De origem berbere norte-africana, o cuscuz, este prato tão amado pelos brasileiros, principalmente no Nordeste em sua versão de milho, tem um passado bem longo. Chegando à Península Ibérica, com os conquistadores muçulmanos, a partir do ano 711, que o faziam de sêmola e trigo, o cuscuz tornou-se parte da culinária local, apreciado por mouros e cristãos.

Todavia, com o fim da governança muçulmana na Espanha em 1492, as autoridades católicas, inspiradas pela inquisição, advogavam uma unificação cultural no país, o que consistia basicamente em tentar apagar da sociedade espanhola todos os costumes considerados islâmicos que ainda haviam ali, inclusive os gastronômicos.

O objetivo da Igreja era forçar a conversão religiosa e cultural dos mouriscos, ou cripto-muçulmanos, que mesmo após a queda de Granada e batismos forçados na igreja católica, continuaram vivendo na Espanha e mantendo sua religião em segredo por mais de um século.

Em 1554, as autoridades da Igreja no Concílio de Guadix declararam, entre outras medidas anti-islâmicas, a total proibição do consumo de cuscuz, que viam como um dos pratos da “danosa dieta moura”. Daí em diante, quem fosse pego comendo a delicia amarela ia parar no Tribunal da Inquisição, e denúncias não faltavam.

Inicialmente, a pena para quem fosse pego comendo cuscuz ia de multa a prisão, porém, se acompanhado de falar ou escrever em árabe, dançar zambra, se lavar constantemente, o que remetia as abluções islâmicas, e evitar porco e vinho, era fogueira na certa.

Por costumes ditos islâmicos, muitos pereceram ou perderam tudo o que tinham, e a perseguição durou até o século XVII, quando a expulsão final de aparentemente todos os remanescentes muçulmanos da Espanha foi concluída.

Entretanto no Brasil, colonizado pelo vizinho ibérico da Espanha, Portugal, não conseguiram exterminar o cuscuz. Aqui, os colonizadores portugueses sabiam que comer cuscuz não fazia de ninguém muçulmano, e trouxeram o prato originalmente de trigo e sêmola e o adaptaram com os ingredientes típicos da alimentação indígena, como o milho, criando as muitas variações regionais que temos dele.

Bibliografia:

  • Henry Kamen, La Inquisición española, pg 148.
  • Matthew Carr, Blood and Faith: The Purging of Muslim Spain
  • Karoline P. Cook, Forbidden Passages: Muslims and Moriscos in Colonial Spanish America