Texto de: Harut Sassounian

Por muitos anos, ouvi dizer que houve comunicação por escrito entre o Profeta Muhammad e o Patriarcado Armênio de Jerusalém, mas não tinha visto nenhum dos documentos que dessem provas de tal.

Há dois meses, li um artigo fascinante publicado no jornal armênio Aztag, em Beirute, no Líbano. O autor era o Dr. Garbis Harboyan, de Montreal, Canadá, que havia descoberto os detalhes da comunicação entre o Profeta Muhammad e o então Patriarca Armênio de Jerusalém e seus sucessores.

Ele mencionou que usou como fonte o livro “Através do Olho de uma Agulha Armênia”, de Gregory Krikorian, publicado pelo Catholicosate Armênio da Cilícia, em 2002. Krikorian declarou que seu livro era o resumo e tradução em inglês do livro “História de Jerusalém”, que possui dois volumes e 1.385 páginas, do autor Dikran Sayalanians, publicado pelo Patriarcado Armênio de Jerusalém, em 1931.

O Dr. Harboyan também mencionou que ele havia visto recentemente o livro “Tesouros da Arte Armênia de Jerusalém”, de Bezalel Narkiss, Michael E Stone e Avedis Sanjian, publicado em Nova York, em 1979, que incluía uma cópia do decreto do Profeta Muhammad ao Patriarcado Armênio.

A aliança entre cristãos armênios e muçulmanos

O Patriarcado Armênio foi estabelecido em Jerusalém há quase 2.000 anos. Muitos armênios foram em peregrinação a Jerusalém depois de se converterem ao cristianismo, em 301 dC. Eles haviam construído uma parte do Convento Sourp Hagop, em 420 dC. No sexto século, os armênios construíram 66 instituições religiosas em Jerusalém.

Em 626 dC, o patriarca armênio Apraham de Jerusalém, vendo riscos na expansão e conquista islâmica, foi para a cidade sagrada de Meca com uma delegação de 40 armênios proeminentes para se encontrar com o Profeta Muhammad para garantir sua proteção.

O Dr. Harboyan relatou que o Profeta havia recebido os convidados armênios com carinho, respeito e gentileza, e escutou as sugestões do Patriarca Apraham. A delegação armênia expressou sua submissão ao Profeta, prontidão em cooperar com ele e buscou sua proteção. No final da reunião, o Profeta Muhammad emitiu um decreto que dizia:

Eu, Muhammad, filho de Abdallah, Profeta e servo de Deus, presto meu respeito ao Patriarca Apraham, eu o honro e todos os arcebispos, bispos e sacerdotes em Jerusalém, Damasco e regiões árabes, em outras palavras, aquelas pessoas que estão sujeitas a Jerusalém, como etíopes, coptas e assírios.

Eu reconheço e garanto seus monastérios, igrejas, centros educacionais, propriedades e terras. Eu, Profeta Muhammad, com o testemunho de Deus, e as 30 pessoas ao meu redor, concedo meu patrocínio e proteção, e distribuo minha misericórdia às igrejas armênias, onde quer que estejam, por toda Jerusalém, o Santo Túmulo de Cristo, Sourp Hagop, Igreja de Belém, todas as casas de oração, mosteiros, estrada do Gólgota e os locais sagrados.

Eu também asseguro e atesto que minha proteção também se estenda a colinas cristãs, vales e instituições cristãs geradoras de renda. Declaro tudo isso em meu nome como Profeta e em nome de meus fiéis muçulmanos.

O Profeta Muhammad instruiu seus sucessores a respeitar seu decreto e executá-lo em todos os seus detalhes. Presente nessa reunião estavam Omar Ibn Khattab, que se tornou um dos sucessores do Profeta e emitiu um decreto similar confirmando o decreto do Profeta.

Assim, o decreto do Profeta tornou-se o primeiro documento oficial confirmando o status do Patriarcado Armênio em Jerusalém. Infelizmente, o decreto original não pode ser localizado nos arquivos do Patriarcado. No entanto, existe uma cópia amarelada no Museu Mardigian do Patriarcado.

Quando Omar assumiu como califa em 634, ele nomeou Abu Obeid como o chefe do exército. As forças de Abu Obeid atacaram Damasco e Jerusalém. O patriarca grego Sophronius e o patriarca armênio Krikor encontraram-se com Abu Obeid e informaram-no de que ocupar Jerusalém enfureceria a Deus, porque Jerusalém é uma cidade santa.

Abu Obeid relatou ao califa Omar sobre seu encontro com os dois patriarcas. Omar foi pessoalmente a Jerusalém. O irmão do patriarca grego encontrou-se com Omar e lembrou-o do decreto do profeta Muhammad. Omar então emitiu seu próprio decreto e confirmou o decreto do Profeta.

Omar entrou em Jerusalém com seus seguidores, visitou os locais religiosos e sugeriu a construção de uma mesquita, em um terreno ao lado da igreja do túmulo de Cristo. A Mesquita foi concluída em 935 e recebeu o nome de “Al Omariya”. Omar permitiu a liberdade para o culto cristão, mas proibiu o toque dos sinos da igreja.

Omar foi sucedido pelo califa Ali, que também emitiu um decreto para os armênios em Jerusalém, confirmando os decretos anteriores do Profeta e Omar.

Em 1097, os cruzados invadiram e tomaram Jerusalém. Em 118, o curdo com origens em Dvin na Armênia, Saladino, retomou Jerusalém e expulsou a maioria dos 100.000 cristãos da cidade. Ele assumiu todas as igrejas latinas em Jerusalém e proibiu os cultos da mesma. No entanto, ele concedeu liberdade parcial aos armênios.

O patriarca armênio Apraham, com um grupo do seu clero, encontrou-se com Saladino e mostrou-lhe o decreto do Profeta Muhammad. Saladino então emitiu seu próprio decreto e confirmou os decretos emitidos pelo Profeta e pelos califas Omar e Ali.

Ele, então, notou particularmente em seu decreto a jurisdição dos armênios sobre igrejas e locais sagrados, o Convento Sourp Hagop, igrejas de Belém e Nablus, o Santo Sepulcro e, especialmente, a liberdade de culto armênia. Ele também reduziu os impostos sobre mercadores e peregrinos armênios.

Em 1517, o sultão otomano Selim ocupou Jerusalém e emitiu seu decreto, confirmado os privilégios concedidos ao Patriarcado Armênio de Jerusalém pelo Profeta Muhammad, califa Omar e Saladino.

O sucessor do sultão Selim, Suleiman I, emitiu seu próprio decreto, reconfirmando os direitos armênios em Jerusalém. Os sultões subsequentes também emitiram decretos, como Mehmed IV em 1659, Mahmud I em 1735 e Abdulmejid I em 1853.

O decreto do Profeta Muhammad, além de ser um valioso documento histórico, indica que os cristãos armênios e muçulmanos têm desfrutado das relações mais cordiais desde os tempos antigos até o presente.

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