Nascido em 1459, Djem Sultan era filho do sultão otomano Mehmet II, o Conquistador, e da nobre Çiçek Hatun, sendo assim, um dos príncipes que futuramente iria disputar a sucessão do sultanato.

De acordo com o costume imperial, Djem foi nomeado ainda na juventude para o governo provincial de Kastamonu em 1469. Em dezembro de 1474, ele substituiu seu falecido irmão Mustafa como governador de Karaman em Konya, para que assim, adquirisse experiência política, e pudesse, futuramente, governar.

Na altura da morte de seu pai Mehmet, o Conquistador, em 3 de maio de 1481, seu irmão Bayezid era o governador de Sivas, Tokat e Amasya. Sem herdeiro designado pelo sultão, o conflito pela sucessão ao trono irrompeu entre Djem e Bayezid, visto que de acordo com a tradição islâmica, todos os filhos de um homem são legítimos, sejam eles, no caso de governantes, filhos de concubinas ou consortes.

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Possível retrato de Cem, presumivelmente uma cópia de um original de Giovanni Bellini ou Costanzo da Ferrara.

A briga pela sucessão de Mehmed II

Ao contrário da lei islâmica, que proíbe qualquer atraso desnecessário no enterro, o corpo de Mehmed II foi transportado para Constantinopla, onde permaneceu por três dias.

Seu grão-vizir Karamanlı Mehmet Pasha, acreditando estar cumprindo os desejos do recentemente falecido sultão, tentou organizar uma situação em que o filho mais novo, Djem, cuja sede governante em Konya era mais próxima do que o irmão de Bayezid, em Amasya, chegaria a Constantinopla antes de seu irmão mais velho e seria capaz de reivindicar o trono.

No entanto, Bayezid já havia estabelecido uma rede política de influentes paxás, dois dos quais eram seus genros, janízaros, e os que se opunham às políticas de Mehmed II e do grão-vizir.

Apesar das tentativas de segredo de Karamanlı Mehmet Pasha, a morte do sultão e o plano do grão-vizir foram descobertos pelo corpo de espiões, que apoiavam Bayezid contra Djem, e haviam sido mantidos fora da capital após a morte do sultão. Como resultado, o grupo dos janízaros se rebelou, entrando na capital e linchando o grão-vizir.

Após a morte de Karamanlı Mehmet Pasha, houve tumultos generalizados entre os janízaros de Constantinopla, pois não havia sultão nem grão-vizir para controlar o próprio Império. Entendendo o perigo da situação, o ex-grão-vizir, Ishak Pasha, tomou a iniciativa de suplicar a Bayezid que chegasse com a devida pressa.

Enquanto isso, Ishak Pasha tomou a medida cautelar de proclamar o filho de 11 anos de Bayezid, o príncipe Korkut, como regente até a chegada de seu pai.

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Retrato de Djem por Bernardino di Betto, século XV.

O príncipe Bayezid chegou a Constantinopla em 21 de maio de 1481 e foi declarado sultão Bayezid II. Apenas seis dias depois, Djem capturou a cidade de Inegöl com um exército de 4.000 homens. O sultão Bayezid enviou seu exército sob o comando do vizir Ayas Pasha para matar seu irmão.

Em 28 de maio, Djem derrotou o exército de Bayezid e declarou-se sultão da Anatólia, estabelecendo sua capital em Bursa. Ele propôs dividir o império entre ele e seu irmão, deixando para Bayezid o lado europeu das terras otomanas. Bayezid rejeitou furiosamente a proposta, declarando que “entre os governantes não há parentesco”, e marchou para Bursa.

A batalha decisiva entre os dois candidatos ao trono otomano ocorreu em 19 de junho de 1481, perto da cidade de Yenişehir. Djem perdeu e fugiu com sua família para a capital do Sultanato Mameluco do Egito, o Cairo.

O sultão mameluco Qait Bey recebeu Djem com honrarias no Cairo, e o príncipe exilado aproveitou a oportunidade para ir em peregrinação à Meca.

De volta ao Cairo, Djem recebeu uma carta de seu irmão, oferecendo a ele um milhão de akces (a moeda otomana) para abandonar a disputa pelo trono. Djem rejeitou a oferta, e no ano seguinte ele lançou uma campanha na Anatólia sob o apoio de Kasım Bey, herdeiro da casa governante de Karaman, e senhor da província de Ankara.

A ida de Djem para Jerusalém

Em 27 de maio de 1482, Djem cercou Konya, mas logo foi derrotado e forçado a se retirar para Ancara. Ele pretendia desistir de tudo e voltar para o Cairo, mas todas as estradas para o Egito estavam sob o controle de Bayezid. Djem então tentou renegociar com seu irmão.

Bayezid ofereceu-lhe um estipêndio para viver em silêncio em Jerusalém, mas recusou-se a dividir o império, levando Djem a fugir para a ilha de Rodes em 29 de julho de 1482, na época sob domínio dos cavaleiros hospitalários.

Djem foi recebido com honrarias pelos cavaleiros cristãos, e pediu a proteção do capitão francês do Castelo de Bodrum, Pierre d’Aubusson, grão-mestre dos Cavaleiros de São João, em troca de ajuda-lo a depor o novo sultão Bayezid. O príncipe também ofereceu a paz perpétua entre o Império Otomano e a Cristandade se ele recuperasse o trono otomano.

No entanto, Pierre d’Aubusson percebeu que o conflito com Bayezid seria imprudente, talvez temendo o mesmo destino de seus companheiros mortos por Timur em Esmirna por ajudarem outro príncipe otomano, então ele contatou secretamente Bayezid, concluiu um tratado de paz e então chegou a um acordo separado sobre o cativeiro de Djem, em março de 1483.

D’Aubusson prometeu a Bayezid II deter Djem em troca de um pagamento anual de 40.000 ducados para sua manutenção do príncipe.

Djem ao centro e Pierre d’Aubusson em um jantar durante sua estadia em Rodes.

Portanto, os Cavaleiros pegaram o dinheiro e traíram o príncipe, que depois se tornou um prisioneiro bem tratado em Rodes. Djem em seguida foi enviado para o castelo de Pierre d’Aubusson, na França.

O uso do Príncipe como chantagem

Chegou a Nice em 17 de outubro de 1482, a caminho da Hungria, mas os Cavaleiros estavam apenas ganhando tempo. Depois que o acordo sobre o seu confinamento foi finalizado, ele se tornou refém, assim como uma ferramenta em potencial.

Alguns esperavam usar seu nome e posição para fomentar turbulência no sultanato otomano, incluindo o sultão mameluco Qait Bey, o rei da Hungria, Matias Corvino e o papa Inocêncio VIII, que pareciam estar querendo seguir o velho costume bizantino de chantagear sultões com príncipes exilados.

Outros, como os Cavaleiros de São João, os venezianos, o rei de Nápoles e os papas Inocêncio VIII e o papa Alexandre VI, viam sua presença na Europa como um impedimento à agressão otomana contra a cristandade e uma oportunidade de lucro.

De sua parte, Bayezid II enviou embaixadores e espiões ao Ocidente para assegurar que seu rival fosse detido indefinidamente, e ele até tentou eliminá-lo através de assassinato.

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Djem em um jantar na companhia dos cavaleiros.

Djem passou um ano no Ducado de Sabóia. Após a morte do rei Luís XI da França (30 de agosto de 1483), que se recusou a aceitar um muçulmano em suas terras, os Cavaleiros de São João o transferiram para Limousin (local de nascimento de D’Aubusson).

Djem passou os cinco anos seguintes lá, principalmente em Bourganeuf. Ele foi bem tratado, mas essencialmente cativo (uma torre fortificada foi construída para abrigá-lo). Bayezid II voltou a negociar com D’Aubusson para que o príncipe retornasse a Rodes, e com representantes do novo monarca francês, Carlos VIII, para mantê-lo na França.

Quando o rei da Hungria e o papa Inocêncio VIII procuraram a custódia do príncipe, o papa prevaleceu e Djem chegou a Roma em 13 de março de 1489. Inocêncio VIII rejeitou as ofertas dos mamelucos do Egito e preparou-se para lançar uma cruzada contra os otomanos, mas foi adiada quando Matias Corvino da Hungria morreu em 6 de abril de 1490.

Esses acontecimentos preocuparam Bayezid, que contatou D’Aubusson e também enviou Mustafá Bey (mais tarde grão-vizir) a Roma, para concluir um acordo secreto, em dezembro de 1490. O sultão prometeu não atacar Rodes, Roma ou Veneza, bem como pagar a mesada de 40.000 ducados para o papa, 10.000 deles foram destinados aos Cavaleiros de São João, em troca do encarceramento do príncipe.

Aparentemente, Djem achou a vida em Roma mais agradável que na França, e ele perdeu a esperança de tomar o trono otomano, mas queria morrer em terras muçulmanas. Seu desejo não seria realizado.

Afresco renascentista de Bernardino di Betto Betti da corte papal, onde uma das figuras mais destacadas é o príncipe Djem.

O papa Inocêncio VIII tentou, sem sucesso, usar Djem para iniciar uma nova cruzada contra os otomanos, e também tentou converter o príncipe turco ao cristianismo, ao que o mesmo respondeu:

Senhor Papa, você está me pedindo para trair meu próprio espírito. Só porque eu lutei contra o atual sultão (Beyazid), se você acha que trairei minha fé, está enganado. Eu não trairia minha para me tornar Sultão do Império Otomano. Não a trairia nem para me tornar Sultão do mundo inteiro! Nem eu nem meus descendentes podemos aceitar tal oferta, mesmo que tivéssemos que morrer, nunca abandonaríamos o Islã.

A presença de Djem em Roma foi útil, no entanto, pois sempre que Bayezid pretendia lançar uma campanha militar contra as nações cristãs dos Bálcãs, o Papa ameaçava libertar o seu irmão.

Em troca de manter a custódia de Djem, Bayezid pagou a Inocêncio VIII 120.000 coroas, na época, iguais a todas as outras fontes anuais de receita papal juntas, uma relíquia da Lança Sagrada, que supostamente perfurou o peito de Cristo, uma centena de escravos mouros, e uma taxa anual de 45.000 ducados.

Grande parte dos custos associados com a Capela Sistina foram pagos com fundos advindos do cativeiro do príncipe. Manter Djem era simplesmente um grande negocio para o papa.

Mausoléu do príncipe Djem, aonde foi sepultado no santuário da Mesquita  Muradiye em Bursa, atual Turquia.

Em 1494, Carlos VIII invadiu a Itália, para tomar posse do reino de Nápoles e anunciou uma cruzada contra os turcos. Ele obrigou o papa Alexandre VI Bórgia a entregar Djem, que deixou Roma com o exército francês em 28 de janeiro de 1495.

A morte de Djem

O príncipe morreu em Nápoles em 24 de fevereiro. Alguns relatos atribuem sua morte a envenenamento, mas ele provavelmente sucumbiu à pneumonia. O sultão Bayezid II declarou luto nacional por três dias pela morte de seu irmão.

Ele também pediu para reaver o corpo de Djem para um funeral islâmico, mas não foi até quatro anos após a morte do mesmo que seus restos mortais foram levados às terras otomanas, devido as longas tentativas de receber mais ouro pelo cadáver do príncipe por parte das autoridades católicas, que finalmente concordaram em ceder mediante a mais um pagamento.

Os ossos de Djem Sultan encontram seu descanso final em 1499, e ele foi sepultado no santuário da Mesquita  Muradiye em Bursa.

Bibliografias:

  • Duffy, Eamon (2006). Saints & Sinners – A History of the Popes. Yale University Press.
  • Finkel, Caroline (2005). Osman’s Dream: The Story of the Ottoman Empire, 1300–1923. Basic Books.
  • Freely, John (2004). Jem Sultan – The Adventures of a Captive Turkish Prince in Renaissance Europe.