Charles H. Haskins já dizia em seu livro que as Universidades são uma criação medieval, não dos gregos ou dos antigos romanos. O autor está correto, porém atribui tal criação aos habitantes de Bolonha e de Paris, ignorando completamente as complexas instituições de ensino que haviam séculos antes no mundo islâmico e que mais tarde influenciariam as universidades cristãs, que por sua vez moldam até hoje as universidades modernas, apesar das grandes diferenças entre as instituições contemporâneas de ensino e as do medievo.

As madraças têm uma longa e rica história. Logo após o surgimento do Islã no século VII, muçulmanos que queriam uma educação religiosa se juntava à grupos de estudos nas mesquitas, onde professores proviam instruções.

Durante os próximos 400 anos, novos centros de aprendizados, fundados e patrocinados por governantes, membros da comunidade com maior poder aquisitivo etc, se encontrariam em bibliotecas públicas e privadas. Essas eram as formas mais “primitivas de madraças”. Já no século XI, as madraças eram instituições consolidadas e com vários aspectos que ainda hoje mantém. Possuíam um local permanente, funcionários pagos, alunos em tempo integral, dormitórios e estipêndios.

Tais instituições de ensino se espalharam rapidamente, e enquanto menos de 5% dos habitantes do Ocidente aprendiam a ler e escrever, milhares de madraças levavam instrução da costa atlântica de Portugal às planícies da Ásia Central. Se hoje no mundo moderno a riqueza é medida através de objetos chiques e caros que as pessoas possuem, no mundo islâmico dentre os períodos do século IX ao XIII a riqueza era referente ao que as pessoas possuíam em termos de livros e manuscritos.

Para melhor ilustrar, temos a madraça de Kairouan, estabelecida em 670 na Tunísia. Ainda na Tunísia, encontra-se a madraça de Ez-Zitouna, fundada em 737. Há também outras madraças famosas, como a de al-Azhar estabelecida no século X por volta dos anos 970-972, assim como as Nizamiyyas do século XI, estabelecidas por todo Império Seljúcida. Em compensação, a primeira universidade europeia, oriunda da cidade de Bolonha na Itália, só iria ver seu nascimento no ano de 1088.

Novamente conforme Haskins, as universidades modernas e as universidades cristãs medievais possuem grandes diferenças, como por exemplo a falta de um conselho diretor, bibliotecas, laboratórios ou museus, assim como não possuía dotações ou edifícios próprios, diferentemente das madraçais islâmicas.

Ocorre que tanto a madraça islâmica quanto as universidades cristãs eram instituições religiosas. Entretanto, as madraças continuaram sendo madraças, enquanto que as universidades cristãs passaram a ser na instituição que conhecemos hoje.

Há diferenças na cosmovisão do Cristianismo e do Islã que possibilitaram importantes divergências entre os sistemas madraçais e universitários. Dentre essas diferenças, explica o professor Kemal Gürüz, é o fato de que o Islã introduz uma “ordem mundial” totalmente diferente, enquanto que o Cristianismo não. Por esse motivo, a lei islâmica (fiqh) se tornou um tema importante nas madraças e na teologia islâmica no geral. Enquanto isso, as universidades focaram nas leis através das regras da Igreja e do direito canônico, concentrando sua atenção principalmente na relação entre razão e revelação.

Ainda segundo Gürüz, a “exclusão” da filosofia pelos muçulmanos, principalmente após as obras do grande Imam al-Ghazali, e a continuação das discussões filosóficas pelos adeptos do cristianismo, levaram a um congelamento das madraças, uma vez que as mesmas simplesmente mantinham e difundiam o conhecimento já existente, enquanto que as universidades cristãs se transformaram nessas instituições sempre em busca do conhecimento que temos hoje.

As madraças, antes capazes de funcionar através de iniciativas individuais, se transformaram numa instituição estatal durante a era do califa abássida Harun al-Rashid, uma vez que o califa converteu a principal função das madraças em proteger a ordem já existente como ela era.

Apesar dos extensos e bem elaborados currículos dos complexos madraçais otomanos, a situação ainda não mudou durante tal período. Como citado logo acima, as madraças, como locais para a formação de legisladores, profissionais do direito, juízes e muftis se tornaram instituições para proteger e manter a ordem vigente. Enquanto isso as universidades no Ocidente, devido ao sucessivo ganho de independência da Igreja Católica conquistada pelos reis, não tiveram esse caráter de manter e proteger a ordem.

Durante a era de ouro islâmica, grandes pensadores e sábios surgiram de dentro das madraças, sendo o método dialético amplamente empregado nessas instituições. As universidades cristãs aprenderam e adotaram tais métodos. Entretanto, conforme o tempo foi passando, as instituições de ensino europeias adotaram outro método, partindo daquele absorvido dos muçulmanos em que um lado deve vencer o outro em um debate, para aquele em que ambas as partes partilham conhecimento para que se possa chegar em uma síntese.

Bibliografia:

HASKINS, Charles Homer. A Ascenção das Universidades. Danúbio Editora. 2015

ESPOSITO, John. The Oxford Dictionary of Islam. Oxford University Press. 2003.

MOHAMAD, Ahmed Fathi Korani. Between Dictators and Scholars: Institutions and Methods of Teaching in Medieval Islam. 2015
RENAUD, Myriam. What are madrasa schools and what skills do they impart?. 2018

BERKAN, Ismet. Why could Islamic schools not become universities?. 2018

Kemal Guruz (2016), Medrese v. üniversite: geri kalmanın ve ilerlemenin karşılaştırmalı tarihçesi