A Índia, local que abriga a religião mais antiga do mundo ainda viva e também uma das histórias mais impressionantes e extensas, um dia também foi o palco para o surgimento de um dos maiores impérios muçulmanos de todos os tempos: o Império Mogol.

Porém não é a história desse prolífico império que será contada hoje, mas sim a de seu fundador, chamado Babur (“o Tigre”). Nascido Zahīr ud-Dīn Muhammad, era descendente direto de dois grandes nomes da história: Timur e Gengis Khan. Ele mesmo viria a se tornar uma figura importante e grandiosa, não deixando o legado de seus antecessores para trás. Seu nome foi escolhido por um santo sufi chamado Khwaja Ahrar da ordem Naqshbandi, guia espiritual de seu pai.

Babur ficou conhecido por muitas coisas além de ser o fundador do Império Mogol, dentre elas o fato de ser uma pessoa muito espiritualizada, possuindo uma relação muito próxima com o sufismo, a mística islâmica tradicional. Alguém poderia esperar que a sua espiritualidade fosse uma espécie de legado de seu pai, porém é justamente o contrário, o pai de Babur não era tão voltado aos assuntos espirituais e místicos quanto seu filho viria a ser.

Retrato idealizado de Babur, início do século 17

Babur nasceu em 14 de fevereiro de 1483 em Anjizan, no atual Uzbequistão. Seu pai, Umar Sheikh Mirza, governante do Vale de Fergana, descendia diretamente de Timur através de sua linhagem paterna. Já sua mãe, Qutlugh Nigar Khanum, era filha de Yunus Khan, descendente de Gengis Khan através do segundo filho do grande conquistador mongol, Chagatai Khan. Como pode ser visto, Babur sem dúvida possuía um sangue nobre, e se seguisse os passos de seus ancestrais sem dúvida alguma o destino guardaria para ele um legado tão grandioso quanto. E de fato era isso que seu futuro esperava.

Babur se tornaria o governante do Vale de Fergana em 1494 aos 11 anos após a morte de seu pai. É esperado que um menino de 11 anos teria dificuldade para governar um território como o de Fergana, porém as coisas seriam ainda mais complicadas com as interferências de dois de seus tios que eram rivais de Umar Mirza, procurando destituir Babur do trono e colocar em seu lugar Jahangir [1]. Devido à pouca idade e baixa experiência do jovem Babur, o mesmo quase viria a perder o seu domínio sobre Fergana, sendo a interferência de sua avó, Aisan Daulat Begum (esposa de Yunus Khan), um fator decisivo para sua permanência no trono outrora ocupado por seu pai. Poucos anos depois, Babur viria a se casar com Aisha Sultam Begum, filha do sultão Ahmad Mirza. Posteriormente ele viria a contrair outros matrimônios, tendo também concubinas.

Devido à ampla linhagem tanto de Timur quanto de Gengis Khan, as regiões nos arredores do Vale de Fergana eram, em geral, governadas por parentes de Babur. A própria cidade de Samarqanda era por um primo seu e também alvo de disputas acirradas para ver quem garantiria o seu domínio. Não diferentemente, Babur também possuía seus interesses próprios nessa cidade: em 1497 ele levantaria um cerco de 7 meses para assumir o controle de Samarqanda quando tinha somente 15 anos, um grande feito para sua idade. Apesar de sua conquista de Samarqanda ter sido de fato notável, certos contratempos vieram a ocasionar não somente a sua perda como também a perda de Fergana.

Após conquistar Samarqanda, recebera a notícia de que o Vale de Fergana havia sido usurpado pelo seu irmão através de uma rebelião juntamente com alguns nobres da cidade. Enquanto Babur voltava para Fergana para retomar o seu governo em uma viagem de aproximadamente 350 quilômetros de distância, Samarqanda seria perdida por um príncipe rival que também tinha interesses na cidade. Ou seja, após uma grande conquista em tão pouca idade, não restou muito até que perdesse o que havia conquistado e herdado.

Acontece que Babur ficaria obcecado com a cidade de Samarqanda e passaria três anos recrutando homens para seu exército para tentar retomá-la. Por volta de 1500, novamente viria a levantar outro cerco sobre a cidade e de novo a conquistaria. Como da última vez, não tardaria até que perdesse o domínio, agora para Muhammad Shaybani, Khan dos Uzbeques.

Após sua derrota em Samarqanda, Babur tentaria reconquistar Fergana, mas seria outra vez atingido com o fracasso. Agora, sem qualquer perspectiva de apoio e menos ainda de vitória, Babur teria que se refugiar em Tashkent (atual capital do Uzbequistão), cidade governada por um de seus tios maternos. Entretanto, sua vida não seria nada fácil nessa época e dependeria da ajuda de terceiros para sua subsistência. O próprio Babur nos narra a dificuldade desse período em seu famoso livro de memórias, o Baburnama:

Durante minha estadia em Tāshkīnt, suportei muita pobreza e humilhação. Nenhum país, nem esperança! A maioria dos meus partidários se dispersou, e os que ficaram eram incapazes de seguir comigo por causa de sua miséria! (Baburnama, p. 144, 2017).

Apesar do período difícil que agora passava em sua vida, Babur não desistiria e continuaria persistindo até que retomasse seu poder e riquezas juntamente com a conquista de Kabul, capital do moderno Afeganistão.

Kabul nessa época era governada por outro tio de Babur, Ulugh Beg II, mas que logo faleceu e deixou como herdeiro do trono seu filho ainda criança. Por conta disso, Mukin Begh decidiu tomar a cidade para si, mas foi mal visto pela população local, sendo taxado pelos nativos de Kabul como usurpador. Enquanto isso, Babur conseguiu atravessar a cordilheira de Indocuche [2] em 1504 e foi diretamente até Kabul, conquistando a cidade. Essa mais nova conquista de Babur marcaria o seu ressurgimento das cinzas, uma vez que conseguiu recuperar sua riqueza e agora também tinha um território para governar.

Contudo, Babur ainda não esqueceria de seu arquirrival Muhammad Shaybani que havia o expulsado de Samarqanda. Por conta disso, viria a planejar ataques contra Shaybani junto com o sultão Husayn Mirza Bayqarah de Herat, Afeganistão. Os ataques, porém, não viriam a se concretizar devido à morte de Bayqarah em 1506, e a cidade de Herat veio inclusive a ser tomada pelo próprio Shaybani em sequência. O fantasma de Babur parecia novamente assombrar a sua vida, e agora devia também enfrentar uma rebelião em Kabul, o que conseguiu segurar com certo êxito, até que dois anos mais tarde fosse expulso da cidade por alguns de seus generais, mas para novamente recuperá-la.

Quanto à Shaybani, o Khan que assombrava a vida de Babur, viria a ser derrotado e morto em 1510 pelo fundador do Império Safávida, o Rei dos Reis (shahanshah) Ismail I. Já Babur por sua vez seria declarado Padshah (imperador) dentre os Timúridas, apesar de esse título não significar muito nessa época, afinal poucas terras restavam aos descendentes de Timur.

Após a derrota de Shaybani por Ismail I, Babur viria a aproveitar essa importante oportunidade para conquistar novos territórios, vindo a se aliar com o algoz de seu rival. Como era de se esperar, novamente Babur foi até Samarqanda para reconquistar a cidade, obtendo sucesso nessa nova tentativa e também conquistando Bukhara. Porém, pela terceira vez, viria a perder a cidade pelos Uzbeques.

Os Uzbeques provaram ser uma potência muito forte e ameaçadora para Babur, o que fez ele tomar um caminho diverso do que outrora tomaria caso essa ameaça não existisse. Assim, optou pela Índia como seu destino, enviando campanhas militares ao Rio Chenab (no atual Paquistão) em 1519. Devido à impossibilidade de se expandir entre os Uzbeques, o objetivo atual de Babur era se expandir pela região do Punjab, porém teve seus planos novamente frustrados, dessa vez por Ibrahim Lodi, sultão do Sultanato de Deli.

Porém, em 1525 Babur tomaria Punjab de Dalaut Khan Lodi, o governante da região. Da região do Punjab, Babur marcharia para Deli para acertar contas com Ibrahim Loti, encontrando em seu caminho um impressionante exército de 100 mil homens e 100 elefantes. Acontece que a gigantesca força de Lodi dessa vez não foi párea para Babur, que venceu seu adversário não através da força bruta e vantagem numérica, mas sim mediante uma estratégia conhecida como Tulugma, que consistia em cercar as tropas inimigas e deixa-las vulneráveis às artilharias, assustando ainda os elefantes de guerra do sultão de Deli. Foi com essa vitória que as fundações do futuro Império Mogol surgiriam, pois agora Babur assumia o trono de Deli e de Agra.

Havia ainda outras batalhas para travar, e o governo de Babur no Punjab não seria aceito pacificamente por todos. Dentre os que não aceitariam sua presença estava Rana Sanga, que inicialmente conseguiu certo sucesso contra Babur, mas que seria derrotado terrivelmente na batalha de Khanwa, uma vez que Babur se valeu do uso da pólvora, algo até então desconhecido no Norte da Índia.

Ao receber a informação de que Rana Sanga se preparava para enfrentá-lo novamente, Babur decidiu enfraquecer os seus aliados para que Sanga não tivesse a quem recorrer. Assim, atacou Medini Rai, governante da região de Malwa no centro-oeste indiano. Primeiramente Babur ofereceu a cidade de Shamsabad à Medini como uma troca pacífica pelo seu apoio contra Rana Sanga, porém o governante de Malwa prontamente recusou. Após a recusa de Medini Rai, Babur decidiu investir com tudo, ocasionando uma conquista extremamente rápida das terras de Medini Rai, que organizou uma prática chamada jauhar envolvendo as mulheres e crianças de seu reino, prática essa que consistia em atirar fogo ao próprio corpo. Não obstante, alguns soldados de Medini Rai também começaram a matar uns aos outros aderindo à prática de suicídio coletivo.

O mausoléu em que Babur descansa na cidade de Kabul, capital do Afeganistão.

O legado de Babur continua vivo até hoje, gerando discussões acaloradas ainda em nossos dias. Exemplo disso é a mesquita Babri, ou “Mesquita de Babur”, construída muito provavelmente sob ordem de um dos comandantes de seu exército, Mir Baqi. A polêmica gira ao redor da construção da mesquita, se ela foi ou não construída sobre algum templo religioso não-muçulmano. Conforme a conclusão de uma equipe de arqueólogos que investigou o local, a mesquita de fato foi construída em cima de um templo que datava por volta do século XI-XII. Entretanto, para a Suprema Corte Indiana ao julgar a polêmica em 2019, não há nada que prove que essa construção anterior tenha sido um templo. Tal construção, por sinal, conforme entendeu a Suprema Corte Indiana, já estava destruída quando a Mesquita de Babur veio a surgir, não havendo também qualquer indício de que os restos da estrutura anterior tenham sido usados para construir a mesquita.

A Mesquita de Babur foi objeto de intrigas, brigas e discussões tanto no passado por volta do século XIX quanto há poucos anos atrás. O local foi afirmado pelos Hindus como sendo deles, assim como os muçulmanos afirmavam que o local onde se encontra a mesquita era na verdade dos muçulmanos. Em 2019, mesma decisão supracitada da Suprema Corte Indiana, ficou decidido que o local seria usado exclusivamente pelos fiéis hindus.

Em 1992 a mesquita seria alvo de nacionalistas hindus, que em poucas horas demoliram a construção.

Babur viria a morrer não muito tempo depois, em 1531. Antes de partir, consolidou o que seria a fundação do Império Mogol com suas conquistas sobre o Sultanato de Deli e todo o Punjab, abrindo espaço para o desenvolvimento de um dos impérios islâmicos mais influentes e conhecidos de todos os tempos. Seu legado seria sucedido pelo seu filho Humayun, que também teria uma história própria muito interessante, e em partes semelhante com a do pai.

Babur comemorando o nascimento de seu filho Humayun.

NOTAS

[1] Não se trata do mesmo Jahangir que posteriormente viria a se tornar governante do Império Mogol no século XVI. Esse, futuro imperador, ainda nem havia nascido quando Babur precisava assegurar o seu trono contra seus tios.

[2] Também chamada de Hindu Kush. A cordilheira não era um local fácil de se passar, uma vez que tem a extensão de cerca de 800km e o clima na região não é nada agradável para um viajante. O próprio nome da cordilheira significa “Matadora de Hindus”, remetendo à época que hindus eram levados do subcontinente indiano até o Turquistão e morriam devido ao clima difícil de ser suportado. O próprio Ibn Battuta passou por esse local em suas viagens e narrou a história do nome da cordilheira em seu livro Rihla. Cumpre salientar que existem outras teorias para o surgimento do nome Hindu Kush e que não envolvem a morte de hindus escravizados.

BIBLIOGRAFIA

BABURNAMA. A memoir. Translated from the original Turkish text by Annette Susannah Beveridge. Rupa. 2017

KEAY, John. India: a history. Harper Press. 2010.

FARUQUI, Munis D. The Princes of the Mughal Empire, 1504-1719. Cambridge University Press. 2012.

FISHER, Michael H. A Short History of the Mughal Empire. I.B. Tauris. 2016.