O Maculelê é uma dança folclórica originalmente praticada por negros e caboclos do Recôncavo Baiano, que simula uma luta com bastões de madeira, ao som de atabaques e cânticos. No século 20, alguns praticantes passaram a usar facões em lugar de bastões, em apresentações folclóricas.

Acredita-se que essa manifestação cultural exista, na Bahia, desde o século 18, onde chegou possivelmente através de escravos africanos ou através dos portugueses, que praticavam a antiga dança dos paulitos ou, ainda, uma mistura de ambos. Incorporou elementos indígenas, africanos e europeus.

Hoje, o Maculelê é muito praticado por grupos baianos de Capoeira, mas diferente desta, que se transformou em arte marcial pelos grandes mestre baianos, o Maculelê continuou como folclore.

Origem do Nome

A historiadora baiana Zilda Paim (1919-2013), grande divulgadora e pesquisadora do Maculelê, referiu-se (vídeo ao lado) a uma história que ouviu sobre os malês esperarem os "macuas a lelê", para lutar (na África), o que teria dado origem ao nome maculelê. Lelês seriam os paus usados na luta (lelê também é uma iguaria da gastronomia baiana feita de milho e leite de coco).

Essa versão para o nome maculelê é improvável. Os macuas e os malês se encontraram na Bahia, vindos da África como escravos, estavam no Recôncavo Baiano no final do século 18. Mas dificilmente teriam se encontrado na África, pois lá eles viviam em regiões muito distantes. Os malês são do Saara ocidental, enquanto os macuas são do sudeste africano, especialmente Moçambique.

É possível que os malês tenham assimilado essa arte dos mouros (árabes do norte da África) e repassado aos baianos. Entretanto, os povos bantos, da África Meridional, também tiveram contato com comerciantes árabes, na Idade Média.

Existem versões em que o nome maculelê é associado ao nome de africanos. De fato, existe um povo que vive na fronteira da África do Sul com Moçambique chamado makulele ou makuleke. Nessa região, por volta do século 13, emergiu um próspero centro comercial envolvendo transações com muçulmanos, que comerciavam no Oceano Índico.

Raízes do Maculelê

As raízes do Maculelê remontam provavelmente às antigas danças de espadas do Velho Mundo, especialmente as praticadas pelos árabes.

Versões de danças com o uso de bastões, simulando espadas, são comuns na Europa e na Ásia, desde a Antiguidade. Algumas versões transformaram-se em verdadeiras artes marciais, em que os bastões são mesmo os principais instrumentos de luta, como no caso de estilos existentes na China e no sudeste asiático.

Em Portugal elas são mais conhecidas como danças mouriscas ou dança dos paulitos, principalmente em grupos folclóricos do norte do País. Assim, é também possível que algum tipo de dança de espadas tenha chegado à Bahia através dos portugueses e influenciado o Maculelê ou mesmo dado origem a ele. Afinal, o Império Lusitano tinha acesso a muitas culturas europeias, africanas e asiáticas, que influenciaram a cultura baiana.

Nas Antilhas, nos séculos 18 e 19, existem registros de lutas com bastões de madeira entre os negros. Em Trinidad, por exemplo, essa arte era praticada ao ritmo da calinda. Essa versão caribenha era um verdadeiro combate, mas como uma espécie de jogo, assim como era a Capoeira até o início do século 19.

Na Bahia, a dança com bastões adquiriu identidade e estilo próprio: o Maculelê.

O mais conhecido divulgador histórico do Maculelê foi Paulino Almeida de Andrade (1876-1968), o Mestre Popó de Santo Amaro da Purificação, que também era capoeirista. Popó teria aprendido o Maculelê com descendentes de escravos malês.

Os malês eram grandes guerreiros, formaram um grande império muçulmano na África ocidental, dos século 13 ao 16. Na Bahia, lideraram a maior revolta escrava urbana do Brasil, em 1835.

A influência árabe no Império do Mali, na Idade Média, levou esses africanos ao uso da espada em batalhas, como arma alternativa. Os tuaregues, por exemplo, usavam espadas e ainda são encontrados no Mali. Mas ilustrações antigas mostram que os malês guerreavam basicamente com escudos e lanças, assim como os demais povos da África subsaariana. Os africanos sempre foram grandes lanceiros e, como tal, participaram de forças brasileiras, como no caso da Guerra dos Farrapos (1835 - 1845).

Segundo a etnomusicóloga baiana Emília Biancardi (Raízes Musicais da Bahia, 2006), o etnólogo senegalês Ousmane Silla, que esteve em Salvador em 1969, afirmou que o Maculelê existia em Senegal, país que faz fronteira com Mali.

Por outro lado, o pesquisador Plínio de Almeida (Pequena História do Maculelê), cita que essa dança teria sido trazida possivelmente por escravos de Moçambique, em meados do século 18.

Os Cucumbis da Bahia

O Maculelê era representado nos Cucumbis da Bahia, que ocorriam na véspera do Dia de Reis, no século 19. Entretanto, existiram variações na época e no estilo. Possuíam elementos portugueses, indígenas e africanos.

O Cucumbi era um tipo de cortejo de origem africana, acompanhado por música e dança com coreografia de guerra. Encontra-se variações do nome como cacumbi ou quicumbi e, segundo o Aurélio, seria um ritual de passagem para a adolescência, em que se representa a morte e a ressurreição do filho do chefe.

Essa manifestação cultural teria desaparecido de Salvador antes do início do século 20. Ao abordar o tema, em Os Africanos no Brasil, Nina Rodrigues (1862-1909) confessou que seus esforços para identificar os Cucumbis da Bahia foram infrutíferos.

Suas mais antigas referências remontam ao século 18, mas a mais detalhada conhecida foi dada por Manoel Querino (A Bahia de Outrora, 1916). Edelweiss, em nota da 3ª edição desse livro de Querino (1946), relatou que os Cucumbis da Bahia seriam reminiscências de homenagens aos chefes africanos com os cortejos de praxe e teriam contribuições de autos profanos portugueses. Os cânticos referidos por Querino faziam mesmo alguma referência a temas europeus.

Querino citou que o Cucumbi compunha-se de numeroso agrupamento: uns armados de arco e flexa, capacete, braços pernas e cintura enfeitados de penas, saiote e camisa encarnados, corais, missangas e dentes de animais no pescoço, à feição indígena. Outros trajavam saieta e corpete coloridos. Os instrumentos consistiam de pandeiros, canzás, checherés ou chocalhos, tamborins e marimbas. Ensaiavam, por exemplo, no Largo da Lapinha, Terreiro de Jesus e Largo do Theatro (Praça Castro Alves).

Em seguida, Querino descreveu o que poderia ser o Maculelê no Cucumbi, embora ele não citasse o nome maculelê:

"Além dos instrumentos acima indicados, certas personagens conduziam os seus grimas [bastões de madeira], os quais no final de cada estrofe se cruzavam dois a dois.

O bi iaiá, o bi ioiô,

Saravudum, sarami, saradô.

Ao pronunciarem a sílaba , era o som abafado pelo choque dos grimas, batendo uns de encontro aos outros. Em seguida, davam voltas e trejeitos ao corpo, repetiam o canto e os mesmos movimentos."

Em seu livro, Querino continuou a descrever a representação teatral do Cucumbi, com mais cânticos.

Interessante notar que Querino era natural de Santo Amaro. Pode-se especular que o Maculelê seria uma versão santo-amarense do Cucumbi. De fato, Biancardi publicou, em seu livro, o seguinte texto extraído do jornal O Popular, de Santo Amaro, de 10 de dezembro de 1873:

"Faleceu no dia 1º de dezembro, a africana Raimunda Quitéria, com a idade de 110 anos, e que, apesar da idade, ainda capinava e varria o adro da Igreja da Purificação para as folias do maculelê."

As folias do Maculelê, em Santo Amaro, ocorriam em dois de fevereiro, dia da Padroeira N.S. da Purificação. Segundo Biancardi, após a abolição da escravatura, esse folguedo entrou em declínio. Entretanto, a Festa da Purificação de Santo Amaro continua sendo uma das mais tradicionais do Brasil.

Biancardi, que apresenta um rico trabalho sobre o Maculelê em seu livro, também cita que, após a morte de Barão, um mestre do Maculelê, no início do século 20, o Maculelê desapareceu nas comemorações da Padroeira de Santo Amaro. Retornou nos anos 1940, com Popó e seu Grupo de Maculelê. Biancardi ainda cita, que idosos de Santo Amaro afirmaram que existiam ambos na Cidade: o Maculelê e o Cucumbi, este nas comemorações de Cosme e Damião. A historiadora Zilda Paim acreditava que o ritmo nos dois eventos eram parecidos e que ambos usavam grimas.

Outras Considerações

O Maculelê atual tem características multiculturais e estilo próprio baiano, de Santo Amaro. Os africanos deram imensa contribuição à cultura brasileira, mas as contribuições culturais dos portugueses não foram menores. Além da cultura europeia, os portugueses trouxeram também alguma cultura asiática, que se identifica, por exemplo, na gastronomia baiana. Os portugueses navegavam pela costa africana, europeia, asiática e americana, levando e trazendo culturas de vários povos. Por fim, há que se considerar que a cultura baiana foi também para a África, durante os mais de três séculos de colonização portuguesa, principalmente levada por africanos que retornaram. O maculelê referido por Ousmane Silla pode ser baiano.

Os espanhóis também tinham suas versões de danças de espadas e, a partir do final do século 16, com a União Ibérica, passaram também a navegar pelas costas da África e da Ásia.

É provável que os africanos tenham assimilado essas danças, vindas de árabes, portugueses e espanhóis, então criado suas próprias versões. Podem ter existido estilos diferentes na África ocidental e oriental.

A Bahia do século 18 era fervilhante em suas manifestações culturais (continua sendo), devido às contribuições de tantos povos. Salvador era a maior cidade do Império Lusitano, depois de Lisboa, e seu maior porto ultramarino. A confusão sobre as origens do Maculelê é um retrato dessa mistura cultural.

Fonte: historia-brasil.com