O desenvolvimento dos modernos Estados nacionais, em todo o mundo árabe, é um processo fascinante e comovente. Há 100 anos, a maioria dos árabes faziam parte do Império/Califado Otomano, um grande Estado multiétnico com sede em Istambul.

Hoje, o mapa político do mundo árabe parece um quebra-cabeça vertiginoso. Um curso complexo e intrincado de eventos na década de 1910 trouxeram o fim dos otomanos e a ascensão dessas novas nações, com fronteiras que cortam todo o Oriente Médio, dividindo os muçulmanos uns dos outros.

Embora existam diversos fatores que tenham levado a isso, o papel que os britânicos tiveram nesta tarefa foi muito maior do que qualquer outro participante na região. Em três acordos separados, os britânicos fizeram promessas conflitantes as quais tiveram que sustentar. O resultado foi uma confusão política que dividiu uma grande parte do mundo muçulmano.

A eclosão da Primeira Guerra Mundial

No verão de 1914, a guerra eclodiu na Europa. Um complexo sistema de alianças, uma corrida militar armamentista, ambições coloniais e má gestão geral nos níveis mais altos do governo levaram a esta guerra devastadora que tirou a vida de 12 milhões de pessoas entre 1914 e 1918.

No lado dos “Aliados” estavam os impérios da Grã-Bretanha, França e Rússia. E os poderes “Centrais” consistiam-se da Alemanha e da Áustria-Hungria. A princípio, o Império Otomano decidiu permanecer neutro. Eles não eram tão fortes quanto qualquer um dos outros países que lutavam na guerra e eram assolados por ameaças internas e externas.

O sultão/califa otomano era nada mais do que uma figura de proa, com o último sultão com poder real, Abdulhamid II, tendo sido derrubado em 1908 e substituído por um governo militar liderado pelos “Três Paxás”.

Eles faziam parte de um grupo ocidentalizado secular, os Jovens Turcos. Financeiramente, os otomanos estavam em um dilema grave, devido a enormes dívidas com as potências europeias que eles não eram capazes de pagar.

Depois de tentar se juntar ao lado dos Aliados e serem rejeitados, os otomanos alinharam-se com as Potências Centrais, em outubro de 1914. Os britânicos imediatamente começaram a conceber planos para dissolver o Império Otomano e expandir seu império no Oriente Médio. Eles já tinham o controle do Egito, desde 1888, e da Índia, desde 1857.

O Oriente Médio otomano estava bem no meio dessas duas colônias importantes e os britânicos estavam determinados a exterminá-lo como parte da guerra mundial.

A Revolta Árabe

Uma das estratégias britânicas foi tornar os assuntos árabes do Império Otomano contra o governo. Eles encontraram um ajudante pronto e disposto no Hejaz, a região ocidental da Península Arábica. Sharif Hussein bin Ali, o emir (governador) de Meca, que entrou em acordo com o governo britânico para se revoltar contra os otomanos.

Suas razões para aliar-se com os britânicos, contra outros muçulmanos, permanecem incertas. As possíveis razões para a sua revolta foram: desaprovação com os objetivos nacionalistas turcos dos Três Paxás, uma rixa pessoal com o governo otomano ou, simplesmente, um desejo de ter seu próprio reino.

Quaisquer que suas razões tenham sido, Sharif Hussein decidiu revoltar-se contra o governo otomano em aliança com os britânicos. Em troca, os britânicos prometeram fornecer dinheiro e armas para os rebeldes para ajudá-los a lutarem contra o exército otomano muito mais organizado.

Além disso, os britânicos prometeram-lhe que, depois da guerra, ele (Sharif Hussein) teria seu próprio reino árabe que cobriria toda a Península Arábica, incluindo a Síria e o Iraque. As cartas em que os dois lados negociavam e discutiam a revolta são conhecidas como as Correspondências McMahon-Hussein , já que Sharif Hussein estava se comunicando com o alto comissário britânico no Egito, Sir Henry McMahon.

Resultado de imagem para ottoman empire world war 1"
Rebeldes árabes com a bandeira desenhada pelos britânicos como simbolo da revolta árabe.

Em junho de 1916, Sharif Hussein levou seu grupo de guerreiros beduínos armados do Hejaz em uma campanha armada contra os otomanos. Dentro de poucos meses, os rebeldes árabes conseguiram capturar inúmeras cidades do Hejaz (incluindo Jeda e Meca) com a ajuda do exército e da marinha britânica.

Os britânicos prestaram apoio na forma de soldados, armas, dinheiro, conselheiros (incluindo o “lendário” Lawrence da Arábia) e uma bandeira. Os britânicos no Egito elaboraram uma bandeira para os árabes usarem na batalha, que era conhecida como a “Bandeira da revolta árabe”. Esta bandeira se tornaria, mais tarde, o modelo para outras bandeiras árabes de países como a Jordânia, Palestina, Sudão, Síria e Kuwait.

Com a Primeira Guerra Mundial atravessando os anos 1917 e 1918, os rebeldes árabes conseguiram capturar algumas das principais cidades dos otomanos. Os britânicos avançaram na Palestina e no Iraque, capturando cidades como Jerusalém e Bagdá, os árabes ajudaram-os através da captura de Amman e Aqaba.

É importante notar que a Revolta Árabe não teve o apoio de uma grande maioria da população árabe. Foi um movimento minoritário de quase 2000 membros da tribo, liderada por alguns líderes que procuravam aumentar seus próprios poderes.

A grande maioria dos povos árabes ficou longe do conflito e não apoiaram os rebeldes ou o governo otomano. O plano de Sharif Hussein para criar seu próprio reino árabe foi um sucesso até então, se não fosse por outras promessas que os britânicos fariam.

A Bandeira

Com o fim da Primeira Guerra Mundial e da “velha ordem”, no Oriente Médio, a Grande Revolta Árabe foi o movimento financiado pela Inglaterra para criar uma oposição interna organizada ao Império Otomano.

A derrota dos otomanos representou a ocupação da região pelas potências estrangeiras, o que não se via desde os tempos das cruzadas ou da invasão mongol. A bandeira da Revolta Árabe foi projetada pelo diplomata britânico Sir Mark Sykes, em um esforço para criar um sentimento de “arabidade” contra o Império Otomano e facilitar a conquista colonial européia do Oriente Médio.

Embora a Revolta Árabe tenha sido muito limitada no escopo e encabeçada pelos britânicos e não pelos próprios árabes em geral, à exceção de alguns líderes como Sharif Hussein de Meca, sua bandeira influenciou as bandeiras nacionais de vários países árabes emergentes após a Primeira Guerra.

As bandeiras inspiradas na revolta árabe incluem Egito, Jordânia, Iraque, Kuwait, Sudão, Síria, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Palestina, Somalilândia, República Democrática Árabe Sarauí e Líbia.

As cores horizontais visavam representar um suposto passado nacionalista árabe, através das bandeiras dos califados abássida (preto), omíada (branco) e fatímidas (verdes). O triângulo vermelho refere-se à dinastia Hachemita descendente do clã do Profeta Muhammad, os Banu Hashim.

Os hashemitas eram aliados dos britânicos no conflito contra o Império Otomano. Após o fim da guerra, os hashemitas obtiveram o governo na região de Hejaz, na Arábia, na Jordânia, formalmente conhecida como Reino Hachemita da Jordânia, na Grande Síria e no Iraque.

A Grande Síria foi dissolvida após apenas alguns meses de existência, em 1920. Os hashemitas foram derrubados no Hejaz em 1925 pela Casa de Saud, também aliada dos britânicos, e no Iraque em 1958 por um golpe de Estado, mas mantiveram o poder na Jordânia.

Obs: A bandeira da Síria está de acordo com a utilizada sob o protetorado francês no país e guerra de independência (1932-1958, 1961-1963) a qual a imagem se refere. Não é nenhuma alusão a atual bandeira utilizada pela oposição no decorrente conflito civil, no qual foi readotada.

O Acordo Sykes-Picot

Antes que a revolta árabe pudesse mesmo começar e antes de Sharif Hussein criar seu reino árabe, os britânicos e franceses tinham outros planos. No inverno de 1915-1916, dois diplomatas, Sir Mark Sykes da Grã-Bretanha e François Georges-Picot da França secretamente se reuniram para decidir o destino do mundo árabe pós-otomano.

De acordo com o que se tornaria conhecido como o Acordo Sykes-Picot, os britânicos e franceses concordaram em dividir o mundo árabe entre si. Os britânicos estavam a tomar o controle do que é hoje o Iraque, Kuwait e Jordânia. Aos franceses foram dados Síria moderna, Líbano e sul da Turquia.

O estado da Palestina foi determinado, posteriormente, com a ambição sionista sendo levada em conta. As zonas de controle que os britânicos e franceses criaram permitiram uma certa quantidade de autonomia árabe em algumas áreas, embora com controle europeu sobre esses reinos árabes.

Em outras áreas, aos britânicos e franceses foram prometidos controle total. Apesar de ter sido concebido como um acordo secreto para um pós-Primeira Guerra Mundial do Oriente Médio, o acordo ficou conhecido publicamente em 1917, quando o governo russo bolchevique o expôs.

O Acordo Sykes-Picot contradisse diretamente as promessas feitas pelos britânicos para Sherif Hussein e causou uma quantidade considerável de tensão entre os britânicos e árabes. No entanto, este não seria o último dos acordos conflitantes que os britânicos fariam.

A Declaração Balfour

Outro grupo que queria seu espaço no poder do cenário político do Oriente Médio foram os sionistas. O sionismo é um movimento político que apela à criação de um Estado judeu na Terra Santa da Palestina. Tudo começou em 1800 como um movimento que buscou encontrar uma pátria fora da Europa para os judeus (a maioria dos quais viviam na Alemanha, Polônia e Rússia).

Eventualmente os sionistas decidiram pressionar o governo britânico durante a Primeira Guerra Mundial para que permitissem seu estabelecimento na Palestina após o fim da guerra. Dentro do governo britânico, haviam muitos que eram simpáticos a esse movimento político.

Um deles era Arthur Balfour, o ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha. Em 2 de novembro de 1917, ele enviou uma carta ao barão Rothschild, um líder na comunidade sionista. A carta declarou apoio oficial do governo britânico para os objetivos do movimento sionista para estabelecer um Estado judeu na Palestina:

O ponto de vista do governo de Sua Majestade é a favor do estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, e vai usar seus melhores esforços para facilitar a realização deste objetivo, sendo claramente entendido que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades existentes de não-judeus na Palestina, ou os direitos e estatuto político dos judeus em qualquer outro país.

Resultado de imagem para déclaration balfour"
Arthur Balfour e a Declaração Balfour original

Três acordos conflitantes

Em 1917, os britânicos tinham feito três acordos diferentes com três grupos diferentes prometendo três futuros políticos diferentes para o mundo árabe. Os árabes insistiram em terem seu reino árabe que foi prometido a eles através de Sharif Hussein. Os franceses (e os próprios britânicos) planejavam dividir essa mesma terra entre si.

E os sionistas deveriam receber a Palestina como prometido por Balfour. Em 1918, a guerra terminou com a vitória dos Aliados e a completa destruição do Império Otomano. Embora os otomanos existissem nominalmente até 1922 (e o califado existisse nominalmente até 1924), todos as ex-terras otomanas estavam agora sob a ocupação européia. A guerra acabou mas o futuro do Oriente Médio ainda estava em disputa entre três lados diferentes.

Qual lado ganhou? Nenhum totalmente conseguiu o que queria (tendo os sionistas alcançado maior exito). No rescaldo da Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações (precursora da Organização das Nações Unidas) foi estabelecida. Uma de suas tarefas era dividir as terras otomanas conquistadas.

Ela elaborou “mandatos” para o mundo árabe. Cada mandato deveria ser governado pelos britânicos ou franceses “até o momento em que eles fossem capazes de se governarem sozinhos.” A Liga foi quem elaborou as fronteiras que vemos nos mapas políticos modernos do Oriente Médio.

As fronteiras foram traçadas sem levar em conta os desejos das pessoas que viviam lá ou ao longo de fronteiras étnicas, geográficas ou religiosas – elas eram verdadeiramente arbitrárias. É importante notar que, ainda hoje, as fronteiras políticas no Oriente Médio não indicam diferentes grupos de pessoas.

As diferenças entre os iraquianos, sírios, jordanianos, etc. foram totalmente criadas pelos colonizadores europeus como um método de dividir os árabes uns contra os outros. Através do sistema de mandato, os britânicos e os franceses foram capazes de obterem o controle que queriam sob todo o Oriente Médio.

Para Sharif Hussein, seus filhos foram autorizados a governarem com esses mandatos sob a “proteção” britânica. O Príncipe Faisal foi feito rei do Iraque e da Síria e o príncipe Abdullah foi feito rei da Jordânia. Na prática, porém, os britânicos e franceses tinham autoridade real sobre essas áreas.

Para os sionistas, eles foram autorizados pelo governo britânico a se estabelecerem na Palestina, embora com limitações. Os britânicos não queriam irritar os árabes que já viviam na Palestina, então eles tentaram limitar o número de judeus com permissão para migrar para a Palestina.

Isto enfureceu os sionistas, que procuravam formas ilegais de imigrar ao longo das décadas de 1920 e 1940, bem como os árabes, que viram a imigração como a invasão da terra que havia sido deles desde que Saladino a libertou em 1187. A confusão política que a Grã-Bretanha criou no rescaldo da Primeira Guerra Mundial permanece até hoje.

Os acordos concorrentes e os países subsequentes que foram criados para desunir os muçulmanos uns dos outros levou à instabilidade política em todo o Oriente Médio. O surgimento do sionismo juntamente com a desunião dos muçulmanos na região levou a governos corruptos e declínio econômico para o Oriente Médio como um todo.

As divisões que os britânicos instituíram no mundo muçulmano permanecem fortes até hoje, apesar de terem sido inteiramente criadas dentro dos últimos 100 anos.

Bibliografia

  • Fromkin, David. A Peace to End All Peace: The Fall of the Ottoman Empire and the Creation of the Modern Middle East. New York: H. Holt, 2001.
  • Hourani, Albert Habib. A History Of The Arab Peoples. New York: Mjf Books, 1997. Print.
  • Ochsenwald, William, and Sydney Fisher. The Middle East: A History. 6th. New York: McGraw-Hill, 2003. Print.

Fonte: