Autor: David W. Tschanz

A civilização islâmica medieval concentrou parte de sua energia e intelectualidade em desenvolver as artes médicas. Um aspecto importante disso foi o desenvolvimento de hospitais e escolas médicas no decorrer desse período. As escolas médicas e bibliotecas, onde médicos experientes ensinavam técnicas medicinais aos estudantes e como colocar seus conhecimentos em prática ao lidar com seus pacientes, eram anexadas aos grandes hospitais. Os hospitais realizavam testes com seus alunos e emitiam diplomas. Chamados de bimaristans (palavra persa para “abrigo para os doentes”), eles eram dedicadas a promover a saúde, tratar doenças e expandir cada vez mais a disseminação do conhecimento médico.

O bimaristan era, em resumo, o berço da medicina Islâmica e o protótipo do hospital moderno. Elas não foram importantes somente para a disseminação do aprendizado da medicina, mas formaram a base para os hospitais e escolas médicas como conhecemos hoje. A sua filosofia pode ser melhor resumida pela política do hospital Mansuri no Cairo, que possuía 8 mil leitos:

O hospital deverá acolher todos os pacientes, homens e mulheres, até que eles fiquem totalmente recuperados. Todos os custos serão arcados pelo hospital, sejam pessoas vindas de longe ou de perto, residentes ou estrangeiros, fracos ou fortes, classe alta ou baixa, ricos ou pobres, empregados ou desempregados, cegos ou com visão, física ou mentalmente doentes, estudados ou iletrados. Não há termos de contraprestação e pagamento; ninguém será contestado ou insinuado sobre a falta de pagamento. Todo o serviço é pela magnificência de Allah, o Generoso.

Abulcasis (936-1013), médico muçulmano espanhol, no hospital de Córdoba, Espanha. Ele está cuidando de um paciente, enquanto um assistente carrega uma caixa com medicamentos. Abulcasis é o nome latinizado para Abu al-Qasim al-Zahrawi. Por Jan Lerhas.

Primeiros Hospitais

Locais para tratar pessoas doentes existem desde os tempos pré-históricos. A maioria era simples, sem muito além do que uma organização rudimentar e estrutura precária. Melhorias foram feitas durante o período helenístico, mas esses locais mal seriam tidos como algo além de espaços para alocar pessoas doentes. No Ocidente cristão, onde a crença filosófica dominante era de que a doença era de origem sobrenatural e portanto incontrolável pela intervenção humana, hospitais não iam muito além de hospícios. Lá, os pacientes eram atendidos por monges gentis que se dedicavam para garantir a salvação das almas [dos pacientes] sem tantos esforços para curar o corpo.

Devido ao ponto de vista contrário, de que Allah havia criado a cura para cada doença e que era a responsabilidade do médico em encontra-la, os hospitais Islâmicos tinham uma abordagem totalmente diferente e foram provavelmente os primeiros onde a restauração da saúde por meios racionais era o objetivo supremo.

Essa diferença de abordagem pode ser percebida pela arquitetura dos hospitais. No Ocidente, os leitos e locais onde os enfermos ficavam era de maneira para que eles pudessem ver o Sacramento diário. Eles eram pouco decorados. Por vezes eram úmidos e escuros. Porém, no mundo islâmico, as estruturas eram feitas para permitir a entrada de luz e ar, pois o tratamento médico era ditado pelo sistema humoral, focando assim na saúde corporal ao invés de espiritual.

“Hospitais Medievais”, de Robert Alan Thom. A pintura em questão é baseada no Hôtel Dieu em Beaune, França (a pintura não se encontra no artigo original; adição nossa).

Dispensários Móveis

Os primeiros centros de cuidado islâmico eram dispensários móveis criados por Rufaydah Al Aslamiyah ainda no tempo do Profeta. Durante a Ghazwah Khandaq (a Batalha da Trincheira), uma tenda foi erguida para tratar os feridos. Quando Sa’id bin Mu’az foi ferido e um dos vasos sanguíneos em seu braço foi prejudicado, o Profeta ordenou que ele fosse mantido na tenda para que ele pudesse pessoalmente cuidar dele. Posteriormente, califas e governantes desenvolveram e aprimoraram essas unidades “MASHNT.1 em verdadeiros dispensários para viagem, com remédios, comida, bebida, roupas, médicos e farmacêuticos. Seu objetivo era suprir as necessidades das comunidades periféricas que se encontravam longe das grandes cidades e dos centros permanentes de atendimento médico. No reinado do sultão turco-seljúcida Mohammed Saljuqi, o hospital móvel se tornou tão extenso que eram necessários 40 camelos para transportar seus equipamentos.

Hospitais Permanentes

O primeiro “hospital” islâmico, que na verdade foi apenas um leprosário, foi construído durante o período do califa Omíada Waleed bin Abul Malik (705-15). Os médicos indicados para esse hospital recebiam grandes propriedades e salários. Os pacientes eram sobretudo confinados no local devido à natureza contagiosa de suas doenças, porém recebiam estipêndios (assim como os cegos recebiam) para que pudessem cuidar de suas famílias.

O primeiro hospital geral documentado foi construído em Bagdá pelo vizir do califa Harun al-Rashid em 805. Poucos detalhes são conhecidos sobre essa instalação, mas o papel de proeminência da família Bakhtishu, antigos líderes de Jundishapur, como médicos da corte, sugere que eles tenham sido importantes para o seu desenvolvimento.

Dentro de uma ou duas décadas, mais 34 hospitais surgiram por todo o mundo islâmico, número que crescia a cada ano. Em al-Qayrawan, a capital árabe da Tunísia, um hospital foi construído no século IX, e outros ainda anteriores foram construídos em Meca e Medina. O Irã tinha vários, e o em Rayy era chefiado por al-Razi antes de se mudar para Bagdá.

Cinco outros bimaristans foram construídas em Bagdá no século X. A mais famosa foi estabelecida em 982 por ‘Adud al-Dawlah, que pediu para al-Razi supervisionar sua construção e operações. Portanto, al-Razi pegou pedaços de carne fresca e colocou em vários cantos de Bagdá. Algum tempo depois, ele foi checar cada um dos pedaços de carne para ver qual havia apodrecido menos, escolhendo esse local [com a carne menos apodrecida] para ser o local onde o hospital ficaria. Quando ele foi inaugurado, possuía 25 médicos, incluindo oftalmologistas, cirurgiões, ortopedistas, com um crescente número de especializações até a sua destruição em 1258 pelos Mongóis.

O vizir ‘Ali bin Isa bin Jarah bin Thabit escreveu ao médico-chefe oficial de Bagdá sobre outro grupo:

Estou muito preocupado sobre os prisioneiros. Seu grande número e a condição das prisões dão a certeza de que deve haver muitas pessoas doentes entre eles. Portanto, penso que eles devem ter seus próprios médicos que irá examina-los diariamente e lhes fornecer, caso necessário, medicamentos ou decocções. Tais médicos devem visitar todas as prisões e tratar dos pacientes doentes nelas.

Pouco depois, foi construído um hospital separado para presos condenados, com equipe e equipamentos completos.

No Egito, o primeiro hospital foi construído no bairro sudoeste do Cairo em 872 por Ahmad ibn Tulun, o governador abássida do Egito. É a primeira instalação documentada a oferecer atendimento a pessoas com problemas e doenças mentais, bem como doenças no geral. No século XII, Saladino fundou o hospital Nasiri no Cairo, mas foi superado tanto em tamanho quanto em importância pelo o hospital Mansuri, concluído em 1284 após 11 meses de construção. O hospital Mansuri continuou sendo o principal centro médico do Cairo pelo século XV; é agora utilizado para oftalmologia e foi renomeado para Hospital Qalawun.

O hospital Nuri em Damasco foi um dos principais desde a época de sua fundação no século XII até o século XV, período em que a cidade possuía outros 5 hospitais.

Na Espanha, só Cordoba possuía 50 grandes hospitais. Alguns deles eram reservados para uso militar e possuíam seus próprios médicos. Esses médicos complementavam aos médicos especiais que atendiam aos califas, os comandantes militares e os nobres.

Organização

Os hospitais eram subdivididos em vários departamentos, incluindo: doenças sistêmicas, oftalmologia, cirurgia, ortopedia e doenças mentais. Os departamentos de doenças sistêmicas, o equivalente ao departamento moderno de clínica médica [medicina interna], era normalmente dividido posteriormente em seções dedicadas a cuidar de febres e problemas digestivos. Grandes hospitais possuíam mais departamentos e diferentes subespecialidades. Cada departamento tinha um oficial encarregado e um oficial presidente, juntamente com um especialista supervisor.

Os hospitais possuíam um inspetor sanitário que era responsável por garantir a limpeza do recinto e que práticas higiênicas fossem observadas. Além disso, havia contadores e outro pessoal administrativo para garantir que as condições do hospital – financeiras e afins – atendessem aos padrões estabelecidos. Havia um superintendente, chamado sa’ur, que era responsável por supervisionar a administração de toda a instituição. Os médicos possuíam um horário fixo de trabalho, no qual deveriam atender os pacientes que chegavam em seus departamentos. Cada hospital tinha seu próprio corpo de farmacêuticos licenciados (saydalani) e enfermeiros. O salário dos funcionários médicos era fixado por lei e a compensação era fornecida a altos índices. Os hospitais islâmicos eram financiados através das receitas de piedosas doações [heranças etc.] chamadas de waqfs. Homens ricos, especialmente governantes, doavam propriedades cujas receitas iam diretamente para a construção e manutenção da instituição. A propriedade poderia consistir em lojas, moinhos, caravançaraisNT.2, ou até mesmo vilas inteiras. As receitas de uma doação pagariam pela manutenção e os custos de funcionamento do hospital, e as vezes supriam o pequeno estipêndio dado ao paciente após o mesmo receber alta. Parte do orçamento do estado também iria para a manutenção de um hospital. Os serviços hospitalares deveriam ser gratuitos, apesar dos médicos particulares as vezes cobrarem taxas.

Ruínas da entrada da mesquita e bimaristan Darussifa em Divrigi, Turquia (1228-29).

 

Tratamento dos Pacientes

Os bimaristans estavam abertas para todos 24 horas por dia. Algumas atendiam somente homens ou mulheres, enquanto outras atendiam ambos em alas separadas, mas com recursos e instalações duplicadas. Essas instalações possuíam cuidadoras, talvez médicas licenciadas, uma vez que a enfermaria feminina devia ser administrada por uma equipe de mulheres.

Os médicos trabalhavam em clínicas ambulatoriais, onde casos menos graves recebiam medicamentos prescritos para serem tomados em casa. Casos graves que requeriam atenção e supervisão regulares foram admitidos no hospital como pacientes internados.

Medidas especiais foram tomadas para prevenir infecções. Pacientes internados recebiam uma roupa hospitalar da área central de suprimentos, enquanto suas roupas pessoais ficavam guardadas no armazém do hospital. Ele ou ela era levado(a) até a enfermaria, onde encontraria um leito com um estofamento especial e lençóis limpos. Os quartos e enfermarias do hospital eram limpos e arrumados, com um suprimento abundante de água corrente. O curso do tratamento prescrito pelo médico começava imediatamente após a chegada do paciente. Os pacientes recebiam uma dieta fixa, dependendo de sua condição ou doença. O critério de boa saúde (seguindo de recuperação da doença) era de que o paciente fosse capaz de ingerir uma certa quantia de pão, normalmente ingerida por uma pessoa perfeitamente saudável, com a carne assada de um pássaro inteiro de uma só vez.

Se ele pudesse facilmente digerir isso, ele era considerado totalmente recuperado e saudável, recebendo alta. Os pacientes que eram curados de suas doenças mas eram considerados muito fracos para ir embora, eram transferidos para uma enfermaria de convalescência até que ficassem bem o suficientes para sair. Quando possível (e.g., aos pobres), os pacientes ganhavam recebiam roupas novas juntamente com uma quantia em dinheiro para auxilia-los com suas vidas.

Como mencionado, os hospitais eram extremamente limpos e bem decorados. Os inspetores avaliavam a limpeza do hospital e dos quartos diariamente. Não era incomum que o governante local visitasse o hospital para se certificar de que os pacientes estavam recebendo o melhor atendimento da equipe hospitalar.

O paciente recebia cuidados médicos e nutricionais para que pudesse recuperar sua saúde. A comida era da mais alta qualidade e incluía galinha e aves, bife e cordeiro, frutas e vegetais frescos.

O renomado médico e viajante, ‘Abdul Latif al-Baghdadi (m. 1238), que também ensinou em Damasco, narra uma história divertida sobre um inteligente jovem persa que ficou atraído pelos serviços e pela excelente comida do hospital de Nuri e então fingiu estar doente. O médico que o examinou primeiro descobriu o que o jovem tramava e o acolheu no hospital, fornecendo os excelentes alimentos por três dias. No quarto dia, o médico foi até o paciente com um sorriso pesaroso e disse: “A tradicional hospitalidade árabe dura por três dias; por favor, vá para casa agora!”

Quando o paciente estava recuperado, ele iria para uma enfermaria de recuperação. Ao ir embora, o paciente receberia novas roupas e dinheiro o suficiente para pagar suas despesas até que pudesse trabalhar novamente. O hospital avaliava cada pessoa de acordo com cada caso e fornecia o dinheiro de acordo com o tempo que cada um demoraria até poder voltar com suas vidas normalmente.

Os tratamentos eram sujeitos a revisões, como Ibn al-Okhowa diz em seu livro Ma’alem al-Qurba fi Talab al-Hisba:

Se o paciente é curado, o médico é pago. Se o paciente morre, seus pais vão até o médico-chefe, onde são apresentados às prescrições escritas pelo médico. Se o médico-chefe considera que o médico realizou seu trabalho perfeitamente e sem negligência, ele fala aos pais [do paciente] que a morte foi natural; se ele julga de outra maneira, ele os diz: tome o dinheiro de sangue de seu parente do médico; ele o matou por seu mau desempenho e negligência. Dessa honrosa maneira, eles faziam questão de que a medicina fosse exercida por pessoas experientes e bem treinadas.

Esses centros de cuidados intensivos geralmente ficavam em locais públicos movimentados, como grandes mesquitas. Maqrizi descreveu uma dessas instalações no Cairo:

Todos os custos serão arcados pelo hospital, sejam pessoas vindas de longe ou de perto, residentes ou estrangeiros, fracos ou fortes, classe alta ou baixa, ricos ou pobres, empregados ou desempregados, cegos ou com visão, física ou mentalmente doentes, estudados ou iletrados.

Ibn-e-Tulun, quando construiu sua mesquita mundialmente famosa no Egito, em um canto havia um local para realizar as abluções e um dispensário em anexo. O dispensário estava bem equipado com medicamentos e funcionários. Nas sextas-feiras costumava ter um médico em serviço lá, para que ele pudesse prestar socorro para qualquer causalidade na ocasião desses gigantescos encontros.

Escolas Médicas e Bibliotecas

Um dos principais papéis dos hospitais era o treinamento dos médicos. Cada hospital tinha um anfiteatro onde estudantes, juntamente com os médicos e médicos-chefes mais experientes se encontravam para discutir questões médicas em uma espécie de seminário. Conforme o treinamento progredia, os estudantes de medicina passariam a acompanhar os médicos para as enfermarias e a participar no tratamento aos pacientes, muito semelhante ao moderno sistema de residências. Textos que sobreviveram, como o de Ibn Abi Usaybi’ah, ‘Uyun, e notas de estudantes, revelam os detalhes dessas primeiras clinical roundsNT.3.

Muitos contêm instruções sobre dietas e receitas para tratamentos comuns, incluindo doenças de pele, tumores e febres. Alguns deles ainda sugerem que os estudantes examinem os pacientes e realizem diagnósticos. A maioria dos estudantes eram guiados pelos seus professores ao fazer suas observações. Durante cada round, eles eram instruídos a examinar as atitudes dos pacientes, seus excrementos, a natureza e o local das dores, assim como inchaços. Os alunos também foram orientados a observar a cor e a sensação da pele, se quente, fria, úmida, seca ou solta. No Cairo, estudantes avançados realizavam exames e procedimentos médicos simples, como a flebotomia.

O treinamento culminava no teste para conseguir a licença para praticar a medicina. Os candidatos tinham que comparecer ao médico-chefe oficial nomeado pelo governante da região. O primeiro passo requeria escrever um tratado sobre o assunto que o candidato queria receber o certificado de proficiência. O tratado poderia ser uma pesquisa original ou um comentário sobre textos já existentes, como os de Hipócrates, Galeno e, depois do século XI, os de Ibn Sina.

Os candidatos eram encorajados a examinar cuidadosamente essas obras antigas para encontrar erros. Essa ênfase no empirismo e observação, ao invés de uma aderência servil às autoridades do assunto, foi um dos pontos-chaves do fermento intelectual islâmico. Ao finalizar o tratado, o candidato era entrevistado sobre todos os problemas relevantes de sua especialidade em potencial.  Se obtivesse sucesso ao responder as perguntas, receberia a licença para praticar a medicina.

Outro fator importante aos hospitais, e de importância crítica tanto para estudantes quanto para professores, foi a existência de grandes bibliotecas médicas. O hospital Ibn Tulun do Egito tinha uma biblioteca com cerca de 100 mil livros das mais diversas áreas das ciências médicas no século XIV, uma época onde a maior biblioteca Europeia, a da Universidade de Paris, possuía somente 400 volumes.

Em suma

Os tratamentos médicos e de saúde do mundo moderno possuem incontáveis ligações com o passado. O hospital é uma invenção médica/social que hoje está consolidada, e esperamos nunca precisar dela. Quando precisamos, esperamos que seja um local para nos salvar e aliviar nossa dor em momentos de enfermidade ou de um acidente.

Nós podemos esperar isso por conta do sistema de cuidados médicos desenvolvido pela sociedade islâmica medieval. Os bimaristans serviam para vários propósitos: um centro de tratamento médico, um local de convalescência para aqueles se recuperando de doenças ou acidentes, um local para pessoas com doenças mentais e uma casa de repousos para realizar os cuidados básicos para os mais idosos e desvalidos que não possuem familiares para cuidar deles.

[Esses locais] desenvolveram-se dessa maneira porque muitos califas, governantes, sábios e praticantes da medicina pegaram o conhecimento antigo e prática consagrada pelo tempo e as fundiram com novas pesquisas, desenvolvendo-as em uma atmosfera de realizações intelectuais e busca constante pelo aperfeiçoamento.  

O bimaristan talvez seja a maior conquista da sociedade islâmica medieval. O hospital moderno e o sistema de educação e cuidados médicos a que deu origem, é certamente seu maior legado.

Um hakim examina um paciente neste diorama no Bimaristan Argun, Alepo, Síria.
Por Bernard Gagnon.

Caro pai, Você mencionou em sua carta anterior que me enviaria algum dinheiro para arcar os custos dos meus remédios, eu quero dizer que não preciso de nada, pois o tratamento neste hospital islâmico também é gratuito, além disso, há algo a mais sobre este hospital. Este hospital dá uma roupa nova e 5 dinares a cada paciente que já se recuperou, para que não seja obrigado a trabalhar no período de descanso e recuperação.

Caro pai, se quiser me visitar, você vai me encontrar no departamento de cirurgia e tratamento de articulações. Quando você entrar pela porta principal, vá para o corredor sul onde você encontrará o departamento de primeiros socorros e o departamento de diagnóstico de doenças, então você encontrará o departamento de artrite (doenças das articulações), próximo ao meu quarto, você encontrará uma biblioteca e uma sala onde os médicos se reúnem para ouvir as palestras dos professores, também esta sala é usada para a leitura. O departamento de ginecologia fica do outro lado do pátio do hospital. Homens não têm permissão para entrar. À direita do pátio do hospital encontra-se um grande salão para os que se recuperaram, neste local passam o período de descanso e convalescença por alguns dias, este salão contém uma biblioteca especial e alguns instrumentos musicais.

Querido pai, qualquer lugar deste hospital é extremamente limpo, as camas e os travesseiros são cobertos com um fino pano branco de Damasco, assim como as colchas são feitas de suave veludo felpudo, todos os quartos deste hospital são abastecidos com água limpa. Essa água é transportada para as salas por meio de canos conectados a uma ampla fonte de água; não só isso, mas também todos os quartos estão equipados com um fogão a lenha. Quanto à comida, frango e vegetais são sempre servidos ao ponto de que alguns pacientes não querem deixar o hospital por causa de seu amor e desejo por esta comida saborosa.

-Tradução de uma carta escrita por um homem francês no século X em um hospital de córdoba para seu pai.

Notas do tradutor

Nota (1): O termo “MASH” é sigla para Mobile Army Surgical Hospital, a unidade médica do exército dos EUA, servindo como um hospital móvel e totalmente funcional para atuar em áreas de combate ou operações militares.

Nota (2): Caravançarais eram um tipo de estabelecimento hoteleiro, uma estalagem.

Nota (3): Referência ao “grand round”, ferramenta de ensino médico que consiste em apresentar os problemas médicos ou de algum paciente em específico para demais médicos, residentes e/ou estudantes de medicina.

Referências

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Recomendação do História Islâmica sobre o tema: RISSE, Gunter B. Mending Bodies, Saving Souls: A History of the Hospitals. Oxford University Press, 1999.

Fonte: Aspetar: Sports Medicine Journal