Durante a história, os regimes de inspiração socialista e/ou comunista (oficialmente marxista-leninista ou maoísta) protagonizaram diversas infrações nos direitos humanos e direitos básicos das populações que governaram, incluindo a da liberdade religiosa. Quando a religião não era coibida ou infiltrada em tentativas de controlar as instituições religiosas –como a curta “Igreja Viva” soviética que, a despeito de seu fracasso, foi substituída pela heresia sergianista do Patriarcado de Moscou, que lotou a Igreja Ortodoxa Russa de falsos sacerdotes e agentes da polícia secreta soviética, a KGB e a NKVD –, elas passavam por diferentes campanhas antirreligiosas que visavam minar sua relevância e protagonismo na sociedade.

Um desses regimes, no entanto, foi marcado pela sua crueldade e virulência no que diz respeito à oposição da religião e imposição do assim-chamado “ateísmo de estado”, a ponto de, dentre outras características particulares que caracterizaram o regime comunista de Enver Hoxha, acabaram por diferenciar o tipo de socialismo seguido na Albânia do resto do mundo, ao que lhe foi dado o nome de Hoxhaísmo.

Enver Hoxha assumiu o poder na Albânia oficialmente em 1946, após o término da ocupação ítalo-germânica do país juntamente com o término da Segunda Guerra Mundial. Os partisans albaneses, guerrilheiros de inspiração marxista e financiados pela União Soviética, conseguiram expulsar as forças guerrilheiras nacionalistas do Balli Kombëtar e tomar o poder no país, inaugurando a República Popular da Albânia, mais tarde chamada de República Popular Socialista da Albânia.

Um stalinista dogmático, Hoxha considerava a religião uma força divisória e perniciosa na sociedade albanesa (de modo que ela nunca fora, pelo menos não significativamente) e empreendeu uma campanha ativa contra as instituições religiosas, apesar da virtual ausência de qualquer tipo prévio de intolerância religiosa naquela sociedade, num país onde muçulmanos sunitas e bektashis conviviam lado-a-lado e amistosamente com seus conterrâneos cristãos católicos e ortodoxos. A Lei da Reforma Agrária de Agosto de 1945, por exemplo, nacionalizou a maioria das propriedades das instituições religiosas, incluindo as propriedades dos mosteiros, ordens e dioceses, assim como as propriedades das tekkes (lojas/congregações) das ordens sufis, como a Bektashiyya e a Halvetiyya. Muitos clérigos e crentes foram julgados, torturados e executados. Todos os padres, monges e freiras católicos romanos estrangeiros foram expulsos do país em 1946.

Em janeiro de 1949, quase três anos após a adoção da primeira Constituição comunista, que garantia a liberdade de religião, o governo emitiu um decreto de longo alcance sobre as comunidades religiosas. A lei exigia que as comunidades religiosas fossem sancionadas pelo Estado, que cumprissem "As leis do Estado, lei e ordem e bons costumes", e que submetessem todas as nomeações, regulamentos e estatutos à aprovação do governo e do Partido Comunista (renomeado em 1948 para Partido do Trabalho Albanês -PPSH). Até as cartas pastorais, os anúncios paroquiais, os sermões dos sheykhs nas orações de Sexta-feira e dos padres na Missa dominical estavam sujeitos à aprovação dos funcionários do partido e à fiscalização dos mesmos, inclusive por meio de agentes da polícia secreta que se infiltravam nos cultos. Comunidades ou ramos religiosos com sede fora do país, como as ordens Jesuíta e Franciscana, as tariqas Halveti e Naqshbandi, foram doravante obrigados a encerrar suas atividades na Albânia. Uma das poucas organizações religiosas isentas inicialmente de uma perseguição dura foi a ordem sufi Bektashi, uma vez que esta tinha a sede na Albânia e era considerada por Hoxha (que nasceu numa família bektashi, sendo ele mesmo um até sua juventude) como sendo uma “religião legitimamente nacional e com potencial anti-imperialista”; esse cenário viria a mudar, entretante, em 1968, quando o próprio Hoxha decretou a proibição total de qualquer forma ou expressão religiosa, incluindo a Bektashi.

As instituições religiosas foram proibidas de ter qualquer relação com a educação dos jovens, porque isso havia sido feito da província exclusiva do Estado. Todas as comunidades religiosas foram proibidas de possuir imóveis e de operar instituições filantrópicas e assistenciais e hospitais. O Estado passava a ser, então, o único vetor de ajuda e serviços para a população no geral.

Embora houvesse variações táticas na abordagem de Hoxha para cada uma das principais denominações, de modo que se encontrou com líderes da Ordem Bektashi e conseguiu inclusive a colaboração cega de um deles, que se filiou ao Partido Comunista – Baba Martineshi, considerado pelos bektashis um traidor –, além de se encontrar com o Mufti sunita de Tirana e reagir positivamente a suas demandas, seu objetivo principal e último era a eventual destruição de todas as religiões organizadas na Albânia. No final dos anos 1940 e 1950, o regime alcançou o controle sobre a fé muçulmana formalizando a divisão entre as denominações sunita e bektashi, eliminando todos os líderes que se opunham às políticas de Hoxha e explorando aqueles que eram mais tratáveis, como o já referenciado Baba Martineshi e também o Arcebispo da Igreja Ortodoxa Albanesa. Também foram tomadas medidas para expurgar todo o clero ortodoxo que não cedeu às exigências do regime e para usar a Igreja Ortodoxa Albanesa como meio de mobilizar a população ortodoxa por trás das políticas governamentais. A Igreja Católica Romana, principalmente porque mantinha relações estreitas com o Vaticano e era mais altamente organizada do que as religiões muçulmana e ortodoxa, tornou-se o principal alvo da perseguição. Entre 1945 e 1953, o número de padres foi reduzido drasticamente e o número de igrejas católicas romanas diminuiu de 253 para 100. Todos os católicos foram estigmatizados como fascistas, embora apenas uma minoria tenha colaborado com as autoridades de ocupação italianas e alemãs durante a Segunda Guerra Mundial.

A campanha contra a religião atingiu o pico na década de 1960. Inspirado pela Revolução Cultural da China, Hoxha pediu uma luta cultural-educacional agressiva contra a "superstição religiosa" e atribuiu a missão anti-religiosa aos estudantes da Albânia. Em maio de 1967, as instituições religiosas foram forçadas a abandonar todas as 2.169 mesquitas, igrejas, claustros, tekkes e santuários da Albânia, muitos dos quais foram convertidos em centros culturais para jovens. Como o jornal literário Nendori relatou o evento, o jovem estudante havia assim "criado a primeira nação ateísta do mundo".

O clero foi publicamente vilipendiado e humilhado, suas vestimentas tomadas e profanadas. Muitos mulás muçulmanos e sacerdotes ortodoxos cederam e renunciaram ao seu passado "parasitário". Mais de 200 clérigos de várias religiões foram presos, outros foram forçados a procurar trabalho na indústria ou na agricultura, e alguns foram executados ou morreram de fome. O claustro da ordem franciscana em Shkodër foi incendiado, o que resultou na morte de quatro monges idosos.

Todos os decretos anteriores que sancionaram oficialmente a existência nominal da religião organizada foram anulados em 1967. Posteriormente, a constituição de 1976 proibiu todas as "atividades e propagandas fascistas, religiosas, belicistas, anti-socialistas", e o código penal de 1977 impôs penas de prisão de três a dez anos para "propaganda religiosa e produção, distribuição ou armazenamento de literatura religiosa". Um novo decreto que, na verdade, visava os albaneses com nomes clericais (que era ironicamente o caso de Hoxha, cujo sobrenome signifca “sacerdote” ou “mulá”) estipulava que os cidadãos cujos nomes não estivessem em conformidade com "os padrões políticos, ideológicos ou morais do estado" deveriam mudá-los. Também foi decretado que as cidades e aldeias com nomes religiosos devem ser renomeadas. Assim, nas áreas do Sul povoadas por gregos étnicos, cerca de noventa cidades e lugares com nomes de santos ortodoxos gregos receberam nomes seculares.

Em 1968, foi colocado, inclusive na Constituição do país, que “A única religião da Albânia é o ‘albanianismo’.”, referindo-se à ausência de religião e sua suplantação pela bizarra, mas não incomum, mistura de socialismo e nacionalismo étnico (tal qual foi o Nacional-Socialismo, também conhecido como Nazismo). Nesse contexto, iniciou-se também a demolição em massa de mesquitas, tekkes e igrejas, muitas delas históricas e consideradas patrimônio nacional, com muitas mesquitas até tricentenárias de inestimável valor artístico e arquitetônico sendo reduzidas a escombros. Em 1967, no espaço de sete meses, o regime comunista destruiu 2.169 edifícios religiosos e outros monumentos. Desses, cerca de 530 eram tekkes, tyrbes (tumbas de santos sufis) dergas e santuários sufis num geral que pertenciam, principalmente, à Ordem Bektashi. A peregrinação a partir de então entre os bektashis a esses santuários tornou-se limitada, ocorrendo apenas – e de maneira ilegal e arriscada – em certos locais e indiretamente através de reuniões como piqueniques perto desses locais, como o Sari Salltëk Tyrbe em Krujë. Dos 60 tekkes bektashis abertos no Sul da Albânia antes de 1967, no início da década de 1990, apenas seis foram reabertos com sucesso.

Enquanto 740 mesquitas foram destruídas, algumas das quais eram proeminentes e arquitetonicamente importantes como a Mesquita Kubelie em Kavajë, a Mesquita do Relógio em Peqin e as duas mesquitas abobadadas em Elbasan que datavam do século XVII. Dos cerca de 1.127 edifícios islâmicos existentes na Albânia antes dos comunistas chegarem ao poder, apenas 50 mesquitas permaneceram depois disso, com a maioria em estado de abandono e decadência. Algumas mesquitas que foram consideradas estruturas de importância cultural e valor histórico pelos comunistas sobreviveram, como a mesquita Muradiye em Vlorë, a mesquita Lead em Shkodër, a Mesquita Naziresha em Elbasan, as mesquitas Beqar, Hynkar e Hysen Pasha de Berat , mesquita Fatih em Durrës, mesquita Bazar de Krujë, mesquita Allajbegi da área de Dibër, mesquita Mirahor em Korçë, mesquita Teke em Gjirokastër e a mesquita Gjin Aleksi da área de Sarandë. Declarada também um monumento da cultura, a mesquita Ethem Bey de Tirana foi autorizada a funcionar como um local de oração e ritual islâmico, embora apenas para diplomatas muçulmanos estrangeiros. Em 1991, na capital Tirana, logo após a queda do regime comunista, apenas duas mesquitas estavam em condições de serem usadas para culto e apenas nove mesquitas da era otomana sobreviveram à ditadura comunista, em estado de total descaso.

A brutal campanha anti-religiosa de Hoxha conseguiu erradicar o culto formal, mas alguns albaneses continuaram a praticar sua fé clandestinamente, arriscando punições severas. Indivíduos pegos com Corões, masbahas, material em árabe ou turco, Bíblias, ícones ou outros objetos religiosos enfrentaram longas penas de prisão. Os pais tinham medo de transmitir sua fé, por medo de que seus filhos contassem aos outros. Entre os bektashis, a transmissão do conhecimento tornou-se limitada a poucos círculos familiares que residiam principalmente no campo. As mesquitas tornaram-se um alvo para os comunistas albaneses que viam sua existência continuada como exercendo uma presença ideológica nas mentes das pessoas. As autoridades tentaram prender cristãos e muçulmanos praticantes durante jejuns religiosos, como o Ramadã e a Qaresma, distribuindo carne de porco (para os muçulmanos), laticínios (para os cristãos) e outros alimentos proibidos na escola e no trabalho, e depois denunciando publicamente aqueles que recusavam a comida, que já era escassa. Os sacerdotes que conduziam serviços secretos foram encarcerados; em 1980, um padre jesuíta foi condenado à prisão pela "vida toda até a morte" por batizar os gêmeos recém-nascidos de seu sobrinho, em sua casa.

Hoxha morreu em 1985 e, com sua morte, apesar das políticas ateístas não terem sido revertidas e ainda serem aplicada, o eram com certo grau de relaxamento, o que permitiu uma tímida esperança de renascimento entre os religiosos que restavam no país. O Partido Comunista deixou o poder oficialmente em 1990 e a república socialista foi desfeita em 1991 e, com ela, todas as suas poíticas tirânicas. Com isso, as religiões da nação albanesa puderam florescer e tentar reerguer-se novamente, embora muitas estejam até hoje lutando para se recuperarem completamente, como a tariqa Bektashi, que quase foi varrida da existência. Apesar do legado de destruição e repressão, a vida religiosa voltou ao normal, aos poucos, na Albânia e com ela, sua tradição de tolerância e amizade entre as religiões, que hoje colaboram entre si para a manutenção de uma sociedade mais justa e, também, para curarem as chagas do comunismo hoxhaísta.

Bibliografia:

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