Os “Moros”, muçulmanos das Filipinas compõe entre 5 e 10% da população total das Filipinas, o país com maior número de católicos da Ásia, onde o divórcio é, até hoje, ilegal. Como eles foram parar lá? Quem são eles? Como o cristianismo foi parar lá, também?

O Islã

Entre os séculos XIV e XV, o Islã se espalhou através do Sudeste Asiático e, nos 700 anos que se seguiriam, ele moldaria as crenças, as artes, as leis e o modo de vida de grande parte das pessoas da região. Já no século XIV, os mongóis já haviam deixado sua sangrenta pegada sobre toda a Eurásia e vários Estados sucessores dividiram entre si a herança de Gengis Khan. Um desses estados foi a Dinastia Yuan (1271–1368) ou “Grande Yuan”, que, dominando várias partes da Ásia, promoveu uma das primeiras experiências de globalização e “livre-comércio” no continente, possibilitando a entrada de comerciantes e pregadores, a maioria sufis, em várias localidades do Sudeste Asiático. No caso Filipino, o comércio empreendido pela Dinastia Ming (1368–1644) trouxe muitos mercadores e missionários árabes, indianos e huis (chineses muçulmanos) para os mares ao Sul da China, especialmente na região de Sulu, ao norte de Bornéu. Nesta época foi também construída a mesquita mais antiga das Filipinas, a Sheik Karimol Makhdum Mosque, alegadamente construída em 1380 por um comerciante árabe cujo nome a mesquita tomou, localizada na província de Tawi-Tawi, ao sul de Sulu.

Zheng He e as viajens Ming

O primeiro Imperador da Dinastia Ming (1368 – 1644), Hongwu (1368–1398) adotou uma política de comércio exterior restritiva: o comércio marítimo deveria ser um monopólio do Estado. Dentre as outras nações, apenas aquelas reconhecidas como tributárias (vassalas) poderiam manter laços comerciais com o ‘Império do Meio’, banindo o livre-comércio.

Nesse contexto, também foram lançados pesados investimentos na marinha chinesa, que se lançou a expedições a fim de explorar e estabelecer novos estados tributários na Ásia e além. Dentre os grandes nomes deste período – se não o maior - , está o exímio marinheiro chinês da etnia muçulmana Hui, Zheng He. Zheng He nasceu em 1371 com o nome de Ma He ou Ma San Bao. Sua família, muçulmana a gerações e pertencente à escola de jurisprudência Hanafi, havia a pouco se estabelecido na província de Yunnan. Seu bisavô, Bay-An, seu avô Charameddin e seu pai, Myrikim eram “Hajis”, isto é, eram pessoas que haviam completado a peregrinação (Hajj) à Meca. Servindo inicialmente o futuro Imperador Yungle, o Príncipe Yan, numa carreira militar meteórica que acabou lhe rendendo o nome Zheng. Ele viria inclusive a servir outros dois imperadores Ming.

Enquanto Almirante da Marinha da Dinastia Ming, Zheng visitou muitos locais do Sudeste Asiático, Oceano Índico e até da Arábia e África, sempre acompanhado por seu fiel tradutor fluente em árabe e outras línguas, Ma Huan. Zheng e sua caravana fundaram comunidades muçulmanas em várias localidades da atual Indonésia, em locais como Palembang, Kalimantan Ocidental e outras partes da Ilha de Java, além da Península Malaia e ilhas das Filipinas, visitando Sulu – onde primeiro o Islã floresceu nas Ilhas Filipinas -  ao menos uma vez. Além disso, Zheng também é lembrado pelo respeito por templos e locais sagrados de outras religiões. Uma estela trilíngue conhecida como “Estela de Galle” pela localidade da sua descoberta em Galle, Sri Lanka, contém exaltações a Buddha Shakyamuni em chinês, exaltações a Allah em perso-arábico e exaltações a Vishnu em tâmil. Além disso, ela também narra presentes opulentos em ouro, prata, seda e outros artigos de luxo que fizera em um templo budista da região. Suas viagens são narradas, também, num pilar comemorativo num templo taoísta dedicado à Deusa Tian Fei, em Fujian.

Árabes, persas e indianos

A escola de jurisprudência islâmica (madhab) majoritária no Sudeste Asiático é a Shafi’i. A maioria dos árabes pertence às madhabs Hanafi, Maliki e Hanbali, a Shafi’i é minoritária entre eles; como, então, explicar a predominância shafiita? A resposta que nos dão alguns estudiosos como o holandês Chritiaan Snouck Hurgronje (1857 –1936) postulam que aqueles que popularizaram o Islã na região eram mais persas e indianos do que árabes, como evidenciado pela alta quantidade de palavras e nomes persas em histórias populares indonésias e malaias, bem como a predominância da madhab shafi’i nas províncias indianas do Gujarate e Decão, à época grandes centros comerciais e pit-stop das rotas marítimas entre o mundo árabe e a Ásia Oriental. Seja como for, o fato é que o fervor missionário sufi ocasionado pelas sucessivas conquistas de reinos muçulmanos no subcontinente indiano foram vitais para a “marcha para o leste” do Islã. Pegando carona nos mercadores, o Islã chegou na Malásia, Indonésia e nas Filipinas.

O Místico, o Comerciante e o Rei

As histórias populares e as tarsilas, isto é, os relatos genealógicos da realeza que dizem respeito ao Sultanato de Sulu (1405–1915) da região das ilhas do sul das Filipinas falam sobre um “profeta”, nascido de um bambu que apareceu a Ilha de Jolo. Seu nome era “Tuan Mashaika” (possivelmente uma corruptela da palavra árabe mashaik, que significa um coletivo de homens sábios). Segundo os relatos, ele era um místico poderoso capaz de realizar milagres. Infelizmente a única referência a ele são uma Tarsila e histórias populares, além do fato de que seu nascimento de um bambu indicar uma origem desconhecida, leva a maioria dos estudiosos a crer que Tuan é uma figura folclórica, embora possa ter sido inspirada em alguém real.

O comerciante, mas não menos místico, Karim al-Makhdum, cuja existência histórica é considerada comcreta por muitos, apesar de nebulosa, chegou a Sulu por volta do final do século XIV, entre 1380 e 1390, a fim de pregar o Islã e fazer trocas comerciais, não necessariamente nessa ordem. A ele são atribuídas a construção da primeira mesquita das Filipinas (existente até hoje), a Sheik Karimol Makhdum Masjid, além de feitos fantásticos, como andar sobre as águas e curar doentes. Provavelmente al-Makhdum era um sufi, mas alguns estudiosos (Readings on Islam in Southeast Asia, 1985) acreditam que, especialmente pelo suposto feito de andar sobre as águas, al-Makhdum seria membro da ordem (tariqa) sufi Qalandariyya, bem popular à sua época, uma vez que o fundador da ordem, 'Abdul Qadir al-Jilani (470 D.H. - 561 D.H. / 1077 D.C. — 1166 D.C.) era reputado por conseguir reproduzir o feito consagrado centenas de anos antes por Jesus de Nazaré, poder esse que tornou al-Jilani o santo sufi padroeiro dos marinheiros e pescadores em muitos países muçulmanos, até hoje.

A Mesquita Sheik Karimol Makhdum em sua estrutura original, hoje inexistente, com uma estrutura recente construída em seu lugar. Data da foto desconhecida.

Reis viajantes e expansão

Um grande nome da expansão do Islã nas Filipinas é o de Rajah Baguinda, um rei muçulmano exilado da ilha de Sumatra, mais precisamente da região de Minangkabau que, chegando às ilhas Sulu com um séquito de mercadores, casou-se com os chefes locais e os converteu muitos ao Islã, mas não conseguiu tornar-se mais que um datu, um grande-chefe tribal sem muita projeção devido à sua falta de erudição espiritual. Até hoje há em Jolo, Sulu, um festival em comemoração à chegada de Rajah Baguinda e do Islã nas ilhas, comemorado sempre na segunda semana do mês de agosto, ele conta com coloridas danças típicas da região, além de outras atrações.

O sucessor de Baginda era um explorador cuja infância e juventude são um mistério. Sayyid Abu Bakr ibn Amiri al-Hashimi (o título sayyid diz respeito àqueles indivíduos que descendem do Profeta Muhammad), natural de Johor, na península de Málaca, chegou a Sulu e casou-se com a filha de Baguinda; contanto com prestígio sanguíneo e religioso, Abu Bakr consagrou-se como o primeiro Sultão do Sultanato de Sulu com o nome de Sharif ul-Hashim, iniciando uma duradoura dinastia.

Foi durante o reinado de ul-Hashim que o Islã definitivamente começou a espalhar. Ul-Hashim tratou de estruturar o Islã em Sulu, bem como fazer aliança com outros líderes tribais através da sua conversão e posteriormente subjugá-los; ul-Hashim não introduziu apenas o Islã enquanto religião, mas introduziu suas instituições políticas e sociais também. O Sultanato começou a exportar a partir da sua capital portuária de Jolo, Filipinas adentro. Conforme as tribos se convertiam, eram divididas em distritos, cada um administrado por um panglima que se reportava à Jolo e exercia, além das funções de administrador, as funções de um qadi, um juiz. As diversas tribos começaram a se misturar entre si, especialmente entre os nativos Tausung, com a língua franca pegando emprestado muitas palavras do malaio e sendo escrita em caracteres arábicos. Mesmo com o proselitismo e da forte questão política envolvida, não houve nenhum tipo de conversão forçada, nem tentativas de coibir práticas pré-islâmicas (como veremos a seguir), contanto que aceitassem a autoridade e soberania do Sultanato.

Apesar da centralização e da conversão em massa, a profissão da shahada pouco mudou o modo de vida dos nativos: a ignorância da religião islâmica era endêmica, a ponto da única regra religiosa a ser observada, de fato, era a da abstenção da carne suína; aplicações arbitrárias e errôneas da sharia eram quase a lei e a maioria das pessoas não abandonavam os ritos animistas de seus ancestrais (no mínimo, não por completo), resultando num “Islã popular” mais nominal que qualquer outra coisa. Essa faceta popular e sincrética persiste até hoje, acabando por ser que o Islã filipino absorveu tantos elementos indígenas quanto viria a absorver o catolicismo mais tarde. Entre os “moros” - como ficaram conhecidos os muçulmanos filipinos após a conquista espanhola das ilhas -, para mais ou para menos, sendo geralmente mais facilmente encontrada em áreas rurais e de vegetação mais densa, as principais práticas a persistirem são aquelas relacionadas a ritos comunitários, sociais. Um desses costumes é aquele de fazer oferendas aos espíritos (diwatas) de um determinado lugar ou família, sejam eles benignos ou malignos. Outros são aqueles que dizem respeito a “ritos de passagem”: cerimônias pré-islâmicas de nascimento, casamento e morte. Pode-se dizer que, entre os Moros, o ‘essencial’ do Islã erpassa todas as comunidades, mas os outros aspectos, secundários, culturais, variam de um grupo/tribo para outro.

As fronteiras entre os “crentes” e os “descrentes” foram bem definidas, apesar de não haver coerção na conversão. Formava-se, então, um conceito de comunidade entre os fiéis de Allah, formava-se uma ummah filipina. Tal conceito ficaria conhecido entre essa comunidade de muçulmanos filipinos como Bangsa Islam, a “Nação do Islã”, que, sob a liderança do Sultão, chamado por seus súditos de Zillullah fil-ard, “a sombra de Deus na Terra”, resistiria com sucesso ao turbulento mar da história.

Contos populares sobre a conversão:

Sulu

“O povo das colinas ainda eram descrentes. O povo do litoral disse: ‘lutemos contra o povo das colinas e convertamos eles ao Islã’. Mas Abubakar não permitiria isso e admoestou ao povo que colhessem arroz e fizessem bolos e roupas. Aí, o povo do litoral marchou terra adentro até um lugar chamado Pahayan. Abubakar mandou uma carta ao chefe tribal dizendo-se um árabe que poderia ser contatado através da escrita no papel. O chefe, chamado à época de ‘Tomoai’, respondeu que não o queria vê-lo, pois não queria mudar os costumes e maneiras de seus ancestrais. Então, Abubakar aproximou-se e deixou bolos nas casas dos aldeões. As crianças comeram os bolos, mas os mais velhos, acreditando que estes estivesse envenenados, os deram aos cachorros. Os cachorros não morreram e as crianças acabaram indo ao acampamento de Abubakar, onde foram bem tratadas. As duas tribos chegaram a um entendimento cordial. Naquela noite, Abubakar dormiu na casa do chefe. O chefe então sonhou com um grandioso palácio com ricas decorações. Abubakar interpretou o sonho, dizendo que o palácio era a nova religião e os adornos, os benefícios desta. As notícias se espalharam e, depois de muita dificuldade, o povo [das colinas] se converteu.”

(Haji Buto, “Traditions, Customs, and Commerce of the Sulu Moros, 1909)

Mindanao

“Sherif Kabungsuwan velejou de Meca com muitos navios recheados de guerreiros e suas famílias. Depois de muitos meses de viagem e muito combate tanto no mar quanto em terra, ele chegou e desembarcou com parte do seu povo em Malabang. Outros da sua comitiva foram na direção leste, para Parang-Parang e outros, ainda, foram ainda mais além, para o baixo Rio Grande, onde construíram a cidade de Cotabato. Assim estava dividido o povo de Kabungsuwan; porém, ele ainda era o governante de todos.

Depois de um tempo, ele [Kabungsuwan] tomou conhecimento de que o povo [em Cotobato] parou de seguir os ensinamentos do Corão e haviam caído num caminho maligno...Kabungsuwan, com um séquito de guerreiros, foram de Malabang até Cotobato e reuniu as pessoas. Aqueles que fizeram coisas más e ignoraram os ensinamentos do Corão e não jurassem arrepender-se, viverem tementes à Deus e obedecer o Corão daquele momento em diante, ele os expulsou da cidade para as colinas, com suas esposas e filhos.

Estes amaldiçoados que foram então apartados são a gênese das tribos dos tirurais e manobos, que vivem ao leste de Cotobato na terra em que seus maus antepassados foram expulsos para. E até o dia de hoje eles nem adoram a Deus nem obedecem os ensinamentos do Corão...mas o povo de Kabungsuwan, que tiveram estima pelos ensinamentos do Corão e viveram em temor à Deus, prosperaram e cresceram e nós, Moros, somos seus descendentes.”

(Samuel Lyon, “A Moro Fundamentalist: Some Teachings of Oudin, a Mahommedan Priest of Mindanao”, 1927)

Podemos ver, no texto acima, além de um “mito de criação nacional” que diz respeito à gênese de uma comunidade, uma explicação também para o fenômeno do sincretismo religioso e a persistência de crenças anímicas entre alguns grupos filipinos. Os supracitados manobos e tirurais são dois grupos étnico-linguísticos que habitam o interior de Mindanao, lar dos Moros. Suas práticas religiosas são uma amálgama de crenças tradicionais animistas, islamismo e cristianismo.

Os dados sobre o quanto do total populacional os muçulmanos representam difere: alguns dizem cerca de 5% e outros vão até, no máximo, 12%. Isto se dá especialmente por um fenômeno que vem acontecendo desde a década de 70 e é difícil de mensurar: o fenômeno dos “Balik Islam”. Significando “Retornados ao Islã”, uma vez que creem ser esta a religião original dos povos filipinos antes da chegada dos colonizadores espanhóis, eles são nada menos que filipinos de origem cristã, geralmente, que se convertem ao Islam. Desde o início do fenômeno na nos anos de 1970, quando muitos filipinos foram trabalhar no emergente Oriente Médio, especialmente em países do Golfo Pérsico, e acabaram abraçando o Islã, há estimativas de que cerca de 200 mil pessoas tenham feito esse caminho de conversão, juntando-se aos 4 milhões de moros de Mindanao e Sulu. Os conversos, no entanto, enfrentam um grande preconceito – mesmo dentro de suas famílias – e uma grande suspeição das autoridades governamentais, que mantém os Balik Islam sob um atento olhar de vigilância. Isto se dá pelo fato de que nas últimas décadas, grupos islamitas de inspiração salafi começaram a recrutar dentre os Balik Islam soldados para suas guerras sujas. Alguns grupos pequenos foram inclusive formados por Balik Islam, como o Rajah Soleiman (Rei Salomão), cujos membros foram treinados em Mindanao pela Al-Qaeda; acompanhado disso vem o aumento vertiginoso de ataques terroristas jihadistas, como o mortal ataque a uma balsa de passageiros em 2004 na baía de Manila, deixando 116 pessoas mortas e moutas outras feridas; o ataque foi orquestrado e feito pelos grupos terroristas Abu Sayyaf (que mais tarde viria a jurar lealdade ao conhecido Daesh, ou ISIS e seu anti-Khalifa, Abu Bakr al-Baghdadi) e pelo já citado Movimento Rajah Soleyman. Apesar de todos os problemas e delicada situação, o Islã é a religião que mais cresce no território filipino, com sua comunidade cada vez mais se integrando com o mundo muçulmano, saindo do seu histórico ocaso desde a época do domínio hispânico.

O Cristianismo

Foi apenas em uma questão de décadas que, antes de navegarem até as Filipinas (assim ‘batizadas’ em homenagem ao monarca espanhol que a ‘descobriu’, Filipe II), os Reis Católicos de Castela e Aragão – o pai e a mãe da moderna Espanha -, puseram fim – um violento fim -, a quase 800 anos de governança muçulmana sobre grande parte da Península Ibérica (711 – 1492) e expulsaram de seus lares grande parte dos muçulmanos espanhóis (que nada mais eram que nativos, de fé islâmica) e norte africanos, todos coletivamente chamados de “Mouros” e tratados como os piores dos animais sobre a terra, juntando-se a eles os judeus sefarditas. A outra parte que não foi expulsa, foi forçosamente convertida ao cristianismo e duramente vigiada pelo Tribunal do Santo Ofício, a temida Inquisição, durante gerações, para assegurar que estes “novos-cristãos” não recaíssem nas “abomináveis doutrinas” e, se recaíssem, enfrentassem uma amostra grátis do fogo do Inferno num auto-de-fé. Esse espírito de fanatismo religioso – o espírito da reconquista – os levou a lançarem-se a missões (e dizimações) de povos ao redor do globo. Mas os espanhóis, assim como os mercadores muçulmanos de outrora, também estavam atrás de riquezas e rotas de comércios; o modus operandi de ambos, no entanto, mostrar-se-iam ser bem diferentes.

Após a conquista de Granada em 1492 e a consequente descoberta da América, estava iniciada uma corrida exploratória entre as duas crescentes potências marítimas à época: as Coroas de Portugal e Espanha. Portugal saíra à frente, tomando de assalto entrepostos comerciais por toa a costa africana e persa, chegando a tomar Málaca, na atual região da Malásia, em 1511, alcançado as cobiçadas terras produtoras de especiarias – o principal objetivo das empreitadas hispano-lusitanas – das ilhas Molucas. Fernão de Magalhães, grande navegador português, mas que havia deserdado para a Coroa Espanhola, alcançou numa de suas viagens, em 1521, as terras das Filipinas central.

Uma vez na região central das ilhas Filipinas, Magalhães estabeleceu relações amistosas com os nativos, com os quais trocou presentes dos mais diversos objetos e utensílios, tendo sido recebido junto de seus homens como convidado entre o povo do rajah local. Impressionando o rajah com seu poderio militar, especialmente morteiros, Magalhães celebrou uma Missa festiva onde dois datus beijaram a cruz, mas não comungaram. Partindo, ele ergueu uma cruz num lugar alto e instruiu os nativos tagalos a adora-las todas as manhãs para obterem proteção e sucesso na guerra.

Chegando em Cebu, um centro comercial e manufatureiro que tinha no comércio sua fonta de renda, Magalhães foi ter com o rajah de lá, um certo Humabon. De início, Humabon ofereceu ser tributário do monarca de Espanha, mas Magalhães demandava “apenas” sua conversão ao cristianismo e comercializar. Com a promessa de que adorando a Cruz (de maneira literal) conseguiriam derrotar seus inimigos e terem bons aliados, Humabon e grande parte do seu povo se converteu e foi batizada. Os missionários ordenaram que os cebuanos jogassem seus diwatas, seus Deuses, seus ídolos, ao fogo, ao que muito poucos, porém, obedeceram. Os cebuanos estavam dispostos a adotar a nova fé junto com sua religião tradicional, mas não de abandonar esta última, juntamente com suas práticas ancestrais tão antigas em prol de uma novidade estrangeira e ciumenta, do mesmo modo que nem todos estavam dispostos a se converter e a jurar lealdade a Humabon, que por sua vez jurara a El Rey de Espanha. Em virtude disso, uma (ou mais vilas) foram atacadas e queimadas na ilha vizinha a Cebu, Mactan, por recusarem-se a se converter. O chefe de Mactan, Lapulapu, aproveitou este casus belli reunir-se com outros chefes opostos a Humabon e posar uma ameaça aos cebuanos e espanhóis. Magalhães, querendo mostrar a superioridade dos poucos guerreiros cristãos espanhóis em relação aos milhares de nativos pagãos, recusou as ofertas de Humabon de apoio; o resultado foi uma desastrosa batalha onde os espanhóis foram trucidados e Magalhães, morto, e seu corpo jamais recuperado. Sem nem sinal da “invencível ajuda divina” prometida a ele pelos forasteiros, Rajah Humabon escondeu os ídolos cristãos que fabricara e tentou reorganizar seu reino, enquanto os espanhóis sobreviventes tentavam juntar-se uns aos outros para retornar às suas feitorias nas Molucas.

A atual cidade de Manila é anterior ao domínio espanhol da região: embora sua urbanização tenha sido feita pela Coroa de Madrid, ela já era um centro comercial importante da região há pelo menos um século, regida por uma mescla da aristocracia do Sultanato do Brunei (muçulmanos) e a nobreza tribal local, culminando na maioria de seus habitantes sendo bilíngues: falavam malaio e tagalog (a principal língua das Filipinas). Apesar da presença aristocrática muçulmana, o Islã não era mais do que a religião (precária, as evidências sugerem) de uma meia dúzia: as crenças tradicionais ainda eram absolutas. Quanto à sua estrutura política, como foi dito ao próprio Legazpi por um dos chefes locais: “Não há rei nem uma única autoridade nesta terra; mas todos têm suas próprias visões e opiniões e fazem [as coisas] como desejam.” [Abinales, 2005].

Em 1571, Legazpi, junto de centenas de guerreiros visayos (nativos), conquistou “Manyiland”, rebatizando-a de “Manila”, agora, propriedade da Coroa Espanhola. A isto, seguiu-se a gradual conquista das outras regiões circunvizinhas – Luzon e Visaya –, cujos datus (chefes tribais locais) foram sendo convertidos e, em alguns casos, subjugados, em esforços conjuntos de pequenos contingentes de espanhóis aliados a nativos vassalos, amparados no campo de batalha espiritual por uma força-tarefa de missionários, na sua grande maioria membros de ordens religiosas: jesuítas, dominicanos, agostinianos e franciscanos, agentes da Coroa e do Papado.

Ao passo que a conversão dos nativos prosseguia, os missionários, que logo tornaram-se párocos, esforçavam-se dia e noite para substituir as crenças nativas pelo catolicismo e “moralizar” os pagãos. Sendo vista tanto uma fonte de “libertação” quanto de “submissão” – isto é, lealdade, a Doutrina Social da Igreja passou a governar cada aspecto da vida dos indios (como eram chamados os nativos pagãos), tornando a Lei do Cristo mais forte do que a Lei d’el Rey. Foram criadas as cabeceras e as reducciones: as primeiras eram como cidades planejadas, centradas em torno de uma igreja paroquial; a segunda funcionava da mesma forma, mas numa escala menor.  O plano, no entanto, não saiu exatamente como o planejado pelos clérigos. A maior parte dos nativos passou a simplesmente adaptar o seu culto de anitos, diwatas e os ancestrais ao culto católico: a multidão de santos e santas e suas imagens eram vistos como os ancestrais dos espanhóis. A consequência natural e óbvia desse processo sincrético foi o surgimento de um Catolicismo popular essencialmente filipino, com características intrinsecamente autóctones e que pode ser visto até os dias de hoje, especialmente em áreas rurais. Apesar disso, nem todos estavam dispostos a adotarem a religião e o governo dos forasteiros: tribos pagãs das montanhas que constantemente faziam ataques às planícies eram uma constante dor de cabeça aos colonizadores.

A hostilidade ao Islã era inevitável, tanto pelo choque trazido pela colonização quanto pelo “trauma” que os hispânicos tinham com os moros de Al-Andalus e Granada, que viriam a dar seu nome aos nativos muçulmanos de Mindanao. Ao se deparar com alguns pregadores islâmicos em Manila, os espanhóis trataram de imediatamente se livrar deles pelo banimento ou morte. A chegada dos algozes dos mouriscos que, apenas cerca de 80 anos antes haviam derrubado Granada e forçado os seus habitantes a praticar sua fé às escondidas, reforçou ainda mais a unidade do Bangsa Islam, a “ummah” dos filipinos. Para evitar a ajuda dos muçulmanos de Brunei a seus irmãos-de-fé em Mindanao, os espanhóis constamente faziam ataques a Sulu e Brunei, o que contribuiu para seu declínio. Os esforços missionários nunca tiveram sucesso nas áreas muçulmanas, motivo pelo qual o controle espanhol lá sempre foi nominal: lá não puderam serem efetuadas as reducciones. Desse modo, e através da união em tempos de guerra, Mindanao e os Moros, mesmo após sua subjugação, conseguiram manter não apenas sua religião e hábitos religiosos, mas conservar certo grau de autonomia, ainda que uma autonomia não-oficial, que perdura até hoje.

Referências Bibliográficas:

- ABINALES, Patricio N.; AMOROSO, Donna J. State and Society in Philippines, 2005.

- HERNANDEZ, Jhose Rhommel B. - Regional Community Building in East Asia: Countries in Focus - The Philippines: Everything in Place, cap. 7

- MIDORI, Kawashima (2020). "The "white man's burden" and the Islamic Movement in the Philippines: the Petition of Zamboanga Muslim Leaders to the Ottoman Empire in 1912". Ottoman-Southeast Asian Relations (2 vols.). Brill. p. 877.

- ANGELES, Vivienne S. M. "Islam in the Philippines". Oxford Biographies (Arquivado).

- Readings on Islam in Southeast Asia. Ahmad Ibrahim, Sharon Siddique, Yasmin Hussain (1985).

- https://penmoro.blogspot.com/2013/10/rajah-baguinda-sumatran-prince.html

- http://www.traveltothephilippines.info/2019/06/22/rajah-baguinda-festival-spread-islam/

- BUTO, Haji - “Traditions, Customs, and Commerce of the Sulu Moros,” Mindanao Herald, (1909), citado por Cesar Adib Majul em Muslims in the Philippines, (Quezon City: University of the Philippines Press), 57–58.

- LYON, Samuel - “A Moro Fundamentalist: Some Teachings of Oudin, a Mahommedan Priest of Mindanao,” Asia, (1927), quoted in Majul, Muslims in the Philippines, 66–67.

- In Philippines, watchful eye on converts, Simon Montlake, The Christian Science Monitor, 2005.

- https://www.csmonitor.com/2005/1128/p07s02-woap.html