A morte do fundador de um grande império sempre costuma precipitar uma grande inquietação entre os vivos: sucessões incertas ou medíocres frequentemente dão lugar à guerras civis, decadência, fragmentação e caos. O Império Macedônico de Alexandre, o Império Franco de Carlos Magno e a Comunidade Republicana do puritano Oliver Cromwell são todos exemplos bem conhecidos de projetos falidos por sucessores.

Quando Tughril Beg deu seu último suspiro, o jovem e promissor Império Turco-Seljuque estava para assistir se o projeto expansionista turco era mais outro fogo de palha no teatro bélico da Ásia Central. Sem filhos, o imperador defunto não tinha alguém de sua semente para dar continuidade à ambição daquele povo beligerante e recém-islamizado; mas isso, felizmente, já havia sido pensado, e antes de morrer Tughril teve como sucessor anunciado um dos filhos de seu falecido irmão, Chaghri Beg, que havia compartilhado a preciosa experiência de ser criado com o avô icônico que legou o nome da dinastia: Seljuk Beg.

Sucessões indiretas assim sempre costumam alimentar a ambição de generais, vizires e parentes sedentos por poder, especialmente quando o sucessor apontado não passava de uma criança, incapaz de assumir assuntos de governo por conta própria; o ditado bíblico sobre os perigos de infantes no governo, diga-se de passagem, não foi elaborado alheio à experiência fatídica do passado.

Mas a sucessão à um infante beneficiava al-Kunduri, o competente grão-vizir de Tughril, agora de facto governante do Império Seljuque, na condição de regente. Al-Kunduri estava ciente que a sucessão seria contestada, ainda fosse positivada pelo próprio Tughril.

Pouco surpreendentemente, os filhos mais velhos de Chaghri logo contestaram a sucessão, sendo não só encarregados de grandes exércitos como também dotados de uma incontestável experiência pública e militar. Apesar do vizir ter se adiantado e posto o nome do infante Suleiman na khutba – o sermão de sexta-feira que costumava mencionar os sultões locais nas orações do povo – da capital, que indicava uma espécie de legitimidade de governo dentro de um Estado Muçulmano, o ato foi irrelevante para a insurgência de Alp Arslan, irmão mais velho de Suleiman, e Qutalmish, irmão do falecido Tughril Beg e tio dos outros dois.

Sabendo de sua situação delicada, al-Kunduri chegou aos termos com Alp Arslan, a quem havia anteriormente ameaçado, sendo a escolha mais óbvia e segura naquela ocasião. Arslan era um guerreiro de renome, campeão da causa sunita e opositor do Califado Fatímida, um estadista vigoroso que havia sido escolhido pelo próprio Chaghri para governar a poderosa província de Khurasan. Na verdade, Alp Arslan – “o Grande Leão” – sequer era seu nome, mas um apelido adquirido por sua ferocidade e imensa quantidade de vitórias; seu nome verdadeiro era Muhammad bin Dawud Chaghri, ou simplesmente Maomé. Após se aliar com o vizir, Muhammad Alp Arslan derrotou decisivamente o tio na Batalha de Damgham (1063), dispersando as tropas inimigas, matando Qutalmish e capturando seus filhos Resul e Suleiman – este que mais tarde seria o fundador do Sultanato Seljuque de Rum, na Anatólia.

Após a vitória, Alp Arslan ascendeu ao trono, manteve al-Kunduri como vizir e tratou de subjugar insurgentes menores nos anos seguintes. Por conspiração de Nizam al-Mulk, vizir de Alp Arslan enquanto este ainda era governador de Khurasan, al-Kunduri acabou morto e al-Mulk o sucedeu como o novo vizir, exercendo um papel decisivo na estabilização do império após a conturbada sucessão. Em 1066, uma vez estabilizado o Império, Arslan lançou-se na conquista na Capadócia Bizantina e dos reinos cristãos da Geórgia e Armênia, além de fazer guerra contra os xiitas do Califado Fatímida.

Na costa do mediterrâneo, bizantinos e fatimidas resolveram suas diferenças diante da perigosa ameaça representada pelo império móvel dos cavaleiros turcos, optando por se concentrarem no inimigo em comum. No Império Bizantino, a ascensão do césar Romanos Diógenes parecia dar uma esperança não apenas de empurrar os turcos para fora da Ásia Menor, mas também de dar cabo de um problema mal resolvido pelos antigos imperadores bizantinos: o extermínio completo do Cristianismo Miafisista na Armênia, condenado no Concílio da Calcedônia (451), que reinava soberano na região.

Sob Alp Arslan, os turcos haviam invadido o Império Bizantino com o objetivo de fazerem guerra ao Califado Xiita no fronte sírio. Mas apesar do poderio seljuque, os turcos sofreram derrotas em todas as três campanhas que se iniciaram em 1068. Após as árduas campanhas para ambos os lados, Alp Arslan optou por descartar a ideia de uma guerra continuada com os bizantinos para se concentrar na jihad contra os xiitas, de forma que ambos os lados entraram em termos de paz e asseguraram suas fronteiras na Ásia Menor.

Mas fazia tudo parte dos planos bizantinos: quando Arslan alegremente confirmou a paz, descendo imediatamente para a Síria Fatímida, os bizantinos se lançaram contra a Armênia, na época controlada pelos turcos, para recuperar antigas fortalezas perdidas para os seljuques; como o exército de Arslan estava longe, focado em sua campanha revestida de zelo religioso, os bizantinos poderiam não apenas tomar esses enclaves com maior facilidade, mas também adquirir a própria Armênia e, com ela, a implantação da agenda imperial de extermínios aos heréticos.

O exército bizantino compunha cerca de 40 ou 50 mil homens, quase metade destes mercenários: dos quais se destacavam arqueiros montados cumanos, cavalaria pesada normanda e franca, cavalaria turcomana e búlgara, tropas georgianas e armênias e, finalmente, a famigerada Guarda Varagiana, composta de infantaria inglesa, russa e escandinava. Apesar do número aparentemente impressionante, o exército bizantino operava em números menores do que aqueles vistos no início do século, por conta do sucateamento militar orquestrado pelos imperadores das últimas décadas. Além dos números, o exército reunido apresentava problemas sérios e ao mesmo tempo fundamentais: o avanço havia sido lento e difícil, muito por causa do imenso e luxuoso trem de bagagem pessoal do imperador Romanos, que além de atrasar a marcha, diminuiu a moral das tropas e causou ressentimentos; a própria cadeia de comando em si era composta por generais que, por conta de ambições pessoais, poderiam trair o imperador na primeira oportunidade, se isso lhes permitisse chegar perto do trono ou garantir uma posição social mais elevada; em matéria de disciplina, os mercenários francos logo se tornaram um problema, por conta de pilhagens cometidas contra a própria população local, cristã, que acabou forçando Romanos a expulsá-los.

Confiante de que Arslan se encontrava longe, Romanos decidiu dividir seu exército em dois, levando pessoalmente uma parte até a cidade de Manzikert e encarregando a outra de conquistar a fortaleza de Khliat.

Em algum momento destes acontecimentos, Alp Arslan soube que havia sido enganado. Em resposta, ele moveu seu exército de cavalaria arqueira rapidamente até Manzikert. Embora Romanos tenha conquistado a cidade com facilidade, ele acabou tendo a surpresa desagradável de que o sultão estava em seu encalço, e que a metade do exército que havia se separado havia ou fugido ou sido derrotada, não possuindo qualquer préstimo na ratoeira onde ele havia se metido.

Marchas executadas pelo exército bizantino (roxo) e pelo exército seljuque (verde) até a cidade de Manzikert.

Nos dias que se seguiriam, muitos mercenários altaicos do exército bizantino – cumanos, turcomanos etc – desertariam para o lado dos seus primos de raça, e uma parte do exército bizantino seria completamente massacrada ao sair das muralhas para tentar descobrir o tamanho real do exército do sultão.

Uma embaixada foi enviada até a cidade para negociar um acordo de paz: Arslan, genuinamente, queria enfrentar os muçulmanos xiitas mais do que os cristãos bizantinos, sendo toda aquela campanha apenas uma barreira no caminho de seu real objetivo. Apesar da situação complicada, Romanos rejeitou o acordo de paz: existiam muitas razões pelas quais ele não poderia se dar ao luxo da submissão. A primeira delas eram os recursos: levantar outro exército, especialmente daquele tamanho, seria não só difícil, como também extremamente oneroso. Além disso, Romanos queria, de vez, colocar um fim nas persistentes incursões turcas na fronteira oriental, algo que só uma vitória decisiva em Manzikert poderia providenciar. Incapazes de entrar em acordo, ambos os exércitos se encontrariam em campo aberto no dia 26 de agosto de 1071. Por conta de erros táticos, da baixa lealdade dos estrangeiros e da traição do general responsável pela retaguarda de Romanos, a batalha foi uma vitória decisiva para os turcos e uma derrota catastrófica para os bizantinos, tendo o próprio Romanos Diógenes sido capturado e levado à presença de Alp Arslan, que seria imortalizado pela vitória desta batalha.

Alp Arslan humilhando o imperador Romanos IV. De uma tradução francesa ilustrada do século 15 do De Casibus Virorum Illustrium de Boccaccio.

Ensanguentado, sujo e cansado, Romanos foi trazido até a presença de Arslan, que mal podia acreditar que o sujeito que estava à sua frente era ninguém menos que o césar do Império Romano Oriental. Uma vez ciente da sua identidade, uma humilhação ritual se seguiu, com Alp Arslan colocando a sua bota na garganta no pescoço do césar e forçando-o a beijar o chão. Na cronística, o diálogo que se seguiu foi imortalizado na tradição literária tanto do oriente quanto do Ocidente:

Alp Arslan: o que você faria se fosse eu que tivesse sido trazido até você como prisioneiro?

Romanos: provavelmente eu iria te matar, ou exibir você nas ruas de Constantinopla.

Alp Arslan: minha punição é muitíssimo pior. Eu te perdôo, e colocarei você em liberdade.

Apesar da condição de Alp Arslan, seu tratamento com o imperador derrotado tem sido considerado demasiadamente generoso, apresentando exatamente os mesmos termos de paz que ele havia oferecido antes da batalha em Manzikert: um resgate para libertá-lo (que foi diminuído após Romanos dizer que ele valia não tanto ouro); a concessão das cidades de Antioquia, Edessa, Hierapolis e Manzikert, deixando o centro vital da Anatólia intocado; por fim, o casamento da filha de Romanos com o filho de Alp Arslan.

Romanos foi consideravelmente bem tratado pelo sultão, comendo em sua mesa e sendo posteriormente despachado para Constantinopla sob a escolta de dois emires e cem mamelucos. Com relação ao impacto da derrota de Manzikert, a historiografia mais moderna tende a desacreditar que ela, em si, foi necessariamente a causa da falência bizantina que se seguiu até a altura da Primeira Cruzada; a bem da verdade, muitos soldados do exército bizantino sobreviverma à batalha, assim como seus oficiais. O problema real foi justamente o fato de que, na corte bizantina, intrigas e deposições eram fenômenos rotineiros: embora resgatado, Romanos teria que lidar com vários generais rebeldes, muitos dos quais haviam participado e sobrevivido à Batalha de Manzikert. Esses generais ou se proclamaram imperadores ou apoiaram outros candidatos ao cargo. Nas guerras civis que se seguiram, Romanos acabou capturado, cegado e exilado, apenas para morrer pela infecção causada pelo cegamento cruel. Neste cenário de caos, Roussel de Bailleul, o comandante dos mercenários ocidentais em Manzikert, iria fundar seu próprio Estado na Galácia, com 3.000 mercenários de origem normanda, franca e alemã, chegando a ameaçar a própria capital; após pedidos do novo imperador, os turcos trataram de dispersar esse proto-Estado Católico no Outremer, apenas a algumas décadas da Primeira Cruzada.

Durante as guerras civis que se sucederam, os turcos participaram dos conflitos intra-bizantinos como mercenários, para diversos lados. No fim, o vácuo de poder foi tamanho que os turcos acabaram se esticando sobre a Anatólia em si, embora não antes da morte de Alp Arslan.

Após a vitória contra os bizantinos, Arslan decidiu uma campanha um tanto quanto curiosa: ao invés do inimigo xiita, ele decidiu conquistar a terra natal de seu bisavô Seljuque, o Turquestão. Nas campanhas que se seguiram, Arslan encontrou um fim um tanto quanto cômico. Após um cerco inconveniente contra uma fortaleza corásmia no Turquestão, o exército de Arslan conseguiu render uma fortaleza vigorosamente defendida por dias. Seu governante, Yussuf, foi trazido à presença de Arslan e por ele condenado à morte. No pico de sentimentos causados pela notícia, Yussuf al-Kharezmi sacou uma adaga e correu na direção do sultão para assassiná-lo. Mas ao invés de ser rendido pela guarda do sultão, Arslan deu ordens expressas para que seus homens não interferissem na luta, preparando seu arco para alvejar pessoalmente o governante ensandecido: afinal, Arslan tinha orgulho da sua reputação de arqueiro. O orgulho não serviu de muita coisa quando Arslan se desequilibrou e acabou errando a flecha; Yussuf, por outro lado, acertou a adaga bem no peito do sultão, que morreu quatro dias depois.

Embora Arslan seja melhor conhecido por seus feitos militares, seu legado político não deve de forma alguma ser ofuscado. Graças ao seu gênio e à cooperação com Nizam al-Mulk, Arslan adaptou o estilo de vida nomádico dos turcos às sociedades sedentárias e agrárias conquistadas, distribuindo feudos militares à príncipes seljuques, que por sua vez iriam manter e providenciar tropas naquelas regiões; assim, os turcos poderiam extrair recursos de sociedades sedentárias sem necessariamente se adequar ao estilo de vida delas. Neste modelo, Alp Arslan e seus sucessores eram capazes de manter exércitos permanentes imensos sem depender do dinheiro proveniente de tributos à nações vizinhas ou saque para sustentar os soldados.

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