''A pólvora foi inventada pelos chineses por volta do século IX. Primeiramente, foi empregada com fins medicinais e lúdicos, embora logo tenha se dado a ela o uso militar, como explosivo para acionar canhões e lançar bombas ou granadas. Em seus primeiros contatos com o Império chinês, os mongóis aprenderam a técnica de fabricação da pólvora e seu uso militar, e é registrado que empregaram armas de fogo contra os húngaros na batalha de Mohi (1241). Através dos mongóis, o conhecimento da pólvora passou aos muçulmanos do Oriente Próximo, que, por sua vez, o passaram para os sultanatos muçulmanos do norte da África. Foi assim que o reino nacérida de Granada - que desde meados do século XIII era o único Estado muçulmano na Península Ibérica - desempenhou um papel de destaque na introdução das armas de fogo na Europa.

Embora o escritor malaguenho Abdullah Ibn Baytar já tenha mencionado a existência da pólvora e seus efeitos desde meados do século XIII, é provável que não se tenha a utilizado com fins militares até 1325, durante o cerco de Huéscar (a noroeste de Granada) pelo sultão nacérida Ismail I. Assim o relata Ibn al-Khatib em sua "História dos Reis da Alhambra''. Segundo o historiador Ichoua Sylvain Allouche, Ismail I utilizou um canhão primitivo que impulsionava os projéteis por meio da combustão da pólvora. Porém, o assédio de Algeciras, em 1342-1344, seja o que oferece as maiores e mais precisas referencias ao uso de artilharia pelos nacéridas.

Na época, Algeciras era um dos baluartes do reino nacérida. Para conquistar esta cidade portuária de cerca de 20.000 habitantes, e cortar definitivamente a rota das invasões procedentes da margem africana, Afonso XI de Castela organizou uma grande campanha na qual participaram as tropas castelhanas, aragonesas, navarras e portuguesas (por volta de 15.000 homens), assim como numerosos cruzados vindos da França, Inglaterra, Itália e Alemanha, juntamente com as esquadras de Castela, Aragão e Gênova.


"Trovões'' assustadores


Na Crônica de Afonso XI, escrita por Fernán Sánchez de Valladolid, se faz menção explícita em várias ocasiões a pólvora e do emprego pelos defensores muçulmanos de Algeciras de uma arma de fogo que poderia ser comparada aos canhões. O cronista afonsino denomina aquelas primitivas engenhocas piro-balísticas de ''trovões'', devido ao estrondo que produziam ao ser disparados. Também da ênfase ao dano que as ''bolas de ferro'' deixavam nos homens: ''Et otrosi muchas pellas de hierro que les lanzaban con truenos, de que los omes avian muy grand espanto''.

Conta também o cronista que quando estas bombas impactavam em qualquer membro do corpo, o arrancavam como se houvesse sido cortado por um cutelo, e que se algum homem era ferido por elas, acabava morrendo porque os projéteis vinham ardendo como fogo e com muita força, ''e atravessavam a um homem com todas as suas armaduras.''

As palavras de Fernán Sánchez demonstram tanto o pavor que produzia o uso dos ''trovões'' entre os sitiantes, como o fato de que o autor da crônica desconhecia aquela arma, que só consegue nomear pelo barulho que produzia a ser acionada.


Eficácia limitada


Em outro capítulo, Fernán Sánchez escreve que os defensor lançavam muitos trovões e disparavam ''bolas de ferro'' demasiadamente grandes e tão distante que ultrapassavam por cima da hoste sitiante. O cronista da Casa de Medina Sidonia, Pedro Barrantes Maldonado, menciona esta passagem e adiciona que as ''bolas de ferro'' tinham o tamanho de uma maçã. No 24 de fevereiro de 1344 - ou seja - um mês antes da capitulação de Algeciras, diz a Crônica que ''entraram na cidade cinco zabras e saetías (dois tipos de embarcações) carregadas de farinha, mel, manteiga e pólvora com que lançavam as pedras dos trovões.''

De qualquer forma, apesar desta artilharia piro-balística primitiva ter efeitos espetaculares - sobretudo para os homens que nunca a tinham visto no meio de uma batalha-, não deviam provocar danos excessivos no exército sitiante. Os muçulmanos contavam com um número limitado de canhões, de pouca precisão e curto alcance. Se dermos crédito a Barrantes quando diz que as bolas de ferro que os algecirenhos lançavam eram do tamanho de uma maçã, podemos deduzir que as engenhocas que disparavam tais projeteis eram de pequeno calibre e eficazes unicamente contra os soldados, pois nem as grandes bastides ou torres de cerco, nem os trabucos poderiam ser derrubados por projéteis deste tamanho. No fim das contas, apesar do emprego da artilharia pelos defensores, as forças cristãs tomaram Algeciras em 28 de março de 1344.

Em resumo, se pode dizer que os canhões utilizados na Europa no século XIV eram de pouco calibre e tinham pouca precisão, devido ao que em principio sua repercussão militar não foi grande. A artilharia piro-balística só substituiu definitivamente as velhas catapultas no final do século XV, quando foram criados grandes canhões ou bombardas capazes de lançar projéteis de ferro ou de pedra grossos e pesados que poderiam desmantelar torres e ameias, e derrubar portões e defesas.''

Fonte: Antonio Torremocha, revista ''Historia National Geographic'', n° 189, pg 28-29.