhecidos contra mulheres por serem muçulmanas ou mouriscas.

No México, 17 casos de mouriscos surgiram antes da Inquisição entre 1536 e 1648. Apenas dois julgamentos da Inquisição contra mouriscos ou muçulmanos foram realizados antes de 1560. Portanto, na tabela acima, a coluna do México foi corrigida de dois, entre parênteses, para 17. Desses casos localizados nos diversos documentos incompletos, duas pessoas foram consideradas inocentes. Entre as quinze pessoas restantes, havia três mulheres, Francisca, Isabel e Maria Ruiz, e todas foram declaradas culpadas de heresia por esses tribunais. A Inquisição mexicana revelou quatro julgamentos da Inquisição contra muçulmanos verdadeiramente praticantes. No entanto, dois casos eram das Filipinas, cuja jurisdição administrativa estava na Cidade do México e, portanto, os casos filipinos foram excluídos. Nas páginas seguintes, descreveremos o julgamento de quatro pessoas acusadas de serem muçulmanas, um homem e três mulheres. Juntos, eles fornecem uma visão geral dos procedimentos contra os muçulmanos na América Latina do século XVI.

Antes de descrever os julgamentos da Inquisição no México, citamos dois estudiosos que nos ajudam a contextualizar a escassez de informações sobre a Inquisição em geral e sobre os muçulmanos em particular durante o século XVI. Em um estudo abrangente da Inquisição mexicana, Richard Greenleaf descobriu que 95 em cada 100 mexicanos durante o período colonial não tinham contato com a Inquisição. Dos cinco que o fizeram, um sexto não foi julgado pelo Santo Ofício e talvez dois em 100 foram condenados, 0,5 em 100 foram submetidos a tortura judicial e menos de 0,1 em 100 foram executados.73 Apesar dessa descoberta, a Inquisição mexicana tinha uma longa história. Os vice-reis do México celebraram algum Auto de Fe público antes que a Inquisição fosse estabelecida na Cidade do México em 1570, mas o primeiro Auto de 1574 celebrado pelo tribunal formal foi o mais espetacular.74

Manuel Toussaint, que fez um trabalho seminal sobre o Mudéjar, ou a Arte Islâmica nas Américas, contribui com as seguintes reflexões para a discussão sobre a presença de muçulmanos nos documentos da Inquisição:

É curioso e interessante descobrir que entre os inúmeros julgamentos de heresia no Archivo General de la Nación, no México, muitos, quase todos, são para judaizantes e nenhum para muçulmanos. Pode-se admitir que existem várias razões para este fenômeno. Primeiro, os maometanos não eram tão numerosos quanto os judaizantes. Em segundo lugar, aqueles que existiam não tinham como culto o mesmo ardor e fé que os da seita de Moisés. Terceiro, uma vez que a religião muçulmana não exige cerimônias externas, era muito mais fácil ocultá-las dos olhos do Santo Ofício da Inquisição e, quarto, muitos dos descendentes dos mouros eram convertidos e podiam, portanto, trabalhar livremente sem ser crime praticar sua arte que era, justamente, arte mudéjar.75

Essas duas observações devem, necessariamente, formar o pano de fundo para o número e tipo de julgamentos da Inquisição realizados contra muçulmanos na América Latina do século XVI. Em outras palavras, a grande maioria das pessoas na América Latina colonial não teve a oportunidade de se encontrar com a Inquisição, e o número de muçulmanos ou mouriscos que compareceram a seus tribunais era minúsculo. Os julgamentos a seguir possuem, portanto, grande importância histórica.

Francisco López

Os registros da Inquisição na Cidade do México descrevem Francisco López como português, africano e muçulmano, tudo ao mesmo tempo. Este Francisco López não deve ser confundido com outro homem com o mesmo nome que foi julgado pela Inquisição mexicana em 1583. Nossa vítima da Inquisição também foi descrita como um “berbere” no processo. A Inquisição mexicana julgou Francisco López em novembro de 1589, em Guadalajara. Os documentos do seu julgamento afirmam que a sua profissão era a de mineiro em Copala,76 na diocese de Guadalajara. No entanto, de acordo com uma testemunha, antes de Francisco ser julgado pela Inquisição, ele era o encarregado da fazenda de Juan Nuñez. Outra testemunha afirmou que Francisco também tinha sido comerciante.77

Os poucos detalhes da sua vida pessoal indicam que Francisco López era natural de Ceuta, no extremo norte do Marrocos, e desde muito jovem viveu entre muçulmanos. Ele não sabia ao certo qual religião era praticada na casa de seu pai. Ele afirmou que viveu entre os muçulmanos por mais de seis anos.

A ata do julgamento de Francisco López é bastante detalhada e inclui o depoimento de quatro testemunhas. As testemunhas descreveram a vida de López como uma aventura porque ele obviamente morou no Norte da África e, na época do julgamento, residia em uma das regiões mais remotas do México. Ele parece ter praticado abertamente o Islã. Quando a Inquisição suspeitou, prendeu Francisco e acusou-o de heresia.

Uma das testemunhas do julgamento afirmou que uma índia com quem teve relações íntimas relatou alguns de seus hábitos. Francisco López não era como os outros espanhóis, porque quando dormia na casa dela não rezava antes de se deitar. Algum tempo depois da meia-noite, quando os galos começaram a cantar, ele se levantou e se ajoelhou para orar um pouco em uma língua que, embora ela fosse uma mestiza (de ascendência mista espanhola e indígena) e soubesse muito bem espanhol, ela não sabia compreendia. Ele falou nessa língua por um tempo e terminou com as palavras Allah e Muhammad. Francisco rezava em língua estrangeira de madrugada todas as vezes que dormia com ela.

Outra testemunha também declarou que Francisco falava uma linguagem ininteligível e que parecia “ser mourisco”. Questionado, Francisco López confirmou. Ele afirmou que, “em sua terra era o que se falava”.

Todas as testemunhas no julgamento da Inquisição afirmaram que Francisco parecia ser um “mau cristão” e que tinha o costume de rezar em árabe com os braços cruzados sobre o peito. A testemunha Juan Nuñez de Saavedra também o acusou de roubar mulas e metais preciosos. Francisco López não pode ser chamado de um muçulmano clandestino porque não escondeu sua fé nem praticou a taqiyyah.78 Os registros da Inquisição estão incompletos sobre como seu julgamento terminou.

Francisca Hernández, Mourisca

Em 1605, Francisca, Mourisca, foi julgada por blasfêmia pelo Doutor Marcos de Bohorques, o promotor do Santo Ofício da Inquisição da cidade do México e dos estados e províncias da Nova Espanha. Francisca foi descrita como escrava de Pedro de Villaseca, residente na estância de Diego de Villapadierna em San Juan del Río. O Dr. Bohorques ordenou que Francisca fosse presa e levada a uma das prisões do Santo Ofício, onde a prisioneira pudesse ser julgada apropriadamente.

Em 13 de julho de 1605, Miguel Izquierdo, de San Juan del Río, testemunhou contra Francisca, uma escrava pertencente a Pedro de Villaseca. Miguel Izquierdo foi acusado do crime de blasfêmia. Afirmou ter sido convidado a rezar missa na estância de Diego de Villapadierna e Francisca proferiu uma blasfêmia. Ele falou com ela e ela disse que era verdade, que dez ou doze dias atrás havia protestado contra seu dono e dito que havia desistido de sua fé em Deus e nos santos dele e enquanto estava sendo punida, ela repetiu suas palavras várias vezes.

Uma das testemunhas contra ela foi a doña Maria Jaramillo, esposa de Pedro de Villaseca. Afirmou que Francisca Ângela de León, mourisca, não cumpriu com seus deveres, pelo qual foi punida com chicotadas. Durante o cumprimento da sentença, Francisca gritou que negava a Deus e aos santos. Não foi a primeira vez que ela havia renegado.

Ana Jaramilla, esposa de Diego de Villapadierna, foi outra testemunha contra Francisca. Ana afirmou que uma vez convocou Francisca, mas ela se recusou a obedecer e por isso teve que ser levada à força, e antes de entrar no quarto de sua patroa disse que ninguém deveria falar com ela porque ela havia sido excomungada. Ela então proferiu uma blasfêmia pela qual renunciou à sua crença em Deus. O documento termina com a nota incompleta de que as autoridades inquisitoriais não conseguiram encontrar Magdalena, uma índia chichimeca, para depor contra Francisca, Mourisca.79

Isabel, Mourisca

Isabel era uma mourisca escravizada que pertencia a Gregorio de Monjeraz. Gregorio fez parte do exército de Cortés e se estabeleceu na cidade de Antequera, no estado mexicano de Oaxaca.80 Em 1539, a Inquisição levou Isabel a julgamento por tentar administrar feitiçaria à Dona Francisca de Portugal. O julgamento foi conduzido pelo juiz provisório Gonzalo Gutiérrez em nome do Reverendo Dom Juan López de Zarate, Bispo de Oaxaca.81 Juan Ruíz, também de Oaxaca, atuou como Tabelião. O próprio Bispo López de Zarate era proprietário de uma empregada doméstica mourisca.82

O motivo de Isabel para realizar a feitiçaria era o de “assassinar Doña Teresa de Portugal, que seria a futura esposa de seu dono”.83 Seu proprietário, Gregorio de Monjeraz, alguns anos antes, ele próprio enfrentou a Inquisição sob a acusação de blasfêmia.84 No entanto, ele não hesitou em defender a Mourisca contra sua acusadora, sua noiva Teresa. Isabel não fizera a feitiçaria sozinha, mas usara uma intermediária, uma africana chamada Antonia. À acusação feita no julgamento, Gregorio respondeu: “Doña Teresa não gostou da dita Mourisca Isabel e a dita Isabel não gostou da dita Teresa”.85

Após esta investigação preliminar, o tribunal ordenou ao oficial de justiça (alguacil) Alonso Francisco, que prendesse Isabel e a colocasse na prisão episcopal. O Decano da Inquisição a interrogou. Ela afirmou que seu nome era Isabel e ela era propriedade de Monjarez e era cristã. O tribunal então ordenou que Gregorio de Monjaraz defendesse seu escravo, e ele disse que faria o que fosse exigido dele. Ele também disse que:

Doña Teresa não podia pedir o que pedia; ninguém poderia saber [sobre as habilidades de Isabel em feitiçaria], nem ele tinha visto, nem Isabel sabia ou possuía o hábito de fazer feitiçaria. A negra não gosta de Isabel e havia preparado a poção [mágica] para que Gregório a consumisse.86

A opinião das testemunhas estava dividida no julgamento inquisitorial de Isabel. Parecia haver indícios suficientes de que, em uma ocasião anterior, ela havia tentado enfeitiçar doña Teresa. Uma testemunha, chamada pelo procurador (fiscal) no julgamento da Inquisição de Isabel, declarou que: “ele sabia que quando ela às vezes queria fazer feitiçaria, ela havia ido em busca das índias feiticeiras.”87 Ele reafirmou que ela tinha visto em sua mente seus donos e outros cristãos cobertos de trapos, com cortes de cetim ou unhas de uma pessoa, e sangue.88 Ele a ouviu dizer isso à mulher negra.89

A Inquisição também acusou Isabel de colocar grãos de cacau enfeitiçados sob a cama de Teresa de Portugal. Certa ocasião, ela disse a Antonia, sua intermediária: “Como ela já sabia que Monjaraz ia se casar com Dona Teresa, se eles se casassem, [o casamento] acabaria mal”. 90 Antonia sustentava que não queria realizar a feitiçaria contra a sua senhora, Teresa de Portugal. De acordo com o depoimento de outra testemunha do promotor, Juan Corral, Isabel havia enviado Antonia para colocar na cama de Teresa de Portugal “uma unha de homem e alguns pedaços de cetim ou seda”. 91 Ela foi considerada culpada da acusação de feitiçaria. No entanto, a sentença foi tão leve que Gregorio de Monjeraz, seu dono e defensor, a aceitou. Isabel foi multada em seis “pesos de tipuzque” que seriam utilizados nas obras realizadas pela Igreja, mais quatro pesos como multa para a Inquisição e teve que pagar as despesas judiciais.92 As evidências da Inquisição não revelaram nenhum ritual islâmico sendo observado por Isabel. O Islã se opõe à feitiçaria e os muçulmanos são instruídos a não sucumbir às superstições. Isabel não se encaixa, portanto, no molde de uma muçulmana. No entanto, ela aparentemente praticava feitiçaria, uma característica atribuída aos Mouriscos. Além disso, ela foi considerada pelas autoridades como uma Mourisca e, mais significativamente, foi considerada culpada nesta acusação.93 Este é em si um indicador importante para rastrear o Islã e seus seguidores nas colônias hispano-americanas: Todos os três acusados ​​- Francisco López, o muçulmano praticante, e Francisca e Isabel, as supostas feiticeiras – apareceram nos mesmos registros da Inquisição sobre desviados da religião católica e foram rotulados como Mouriscos.

Maria Ruiz

 De acordo com os documentos da Inquisição, em 1594 Maria Ruiz apresentou-se voluntariamente ao Tribunal da Inquisição na Cidade do México.94 Seu julgamento foi parte dos procedimentos do segundo auto de fé realizado no México durante 1595–1596. A Inquisição mexicana registrou suas declarações daquele julgamento através da escrita paleográfica que prevalecia na Espanha do século XVI. De acordo com os documentos, a acusação contra Maria era a de ser uma “Maometana”.95 Por ser cristã batizada e confessar seu próprio crime, foi presa e enviada para a prisão secreta da Inquisição. Os detalhes de sua vida emergem das cinco primeiras audiências que teve na usual presença de três juízes: Dr. Lobo Guerrero, Licenciado don Alonso de Peralta e Dr. Marcos de Bohorques. No total foram nove audiências e na última ela foi sentenciada à reconciliação.96

Maria Ruiz afirmou que nasceu no seio de uma família mourisca em Albolote, uma pequena aldeia da Serra de Alpujarras, na província de Granada, Espanha.97 Em seu testemunho de 8 de agosto de 1594, ela afirmou que tinha 50 anos, datando seu nascimento no ano de 1544. Ela também afirmou que, após a revolta mourisca de 1568–1570, sua família, como muitas outras famílias mouriscas, foi deslocada para Ciudad Real em Castela.

O julgamento de Maria Ruiz chamou a atenção de alguns pesquisadores, mas nenhum deles parece ter se interessado por sua família ou pelos pequenos detalhes de sua biografia. Isso pode ser devido em parte ao testemunho contraditório que ela concedeu durante as várias audiências realizadas nos tribunais da Inquisição na Cidade do México. Reconstruindo cronologicamente, Maria Ruiz afirmou que era uma criança (niña) quando seus pais a trouxeram de Albolote para Ciudad Real “após a revolta Mourisca”. No entanto, se ela nasceu em 1544 e a revolta ocorreu durante 1568-1570, ela era então uma jovem de 24-26 anos. O testemunho adicional de Maria Ruiz pode fornecer uma pista que resolveria essa confusão de datas e idades.

Maria Ruiz afirmou ainda que quando era uma criança pequena, de cerca de seis ou sete anos de idade, os seus pais a levaram pela primeira vez para Ciudad Real. Depois de uma leitura cuidadosa de suas declarações, alguém pode chegar a uma das duas conclusões: ou sua narrativa contém discrepâncias sobre a lembrança de sua idade em vários estágios de sua vida ou, ao invés disso, seus pais levaram sua filha para aquela cidade antes que eles próprios se mudassem para lá. Sua saída da província de Granada certamente garantiu sua segurança durante o violento levante muçulmano contra as autoridades espanholas.

Maria Ruiz ficou na casa de uma senhora que possuía ascendência de cristãos velhos, e em outras casas de Ciudad Real. Não era incomum que as meninas fossem colocadas em uma espécie de aprendizagem pelos pais para aprenderem a como se tornar boas donas de casa. A remuneração que recebiam, em dinheiro ou em espécie, constituía seu dote e de certa forma aliviava os encargos econômicos dos pais na época do casamento. Além disso, aos olhos da sociedade, o “aprendizado” também serviu para estabelecer suas credenciais como bons cristãos, pois foram criados na casa de cristãos-velhos, ou seja, aqueles que podiam atestar a limpieza de sangre.

De qualquer forma, Maria Ruiz deve ter aprendido os ritos básicos do catolicismo em seu lar adotivo e não, como afirma Cardaillac, por meio de um padre que ocasionalmente visitava as aldeias de Alpujarras. Os padres visitantes ensinaram ao povo o Pai Nosso, o Credo e o catecismo, e tal conhecimento permitiu-lhes evitar os espiões da Inquisição que atrapalhavam suas vidas cotidianas.98

É importante notar que Maria Ruiz utilizou o plural para descrever as casas onde seus pais a colocaram. Pode-se deduzir do que foi dito que ela ia para casa com frequência antes de mudar de casa de “aprendizagem”. Ela também afirmou que deixou a casa dos pais pela de seu marido aos 14 anos (embora em outro momento ela tenha dito que tinha “12 ou 14 anos”). Esse contato com sua família, especialmente com sua casa, acrescenta veracidade à sua afirmação de que desde os onze anos ela era uma muçulmana praticante e conhecia todos os rituais e cerimônias islâmicas. Normalmente, os pais não ensinavam a religião islâmica a crianças muito pequenas, que eram suscetíveis de expor as práticas secretas de suas famílias aos espiões da Inquisição. Os pais de Maria Ruiz a consideraram madura o suficiente aos quatorze anos para ensiná-la sua religião e esperavam que ela fosse discreta na frente de possíveis espiões católicos.

É evidente a partir da narrativa acima de sua infância que Maria Ruiz conhecia os ritos do catolicismo e também sabia que suas crenças islâmicas eram discordantes dos ensinamentos da Igreja. Em suas orações, ela usava o árabe e havia aprendido as orações de “Vezmela, adolayma e halamay”. Em sua confissão, ela disse que observava o jejum islâmico.99 Sua mãe a ensinou a jejuar durante um mês do ano, mas ela não lembrava se o mês era agosto ou setembro (sic). Mãe e filha e possivelmente outros membros da família não comiam ou bebiam nada durante o dia inteiro. Maria Ruiz acrescentou um detalhe pessoal que, sendo “uma menina, ficou com fome e comeu [um pouco]”. Sua mãe, que seguia essas práticas junto com outras mulheres do bairro, a advertia para não contar nada às outras meninas sobre os jejuns ou as coisas que comiam – referindo-se provavelmente à omissão do porco na dieta dos mouriscoa. A mãe avisou a filha que se ela revelasse esse segredo para outras pessoas, os Inquisidores a queimariam viva.

Maria lembrou-se de sua infância várias décadas depois e não se lembrava, como mencionado acima, do mês em que o jejum islâmico foi observado. Presumivelmente, não havia ninguém no México que pudesse dizer a ela que o mês de jejum no Islã se chama Ramadã e que é celebrado de acordo com o calendário lunar, não de acordo com o calendário solar, nem de acordo com a estação do ano. Cada ano, de acordo com o calendário islâmico, é cerca de quinze dias mais curto do que o ano de acordo com o calendário solar e, portanto, Ramadã ocorre cerca de quinze dias antes de cada ano. Certamente, na infância de Maria, o Ramadã caiu durante o final do verão. O jejum diário, sawm na língua árabe, é observado desde o raiar da madrugada, fajr, até o anoitecer, maghrib, e não de um dia para o outro como Maria afirma ter praticado. No entanto, Maria Ruiz obedeceu às injunções islâmicas ao não comer ou beber nada durante o jejum islâmico. Sua luta para permanecer uma muçulmana praticante se manifestou em sua memória, ao lembrar da severidade de um Ramdan de verão que fez ela inventar uma duração extraordinariamente longa enquanto contava a história quatro décadas depois, no distante México.

Para retomar a reconstrução da narrativa de Maria, ela informou à Inquisição que seus pais se chamavam Garcia Hernandez e Lucia Hernandez e eram arrendatários. Ela tinha seis irmãos. Seus irmãos se chamavam Miguel Hernandez, Diego Hernandez, Juan Garcia e Alonso Garcia e suas irmãs se chamavam Isabel e Leonor. Juan morava em Ciudad Real e trabalhava para alguém cuja profissão desconhecida ela chamou de “cardador”. Alonso morava em Llerena, era casado com uma cristã-velha e trabalhava na terra para outras pessoas. Isabel era casada com um mourisco e também vivia em Llerena mas Maria Ruiz não conhecia a sua profissão nem a do marido. A irmã mais nova, Leonor, mais jovem do que ela, tinha cerca de seis ou sete anos e vivia em Ciudad Real quando Maria a viu pela última vez. Maria Ruiz afirmou que, como seus irmãos homens só visitavam a casa dos pais, mas não moravam lá, ela não os tinha visto praticando o Islã. Em outra ocasião, ela afirmou que seus irmãos Juan, Alonso, Isabel e Leonor não praticavam o Islã. Pode-se notar que esses irmãos eram mais novos do que os outros dois irmãos.

Segundo Maria Ruiz, apenas seus pais eram muçulmanos. Ela acrescentou, quase como uma reflexão tardia, que sua irmã mais velha, Isabel, também era muçulmana. É muito claro que Maria Ruiz tentou defender também esta irmã, e acrescentou que, “Isabel, que participava de festas cristãs, era uma boa amiga dos Cristãos Velhos”.

De forma reveladora, Maria Ruiz afirmou ainda que seu irmão Alonso García, também residente em Llerena, era “casado com uma cristã velha”. Havia pelo menos duas pessoas em sua família, ela e Alonso, que se casaram com cristãos. Assim, no seio da família de Maria Ruiz ocorreram casos de casamentos miscigenados, prática pouco comum na Espanha do século XVI.100 Maria Ruiz lembrou que seus pais costumavam enviar seus irmãos para abater aves e animais de criação para consumo em sua casa. De acordo com o ritual islâmico, palavras sagradas eram ditas em árabe – “vezmela” [bismillah], ou seja, “em nome de Deus” – enquanto o pescoço do animal era cortado e seu sangue drenado. O inquisidor interrogador mostrou um interesse especial neste ponto, fazendo a curiosa pergunta se eles haviam tocado a faca usada para o abate em algum objeto antes de a decapitação ser realizada. Maria Ruiz respondeu que não viu nada disso.

Maria Ruiz acrescentou que seus irmãos diziam que os cristãos eram como animais porque adoravam imagens de madeira. Quando moravam nas montanhas, eles quebraram as imagens em pequenos pedaços. Além disso, seu irmão Miguel nunca se confessou na Igreja, denegriu o pão da Eucaristia como “tortillita”, chamou Cristo de “atrasado” por ter sido crucificado, e seus irmãos, irmãs e pais chamaram a prática cristã de coletar caridade “uma armadilha para pegar pássaros. ” A família ridicularizou a imagem de Cristo e não acreditou em seus ensinamentos. Eles negavam o nascimento virginal, morte, ressurreição e ascensão ao céu de Cristo, não creram no Espírito Santo, na virgindade de Maria e nos outros mistérios celebrados pela Igreja Católica. Evidentemente, Maria não sabia que os muçulmanos acreditam na virgindade de Maria e no nascimento virginal e na ascensão de Jesus (que a paz esteja com ele) ao céu.

Esta afirmação herética pode ter sido uma reação isolada ou individual de certos mouriscos contra o que eles viam como sendo uma veneração exagerada que os católicos demonstravam pela Virgem e que exigia uma obediência semelhante dos recém-batizados. A reação excessiva a tal veneração ficou evidente em alguns casos entre os muçulmanos que foram derrotados nas Alpujarras, onde os rebeldes, segundo os vários testemunhos reunidos por Julio Caro Baroja, profanaram templos e imagens cristãs, uma profanação que o Islã não tolera.101 No entanto, isso é compreensível no caso da família de Maria Ruiz, porque ela testemunhou que seus irmãos haviam participado da revolução “perversa” (malograda) de 1568-70 que foi brutalmente reprimida.

O que merece atenção é que em nenhuma parte do processo há qualquer menção à Inquisição em ter convocado algum membro desta família. A pergunta, quase obrigatória no início dos interrogatórios, está faltando: se ela ou algum de seus parentes conhecidos teve algo a ver com o Santo Ofício da Inquisição. Consequentemente, este julgamento foi o primeiro contato de sua família com os juízes eclesiásticos, e isso também no distante México.

Aos 14 anos, Maria Ruiz casou-se com Rodrigo Deza, um cristão velho, “nobre e conhecido”.102 Depois de seu casamento, quando ela iria visitar seus pais, eles a repreendiam e diziam que ela era uma cachorra por ter casado com um cristão velho. Eles também a chamavam de “vadia judia porque ela comia carne de porco”. Parece que eles usaram essas palavras sobre ela não em seu sentido literal, mas como insultos aos quais cristãos velhos e muçulmanos recorriam com frequência. Para manter as aparências, especialmente porque era casada com um cristão velho, Maria Ruiz ia à missa, mas não recebia a eucaristia.

Maria Ruiz e seu marido Rodrigo Deza ficaram na Espanha quatro ou cinco anos e enquanto ainda estavam em Ciudad Real tiveram um filho, Francisco de Deza, que tinha onze anos em 1594. O casal mudou-se para a Cidade do México, onde tiveram duas filhas, Maria, de sete anos e Isabel, de quatro anos na época do julgamento da Inquisição. Isso foi cerca de dez anos depois de eles terem chego à Cidade do México. Parece que Maria Ruiz foi a única de sua família imediata que emigrou da Espanha. Ela manteve seu testemunho simples, dizendo que não sabia quem eram seus avós ou outros parentes.

No México, Maria Ruiz e seu marido sempre viveram na região de Santiago e, segundo ela confessa, nunca haviam viajado para o resto da Nova Espanha. Seu marido era comerciante de vinhos. Ela também disse que não sabia ler nem escrever e não havia falado ou ensinado a “seita de Muhammad” a ninguém. No México, Maria Ruiz continuou a praticar o Islã. Ela continuou a “banhar-se à maneira da seita de Muhammad”, sabia que a seita era contra o ensino de Cristo e acreditava que “os cristãos estavam cegos”. Na época, ela continuou sua prática de manter uma fachada católica. No México, ela finalmente consentiu em receber a Eucaristia para agradar a seu marido. Se ela não tivesse feito isso, devemos notar, “seu marido não entenderia e suspeitaria dela”. Maria Ruiz disse que em sua vida ela se confessou apenas quatro vezes.

Este exemplo clássico de taqiyyah também apareceu em outro momento durante a audiência, quando ela respondeu a uma pergunta sobre sua posição em relação ao cristianismo e disse que “seus pais a obrigavam a fazer o que eles faziam e diziam que os cristãos estavam cegos”. Em nenhuma de suas confissões anteriores, ela confessou sua fé no Islã e, para usar uma frase padrão da Inquisição, “pensou em ser salva nele”. Maria Ruiz confessou também que não guardava os jejuns da Igreja nem se abstinha de comer carne às sextas-feiras, não celebrava as festas da Igreja, não acreditava no Filho nem no Espírito Santo, tinha faltado muito à missa, e se ela compareceu, era para acabar com os boatos. O que certamente deve ter ofendido os Inquisidores foi que ela se confessou sem a intenção de receber a Eucaristia mais tarde, ou que quando a recebeu, fez sacrilegamente.

Três anos antes de sua confissão, Maria Ruiz disse que havia desistido da prática do Islã. Ela foi à sua igreja paroquial e confessou que era muçulmana. Como seu confessor não tinha autoridade para absolvê-la, aconselhou Maria Ruiz a comparecer à Inquisição e pedir perdão pelo pecado de não ser católica. No tribunal, Maria Ruiz afirmou que preferia ser queimada na fogueira do que ser condenada ao inferno no Além.

Os juízes também perguntaram um pouco sobre as orações muçulmanas e o que Maria Ruiz disse exemplifica a luta para manter uma identidade religiosa em face das ameaças à sobrevivência dela e de sua família. O credo de Maria era: “Vezmela, adolayma e halamay” na transliteração em espanhol do escriba da Inquisição. Vezmela (ou bismillah) na transcrição latina, é uma forma abreviada de “bismillah al-Rahman al-Rahim:” (em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso ). ” Maria Ruiz estava certa no uso da palavra vezmela. “Adolayma” parece ser “alhamdulillah” (Deus seja louvado), uma frase muito usada pelos muçulmanos. “Halamay” poderia ser “Rahman” (“O Clemente”, um dos 99 nomes de Deus) que ela pensava significar “meu Deus”, e ela o usava para orar de manhã e à noite. Os muçulmanos, é claro, oram cinco vezes por dia. Os três termos religiosos e a frequência das orações mostram a deterioração da memória e da compreensão das palavras e práticas rituais islâmicas / árabes de Maria Ruiz. Essa prática confusa do Islã era típica dos rituais clandestinos dos Mouriscos na Espanha do século XVI.

A oração completa que Maria Ruiz disse foi: “vezmela a dolayma tacorrevat gu: enta taquetactle quanitati necayte”. Sua oração começou com o vezmela / bismillah adequado, mas ela parecia ter esquecido sua tradução. Ela continuou a dizer “a dolayma“, ou uma espécie de “al-Rahman“, e então começou a proferir palavras estranhas: “tacorrevat gu: enta taquetactle quanitati necayte.”103 Apenas uma frase era árabe, a outra era árabe apenas no som, e o resto caricaturas de nahuatl, a língua asteca do México pré-colombiano. Pode-se acrescentar aqui o exemplo de Isabel que usou grãos de cacau para um suposto feitiço mágico administrado no México, enquanto na Espanha era mais comum praticar o ocultismo com favas. Esta é uma ampla evidência da transmutação da língua, religião e cultura em um ambiente isolado, clandestino e estrangeiro. Para permanecerem vivos, precisam ser praticados e celebrados na comunidade, ou então os alicerces da identidade de alguém se tornam arcaicos e são transformados, como qualquer pessoa que esteve longe de casa por mais de um ano pode testemunhar. O caso de Maria Ruiz corrobora esta afirmação. Quanto à sua oração, nós a consideraríamos uma bagunça linguística,104 mas vamos fazer uma pausa por um momento com a versão em [portugês] da declaração de Maria: “O sol se pôs, meus pecados foram escritos e Deus se esqueceu de mim.”105

Um eco desse ditado emerge da cultura muçulmana, onde não é totalmente raro encontrar material extracorânico adicionado a declarações corânicas para fins explicativos. Para ilustrar, as crianças muçulmanas costumam ouvir uma história, geralmente por suas mães, assim que atingem a “idade da razão”. Eles são informados de que há dois anjos que vivem dentro de seus dois ombros. Dessa posição elevada, os anjos têm uma boa visão de tudo o que a criança faz. O anjo do ombro esquerdo anota tudo de ruim que a criança faz. Ele está sempre ansioso para prosseguir com sua tarefa porque está sobrecarregado com a lembrança das coisas ruins que a criança faz ou pretende fazer. O anjo do ombro direito tem uma vida fácil de indolência. Muitas vezes ele não tem nada para fazer o dia todo e espera até a meia-noite para que ocorra uma boa ação ou um pensamento que apagaria toda a conta negativa que o anjo do ombro esquerdo havia acumulado durante todo o dia. Então, o anjo do ombro direito fica sentado ali, interrompendo continuamente seu colega em sua tarefa de escrever, porque uma vez que as intenções e ações de uma pessoa são escritas, elas não podem ser apagadas.

A cultura muçulmana, como já dissemos, ao invés das coisas permanecerem estritamente confinadas dentro dos limites do Alcorão, adiciona coisas para fins explicativos. É útil, portanto, examinar o próprio texto do Alcorão. O Alcorão faz pelo menos três referências ao registro de nossas ações:

E, por certo, há, sobre vós, anjos custódios, Honoráveis escribas, Eles sabem o que fazeis. (Alcorão, 82:10-12)

Ou supõem que Nós não ouvimos seus segredos e suas confidências? Sim! E Nossos Mensageiros celestiais, junto deles, escrevem o que fazem. (Alcorão, 43:80)

A referência corânica não é apenas para os pecados (pecados), mas também para as boas ações e intenções secretas. Também há referência a Deus nos comentários que geralmente acompanham o livro sagrado islâmico. Abdullah Yusuf Ali, um dos tradutores mais populares do Alcorão, faz o seguinte comentário sobre o versículo acima mencionado:

Por mais que os homens conspirem secretamente, tudo é conhecido por Deus. Seus anjos gravadores estão, em todos os momentos e em todos os lugares, para preparar um registro de seus atos para sua própria convicção quando chegar a hora do Julgamento.106

A Surah Qaf fornece uma referência específica aos dois Anjos Registradores e, sem provas concretas, podemos apenas especular se Maria Ruiz contou ou não a seus filhos essas histórias e os rituais do Islã, presumivelmente exatamente como sua mãe a ensinou. O Alcorão afirma na Surah Qaf:

Quando os dois anjos recolhedores, sentados a sua direita e a sua esquerda, recolhem tudo o que ele diz e faz (Alcorão 50: 17).

No final da última audiência, Maria Ruiz repetiu com insistência que nunca deixou de ter dúvidas sobre a verdade eterna do Islã, e que desde o tempo que começou a praticar o Cristianismo, ou seja, desde a sua conversão interna três anos antes do seu julgamento, ela estava motivada a confessar voluntariamente a um padre. Ela agora acreditava sinceramente nos dogmas da fé católica. Essa argumentação evocou defesas semelhantes nos casos da Inquisição que demonstram uma espécie de cooptação benevolente dos juízes.107 Talvez Maria Ruiz estivesse dizendo a verdade, e poderia ser porque o meio cristão e o isolamento de seus correligionários a fizeram se afastar emocionalmente do Islã.

Após a quinta audiência, a Inquisição nomeou um advogado para ajudar Maria a defender seu caso. No entanto, como todos os advogados de defesa nos tribunais da Inquisição, sua principal tarefa era confirmar as declarações dela e, se possível, fornecer informações adicionais para o uso do tribunal contra seu cliente. O advogado de Maria não obteve nenhuma informação adicional dela.

Na sexta-feira, 1º de março de 1596, a Inquisição mexicana anunciou sua sentença no julgamento de Maria Ruiz. Surpreendentemente, o Dr. Bohorques observou que Maria Ruiz seguia a seita de Muhammad desde quando “ela podia usar sua cabeça: uso de razón, e que ela tentou esconder seus cúmplices e tinha pouco desejo de satisfazer a Igreja”. Um dos juízes, Dr. Marcos de Bohorques, e o promotor principal (fiscal) recomendaram o confisco de suas propriedades e o relaxamento ao braço secular da justiça.

Depois de votar, a Inquisição considerou Maria Ruiz culpada de heresia e apostasia e, entre outras heresias, culpada de “invocar apenas um Deus”. O escriba da corte usou a letra minúscula “d” na palavra Dios, a palavra espanhola para Deus. No entanto, a sentença da Inquisição não foi tão severa quanto recomendada pelo Dr. Bohorques. [A sentença] admitiu Maria à reconciliação através da vestimenta do penitente, instrução na fé, e ordenou que ela não deixasse a Nova Espanha (México) durante o resto de sua vida. A Inquisição mexicana ordenou ainda o confisco da propriedade de Maria, neste caso 200 pesos de ouro, o que era uma grande quantia na época. A Inquisição também ordenou que, doravante, Maria Ruiz se tornasse uma reclusa e recebesse instruções adequadas na fé católica.

Em Toledo ou Valência, Maria Ruiz teria recebido punições muito mais severas, como cem chicotadas executadas publicamente e condenada a vários anos de prisão. Sua punição, entretanto, foi notavelmente nominal, dado o fato de que ela não nomeou cúmplices fora de sua própria família, um fator que prejudicava muito o acusado no processo da Inquisição. Seus documentos de julgamento deveriam ser enviados a Llerena, Espanha, onde a Inquisição iria processar seus irmãos, em particular sua irmã Isabel Hernández. Maria Ruiz pode ter sido dispensada com relativa facilidade porque a Inquisição acreditava que podia haver mais hereges ocultos no México e não queria assustá-los com o precedente de uma punição severa.108 A sentença observou: “ela seria punida e serviria de exemplo para os outros”(a ella sea castigo ya otros ejemplo), neste caso, o que implica um incentivo para outros mouriscos saírem do esconderijo.109

As crenças e práticas de Maria Ruiz representavam a luz tremeluzente do Islã na América Latina do século XVI. O pensamento oficial e as medidas práticas extinguiram com eficácia essa luz e liquidaram o “problema mourisco” da Espanha.

As instruções da Igreja espanhola sobre como descobrir muçulmanos ocultos foram incutidas na sociedade espanhola, tanto na Península Ibérica quanto nas colônias. Essas ordens levaram à exposição de muçulmanos como Francisco López no México do século XVI. Além disso, os éditos, decretos e ordens da Coroa frequentemente emitidos contra a presença de muçulmanos e mouriscos impediram a formação de comunidades islâmicas mesmo na clandestinidade.

Como resíduo de uma vida secreta, a sociedade latino-americana e a burocracia colonial adotaram um comportamento dual. Eles ofereceram aceitação total à autoridade da Coroa e, ao mesmo tempo, ocultaram suas ações autônomas. Essa atitude evoluiu a partir do conceito que pode ser denominado taqiyyah em árabe e dissimulação na língua [portuguesa]. Obedeço, mas não cumpro – obedezco pero no cumplo – tornou-se um motivo central da atitude latino-americana em relação à suserania espanhola.

Enquanto uma postura coletivamente independente levou ao crescimento de uma sociedade colonial saudável, crenças e práticas isoladas estavam fadadas ao fracasso. De acordo com seu próprio testemunho, Maria Ruiz praticava o Islã sozinha e seus esforços para exercer a liberdade religiosa não tinham o apoio de seu marido, família ou outros possíveis muçulmanos secretos no México. Seu isolamento religioso durante o período em que viveu em liberdade no México a levou a terminar na reclusão de sua prisão monástica. O triste destino de Maria faz com que se reflita sobre uma questão maior: apesar das observâncias de Toussaint sobre algumas cerimônias muçulmanas externas, a sobrevivência do Islã depende da liberdade de expressão?

Conclusão

Resumindo, o século XVI foi crucial para os esforços da Coroa e da Igreja Espanhola para impedir a entrada de muçulmanos nas colônias americanas. Diretrizes e editais foram emitidos pela Coroa com o objetivo de caçar muçulmanos clandestinos na Espanha e em suas colônias. Da mesma forma, embora os decretos e éditos reais para impedir que não-católicos fossem para a América Latina incluíssem protestantes e judeus, eles eram dirigidos principalmente aos muçulmanos, tanto em aberto quanto em segredo. A Inquisição, entretanto, foi capaz de descobrir e julgar menos muçulmanos nas colônias espanholas do que os adeptos de outras seitas proibidas pela Coroa. Os vários tipos de pessoas acusadas de serem muçulmanas incluíam algumas que de fato se identificavam com o Islã. Uma vez que não tinham permissão para praticar o Islã abertamente, seus rituais tiveram de ser escrupulosamente ocultados, resultando em que, após o século XVI, a dissimulação e o encobrimento surgiram entre os traços notáveis ​​do caráter espanhol. Nesse ínterim, os muçulmanos clandestinos levaram a palavra do Islã à América Latina, que também testemunhou o influxo de muçulmanos da África, ainda que acorrentados. A saga desses muçulmanos foi recentemente escrita por alguns estudiosos e historiadores. Apesar de algumas das obras úteis e seminais que foram escritas até agora, muito ainda resta ser escrito.

NOTAS

1 Este termo denota os muçulmanos na Espanha que foram convertidos à força ao catolicismo.

2 Franklin W. Knight, The Caribbean: The Genesis of a Fragmented Nationalism (New York: Oxford University Press, 1979), 24.

3 As pinturas de Goya sobre a Inquisição retratam graficamente a humilhação do acusado. Agradeço a Luis López Oliver, um estudioso espanhol de Barcelona, por me explicar o significado da palavra reconciliado e por me mostrar as fotos [das obras] de Goya. Barcelona, April 20, 2002.

4 Recopilación de leyes de los reinos de las India (1681) 4 volumes, reprinted Madrid: Ediciones de Cultura Hispánica, 1973, quoted in José Luís Martínez, Pasajeros de Indias (Madrid: Alianza Universidad, 1983), 32–33.

5 Henry Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries (Bloomington: Indiana University Press, 1985), 108.

6 Joaquín Pérez Villanueva and Bartolomé Escandell-Bonet, eds. Historia de la Inquisición en España y América (Madrid: Bibliotecia de los Autores Cristianos, 1993), 901. See also Henry Charles Lea, The Inquisition in the Spanish Dependencies (New York: Macmillan Company, 1922).

7 Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 102.

8 Ernesto Chinchilla Aguilar, La Inquisición en Guatemala (Guatemala City, Guatemala: Ministerio de Educación Pública, 1953), 178.

9 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, eds. Historia de la Inquisición, 902–903; Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 106 and Dan S. Kramer, “An Arabic Book Before the Spanish Inquisition,” Princeton University Library Chronicle, 64: 1 (Autumn 2002), 107–120.

10 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, eds. Historia de la Inquisición, 903 and Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 108.

11 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, eds. Historia de la Inquisición, 904 and Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 113.

12 Louis Cardaillac, Moriscos y cristianos: un enfrentamiento polémico,1492–1640 (Madrid: Fondo de Cultura Económica, 1977), 47 and Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, eds. Historia de la Inquisición, 902.

13 Cardaillac, Moriscos y cristianos, 67.

14 Ibid., 559.

15 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, eds. Historia de la Inquisición, 777 and Mary Elizabeth Perry, The Handless Maiden: Moriscos and the Politics of Religion in Early Modern Spain: Jews, Christians, and Muslims from the Ancient to the Modern World (Princeton: Princeton University Press, 2005), 18.

16 Cardaillac, Moriscos y cristianos, 111–112.

17 R. Bauman, “Fiestas de la conquista en Andalusia y América,” Lamalif (Almería), 5 (December 1992), 17–20. Pode-se notar que este festival ainda é observado na Espanha e na América Latina.

18 Cardaillac, Moriscos y cristianos.

19 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, eds. Historia de la Inquisición, 612.

20 María Elvira Sagarzazu, La conquista furtiva: Argentina y los hispanoárabes (Rosario: Ovejero Martin Editores, 2001), 41.

21 Cardaillac, Moriscos y cristianos, 85 and Qur’┐n, 16: 106.

22 Cardaillac, Moriscos y cristianos, 86.

23 Sagarzazu, La conquista furtiva.

24 Isso é claramente reconhecido para os judeus convertidos (ver Knight, The Caribbean, 25), mas não para os muçulmanos.

25 José Luis Martínez, Pasajeros de Indias: Viajes transatláticos en el siglo XVI (Madrid: Alianza Universidad, 1983), 32.

26 Louis Cardaillac, “Le problème Morisque en Amérique,” Mélanges de la Casa de Velázquez, 12 (Paris: E. de Boccard, 1976), 285.

27 “La prematica sobre el vestir e gastar seda en las indias,” Novermber 9, 1509 and “Real cédula al Almirante don Diego prohibiendo el excesivo gasto de seda y brocado en las indias,” November 12, 1509 Legislación Histórica en España, available at: .

28 “Prohibición a los hijos de quemados,” October 5, 1511, Legislación Histórica en España, available at: www. aer . es

29 Cardaillac, “Le problème Morisque en Amérique,” 290.

30 Ibid.

31 Archivo General de Indias, Seville, henceforth AGI, Indiferente, 427, L.30, F.2v-3v.

32 Jaime Cáceres Enrique, “La mujer morisca o esclava blanca en el Peru del siglo XVI,” Sharq AlAndalus, 12 (1995), fn. 28.

33 Cardaillac, “Le problème Morisque en Amérique,” 291.

34 AGI, Indiferente, 427,L.30, F.95v–96v.

35 Ibid.

36 Ibid., 427, L. 30, F. 234. 37 Cardaillac, “Le problème Morisque en Amérique,” 297.

37 Cardaillac, “Le problème Morisque en Amérique,” 297.

38 Ibid., 288.

39 Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 102 and Kramer, “An Arabic Book before the Spanish Inquisition,” 113.

40 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, Historia de la Inquisición, 483.

41 Ibid., 476.

42 Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 107–108.

43 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, Historia de la Inquisición, 477–479.

44 Ibid.

45 Chistoph Weiditz, Das Trachtenbuch des Christoph Weiditz, 1531–1532. (Berlin and Leipzig: Von Walter de Gruyter and Company, 1927), Plates 80-96.

46 Para obter informações sobre o processo inquisitorial, ver Richard L. Kagan and Abigail Dyer, Inquisitorial Inquiries: Brief Lives of Secret Jews and Other Heretics (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2004), 15-19.

47 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, Historia de la Inquisición, 933–934 and Mary Elizabeth Perry, Gender and Disorder in Early Modern Seville (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1990), 126–7.

48 Jaime Humberto Borja Gómez . . . et al., Inquisición, muerte y sexualidad en el Nuevo Reino de Granada (Santa Fe de Bogota: Editorial Ariel, 1996), 358.

49 Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 153.

50 Kagan and Dyer, Inquisitorial Inquiries, 18–19 and Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 161.

51 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, Historia de la Inquisición, 988.

52 Manual de los Inquisidores, Introducción y notas de Luis Salas-Molino (Barcelona: Munchnick Editores, 1983).

53 Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 12–13, 31 and 33–34 and 42.

54 Marcel Bataillon, Erasmo y Espana, (Mexico: 1966), 490 cited in Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 58–59 and 62.

55 Borja Gómez … et al., Inquisición, muerte y sexualidad, 369.

56 Ibid., 375. 57 Ibid., 973. 58 Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 171.

59 Ibid., 186.

60 Perry, Gender and Disorder in Early Modern Seville, 72.

61 Lope de Veja, Peribáñez quoted in Kamen, Inquisition and Society in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, 114.

62 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, Historia de la Inquisición en América, 968.

63 Antonio Garrido Aranda, “El Morisco y la Inquisición novohispana: Actitudes antiislámicas en la sociedad colonial,” Actas de la II Jornadas de Andalucía y América (Huelva: Universidad de la Rábida-Universidad de Sevilla, 1984), 509–510.

64 Cardaillac, Moriscos y cristianos, 74–75.

65 Archivo Histórico Nacional, Madrid, henceforth AHN, Inquisición, Libro 1.033, f.152V cited in Cardaillac, “Le problème Morisque en Amérique,” 301.

66 AHN, Inquisition de Lima, lib. 1.027, f. 11V cited in Cardaillac, “Le Problème Morisque en Amérique,” 293 and for Juan Solano, Syviane A. Diouf, Servants of Allah: African Muslims Enslaved in the Americas (New York: New York University Press, 1998), 147.

67 J.T. Medina, La Inquisición de Lima, cited in Cardiallac, “Le Problème Morisque en Amérique,” 294.

68 AHN, Inquisition de Lima, lib. 1.033, cited in Cardaillic, “Le Problème Morisque en Amérique,” 293.

69 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, Historia de la Inquisición en América, 921.

70 Ibid., 987 and 989.

71 Ibid., 983, 978 and 991.

72 Alguém que era um judeu praticante clandestino.

73 Richard E. Greenleaf, Inquisición y Sociedad en México colonial (Madrid: Porrúa, 1985), 7.

74 Pérez Villanueva and Escandell-Bonet, Historia de la Inquisición en América, 282.

75 Manuel Toussaint, Arte mudéjar en América (México: Editorial Porrua, 1946), 10.

76 Copala também estaria localizada no estado de Sinaloa, no norte do México, Garrido Aranda, “El Morisco y la Inquisición novohispana,” 517.

77 Archivo General de la Nación, Mexico City, henceforth AGN, Inquisición, vol 127, exp. 4, f. 402f–414f.

78 Peter Dressendörfer, “Crypto-musulmanes en la Inquisición de la Nueva España,” in Alvaro Galmés de Fuentes, ed. Actas del Coloquio Internacional Sobre Literature Aljamiaday Morisca (Madrid: Editorial Gredos, 1972), 485–486.

79 AGN, Inquisición, Vol. 276, Exp. 7, f. 167f–176f.

80 Informação tirada do AGN, Mexico, Inquisición, vol. 38, exp. 9, 1539, folios 207f– 211v unless otherwise cited.

81 O Bispo de Oaxaca, atuou como representante da Inquisição e não em sua capacidade clerical “secular”, J.T. Medina, La Primitiva Inquisición española, 1493–1569 cited in Cardaillac, “Le Problème Morisque en Amérique,” 296.

82 AGI, Contratación, 5756, No.4, R.19.

83 AGN, Inquisición, vol. 38, Nº 9, 207–211 quoted in Antonio Garrido Aranda, “El Morisco y la Inquisición novohispana, 515.”

84 AGN, Inquisición, tomo 1, exp. 10c quoted in Garrido Aranda, “El Morisco y la Inquisición novohispana,” 515.

85 Ibid.

86 AGN, Inquisición, vol. 38, exp. 9, 1539.

87 Ibid.

88 Ibid., 207–211 quoted in Garrido Aranda, “El Morisco y la Inquisición novohispana,” 515.

89 AGN, Inquisición, vol 38, exp. 9, 1539, F. 208f.

90 Ibid., 207–211 quoted in Garrido Aranda, “El Morisco y la Inquisición novohispana,” 516.

91 AGN, Inquisición, vol 38, exp. 9, 1539, F. 210.

92 Ibid., 211v. and Garrido Aranda, “El Morisco y la Inquisición novohispana,” 516. It is not clear what comprised “pesos of tipuzque” or “tipuz”.

93 Muitos estudiosos estudam as práticas mágicas dos Mouriscos, como Yvette Hermosilla Cardaillac, María Luisa Lugo e L López-Baralt. Além disso, práticas mágicas entre os mouriscos são reveladas por várias de suas evidências de manuscritos aljamiado. Muitos desses manuscritos foram publicados, por exemplo, Ana Labarta, Libro de los dichos maravillosos: Misceláneo Morisco de magia y adivinación (Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1993) and Karl Kobbervig, El libro de las suerte (Madrid: Gredos, 1987).

94 Garrido Aranda, “El Morisco y la Inquisición novohispana,” 517–518.

95 Sagarzazu, La conquista furtive, 134.

96 Salvo indicação em contrário, as informações são retiradas de AGN, Inquisition, vol. 151, exp. 5, tomo 2, F. 1f–34v.

97 Citando Relación del tercero auto particular de fé, celebrado en la iglesia de la Profesa … a los trenta del mes de marzo de 1648 (Imprenta de Juan Ruíz, 1618), suas origens são mencionadas como “as Alpujarras” in Julio Jiménez Rueda, Herejías y supersticiones en la Nueva España: Los heterodoxos de México (México: Universidad Autónoma, 1946), 206.

98 Cardaillac, “Le Problème Morisque en Amérique,” 294–295.

99 Ela não nomeou o Ramadã ou o ‘Eid, como mencionado por Cardaillac, “Le Problème Morisque en Amérique”, 295.

100 Peter Dressendörfer, “Crypto-musulmanes en la Inquisición de la Nueva España,” in Alvaro Galmés de Fuentes, ed. Actas del Coloquio Internacional sobre Literatura Aljamiada y Morisca , 487. Agradeço à Dra. Mary Elizabeth Perry por me encorajar a aprofundar nos registros da Inquisição e por me enviar uma cópia da referida obra.

101 Julio Caro Baroja, Los Moriscos del Reino de Grenada (Madrid: Istmo, 1957), 34.

102 Cardaillac, “Le Problème Morisque en Amérique,” 295.

103 AGN, Inquisition, vol. 151, exp.5, tomo 2, F. 1f–34v. 1

04 Dressendörfer, “Crypto-musulmanes en la Inquisición de la Nueva España,” 489.

105 “El sol se ha puesto, mis pecados están escriptos y a mi Señor se me ha olvidado,” de acordo com a transcrição em espanhol feita pela Inquisição mexicana. O manuscrito aljamiado secreto dos mouriscos da Espanha, espanhol escrito em escrita árabe, ainda não foi encontrado na América Latina.

106 Abdullah Yusuf Ali, The Holy Qur’┐n: Text, Translation and Commentary (Brentwood, MD: Amana, 1983), 1430 commentary on verse, 43: 80.

107 Kagan and Dyer, Inquisitorial Inquiries, 54–55.

108 Dressendörfer, “Crypto-musulmanes en la Nueva España,” 486–490 and Cardaillac, “Le Problème Morisque en Amérique,” 295.

109 AGN, Inquisición, vol. 151, exp. 5, tomo 2, F.34v

Fonte: Inquisition Proceedings against Muslims in 16th Century Latin America