Não é nenhum pouco extraordinário afirmar que Hassan-I Sabbah é uma das figuras muçulmanas mais mitificadas do imaginário popular ocidental, tendo até mesmo uma franquia bilionária de jogos – Assassin’s Creed – baseada no seu movimento político e religioso.

Todavia, em termos gerais, retratar fielmente a vida e obra de Hassan-I Sabbah é historiograficamente uma tarefa complicada: com exceção de um escrito geralmente crido como a sua própria autobiografia, todas as demais fontes à respeito de Hassan ou de seu movimento foram todas redigidas por inimigos ou por observadores externos alimentados por lendas de época ou por uma compreensão limitada dos fidā’i. Dito isto, podemos reconstruir muito de sua vida a partir da suposta autobiografia e por uma leitura crítica das demais fontes.

Como a nossa narrativa está intrinsecamente ligada aos conflitos teológicos da religião islâmica, acaba sendo primordial, antes de qualquer coisa, explicar claramente estas distinções e divisões.

A mais primeva e fundamental de todas é a separação de um islamismo unificado em dois ramos opostos:

  1. Os sunitas, que acreditavam que a sucessão de Muhammad por Abu Bakr em 632 foi correta.
  2. Os xiitas, que consideravam o primo e genro do profeta, Ali, como herdeiro legítimo, ou ‘Imã’, do Califado, mas que foi usurpado de seu direito por três vezes antes de finalmente tornar-se califa de facto.

Os conflitos subsequentes a esta desavença política terminaram com a vitória dos sunitas e o estabelecimento do Califado Omíada como a autoridade central do Império Islâmico, relegando a facção perdedora ao ostracismo e a formas variadas de perturbação. O golpe de Estado com participação xiita que viria a depor os omíadas em 750, estabelecendo a dinastia dos abássida manteve o Califado islâmico como um império sunita. Por conta destes desfechos, os xiitas viriam se identificar como um movimento anti-poder central, gerando toda uma série de problemas como assassinatos de califas sunitas e perseguições sunitas a xiitas. E se originalmente as divisões e subdivisões islâmicas giravam em torno de causas essencialmente políticas, cada ala oriunda dessas desavenças logo desenvolveria suas próprias particularidades teológicas, tornando o que a política separou em algo que a fé não permitiria mais unir.

Os xiitas eventualmente se fragmentariam, e da mesma forma como ocorrera na primeira separação, suas causas também seriam essencialmente políticas. Durante o segundo reinado da dinastia abássida um impasse havia tomado a comunidade xiita: seu imã Jafar al-Sadiq havia apontado seu primogênito Ismail – ou Ismael – como seu sucessor divinamente inspirado (uma prática xiita conhecida como “nass”); a morte de Ismail em 762, porém, criou um problema sucessório que seria posteriormente agravado pela morte do próprio Jafar.

A crise sucessória deu gênese a seis grupos xiitas: dois dos quais passaram a ser conhecidos como Ismaelitas pela sua defesa de que Ismail era o sucessor legítimo, apesar de sua morte; essa sucessão, então, deveria ser transmitida aos seus descendentes. Os demais quatro grupos, que apoiavam Musa – o irmão mais novo de Ismail – para sucessão ficaram conhecidos como duodecimanos, devido a crença na existência de doze imãs; atualmente, o Estado Iraniano e 80% da comunidade xiita são adeptos da vertente duodecimana.

Apesar de desaparecerem dos registros históricos bem precocemente, o ismaelismo experimentou um renascimento em meados do século IX, quando seus líderes se espalharam pelo mundo islâmico durante a fase de decadência do Califado Abássida. Entre os Estados xiitas que emergiram às custas do Império Islâmico e unificado dos abássidas, o mais importante deles foi o Califado Fatímida, estabelecido no Norte da África e eventualmente na riquíssima província egípcia, logo se tornando o Estado Muçulmano mais poderoso de seu tempo e colocando a supremacia sunita em cheque.

Extensão do Califado fatímida, de sua origem até o nascimento de Hassan-I Sabbah.

Os Fatímidas, adeptos e promotores do Xiismo Ismaelita, tornaram-se um império decadente durante a segunda metade do século XI. Na esfera externa, a islamização dos guerreiros pagãos das estepes deu origem ao Grande Império Turco Seljuque, um Estado expansionista sunita com claras rivalidades ao xiismo, denunciado por estes novos sunitas como hereges.

Na esfera interna, os Fatímidas foram abalados por problemas de sucessão dinástica. Em 1094, o califa al-Mustansir faleceu depois de um longo reinado de 58 anos. Muitos esperavam que Abu Mansur Nizar, o filho competente de cinquenta anos do falecido califa, seria o sucessor natural. Mas o poderoso vizir al-Afdal, que efetivamente controlava o governo e queria reter o poder pessoal, organizou um golpe no palácio e colocou no trono Al-Musta'li, o irmão de 20 anos de Nizar, sabendo que ele poderia controlar o jovem e inexperiente califa. O golpe teve sucesso devido ao apoio dos exércitos do califado, bem como dos religiosos e dos notáveis ​​da corte a quem al-Afdal controlava. Apesar da insurgência armada de Nizar contra o golpe, o desequilíbrio de recursos eventualmente favoreceu o vizir, que tratou de executar o sucessor legítimo.

Após este desfecho, a maioria das comunidades religiosas ismaelitas eventualmente se adequaram à sucessão; os ismaelitas da Pérsia e do Oriente, todavia, se recusaram a assentir ao golpe e reconheceram o direito da casa do príncipe-mártir ao califado, tornando-se um novo sub-grupo dentro dos xiitas ismaelitas: os nizaris. É justamente neste movimento que o nosso personagem iria se identificar e, através dele, dar origem a todo um movimento político-religioso imortalizado nas páginas da História.

Oriundo da Pérsia, mas de etnia árabe, Hasan bin Ali bin Muhammad bin Ja'far bin al-Husayn bin Muhammad bin al-Sabbah al-Himyari, ou simplesmente Hassan-I Sabbah, nasceu por volta de 1050 dentro de uma família muçulmana xiita. Criado dentro de um seio duodecimano e com uma vasta formação intelectual, mística e teológica desde tenra idade, Hassan manteve um profundo desprezo pela doutrina dos xiitas ismaelitas, os quais identificou como verdadeiros heréticos.

A mudança de convicção se daria nos seus 17 anos de idade, quando estabeleceu contato com um missionário ismaelita e foi convencido da legitimidade do secto. Profundamente transformado pela nova crença, Hassan declarou lealdade ao califa al-Mustansir no distante Egito, eventualmente percorrendo um grande caminho até o Egito, em 1078, e se estabelecendo por lá.

Apesar de sua proeminência, Hassan acabou atraindo a hostilidade de conspiradores na corte do Cairo, por sua lealdade declarada à facção de Nizar. Graças a isto, Hassan foi jogado na prisão, e talvez tivesse o mesmo destino de martírio do príncipe Nizar se, durante seu cárcere, o minarete da sua prisão não tivesse colapsado; atemorizados pelo o que aparentava ser um mau presságio, as mesmas autoridades que prenderam Hassan decidiram, ao invés disso, soltá-lo e bani-lo. Após sobreviver a um naufrágio e escapar das perseguições de agentes do Império Seljuque, Hassan desenvolveu uma comprometimento ainda mais intenso pela sua causa religiosa.

Apesar do risco envolvido e com uma ordem de prisão emitida pela corte seljuque, Hassan passou os próximos 9 anos de sua vida viajando pelo império seljuque e pregando o xiismo ismaelita nizari, ganhando não apenas seguidores, mas formando também uma força militar. Nesta época, o Império Turco Seljúcida tornou-se um transtorno tanto para os xiitas, que eram perseguidos, sobre-taxados e perturbados de diversas formas pelo Estado sunita, quanto para artesãos e para os indivíduos de classes mais baixas, insatisfeitos com as políticas imperiais e com os altos impostos.

Planejando uma revolta com uma quantidade limitada de recursos e sem praticamente nenhum enclave defensivo a seu favor, Hassan colocou seus olhos na fortaleza de Alamut (“O Ninho da Águia”), uma imponente estrutura defensiva edificada sobre uma montanha.

Fotografia moderna da Rocha de Alamut, com as ruínas da fortaleza em seu cume. Localizada na província iraniana de Qazvin, próximo do mar cáspio, seus escombros ainda são um importante ponto turístico na região.

Mas Alamut nunca havia sido tomada antes, ela era um enclave poderoso demais para cair pela simples pressão de exércitos, algo que Hassan sequer tinha em posse no momento. Sem a capacidade militar para fazê-lo, Hassan optou por uma estratégia mais sútil, que não envolvia cercos ou muito menos derramamento de sangue.

Sob um disfarce, Hassan apareceu na região como um mero professor chamado Dehkhoda, estabelecendo-se numa vila localizada no sopé da montanha. Eventualmente, seus apoiadores também migrariam para o vilarejo e alguns deles até viriam a integrar a própria guarnição da fortaleza. Uma vez seguro de sua posição, Hassan fez seu caminho até a própria fortaleza, ganhando a confiança e a lealdade dos soldados que a guarneciam e dos próprios oficiais. Conta o relato de que quando a corte seljuque despachou ordens ao soberano do castelo para prender qualquer pessoa de alguma forma relacionada aos ismaelitas, a guarnição de Alamut estava quase inteiramente composta de novos soldados e servos. Na ocasião, Hassan revelou sua identidade ao alcaide da fortaleza, que imediatamente ordenou que seus soldados o prendessem, eventualmente descobrindo os homens eram seguidores fiéis do próprio Hassan. O castelo de Alamut agora tinha um novo soberano.

Hassan permitiu que o alcaide de Alamut pudesse deixar a fortaleza livremente, sendo inclusive compensado monetariamente com 3.000 dinares de ouro como pagamento pela fortaleza, pago por um oficial seljuque disfarçado de nome Rais Muzaffar. Uma vez assegurada, Hassan tratou de ampliar as defesas da fortaleza, sua capacidade de estoque de alimentos e até fertilizou as terras nos arredores do enclave, permitindo angariar recursos para cercos prolongados em qualquer ocasião. Além das utilidades bélicas, Alamut criou uma fantástica biblioteca rica em teologia ismaelita nizari, astronomia, misticismo e ciência. Não demoraria muito para o local se tornar ponto de destino de diversos eruditos e sábios dos arredores, criando uma corte de intelectuais dentro do coração de uma seita religiosa militante.

Apesar de não ser mais uma sociedade secreta de religiosos totalmente obedientes às ordens do Velho da Montanha, apelido do qual Hassan seria conhecido por seus inimigos e por observadores estrangeiros, este novo Estado Nizari era desprovido de exércitos para expandir seu domínio por terras contínuas. Alamut, é claro, era facilmente defendida dos ataques seljúcidas, inimigos declarados dos xiitas e, agora, arqui-inimigos da seita nizari de Hassan-I Sabbah.

O Velho da Montanha optou por abordagens de expansão condicionadas à sua própria realidade: como seu movimento não poderia expandir seu Estado por guerras e cercos bem-sucedidos, os nizari optaram por dominar fortalezas-chaves espalhadas em pontos estratégicos. Para compensar sua deficiência militar, os homens de Hassan se especializaram em estratégias de infiltração, disfarce e assassinato, contornando a ameaça de grandes exércitos e de Estados hostis através da eliminação de generais, vizires e monarcas. Eventualmente, a coleção de fortalezas nizari espalhadas pela Síria e Pérsia se tornaria uma das mais temidas facções do Oriente Médio: o Estado dos Assassinos. A palavra “assassino” em si, na forma como se concebe no Ocidente, é justamente uma ocidentalização do termo árabe Hashashin, que significaria “fumante de haxixe” ou, em termos mais informais e descompromissados, maconheiro. A ideia de que os matadores religiosos do Estado Nizari consumiam entorpecentes, seja na hora de executar suas missões ou para rituais religiosos, hoje é vista pela historiografia como, na melhor das hipóteses, duvidosa, e na pior, simples difamação. Apesar disso, o termo se tornou popular e acabou marcando os fedayeen de Hassan-I Sabbah com um legado que até hoje lega ao ocidente a palavra “assassino” como sinônimo de matador.

A grande ameaça do Império Seljuque foi mitigada em 1092, com o assassinato simultâneo do sultão e do Grão-Vizir sob circunstâncias controversas; não surpreendentemente, atribuiu-se o serviço aos Hashashin de Hassah-I Sabbah. O objetivo de Hassan, isto é, a completa eliminação do Estado Seljuque, foi frustrado pela própria fragmentação do Império em diversas facções rivais sunitas, mas se por um lado essa eliminação era agora uma impossibilidade, por outro tanto o Estado Nizari quanto o Califado Fatímida foram aliviados de uma pressão sufocante.

Os serviços de morticínio e homicídio da seita de Hassan foram louvados pelo califa fatímida al-Mustansir, mas após a morte do mesmo em 1094, os assassinos cortaram contatos com o Egito e passaram a ficar sozinhos em sua disputa territorial, utilizando suas cadeias de fortalezas como reduto e local de formação de matadores nizari.

Considerando que a fragmentação do Império Seljuque se deu a partir destes movimentos e que, sem essa fragmentação, o sucesso da Primeira Cruzada teria se tornado difícil ou mesmo impossível, a Ordem dos Assassinos teria, então, um papel primordial no desenvolvimento da História das Cruzadas; primeiramente de forma acidental, mas posteriormente de forma consciente. Quando os altos barões da Europa marcharam para o Oriente ou quando os senhores católicos do Outremer Cruzado buscavam aliados, eram aos assassinos a quem eles frequentemente recorriam, com ambas as facções desenvolvendo uma importante simbiose na manutenção de seus territórios. Independente da fama do “culto de assassinato” que os nizari foram alvo, e que os próprios cruzados ajudaram a expandir, os católicos não tinham quaisquer restrições em negociar e se aliar com essa ordem de matadores infiéis, revelando também um aspecto utilitário no jogo geopolítico franco.

Um episódio bastante popular dessa aliança vem do contato entre o Luís IX da França, considerado um santo vivo, e o Imã governante do Estado Nizari. Embora o relato fornecido por Luís Dufaur, um apologista católico, seja repleto de erros e inconsistências, a descrição dessa interação é tratada de forma razoavelmente satisfatória. O que se descreve a seguir refere-se à ocasião em que o rei francês, uma vez liberto de seu cativeiro no Sultanato Egípcio, é recebido no Reino de Jerusalém – o que restou dele – por uma embaixada do Velho da Montanha; diga-se de passagem, os Assassinos procuravam omitir a morte de seus líderes, assim como a sua sucessão, para assustar os seus inimigos e fazer crer que o próprio Hassan-I Sabah era imortal. De qualquer forma, o relato segue:

“Quando soube da derrota dos cruzados em Mansourah, em fevereiro de 1250, o Velho da Montanha enviou mensageiros a São Luis IX, para que ele também lhe pagasse tributo.‘Os príncipes que vos precederam – mandou dizer o misterioso chefe da seita – como o rei da Hungria ou o imperador da Alemanha pagaram tributo ao sheik Al-Jabal para tê-lo como amigo, tu que foste vencido deves fazer a mesma coisa’.

E para mostrar o poder de seu mestre, os embaixadores exibiram a faca símbolo de sua força, e o lençol em que enterravam suas vítimas. O rei da França não só recusou o pagamento, mas exigiu ‘receber antes de quinze dias cartas e presentes de amizade’. A firmeza do Santo impressionou o grande mestre dos Assassinos. Duas semanas depois, ele fez chegar ao rei da França seu anel e sua própria camisa ‘porque a camisa está mais perto do corpo que qualquer outra peça do vestiário, assim o Velho mestre quer estar mais perto do rei franco do que qualquer outro’. E para dar mais força à seus sinais de amizade, lhe enviou também suntuosos presentes: um jogo de xadrez feito de âmbar perfumado e um elefante e uma girafa de cristal.

Em troca, São Luis lhe ofereceu joias e legou um embaixador permanente: o frade dominicano Yves Le Breton. Esse religioso eminente selou uma verdadeira aliança entre seu rei e o grande mestre dos Assassinos.” (trad. DUFAUR, Luís. Como São Luís IX tratou os terroristas do “Velho da Montanha”. 2020)

Esta além de quaisquer dúvidas a constatação de que os assassinos eram temidos por todos, aliados ou inimigos. E embora o Estado Nizari quase tenha desaparecido no início do século XII, por conta das campanhas turcas contra a Ordem e a perseguição turca da população ismaelita do Oriente Próximo (de onde os assassinos recrutavam novos fedayeen), a pressão turca foi apaziguada pela morte do último sultão do Império Seljuque.

Um relato interessante sobre esta época de quase destruição do Estado Nizari vem do que aconteceu com Ahmad Sanjar, governante turco seljúcida, durante sua marcha para sitiar Alamut e dar um fim no potentado de Hassan-I Sabbah: diz a anedota que, ao acordar em sua tenda, o governante turco foi surpreso com uma adaga enfiada na cama em que dormia; a adaga prendia na cama uma carta do Velho da Montanha propondo paz, o que o governante aterrorizado teria concedido sem qualquer cerimônia. Após a experiência, Ahmad propôs uma abordagem tolerante com a Ordem e até concedeu um tributo de 4.000 dinares de ouro ao Estado Nizari.

Durante o século XII, o progresso dos assassinos parecia ser virtualmente indiferente: a cada fortaleza que conquistavam, eles perdiam uma outra sob seu domínio. O século XII também foi dramático para a Ordem na medida que eles despachavam diversos agentes para eliminar unificadores – Saladino sendo o principal e o único bem-sucedido destes. O relato a seguir descreve a tentativa de assassinato efetuada durante uma das campanhas de unificação de Saladino, na Síria:

“Em 22 de maio de 1175, sete dias após o início de seu cerco a Aleppo, Saladino estava descansando na tenda de um de seus oficiais superiores. Com ele estava um de seus guardas, um mameluco turco cujo nome, Buzghush, significava "falcão cinza". Um grupo de guerreiros chegou e se ofereceu para se juntar à guarda de Saladino. Ao se aproximarem da tenda, foram reconhecidos por Nasih al-Din Khumartigin, senhor de Bu Qubais e vizinho próximo do mini-Estado Isma'ili ‘Assassino’ nas colinas do oeste da Síria. Quando Nasih al-Din questionou os recém-chegados, eles o mataram e correram para a tenda. Pelo menos um alcançou Saladino e acertou sua garganta com uma adaga. Felizmente, o sultão estava usando um kazaghand, uma cota de malha revestida [e oculta] por camadas de pano e acolchoamentos. Saladino agarrou o pulso do assassino e Buzghush agarrou a lâmina da adaga, quase perdendo os dedos no processo. Outro guarda-costas, em seguida, cortaram a cabeça do assassino enquanto outros abatiam mais dois supostos assassinos do lado de fora.” (NICOLLE, David. Saladin. Osprey Publishing, 2011)

“Os Hashashin promoveram dois atentados fracassados contra Saladino. A primeira tentativa foi para assassiná-lo no seu cerco de Aleppo. Os assassinos conseguiram se infiltrar acampamentom mas foram reconhecidos por Nasih ad-Din Khumartakin, o emir of Abu Qabais, que previamente tinha contas com eles. Khamartakin os desafiou e foi morto por eles. Na luta que se seguiu, muitos soldados foram mortos, mas Saladino não sofreu nenhum dano. Imad ad-Din e Ibn Tayy, conforme citados por Abu Shama, foram governantes de Aleppo que, quando fortemente pressionados pelos sitiantes, buscaram a ajuda dos Assassinos e prometeram a eles terras e outras recompensas. Ibn al-Athir, seguido por Kamal ad-Din e Ibn Wasil, é mais específico, e nomeia Sa'd ad-Din Gumushtakin, regente de Aleppo, como responsável por enviar uma carta a Sinan, o líder dos Assassinos [também identificado como o Velho da Montanha], prometendo a ele recompensas e buscando assistência.

A segunda tentativa de assassinato ocorreu em algum momento entre 1175 e 1176. Dois assassinos se disfarçaram de soldados e se esgueiraram através dos guardas de Saladino enquanto seu exército marchava. Eles então procederam e atacaram Saladino com adagas. Saladino foi ferido gravemente, mas sua armadura se provou útil quando as feridas de adaga se provaram não-fatais.”

É relatado que a partir da primeira tentativa de assassinato, Saladino passou a dormir em tendas suspensas, como medida protetiva às infiltrações hashashin. Ian Heath descreve detalhes riquíssimos sobre as operações dos assassinos:

“A vestimenta dos assassinos, assim como seus equivalentes atuais, não era incomum. Disfarces são frequentemente citados: os assassinos que mataram Conrado de Montferrat, por exemplo, estavam vestidos de monges, assim como em outros eventos eles usavam roupas de mercadores, soldados francos e cristãos sírios. Nas suas fortalezas a irmandade assassina vestia mantos brancos e capuzes vermelhos.

Eles normalmente agiam sozinhos ou em pares, apesar de que em uma ocasião apareceu um grupo consideravelmente maior, provavelmente para maximizar as chances de sucesso. Il-Bursuqi de Mosul foi morto por um grupo de 10 assassinos em 1126 e o califa al-Mustarshid por um grupo de 15-17 em 1135.

Sua arma de execução era exclusivamente a adaga, que algumas vezes era envenenada e até mesmo tinha os nomes de seus alvos gravados, um dos primeiros exemplos do ‘se isso tiver o seu nome ...’. Usamah registra uma anedota de que os assassinos só usavam adagas, mas que poderiam usar espadas, lanças e escudos em batalha, indicando que assassinos completamente armados eram indistinguíveis de soldados comuns dos reinos muçulmanos.

Uma adaga cerimonial descrita por Joinville consistia em três adagas unidas das quais as duas de cima tinham suas lâminas saindo da guarda da outra. Essa foi carregada por um dos 3 emissários enviados ao rei Luis IX em Acre no ano de 1252; outro emissário carregava uma mortalha enrolada em seu braço, para ser usado no funeral do rei caso ele recusasse as demandas dos assassinos! Outra arma cerimonial registrada por Joinville era um longo machado que era carregado adiante do Velho da Montanha, cujo cabo foi coberto com prata e tinha adagas fixadas nele, de alguma forma.” (HEATH, Ian. Armies and Enemies of the Crusaders 1096-1291. Wargaming Research Group, 2 ed. 2019)

A Ordem dos Assassinos eventualmente encontraria seu fim durante a Conquista Mongol, que devastou e conquistou tudo o que havia entre a Mongólia e Ásia Menor, com o centro do Estado Nizari ficando, obviamente, no meio do caminho.

Por influência dos ministros sunitas na corte mongol, inimigos tradicionais da Ordem, os nizari foram tratados como rebeldes pela autoridade do Canato; muito embora a própria Ordem tenha tentado estabelecer embaixadores na corte mongol, muito provavelmente impedidos pelos próprios sunitas previamente estabelecidos lá.

Quando Alamut foi cercada por uma força mongol gigantesca e armada até os dentes, o último imã do Estado Nizari, Khurshah, se rendeu aos mongóis, inicialmente recebendo clemência. Por razões não esclarecidas, porém, Khurshah foi morto sem qualquer cerimônia na Mongólia, nas montanhas Khangai, muito provavelmente por maquinações de outros muçulmanos e/ou, em alguma probabilidade, por ressentimento de assassinatos passados contra a dinastia de Genghis Khan.

Uma síntese geral da Ordem também é providenciada por Heath:

“Os Assassinos foram fundados no final do século 11 por um persa, Hasan as-Sabah, que em 1090 estabeleceu seu quartel-general em Alamut nas montanhas Daylam. Eles eram um grupo extremista de uma seita muçulmana xiita, os ismaelitas, seu nome de Assassinos (árabe Hashishiyun) derivando da corrupção da palavra latina para haxixe, substância à qual eles supostamente – mas muito improvavelmente – eles eram viciados. Os muçulmanos mais frequentemente os chamavam de Batinis ou Nazaris. Sua existência como uma entidade política independente sob seu Grão-Mestre foi essencialmente fruto da inacessibilidade de suas fortalezas nas montanhas – o próprio Alamut significa 'Ninho de Águia' – das quais existiam talvez 60, ou mais, apenas na região de Alamut, em meados do século XIII. Além disso, desde o início do século XII, houve uma grande ramificação síria de 10 fortalezas, com sede em Masyaf após 1141, cujo líder mais famoso foi Rashid ad-Din Sinan (1169-1193) conhecido como Sheikh al-Djabel, ' O Velho da Montanha ', título posteriormente atribuído a seus sucessores.

Sua contribuição mais notável para esta era – e todas as eras desde então – foi a arte gentil do assassinato político, da qual gerou a conotação do seu nome. Os sectários eram cegamente obedientes ao Grão-Mestre ou ao Velho da Montanha, estando preparados até mesmo para tirar a própria vida, se ordenados a fazê-lo; por conta disso, eles não temiam ser capturados ou morrer durante o cumprimento de seu dever, o que era uma perspectiva útil já que na maioria das vezes eles não voltavam vivos de suas designações; como Bar Hebraeus expressou graficamente, “matando eles foram mortos”. Aqueles de seus irmãos realmente responsáveis ​​pela maioria dos assassinatos foram os Fida'is ou Fidawis, significando 'aqueles prontos para oferecer suas vidas por uma causa'. Celebridades removidas do curso da história por atividades de assassinos incluíam Nizam al-Mulk (1092), o vizir fatímida al-Afdal (1122), il-Bursuqi de Mosul (1126), Conrad de Montferrat (1192) e o segundo filho de Genghis Khan, Jagatai (1242), para citar apenas alguns. Até Saladino quase teve sua carreira abreviada em mais de uma ocasião, enquanto o Príncipe Edward, mais tarde Edward I da Inglaterra, escapou por pouco da morte quando foi ferido por uma adaga de assassino envenenada em 1271. Existem histórias de que Assassinos foram enviados para lugares tão distantes quanto a própria Europa, e que alguns tentaram assassinar Luís IX da França antes de sua partida na Sétima Cruzada.

Muitas vezes, esses assassinatos foram motivados por estranhos – o assassinato do Patriarca de Jerusalém em 1214, por exemplo, foi instigado pelos Hospitalários – mas igualmente, se não mais, muitas vezes [os assassinatos] visavam controlar o equilíbrio de poder entre os inimigos dos assassinos. Pela mesma razão, Assassinos podem ser encontrados como aliados de francos ou de muçulmanos, conforme as necessidades do momento ditassem. Durante o século XIII, os Assassinos sírios estavam quase permanentemente sujeitos aos Hospitalários. A força da seita foi efetivamente quebrada quando seu quartel-general em Alamut foi destruído pelos mongóis em 1256, o núcleo dos sectários persas sendo praticamente exterminado em 1257. Os assassinos sírios duraram um pouco mais, embora o sultão mameluco Baibars tenha alcançado sua final destruição em 1273, acabando com seu poder político para sempre. No entanto, Assassinos ainda aparecem ocasionalmente depois disso, em 1275 chegando até mesmo a recapturar Alamut e mantê-lo por alguns meses. Embora os sectários restantes tenham sido gradualmente absorvidos por outros grupos isma'ilitas, eles continuaram a ser empregados como assassinos políticos sob os mamelucos, Ibn Battuta registrando como durante o século XIV eles eram normalmente pagos a uma taxa fixa por assassinato. Espalhadas como as comunidades da seita estavam, é impossível estabelecer seu potencial militar, mas William de Tiro afirma que os assassinos sírios eram 60.000 e Burchard do Monte Sião, 40.000; registra-se que os assassinos sírios colocaram em campo cerca de 10.000 homens contra os francos já em 1128. Eles dependiam de milícias cívicas voluntárias tanto para a infantaria quanto para a cavalaria; estes eram de alto padrão e recebiam pagamento pela duração de seu serviço, geralmente na forma de saque, sendo que os cavaleiros recebiam duas vezes mais do que os soldados de infantaria.” (Ibid)

Bibliografia:

WILLEY, Peter. Eagle's Nest: Ismaili Castles in Iran and Syria. Londres: I.B. Tauris, 2005.

VIRANI, Shafique N. The Ismailis in the Middle Ages: A History of Survival, a Search for Salvation. New York: Oxford University Press, 2006.