Texto de: Pedro Gaião

O ano de 1492 é um divisor de águas na História da Península Ibérica. Nas décadas anteriores, o casamento da rainha Isabela de Castela e do rei Fernando de Aragão deu forma ao que viria ser um dos maiores e mais poderosos potentados da Europa e do Mar Mediterrâneo pelo resto da Idade Moderna. E embora dois dos maiores Estados da Península Ibérica estivessem agora em união política, a agenda da unificação cultural e religiosa da Espanha encontrava dois grandes empecilhos: I) uma antiguíssima e bem consolidada diversidade cultural e religiosa; II) Granada, um resiliente Estado muçulmano, ao sul.

Embora 1492 seja considerado o marco do “fim da Reconquista”, onde os cristãos teriam finalmente expulso seus invasores muçulmanos após quase 800 anos de ocupação, a Historiografia Moderna hoje reconhece o próprio conceito de Reconquista como anacrônico e equívoco; especialmente tendo em mente que o mesmo foi inventado no século XIX, como parte de outros mitos de formação nacional da historiografia nacionalista, tão típica neste período.

É claro que a península ibérica, por todo esse tempo, foi habitada e teve Estados Muçulmanos, mas a ideia de uma dicotomia perpétua entre cristãos e muçulmanos – especialmente tendo em vista todo o histórico de alianças entre diferentes potentados muçulmanos e cristãos – é completamente mitológico e irrealista. Naturalmente havia ocasional hostilidade e militância entre ambas as religiões, mas as mesmas coexistiram com períodos de tolerância, trocas e alianças.

Por volta de meados do século XIII, todos os principados muçulmanos restantes estavam ou conquistados ou reduzidos à condição de vassalagem tributária; similarmente ao sistema empregado pelos otomanos à diversos Estados Balcânicos, como os Impérios Búlgaro, Bizantino e os principados da Valáquia e da Sérvia. Mantinham-se os governos, suas aristocracias e suas leis, em troca do fornecimento de impostos, soldados e do reconhecimento da suserania. Naturalmente, os reinos cristãos exigiram cada vez mais, e pouco a pouco os vassalos tributários foram sendo absorvidos dentro dos Estados Cristãos. Mas Granada persistia: devido à sua saída marítima para o Mediterrâneo, o Emirado de Granada mantinha uma ligação preciosa com os Estados Muçulmanos da África; seu preparo defensivo, sua imensa capacidade econômica e sua competente organização militar conseguiram mantê-la de pé enquanto outros emirados caiam um após o outro. Foi somente com um investimento massivo do novo reino da Espanha, aliado com uma organização ofensiva dedicada e a própria divisão interna do emirado que permitiram não a completa conquista, mas a rendição de Granada. Entre os termos desta rendição, estabeleceu-se que as populações muçulmanas e judaicas deveriam ter seus antigos direitos religiosos respeitados e protegidos; o que os Reis Católicos rapidamente concordaram, dando suas respectivas palavras para, após seis meses, quebrarem seus acordos.

Aos muçulmanos e judeus, foi dada uma escolha simples: se converterem ou se retirarem. Mas com alguns detalhes: não poderiam levar dinheiro, bens e nem seus filhos pequenos poderiam lhes acompanhar, uma vez que seriam criados por padres da Igreja e doutrinados na fé católica. Por essas e outras variadas razões (a maioria da população do antigo emirado era camponesa, não podendo arcar com os custos da viagem), como o próprio perigo da viagem de saída, muitos optaram por permanecer; mas, tão previsível quanto se poderia imaginar, nem todos se converteram genuinamente ao Catolicismo, preferindo uma conversão pública e nominal enquanto mantinham suas práticas religiosas em segredo.

Nestas novas comunidades, aqueles que vinham de histórico muçulmano, ou “mouro”, eram conhecidos como mouriscos. Apesar da nova religião, eles mantinham culinária, moda, língua, conhecimentos e costumes à moda de seu passado “pagão”, se distinguindo assim dos chamados cristãos-velhos, aqueles que poderiam ser chamados de “espanhóis mais típicos” e que descendiam dos conquistadores dos mouriscos.

Originalmente, a Inquisição Espanhola atuava somente contra aqueles que praticavam sua religião não-cristã em segredo, seja ele o judaísmo ou o islamismo. Mas a agenda de hegemonia cultural promovida pela Coroa, além do próprio fato de que só haveria heterodoxia entre as comunidades que se recusavam à se aculturar, eventualmente levou a perseguição religiosa à condição de perseguição cultural e étnica; com até mesmo alguns historiadores, como o Toby Green, afirmando que a Península ibérica pode ser creditada com a primeira experiência coletiva de racismo moderno na Europa.

Neste contexto, não só seus hábitos, idioma ou vestimenta te colocavam em uma condição discriminatória, mas até sua higiene e sua ciência. O conhecido historiador da Inquisição Espanhola, Henry Kamen, também atribui esta responsabilidade à Igreja Católica na Espanha:

“Foi sem dúvidas a Inquisição que, a partir de 1480, deu o impulso maior para a propagação da discriminação […] Parecia que a religião verdadeira precisava ser protegida através da exclusão dos conversos de todas as posições importantes” [1]

 Mas ainda que o preconceito fosse um imperativo nas relações gerais, um fato desagradável para os cristãos-velhos era que a medicina dos cristãos-novos era em muito superior àquela geralmente praticada pelos primeiros. Desde a Idade Média, reis ibéricos escolhiam seus médicos entre a população judaica e islâmica de seus reinos; neste novo cenário, não seria agora que as coisas iriam mudar.

Por conta das leis segregacionistas – para não dizer racistas – da Espanha Unificada, o Estatuto de Pureza de Sangue proibia não somente a participação dos cristãos-novos de cargos públicos, mas até mesmo a matrícula em Universidades, em ordens monásticas católicas ou no próprio clero. Tamanha era a obsessão com a “pureza de sangue” que mesmo instituições católicas fora da Espanha, por terem a presença de muitos espanhóis, acataram a segregação promovida pelo clero e pela Coroa: o Colégio de São Clemente de Bolonha, Itália, que fazia parte da mais antiga Universidade Ocidental do mundo, proibiu os estudos dos conversos [2].

“Tão cedo quanto 1506, o Colégio dos Cirurgiões de Barcelona adotou estatutos de limpieza. Os estatutos do século XV dos boticários de Valencia não apenas bania aqueles ‘de descendência judaica’ do treinamento de boticário, mas em 1529 estendeu o banimento para afetar qualquer cristão-velho casado com uma mulher de descendência judaica. Os estatutos do colégio valenciano estipularam que qualquer indivíduo de ancestralidade judaica que fraudasse seu exame de admissão seria multado em 500 ducados de ouro e condenado ao exílio perpétuo da cidade. Estatutos raciais similares foram adotados ou confirmados pela Coroa Espanhola aos colégios de boticários das cidades de Barcelona, Zaragoza e Sevilha durante o século XVI.

[…]

No final do século XVI, o frade catalão Juan Benito de Guardiola louvou a faculdade de medicina da Universidade de Barcelona pela sua aderência estrita ao Estatuto de Limpeiza e pela rejeição dos judeoconversos como um exemplo a ser imitado pelas outras faculdades de medicina da Península Ibérica.” [3]

Assim, descendentes de judeus e muçulmanos, pelo simplesmente fato de ter uma ancestralidade “contaminada”, eram vetados da participação nas Universidade de Medicina, sendo assim restritos a conservação do seu próprio conhecimento étnico no assunto. Portugal também não foi desconhecido às legislações intolerantes e racistas:

“Em Portugal a ação real não se limitou a confirmação passiva de estatutos raciais, […] mas buscou ativamente assistir e implementar a discriminação racial […]. Um édito instituído pela Coroa em 1585 instruía todos os municípios, instituições de caridade (misericórdias) e hospitais para expulsar imediatamente qualquer doutor cristão-novo na disponibilidade de um cristão-velho praticante de medicina que estava disposto a ser empregado por eles. Esta preferência racial foi expandida em 1599 para incluir doutores empregados pela suprema corte legal (Casa da Suplicação) e da corte de apelos legais (Casa do Cível). Ademais, em 30 de março de 1581, o Papa Gregório XIII (1572-85) instituiu a bula Multos adhuc ex Christianis, reiterando mais uma vez a proibição do Decretum Gratiani a cristãos que buscassem tratamento médico com judeus. Embora não visasse especificamente judeoconversos, mas sim aos judeus de forma geral, o decreto papal foi used como munição pela propaganda antissemítica na Península Ibérica.” [3]

Neste sentido, por conta da natureza antissemita do Catolicismo Espanhol, médicos mouriscos acabaram sofrendo menos perseguição que os descendentes de judeus. Especialmente por conta das lendas religiosas contra médicos judeus:

“A Inquisição parece ter tomado uma participação de destaque em estimular o aumento dos medos sobre o assassinato médico judaico. Vale lembrar que o Bispo André de Noronha recebeu sua cópia manuscrita de cartas forjadas que implicavam que os judeoconversos participavam de uma conspiração judaica mundial (da qual a conspiração médica era apenas um elemento) de um inquisidor. Muitos inquisidores eles mesmos aparecem ter dado crédito às alegações de uma conspiração médica. Particuarlemnte decisivo nesse respeito é a carta enviada em 1619 por um inquisidor ao tribunal em Coimbra para o Concílio Geral da Inquisição Portuguesa em Lisboa. O inquisidor informou o Concílio que seu tribunal prendeu um número de doutores judeoconversos e foca sua atenção num antigo caso de assassinatos de motivação religiosa perpetrados por um doutor judeoconverso, embora, caracteristicamente, ele não nomeia o homem nem oferece detalhes específicos do caso:

‘Um doutor [judeoconverso] confessou ao Santo Ofício (após confessar seu judaísmo) que ele matou cristãos-velhos usando purgativos e outras drogas que não curavam as doenças que eles sofriam. Se ele tratou alguns com os remédios apropriados, foi para preservar sua reputação. [Ele atuou assim para que], caso ele tivesse matado todos os seus pacientes, ninguém iria querer ser tratado por ele, e assim não seria capaz de ganhar a vida através de sua profissão’’

Talvez inevitavelmente, a histeria pública sobre assassinato médico foi alimentada por manuscritos e panfletos incendiários listando os nomes e locais de residência de médicos acusados de matar seus pacientes. Por exemplo de ilustração, o panfleto português ‘Tratado no qual fica a se provar que os cristãos-novos da Nação [Hebraica] que residem em Portugal são secretamente judeus e que os maldades que eles estão a fazer sobre cristãos-velhos são rmostradas’, que circulou na década de 1630, enumeram os nomes de 51 médicos, cirurgiões e boticários cristãos-novos trabalhando em Portugal e em Espanha, condenados pela Inquisição de crenças cripto-judaicas e, em alguns casos, até de homicídio em massa. O mais visível dos listados era o médico Garcia Lopes de Potalegre, que foi acusado de envenenar não menos que 150 pacientes cristãos-novos, incluindo 25 fidalgos (membros da baixa nobreza); assim como um certo Pero Lopes de Goa, que supostamente matou 70 pacientes cristãos-velhos; ainda havia o boticário Gabriel Pinto, residente de Coimbra queimado na fogueira em 1600, por ter ‘confessado matar muitos cristãos-velhos, incluindo freiras e clérigos.’ O fato de que a lista contém nomes de numerosos indivíduos que genuinamente foram processados pela Inqusição é interessante, porque indica que o autor anônimo queria fazer suas alegações parecerem reais. Apesar disto, a pesquisa recente de José Alberto Rodrigues da Silva Tavim, que examinou o registros inquisidoriais sobreviventes nos Arquivos Nacionais Portugueses destes médicos acusados não encontrou nenhum traço de tais acusações nestes julgamentos.” [3]

Os documentos forjados sobre a conspiração judaica global mencionados, dentre os quais se destaca a Carta dos Judeus de Constantinopla, foi elaborada pelo arcebispo de Toledo, Juan Martinez Siliceo em meados do século XVI [4]. É interessante notar, apesar de tudo, que o falsificador católico destacava que os judeus seriam bem recebidos em Constantinopla [5], fazendo analogia ao próprio auxílio que o sultão otomano deu às comunidades marginalizadas nos decretos de Expulsão de 1492 e criando uma noção de consistência na narrativa falsa.

A situação dos médicos muçulmanos era um pouco mais distinta da outra minoria. Ainda assim, “os estatutos de limpeza os alienavam da admissão de muitos colégios universitários, assim como dos colégios de cirurgiões e boticários” [6].

“Em comparação com os judeoconversos, praticantes de medicina da minoria mourisca escapou praticamente ilesa das suspeitas de que eles estavam orquestrando uma campanha de assassinato médico secreto. […] A pesquisa de Luis Garcia Ballester demonstrou que os mouriscos praticantes de medicina costumam praticar suas técnicas não somente nas próprias comunidades, mas também entre uma ampla variedade de pacientes cristãos-novos como ‘curandeiros’ não licenciados (conhecidos como sanadores). Mesmo Filipe II recorreu aos doutores mouriscos para prestar auxílio contra as doenças de seus filhos” [6]

A situação é bem peculiar: alienados do ensino universitário e difamados como “curandeiros” pela população dos antigos católicos, mouriscos ainda tinham bastante demanda entre o mesmo setor que costumava depreciá-los. Como uma fonte católica da época admite:

“Esses mouros prescrevem remédios aos doentes que já foram abandonados pelos médicos cristãos”. [7]

É bem óbvio que os mouriscos eram médicos de maior qualidade que os cristãos-velhos formados em universidades, apesar de toda a legislação alienante contra os mesmos. Mas como Renton e Gidley afirmam:

“O sentimento anti-islâmico não poupou mouriscos praticantes de medicina. Muitos deles não receberam treinamento universitário e eram parte daquilo que Luis Garcia Ballester descreveu com ‘subcultura médica’. Trabalhando como ‘curandeiros’ não-licenciados, os mouriscos eram frequentemente alvo de suspeitas e suas técnicas médicas eram alvo de acusações de feitiçaria demoníaca e ligações diabólicas. Ainda assim, tais acusações de feitiçaria demoníaca foram feitas com base no conhecimento médico dos mouriscos (e ocasionalmente no seu sucesso visivelmente inexplicável), ao invés de se traduzir em acusações de complôs médicos contra pacientes cristãos-velhos. Este foi o caso de Jerônimo Pachet, que foi chamado por ninguém menos que o rei Filipe II da Espanha, para curar as doenças dos seus filhos que estavam terrivelmente doentes, sendo também processado pela Inquisição duas vezes, em 1567 e em 1580.” [8]

A população cristã espanhola estava disposta numa conspiração que beirava à esquizofrenia: se um médico cristão-novo causasse mortes, ele fazia parte de uma conspiração anticatólica, mas se ele fosse bem sucedido, então deveria possuir algum tipo de auxílio do próprio Diabo. Mas tão hipócrita quanto se possa ser, o zelo conspiracionista dos ibéricos não impedia que eles mesmos fizessem uso dos médicos a quem costumavam condenar. Como diz o historiador Gaspar Escolano, num trabalho publicado em 1610:

“Os mouros médicos que andam entre nós, favorecidos pelos meios conhecidos por eles, nos superam por meio delas (das plantas), com as quais fazem curas incríveis, como vimos no caso de um certo Pachete, que se provou ter familiar e que servia ao demônio herbalista, tendo sido [por isto] penitenciado pelo Santo Ofício” [9]

Mas apesar de raros, existiram acusações de conspirações executadas por médicos mouriscos, embora, naturalmente, sejam todas fomentadas por preconceito, histeria e fanatismo religioso:

“Uma rara referência a um suposto complô de médicos mouriscos pode ser encontrada na reunião do Parlamento de Castela, em setembro de 1607, quando o parlamentar Pedro de Vesga demandou que os mouriscos fossem proibidos de estudar em faculdades médicas e até mesmo de participarem de aulas públicas de medicina. Sua retórica feroz se igualava a suas visões extremistas, e ele procede perguntando, por que, se mouriscos não tem permissões para portar armas (por causa do medo de que eles pudessem se rebelar e ajudar os otomanos ou berberes na Costa Espanhola), eles também não eram banidos da prática médica, uma vez que ‘a habilidade de curar é a maior arma’. Vesga alegava que os mouriscos estavam usando conhecimento médico para ‘matar mais neste reino do que os turcos e os ingleses’ e secretamente causavam abortos em mulheres cristãs-velhas. Ademais, ele argumentava que existia um doutor mourisco em Madri chamado ‘o Vingador’ que aparentemente assassinou 300 dos seus pacientes com um ‘unguento venenoso’, enquanto outro mourisco usava suas técnicas para mutilar pacientes para que eles não fossem capazes de usar armas” [10]

Naturalmente: “as alegações de Pedro de Vesga foram claramente inspiradas pelas crenças conspiracionistas sobre um ‘complô médico de doutores judeoconversos. A referência a um doutor conhecido como ‘o Vingador’ é uma reciclagem manifesta e direta (até mesmo desajeitada) do mito do doutor vingador assassino judeoconverso que aparece na obra de Diego de Simancas. O argumento de Vesga não é nada mais que uma tentativa grosseira de usurpar a lenda antissemita do assassino médico judeu e aplica-la para servir e justificar o preconceito anti-mourisco.” [10]

Pode ser difícil determinar se vozes como a de Pedro de Vesga foram decisivas no decreto de expulsão dos mouriscos em 1609, apenas 2 anos após seu discurso nas Cortes de Castela. O que fica patente, no entanto, é a hipocrisia na necessidade e discriminação destes médicos:

 “No que se refere à alta classe da sociedade, pode-se dizer que seus serviços eram solicitados quando não havia outra escolhia, isto é, quando o médico [cristão-velho] entregava o paciente nos ‘manos de Dios’.” [11]

E ainda:

“Os próprios curandeiros mouros estão cientes desta situação. Um deles, Jerônimo Pachet, após o sucesso que obteve na cura de Felipe III, filho de Felipe II e herdeiro da coroa, foi pressionado pelos inquisidores para ser mais explícito nas suas relações com o demônio (o ‘familiar), que os juízes se empenharam para transformar na única explicação para seus diagnósticos corretos e de suas curas espetaculares. O resumo contido no processo diz: ‘foi dito que este (mouro) já confessou e contou os bens e tudo o que o dito familiar (o demônio) fez por ele, dando a ele muito dinheiro, ensinando e autorizando a curar aqueles a quem os outros médicos experientes abandonavam … e desde 35 anos até agora, todos foram curados e nem morreu, salvo aqueles com enfermidade mortal e que se recusaram a tomar os remédios.” [12]

Embora exista pouco valor numa confissão prestada sob ameaça ou prática de tortura, o testemunho citado por Pachet, verdadeiro ou não, ao menos tem bases teológicas no Islamismo, isto é: a crença em gênios – espíritos criados por Deus – capazes de causar mal ou de causar bem, que poderiam ser expulsos de uma vítima doente ou auxiliar na cura do paciente. Mas se isto for realmente o caso, ainda mais considerando a crença popular católica nas feitiçarias mouriscas, por que eles se submetiam a um tratamento com os mesmos feiticeiros que abominavam?

“No entanto, apesar destes impedimentos, este setor mourisco, como é o caso da medicina, seguiu gozando de um prestígio e de uma popularidade que causou inveja e perseguição”. [13]

Este aspecto curioso, e ao mesmo tempo hipócrita, é um distintivo típico da sociedade espanhola na idade moderna.

“José Maria martin Ruiz afirmou que Filipe II nunca poderia colocar a vida de seu filho nas mãos de um médico como Jerônimo Pachet: ‘No quiero la salud por tan malos médicos’, disse o rei. [14]

Todos sabemos o desfecho, o rei conhecido pela sua militância católica, pela perseguição aos protestantes, aos cripto-judeus e aos cripto-muçulmanos, teve que mudar sua postura. Pachet, no entanto, teve um fim mais trágico na mão dos poderosos:

“Jerônimo Pachet foi posto em prisão e morreu nas celas da Inquisição, vítima de tormentos infringidos e que não foi capaz de suportar, em 1580.” [15]

REFERÊNCIAS:

[1] KAMEN, Henry. La inquisición Española. Uma revisión histórica, p. 225-226.

[2] ibid.

[3] RENTON, James. GIDLEY, Ben. Antissemitism and Islamophobia: a zhared history? Springer, 2017.

[4] KAMEN, ibid, p. 231.

[5] CHILLIDA, Gonzalo Álvarez. El Antissemitismo en España: La imagem del judio. Madri: Marcial Pons, 2002. p. 46.

[6] RENTON. GIDLEY. Ibid.

[7] BLEDA, J. Defensio Fidei, p. 368.

[8] RENTON. GIDLEY. Ibid.

[9] ESCOLANO, Gaspar. Decada primera de la insigne y coronada Ciudad y Reyno de Valencia, apud MEY, Pedro Patricio. Valencia, 1610-1611. Livro V, col. 1042.

[10] RENTON. GIDLEY. Ibid.

[11] BLEDA, J. apud LOS ANTECEDENTES DE LA PROFESIÓN NATUROPÁTICA EM ESPAÑA: Sanadores Moriscos. Acesso em 19 de dezembro de 2020.

[12] ARQUIVO HISTÓRICO NACIONAL DE MADRI. Inquisicion de Valencia, leg. 840.

[13] GUILLEM, G. Gironés. El morisco que salvo al rey, p. 2. Disponível em: https://www.academia.edu/19581122/El_morisco_que_salv%C3%B3_al_rey?fbclid=IwAR34tkias8rIN8JVSIsLXF8Oj95rCRz5ekQSCG91hn4wRH2knEDW2IsLpSA. Acesso em 20 de dezembro de 2020.

[14] Ibid, p. 3

[15] Ibid, p. 5.