Texto de: Paul French

Do subúrbio de Forest Hill, no sul de Londres, até a outrora sonhada Republica do Islamistão, há um longo caminho. Você pode nunca ter ouvido falar do Islamistão, no Turquestão Chinês, ou de seu único ”rei” Bertram Sheldrake.

O Islamistão há muito desapareceu, engolido pelas mudanças históricas de uma região turbulenta. Porém, por um breve e improvável momento, um herdeiro inglês de uma fábrica de conserva, governou, com sua esposa Sybil, sobre um país muçulmano recém-independente, a oeste China.

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A totalidade do que era então conhecido como o Turquestão Chinês, ou Sinkiang, agora Xinjiang, estava, na década de 1930, imerso em rebeliões tribais e revoltas de senhores da guerra.

Porém, tais turbulências, de acordo com a conclusão que chegaram os diversos chefes tribais da região, teriam fim apenas quando um forasteiro, necessariamente muçulmano, pudesse lhes trazer unidade.

Depois de ler os jornais trazidos pelos viajantes, eles enviaram uma delegação ao sul de Londres para visitar um inglês que chamou sua atenção.

Sheldrake foi convidado para assumir o trono do Islamistão. Não tendo certeza do título correto para o novo governante, a imprensa britânica ofereceu algumas sugestões úteis, como o “O Rei Picles da Tartária”, “O Emir Inglês de Kashgar” e “Senhor do Teto do Mundo”.

Para os leitores de jornais britânicos contemporâneos, a história deve ter soado como o conto do livro “The Man Who Would Be King”, de Rudyard Kipling (1888), onde dois aventureiros ingleses, Dravot e Carnehan, se tornaram os líderes do Kafiristão, uma região remota do Afeganistão.

Tendo tido uma boa educação em uma escola pública, advinda dos lucros de seu pai no comercio de picles, Sheldrake teria conhecido a história de Kipling. Mas assim como as coisas não deram certo para Dravot e Carnehan no Kafiristão, elas também não seriam fáceis para o para “O Rei Picles da Tartária”.

As conversões aos “Maometismo” na Grã-Bretanha

Bertram William Sheldrake nasceu no mesmo ano em que o conto de Kipling foi publicado. Era filho de Gosling Mullander Sheldrake, conhecido simplesmente como George, que administrava a empresa de sucesso de G. Sheldrake, fabricantes de picles, molhos, chutney, ketchup, vinagre, engarrafadores de alcaparras, caril e outros condimentos, localizada em Londres.

O negócio tinha se saído bem desde que foi fundado, na década de 1870, mudando seu nome para “South London Jam and Pickle Manufactory” e depois para “Pickles of Sheldrake”, enquanto trocava os insalubres arredores de Southwark pelos arredores mais frondosos da Denmark Hill.

Bertram deve ter sido um estudante precoce. Apesar de nascido católico, em 1903, aos 15 anos, ele se converteu ao islamismo, então chamado de “maometismo”, aprendeu árabe e mudou seu nome para Khalid.

Sheldrake in an Evening Report newspaper article dated March 14, 1934.

Sheldrake converteu-seu relativamente cedo. Uma década depois, o primeiro missionário muçulmano na Grã-Bretanha, o indiano Khwaja Kamal-ud-Din, faria várias conversões de alto perfil entre britânicos socialmente conectados e abastados.

Estes incluíam o irlandês Lord Headley, que ficou conhecido como Shaikh Rahmatullah al-Farooq, ou mais comumente nos jornais como “Lord Muçulmano”, e o acadêmico e romancista Marmaduke Pickthall, que se tornou, mais prosaicamente, Muhammad Marmaduke Pickthall. Em 1930, Pickthall publicaria a tradução inglesa mais completa do Alcorão até então.

Britânicos se convertiam ao Islã por várias razões. Para Headley e Pickthall, parece ter sido por causa de uma apreciação estética do Oriente Médio e da “Arábia”. O mesmo aconteceu com a nobre escocesa e socialite de Mayfair, lady Evelyn Murray, que havia crescido no Cairo e em Argel.

Ela se converteu e tornou-se Zainab Cobbold, realizando a peregrinação do Hajj a Meca, na Arábia Saudita, várias vezes. Ela foi enterrada em sua propriedade nas Terras Altas da Escócia, de frente para Meca.

Para outros, como Charles Hamilton, que se converteu em 1924, era parte de uma busca mais ampla por ordem. Hamilton tornou-se Sir Abdullah Charles Edward Archibald Watkin Hamilton. Um Conservador convicto, ele iria, na década de 1930, mudar de rumo e se juntar à União Britânica de Fascistas de extrema-direita, de Oswald Mosley.

Menos extremista foi o conhecido procurador de Liverpool e defensor da temperança, William Quilliam, que se converteu depois de visitar o Marrocos. Tendo mudado seu nome para Abdullah Quilliam, ele usou uma doação de Nasrullah Khan, o príncipe herdeiro do Afeganistão, para comprar três casas geminadas, estabelecendo o Instituto Muçulmano de Liverpool em uma delas.

O sucesso da icles Sheldrake significava que o jovem Khalid não precisava trabalhar em tempo integral para a empresa da família. Ele dedicou suas horas livres a causas muçulmanas, ajudando a fundar a revista “Britain and India”, em 1920, lançando o “Muslim News Journal” e servindo como editor do “The Minaret”, uma publicação mensal islâmica em Londres.

Escreveu com frequência e às vezes provocativamente. Um artigo de Sheldrake no The Minaret, em setembro de 1927, sugerindo que Napoleão flertara com a conversão ao islamismo causou um tumulto em ambos os lados do Canal da Mancha.

Sheldrake e sua dedicação ao Islã

O dr. Khalid Sheldrake, como era agora referido nos jornais, tendo recebido um doutorado honorário de literatura equatoriana, encontrou uma esposa, Sybil, que também se converteu, tornando-se a sra. Ghazia Sheldrake. Eles tiveram dois filhos, que eles criaram na fé muçulmana.

A família se instalou em uma casa isolada na tranquila Estrada Gaynesford, em Forest Hill. Ela tinha um tamanho decente, um jardim bem cuidado e ficava a uma curta distância da fábrica de picles, em Denmark Hill.

Sheldrake trabalhou duro e comprometeu seus recursos na abertura de mesquitas na Grã-Bretanha. Ele estava envolvido com o financiamento e a construção da primeira mesquita construída em Londres, em Wandsworth, em 1926. Anteriormente, os muçulmanos de Londres se reuniam em casas particulares.

Ele organizou outra mesquita em Peckham Rye, no porão convertido de uma casa que ele doou. Aqui, Sheldrake presidiu seu próprio grupo de ativistas e missionários, a Associação Islâmica Ocidental, que procurava espalhar a palavra do Profeta entre os ingleses cristãos. Em 1927, foi relatado que ele havia aberto uma mesquita em East Dulwich, conhecida como Masjid-el-Dulwich, depois de levantar fundos através de “bazares orientais”.

Sheldrake também pagava pelos funerais dos muçulmanos que morriam na Grã-Bretanha. Em 1928, seu Fundo de Enterro de Muçulmanos Indigentes autofinanciado, financiou o funeral de Sayed Ali, o treinador de elefantes de longa data do Zoológico de Londres.

A Fleet Street ficava confusa com Sheldrake. Ele foi referido como o “xeque de todos os muçulmanos britânicos”, que não é e não era uma posição oficial, e muitas vezes uma imagem de um muçulmano desconhecido, corpulento, de pele escura e com roupas tradicionais, era apresentada e identificada como “Khalid Sheldrake”

Lord Headley (left), who became known as “The Moslem Peer”, with the first Muslim missionary to Britain, Khwaja Kamal-ud-Din.
Lord Headley (à esquerda), que ficou conhecido como “Lord Muçulmano”, com o primeiro missionário muçulmano na Grã-Bretanha, Khwaja Kamal-ud-Din.

Na realidade, Sheldrake era magro, com feições agudas, e não tinha de forma alguma pele escura. Ele costumava usar um fez vermelho. Os jornais fizeram várias alegações: que ele era um nobre de ações francesas ou irlandesas e que ele havia renunciado ao seu título antigo para se tornar muçulmano.

Foi sugerido que ele se converteu ao Islã para se tornar polígamo e ter várias esposas. Parecia inconcebível para os jornais que ele pudesse simplesmente ser filho de um fabricante suburbano de picles de Londres que adotara voluntariamente o Islã.

Sheldrake viajava pela Grã-Bretanha dando palestras sobre o Islã. Ele visitou pequenas comunidades muçulmanas, como os ex-marinheiros iemenitas em South Shields e Hull, que haviam se agrupado na década de 1860 e estavam sujeitos a muitos desentendimentos e racismo em torno de distúrbios raciais em 1919 e 1920.

Ele viajou ao Marrocos em 1927 e, após uma grande festa para celebrar o 25º aniversário de sua aceitação do Islã, realizou uma turnê de palestras na Índia, em 1928. Apesar disso, Sheldrake estava desanimado com a falta de aceitação do Islã na Grã-Bretanha.

No início dos anos 1900, quando se converteu, haviam menos de 300 convertidos no país, 30 anos depois, ainda havia menos de 600, entre apenas 3.000 muçulmanos residentes na Grã-Bretanha. Ele começou a pensar em um futuro no mundo muçulmano mais amplo.

Sheldrake considerou o lançamento de uma campanha missionária na América. Escrevendo no The Minaret, ele disse que achava que seria o momento certo para os Estados Unidos adotarem o Islã. Ele foi encorajado pelas taxas de conversão muçulmanas no Brasil e na Guatemala, mas, em última análise, ele optou contra o que teria sido, em qualquer trecho da imaginação, um empreendimento gigantesco. 

A conversão de Gladys Palmer

Em 1930, o jornal “The Malaya Tribune” em Cingapura comentou que o nome de Khalid Sheldrake era conhecido em quase todos os países muçulmanos por causa do trabalho de propaganda que ele realizou na Grã-Bretanha em nome da fé.

E, quando a delegação de Xinjiang chegou a Forest Hill, o mundo muçulmano estava familiarizado com a participação de Sheldrake na conversão de Gladys Palmer, mais conhecida na época como a filha de Lord Walter Palmer, do império dos biscoitos Huntley e Palmer, a Dayang Muda do Reino de Sarawak.

Aos 21 anos, Gladys se casou com o capitão Bertram Willes Dayrell Brooke. A família britânica Brooke, conhecida como os “Rajás Brancos”, governou Sarawak, na ilha de Bornéu, como um reino particular por um século.

Como um irmão do rajá, Charles Vyner Brooke, seu marido foi intitulado Tuan Muda, literalmente “Pequeno Senhor”. Quando ele se casou com Gladys, em 1904, ela se tornou Dayang Muda, e foi referida como “sua slteza” em inglês.

Gladys Palmer and Sheldrake on the plane aboard which she converted to Islam.
Gladys Palmer e Sheldrake no avião no qual ela se converteu ao Islã.

Gladys, no entanto, nunca passou muito tempo em Sarawak. Uma socialite de destaque, ela adorava misturar-se com colegas do reino, realeza menor e celebridades do show business. Ela discutia literatura com James Joyce em Paris, participou de noites de abertura em Londres com a atriz Ellen Terry e visitou as adegas de Berlim com o escritor irlandês Frank Harris.

Ela formou uma companhia de filmes, em 1922, que fez um único filme, esquecido e perdido. No final da década de 1920, as colunas da sociedade londrina relatavam que o célebre casamento estava nas rochas. O casal se separou, com Gladys ganhando um acordo muito favorável. Então, em 1932, Gladys decidiu se converter ao islamismo.

Apesar de seu amor pelo turbilhão social, Gladys há muito procurava a iluminação espiritual. Nascida na Igreja da Inglaterra, ela já havia passado pelo catolicismo, tendo tido uma audiência pessoal com o papa, e pela Christian Science, antes de aceitar o Islã. 

Sendo rica, Gladys não se converteu de qualquer maneira normal, mas sim:

[…] desejando que a minha conversão fosse realizada em nenhum território terrestre.

Realizou a cerimônia enquanto sobrevoava o Canal da Mancha, em um avião fretado de 42 assentos da Imperial Airways. Sheldrake, tendo embarcado no avião no Aeródromo Croydon, com o Dayang Muda, realizou a cerimônia no meio do vôo, supostamente gritando para ser ouvido sob o rugido dos motores.

Gladys Palmer Brooke, a Dayang Muda do Reino de Sarawak, vestida com trajes extraordinários para a ocasião, foi rebatizada por Sheldrake, Khair-ul-Nissa, “a melhor das mulheres”. Visitando uma mesquita em Paris logo depois, Gladys Khair-ul-Nissa disse à imprensa que ela tinha, agora, após um par de falsos começos, encontrado a “fé perfeita” e planejava uma peregrinação a Meca antes de uma longa viagem aos EUA.

Jornais em toda a Europa, América, Oriente Médio e Ásia cobriram a conversão no ar da Gladys. Muitos leitores muçulmanos, mesmo no remoto extremo oeste da China, ficaram fascinados por Khalid Sheldrake, esse inglês que se converteu ao islamismo com apenas 15 anos e, posteriormente, fez tanto pela sua fé e parecia tão bem relacionado.

Talvez ele fosse um homem destinado a um cargo superior? Talvez ele fosse o homem a governar um novo reino muçulmano à procura de um rei?

Sua Majestade o Rei Khalid do Islamistão

O que hoje é conhecido como Xinjiang, “nova fronteira”, lar do povo uigur, foi em grande parte convertido ao islamismo nos séculos IX e X pelos muçulmanos turcos. Nos anos 1200, os governantes uigures mantiveram o controle de seu reino oferecendo impostos e tropas ao império mongol.

Alianças tribais se formaram e desmoronaram, canatos vieram e foram. Na época da dinastia Qing (1644-1912), parte da região estava sob o controle de Pequim e, na década de 1870, os chineses a consideravam uma província.

Tudo isso era e, é claro, ainda é controverso. Muitos chefes tribais, senhores da guerra e facções políticas brigavam, lutavam e intermediavam alianças apenas para quebrá-las no dia seguinte. A China era a influência dominante, embora a área tenha sido contestada primeiro pelo império russo e depois pela União Soviética, logo acima da fronteira na Ásia Central.

Em novembro de 1933, a República Islâmica do Turquestão Oriental, conhecida simplesmente como a ETR, foi oficialmente anunciada por várias tribos e senhores da guerra que estavam unidos em seu desejo de formar um reino islâmico com a cidade de Kashgar como sua capital. Era decididamente claro seu desejo de não fazer parte nem do Império Chinês nem da União Soviética.

Upon his conversion, novelist Marmaduke Pickthall became Muhammad Marmaduke Pickthall.
Após sua conversão, o romancista Marmaduke Pickthall tornou-se Muhammad Marmaduke Pickthall.

A ETR de 150.200 km2, muitas vezes apelidada de “Islamistão” na imprensa ocidental, era dominada pelos uigures, mas com os quirguistaneses e outros grupos étnicos turcos incluídos como iguais. O novo governo alegou que a população do ETR era de cerca de 2 milhões de pessoas.

Em Kashgar, o senhor da guerra de Uygur, Hoja-Niyaz Haji, assumira a presidência da ETR, Sabit Damolla, o posto de primeiro ministro e Mahmut Muhiti foi nomeado ministro da defesa. As delegações foram imediatamente enviadas a pessoas e nações chave. Mas ninguém foi rápido em reconhecer oficialmente o ETR.

O governo nacionalista chinês, em Nanjing, achava a coisa toda absurda. Os soviéticos se recusaram a lidar com muçulmanos religiosos, enquanto o rei do Afeganistão, Zahir Shah, estava receoso de aborrecer os chineses. Ainda assim, uma delegação fora enviada a Londres para ouvir o dr. Khalid Sheldrake, e lá eles receberam uma recepção mais positiva.

Durante o chá, em sua sala de estar, servido por Ghazia, antiga Sybil, Khalid Sheldrake deu as boas-vindas à delegação de Kashgar. Os homens sentaram-se em torno de fazer amabilidades, admirando os malmequeres e dálias da Sra. Sheldrake e o aquário de Sheldrake.

Na narrativa de Sheldrake, havia apenas uma pergunta: ele consideraria se tornar o rei do Islamistão, sua esposa rainha e o casal assumir a “Supremacia de Sinkiang”? Ele lhes disse que iria e que partiria para a Ásia imediatamente.

Em 1933, Sheldrake se dirigiu para o leste, primeiro visitando comunidades muçulmanas nas Filipinas e em Bornéu. Ele deu palestras sobre “As Belezas do Islã” em cada parada, atraindo, de acordo com a Sarawak Gazette, grandes e entusiasmados públicos malaios. De Kuching, em Sarawak, Sheldrake foi para Singapura e depois para Hong Kong.

Em 30 de março de 1934, sob a manchete “Rei de Sinkiang”, o jornal informava que quando o dr. Sheldrake esteve em Hong Kong, há alguns meses, ele disse a um repórter do South China Morning Post que lhe ofereceram o reino de Sinkiang. Pediu ao repórter o mais estrito sigilo, alegando que, se a notícia chegasse a certos lugares, certamente seriam feitas tentativas contra sua vida.

Deixando Hong Kong, ele foi para Xangai e depois para Pequim. Em maio de 1934, entrou no Grand Hotel des Wagons-Lits, perto da principal estação ferroviária de Pequim. Uma delegação de Kashgar encontrou Sheldrake no hotel.

Desde o início, as autoridades chinesas estavam nervosas sobre o que este inglês muçulmano pretendia fazer em Xinjiang. Uma vigilância muito óbvia da polícia foi mantida em seu hotel e no séquito de funcionários da ETR que vieram encontrá-lo.

Ao entrar em seu quarto, de acordo com Sheldrake, os funcionários caíram de joelhos e beijaram sua mão, deixando-o extremamente embaraçado. Eles, então, formalmente solicitaram que ele fosse seu chefe de estado. Sheldrake disse mais tarde ao The Times of India:

Eu tive a opção de me tornar um monarca ou recusar essas pessoas sinceras e pobres, que podem desanimar e ficar desesperadas, ou cair na presa de algum aventureiro político.

Um título formal foi acordado: Sua Majestade o Rei Khalid do Islamistão. Sheldrake então visitou brevemente o Japão e a Tailândia, para palestras programadas, antes de planejar partir para Kashgar. Nesse meio tempo, os jornais britânicos tinham retomado a história: “Dos picles para se tornar rei”.

A 1932 picture of Palmer with the mystery Muslim who was often and incorrectly identified as Sheldrake.
Uma foto de 1932 de Palmer com o muçulmano misterioso que foi identificado com frequência e incorretamente como Sheldrake.

O fim do sonho Islâmico

Retornando à China, Sheldrake disse aos jornalistas que iria imediatamente para Kashgar e que a rainha Ghazia chegara da Inglaterra com mantos cerimoniais erguidos por sua costureira em Sydenham.

Ela teria se tornado rainha do Islamistão, e seus filhos se deleitavam em ser príncipes, embora lamentasse ter de abrir mão de seus jogos de bridge regulares em Forest Hill, já que estes tinham sido um grande conforto para ela enquanto o futuro rei Khalid era absorto em seus livros sobre a história islâmica, preparando-se para governar.

Partindo de Pequim, o rei e a rainha do Islamistão se dirigiram 4.350 km por terra até Kashgar, para comparecer à sua coroação. Eles viajavam em carruagens puxadas por camelos, acompanhados por seus roupões cerimoniais e duas banheiras de metal portáteis que Ghazia comprara em Croydon.

Em junho de 1934, no entanto, os jornais estavam relatando que o Islamistão havia “atingido um obstáculo”. Haviam rumores de que Sheldrake estava se tornando rei apenas para roubar todos os depósitos de jade não desprezíveis de Xinjiang, que ele era um espião britânico e que, se ele assumisse o trono em Kashgar, o Islamistão se tornaria um “reino controlado pelos britânicos”.

Os chineses, naturalmente, reclamaram para Londres. Londres garantiu a Nanjing que não toleraria um cidadão britânico tentando dominar “qualquer forma de regime independente dentro do território chinês”.

O Japão, interessado em estender sua própria influência na região, também apresentou uma objeção à coroação de Sheldrake, enquanto outros muçulmanos no Afeganistão retiraram seu apoio ao ETR sob pressão chinesa.

A frágil coalizão em Kashgar começou a desmoronar, as facções se dividiram, os combates irromperam em Xinjiang. Dois senhores da guerra chineses lutaram uns contra os outros, assim como quaisquer forças, uma vez ou ainda alinhadas à ETR. Mas foi provavelmente a hostilidade da União Soviética que acabou com o sonho islâmico.

A República Islâmica fazia parte da zona de amortecimento entre o território soviético e a Índia britânica, além de fazer fronteira com a Mongólia. Sucedendo os czaristas, os soviéticos continuaram o infame “Grande Jogo”, competindo pela influência britânica na fronteira com a Índia, enquanto se preocupavam com um Japão expansionista na fronteira soviético-mongol.

O jornal russo Izvestia sugeriu que a coroação de Khalid poderia prenunciar uma anexação britânica de Xinjiang em um estilo similar à recente anexação e ocupação da Manchúria pelo Japão. Lá, Tóquio colocou o “último imperador” Puyi no trono como executivo-chefe do que eles agora chamavam de Manchukuo.

O Islamistão, uma teocracia muçulmana autodeclarada que efetivamente controlaria a grande faixa de terra que fazia fronteira com a Ásia Central soviética, e talvez influencie a população muçulmana russa sob a orientação de um sujeito britânico como rei, era impensável para Moscou.

Sheldrake, privado de acesso a jornais durante sua longa viagem por terra, se aproximou de Xinjiang no início de agosto para encontrar o colapso da ETR e suas últimas tropas leais se renderem ao que pareciam ser forças apoiadas pelos soviéticos.

O sonho da ETR estava morto e o sonho de Sheldrake de governar o novo estado também estava desaparecendo. O veterano correspondente da United Press China, John R. Morris, informou:

Os Sonhos do Rei do Regime Asiático Esmagados.

The 1926 inauguration of London’s first purpose-built mosque, in Wandsworth, which Sheldrake helped finance. Picture: Alamy
A inauguração em 1926 da primeira mesquita construída em Londres, em Wandsworth, que Sheldrake ajudou a financiar.

O rei Khalid e a rainha Ghazia rapidamente mudaram de direção e fugiram com alguns dos líderes depostos do Islamistão para a Índia e a cidade de Hyderabad. Uma vez em segurança no Raj britânico, Sheldrake explicou sua mudança para a Índia para o The Irish Times:

Eu não estou pronto para ser o peão de qualquer jogo político ou o candidato de qualquer poder político em particular. No momento, prefiro ser um “rei ausente”. Estou aguardando eventos antes de realmente prosseguir para o meu reino.

Porém, ele nunca mais iria por os pés no Islamistão. Eventualmente, Khalid e Ghazia chegaram em Forest Hill, ficando com suas magnólias e seus peixinho dourados. A China ficou feliz em ver as costas dele, assim como Moscou. Seu retorno evitou um potencial incidente diplomático para o Ministério das Relações Exteriores em Whitehall. Xinjiang voltou as mãos de seus senhores da guerra.

De volta à Inglaterra, Sheldrake deu palestras sobre assuntos do Turquestão, mas poucos estavam interessados ​​em algum lugar muito distante, muito estranho e complexo demais para ser entendido.

Ele voltou a levantar fundos para novas mesquitas e instituições de caridade muçulmanas na Grã-Bretanha. Ele viajou para a Líbia e o Egito, Suíça e Áustria. Ele também voltou para o negócio da família, como comprador de picles azedos na Turquia.

Durante a segunda guerra mundial, ele trabalhou para o British Council em Ancara. Ele retornou a Forest Hill em 1944 e morreu em 1947, ainda, tecnicamente, um rei exilado de um estado que havia deixado de existir 13 anos antes, se é que existiu.

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