Poucos lugares do mundo são como os Emirados Árabes Unidos e a região de seu entorno, o Golfo Pérsico: não apenas nos fita os olhos sua paisagem contrastante, mas também sua história: o Pérsico (que poderia muito bem se chamar Arábico) é o lugar onde deságuam os rios Tigre e Eufrates, os germinadores da Civilização; é neles onde três mundos – por vezes quatro, se contarmos a intensa atividade comercial indiana no mesmo lugar – se encontravam, e ainda se encontram, o persa, o mesopotâmico e o árabe. É por lá que iam e vinham diversas especiarias e artigos luxuosos da Índia, pelas rotas marítimas, e por onde as metrópoles iraquianas, os beduínos da costa arábica e os persas da rochosa costa ao seu Norte também escoavam suas especiarias e artigos finos.

O ponto mais crucial, todavia, da singularidade dos estados dessa área – especialmente dos estados árabes e beduínos da Península Arábica, ao qual destacam-se principalmente os Emirados – não é apenas a sua história antiga, tanto, mas sua história recente: a região passou por uma transformação tão profunda quanto rápida em virtude da descoberta de abundante petróleo em seus territórios. Em uma mudança brusca, quase que do dia para a noite, os beduínos da região, em especial seus sheikhs, passaram de milenares guardiões de seu modo de vida igualmente milenar para senhores de economias efervescentes, num efeito dominó que  - sem ressalva alguma – mudou absolutamente tudo na estrutura societal, militar, internacional e até mesmo geográfica e física dos países do Golfo, ao mesmo tempo que magistralmente conseguiram preservar, no processo, sua essência; isto é, suas tradições e sua religião.

Família beduína com seu camelo

Para que essa condução através desse processo histórico recente tivesse tido sucesso – o que foi exatamente o caso –, era necessário a condução firme de não apenas um líder, um sheikh determinado e visionário, comprometido ao mesmo tempo com a política e a tradição de maneira igual, mas também de uma sucessão de líderes com valores imutáveis e inegociáveis, mas também com senso de visão e realpolitik suficientes para que essa realpolitik não entrasse em choque com os valores religiosos e nacionais. Mais ainda, era necessário que uma família em si tivesse essas qualidades e parâmetros. Essa família, nobre e ao mesmo tempo humilde em sua origem, pode ser encontrada nos al-Nuhayan, ou a Casa de Nahyan, a família real do Emirados Árabes Unidos.

Todavia, antes de falarmos propriamente dos al-Nahyan, temos antes que entender o contexto e o mundo em que estavam inseridos – tanto internamente como externamente –, numa breve introdução à sociedade beduína e costeira do Pérsico.

A sociedade beduína do Golfo

Quando falamos em “Península Arábica” ou mesmo “beduínos”, é fácil imaginar a tradicional imagens de comerciantes em camelos e tendas. A realidade é bem mais complexa e diversificada que isso, uma vez que não apenas os comerciantes em si eram somente um grupos (essencial e importante, todavia) das sociedades beduínas costeiras, como também não eram necessariamente nem beduínos, nem árabes.

Ancião beduino de Dubai

Para além da atividade comercial, é fato que a sociedade beduína era tribal, mas ainda assim, apresentava um grau de sofisticação (e globalização também) bem distintos: a figura assertiva e paternalista do Sheikh era, falando em termos práticos, uma figura de um protetor: as tribos árabes eram pequenas, tanto em relação ao número de sua população – que afetava diretamente na sua capacidade de mobilização militar – quanto em projeção; para evitarem serem invadidos e subjugados por outras tribos ou pelos poderes regionais do entorno do Pérsico, era necessário tecer um intrincado esquema de vassalagem e alianças. Assim, as tribos menores, mais vulneráveis, faziam sua bayah, seu juramento de fidelidade político e pessoal (uma vez que a noção de ‘honra’ era vital e basilar na sociedade beduína), e também religioso, a um Sheikh mais poderoso e, consequentemente, com maior capacidade de mobilização militar das suas forças e das forças que lhe eram juramentadas, em caso de guerra. Um elemento fundamental nessa relação era a honra pessoal, tanto para a política de proteção quanto para as relações políticas regionais. Se alguém pedia pela proteção de um sheikh, a honra exige que a proteção seja dada. A concessão da proteção é considerada um ato honroso, que engrandece a reputação do protetor, enquanto a recusa da proteção tem efeito contrário. Uma vez concedida a proteção, o protegido fica assegurado ‘pela honra’ de seu protetor. Essa lei de entrar na proteção de outra pessoa, conhecida como dakhala (algo como “entrar”), é um costume sagrado e honrado em toda a Arábia, até os dias de hoje.

É observado que a prosperidade de um estado beduíno do Golfo estava ligada à capacidade de um sheikh de proteger seus portos, navios, águas e território circundantes (com suas tribos) de piratas e rivais. Desse modo, estes sheikhs mais poderosos, que concediam a dakhala, que também eram capazes de empregar pequenos exércitos permanentes, usavam suas forças combinadas para ajudar a combater os saques por terra e mar. Tais associações entre líderes, que acabavam na subordinação do líder tribal à autoridade central do sheikh, era uma realidade corriqueira pois, ao contrário dos estados do Golfo atuais, estes estados de confederação tribal detinham pequenos recursos econômicos, militares, políticos e demográficos, o que lhes deixavam numa posição quase sempre delicada. Essa posição também acarretava na necessidade de equilibrar-se nessa região importante frente a vizinhos como a Pérsia, o Império Otomano, o Emirado de Nejd e o Sultanato do Omã.

Sheikh Zayed ibn Khalifa: um guerreiro incansável.

Além de protetor, o sheikh era também o benfeitor: bem-versado na religião, ele também garantia a justiça tanto na sua tribo quanto dentre as outras, além de várias formas de ajuda, em troca da qual cobravam impostos e tinham direito à lealdade e homens de seus súditos. O grande filósofo árabe tunisiano Ibn Khaldun (1332 – 1406) pontua na sua obra Muqaddimah que o mais importante traço para um governante beduíno são os atributos pessoais de seu sheikh. Ser benigno e justo configurava entre esses atributos, especialmente para com os comerciantes; se eles estivessem insatisfeitos, poderiam mover-se para um posto comercial rival. A migração é um tema comum na história do Golfo, especialmente em virtude disso; existem inúmeras histórias de comerciantes e tribos que migraram de governantes que ameaçavam seu sustento e bem-estar pela má administração financeira e política de seus sheikhs. Portanto, o sucesso estava em quem fosse, verdadeiramente, como um pai para seus súditos: protegendo e ajudando.

A Casa

Os al-Nuhayan são uma ramificação da árvore que é a Casa dos Al-Bu Falahi (ou a “Casa de Falahi”), que por sua vez era parte da tribo dos Bani Yas, presente no território do atual Emirados. Os al-Nahyan, que têm dentre seus descendentes também os al-Maktoum de Dubai, emigraram para a atual área de Abu Dhabi por volta da segunda metade do século XVIII, vindos do Óasis de Liwa, uma região mais a Oeste dentro dos domínios da família. Neste processo, foram liderados pelo Sheikh Dhiyab ibn ‘Isa al-Nahyan, dos Bani Yas, o fundador da Casa de Nahyan.

É sabido muito pouco sobre a vida primeva de Sheikh Dhiyab, até o dia em que ele enviou um grupo de caça de sua base tribal em Liwa no ano de 1761, que rastreou e perseguiu uma gazela até uma fonte salobra numa ilha numa parte mais oriental de seus domínios, onde ficou. Quase que como no mito asteca da fundação de Tenochtitlán – só que desta vez, sem nenhum “mito”, uma vez que a história realmente aconteceu, a gazela se tornaria o símbolo da cidade que ali seria fundada e também lhe daria seu nome: Abu Dhabi (literalmente “Pai das Gazelas”). Em 1793, Sheikh Dhiyab deu uma ordem a seu filho, Shakhbut ibn Dhiyab al-Nahyan: que se mudasse para a ilha, e lá fincasse morada. Ele o fez e então construiu uma vila de cerca de 20 casas, juntamente de um forte, e lá estabeleceu uma parte dos Al-Bu Falah. No mesmo ano, Sheikh Dhiyab foi até Abu Dhabi para resolver um problema em família: seu primo, Hazza ibn Zayed ibn Muhammad ibn Falah estava criando problemas com a tribo vizinha. Hazza, que estava no Bahrein na época, voltou para Abu Dhabi e matou Dhiyab durante uma discussão entre eles. O filho de Dhiyab e então governador de Abu Dhabi, Shakhbut, com o apoio dos anciãos dos Bani Yas, levou seus homens à guerra contra Hazza e seus apoiadores, que foram derrotados. Após perder a luta, Hazza foi exilado e Shakhbut, aclamado o Sheikh – o primeiro Emir de Abu Dhabi –.

A vila se expandiu rapidamente e em dois anos após a fundação havia 400 casas na ilha, o que também foi um fator para Sheikh Shakhbut manter Abu Dhabi como capital dos Bani Yas ao invés de Liwa, tornando a imponente fortaleza de Qasr al-Hosn o palácio dos emires do agora então estabelecido Emirado de Abu Dhabi e de sua família governante, os al-Nahyan. Seu reinado duraria até o ano de 1816, quando seu filho Muhammad ibn Shakhbut al-Nahyan o depôs. Muhammad, todavia, reinaria por apenas dois anos: ele, também, foi deposto, dessa vez por seu irmão, Tahnun ibn Shakhbut al-Nahyan, no ano de 1818 com o apoio de seu deposto pai. Uma vez no trono, Tahnun passou a governar com o apoio e quase regência de seu pai.

Em 1820, sob o governo de Tahnun, foi assinado um tratado divisor de águas na história dos Emirados: O Tratado Marítimo Geral de 1820. Assinado pelos sheikhs de Abu Dhabi, Sharjah, Ajman, Umm al-Quwain, Ras’ al-Khaimah e da Grã-Bretanha em Janeiro de 1820, com o estado insular vizinho de Bahrein aderindo ao tratado em Fevereiro seguinte. Seu título completo era "Tratado Geral para a Cessação da Pilhagem e da Pirataria por Terra e Mar, datado de 5 de fevereiro de 1820". O tratado foi assinado após décadas de conflito marítimo no Golfo, com navios de bandeira britânica, francesa e omani (o Omã era uma pequena potência regional que almejava influência no Golfo) envolvidos em uma série de disputas e ações que foram caracterizadas por oficiais da Companhia Britânica das Índias Orientais como atos de pirataria por parte do força marítima dos locais árabes.

Essas disputas pela hegemonia e a própria “pirataria” do Golfo não era novidade: diversas nações disputavam a influência sobre os estados árabes da costa e pela navegação no Golfo; até mesmo os portugueses se lançaram nessa empreitada, tomando a ilha de Ormuz, próxima à costa persa, para si. O Tratado de 1820, por sua vez, foi um divisor de águas nessa questão: não apenas estabelecia a hegemonia britânica nas águas pérsicas, como também estabelecia um protetorado britânico sobre os “Estados Truciais”, isto é, os estados supracitados que assinaram o tratado, que também concordaram em abolir certas formas mais ‘cruentas’ de escravidão na região.

Em 1823, o exilado Muhammad ibn Shakhbut retornou com uma companhia de homens disposto a retomar o seu trono por meio da força. Após chegar a Abu Dhabi enquanto o Emir estava no interior, Muhammad saqueou a cidade. Tahnun, cavalgando do interior para a costa, conseguiu vencer as forças de Muhammad, o que forçou este a fugir e tomar abrigo na vizinha Sharjah, antes de embarcar novamente para o exílio.

Desconfiando de seus irmãos Khalifa bin Shakhbut e Sultan ibn Shakhbut – que haviam permanecido leais frente a ameaça de Muhammad – Tahnun os manteve longe de Abu Dhabi, mas seu pai o convenceu a deixá-los voltar. Ele então acabou descobrindo um plano para removê-lo e prendeu vários dos conspiradores. Essa ação estimulou os conspiradores a agir e Tahnun foi morto 1833, aparentemente por seus dois irmão, que diz-se terem sido parte da conspiração. Khalifa se tornou o Emir após isso.

Apesar de assumir o controle do Emirado com seu irmão, Khalifah emergiu dominante com sua personalidade. Mas não sem oposição: durante seu reinado, logo no início, descobriu um plano para ser destronado, ao que reagiu sem pestanejar. Depois, enfrentou uma facção secessionista de sua tribo que escorou-se na pirataria para financiar sua rebelião, que também foi sufocada por Khalifa, com apoio britânico.

As ações controversas de Khalifa levaram à separação de uma considerável parte dos Al-Bu Falasah de Bani Yas durante a temporada de pérolas daquele ano, estabelecendo-se na cidade de Dubai ao norte de Abu Dhabi. Na época, Dubai era uma dependência de Abu Dhabi sob o chefe Sheikh Mohammed bin Hazza bin Zaal. Liderada por Maktoum bin Butti bin Suhail e Obeid bin Said bin Rashid, a migração de cerca de 800 membros dos Al-Bu Falasah tomou conta da cidade, com a cumplicidade de Mohammed bin Zaal, na época composta por cerca de 250 casas e o Forte al-Fahidi do outro lado da enseada de Ghubaiba.

Em uma violação flagrante das leis beduínas de hospitalidade, Khalifa bin Shakhbut foi assassinado por seus anfitriões em Julho de 1845, quando aceitou um convite para um banquete na praia de Abu Dhabi. Com a maioria dos habitantes da cidade ausentes perolando ou cuidando das plantações de tâmaras, seu sobrinho materno Isa bin Khalid al-Falahi, que há muito tinha planos de poder, o matou no encerramento da festa.

A morte de Khalifa levou a uma sangrenta disputa por poder que só terminou quando o sobrinho do falecido Emir, Saeed ibn Tahnun al-Nahyan assumiu o poder com o apoio da maior parte dos chefes de Bani Yas e dos britânicos. Disposto a reestabelecer a ordem, ele esmagou o poderio militar de tribos com tendências secessionistas e reestruturou o Emirado, até mesmo chegando a lançar campanhas contra a região de Buraimi, no atual Omã e derrotando tropas sauditas de Nejd.

Em 1855, Saeed se envolveu em mais uma disputa familiar: o assassinato de um de seus irmãos pelo chefe de uma das tribos federadas. O assassinato foi considerado justificado, mas Saeed, obstinado, decidiu pela morte do assassino. Uma promessa de perdão foi feita ao homem, mas quando ele foi levado à presença de Saeed, Saeed sacou sua própria adaga e o matou. A quebra de uma promessa de perdão era uma quebra da própria honra e, por parte de Saeed, uma blasfêmia contra o próprio cargo que exercia; em nome da honra, a maior parte dos Bani Yas se levantaram numa revolta violenta que levou Saeed a se refugiar primeiro em seu forte e depois ao exílio na ilha de Qish.

Saeed foi ucedido por Sheikh Zayed ibn Khalifa al-Nahyan (1835 – 1909). Zayed era o arquétipo perfeito do governante beduíno: não apenas protetor de seu povo e seus interesses, mas um guerreiro tenaz, que guiou Abu Dhabi numa série de conflitos com os Emirados vizinhos que ajudaram a projetar e lançar as bases da influência atual de Abu Dhabi. Ele englobava perfeitamente todos os aspectos e expectativas esperadas de um Sheikh: para o beduíno, um shaikh ideal deve combinar dois papéis essenciais em sua pessoa: ele deve ser um grande negociador/pacificador e um grande guerreiro; idealmente, ele deveria ser um sheikh “da porta” (al-bab) conduzindo acordos de paz e um sheikh “da sela” (al-shdad) liderando seu povo na guerra. No início de seu governo, Zayed guiou Abu Dhabi através de uma série de conflitos com o Emirado de Sharjah, que ocasionaram a expansão do poder político de Abu Dhabi. Em 1868, durante um confronto armado com as forças de Sharjah, ele avançou à frente de suas tropas e desafiou o governante de Sharjah, Sheikh Khalid bin Sultan al-Qasimi, para um combate individual. Zayed feriu Khalid mortalmente e a morte de Khalid pôs fim ao conflito – embora surtos esporádicos de conflitos internos continuassem a ser normais entre as comunidades costeiras.

Todavia, os conflitos internacionais também eram presentes: Zayed também liderou Abu Dhabi em uma guerra prolongada com o Qatar na década de 1880, que garantiu a fronteira ocidental de Abu Dhabi. Em 1891, ele construiu o Forte al-Jahili, para proteger o oásis de mesmo nome e seus fazendeiros. As campanhas militares bem-sucedidas de Emir Zayed – que lhe renderam entre os britânicos a alcunha de “problemático” – tornaram ele o Emirado de Abu Dhabi os mais poderosos da região:  em 1894, Zayed foi considerado o mais poderoso dos Sheikhs “Truciais”(isto é, os sheikhs que haviam assinado o Tratado de 1820 e os subseguintes), substituindo a hegemonia do vizinho Emirado de Sharjah. Sheikh Zayed também teve muitas esposas e muitos filhos: ele teve mais do que o lendário Sheikh Shakhbut ibn Dhiyab Al-Nahyan. Ao atingir a maturidade, esses tomaram postos como tenentes de confiança, muitas vezes sendo atuando como emissários de Zayed e viajando em seu nome, estendendo assim sua autoridade através de territórios longínquos e pouco acessíveis, ajudando na integração do Emirado.

Os conseguintes sucessores de Zayed, seus filhos Tahnoun (governou entre 1909–1912), Hamdan (1912–1922), Sultan (1922–1926) e Saqr ibn Zayed al-Nahyan (1926–1928) não tiveram muitas conquistas ou fatos notáveis, à exceção à (impopular) aliança feita por Hamdan com os al-Saud de Riyadh, considerado pelo povo emirati da época como inimigos.

Foi durante o reinado do Sheikh Shakhbut ibn Sultan al-Nahyan (1928–1966) que, em 1958, foi descoberto petróleo sob suas terras, uma descoberta que mudaria não apenas o Emirado de Abu Dhabi, mas a região toda. Sheikh Shakhbut, que durante seu reinado adotou uma estratégia agressivamente mercantilista, mantendo suas reservas em ouro, não quis gastar os royalties do petróleo nem abri-los demasiadamente ao Capital estrangeiro. As elites de Abu Dhabi ficaram frustradas com a recusa do Shakhbut aproveitar, ainda que desmedidamente, as oportunidades que estavam a vir com o petróleo, e se aliaram com os britânicos – que por sua vez estavam interessados em serem hegemônicos na indústria petrolífera do Golfo Pérsico, uma vez que já dominavam a imensa maioria da produção petrolífera tanto do Irã Pahlavi quanto do Iraque (situação que mudaria no começo da década de 60, com as revoluções nacionalistas no Iraque). Assim, em 1966, Sheikh Shakhbut foi deposto num golpe pacífico, em benefício de seu irmão, o Sheikh Zayed ibn Sultan al-Nahyan.

Sheikh Zayed (o visionário e fundador do Emirados Árabes Unidos) no deserto da Arábia, por volta de 1949.

Sheykh Zayed ibn Sultan, ou Zayed II, foi o grande visionário que construiu não apenas a Abu Dhabi moderna, mas a união dos Emirados conhecida como Emirados Árabes Unidos, que engloba tanto aqueles que estavam sobre influência de Abu Dhabi, quanto aqueles que eram seus rivais. Reinando entre 1966 e 2004, ele não apenas viu, mas supervisionou e guiou Abu Dhabi para a era de prosperidade e despontar em que hoje se encontra. Se seu antepassado Zayed I era “o homem da sela” mais que “o homem da porta”, certamente Zayed II era não apenas o “homem da porta”, mas o homem de todos os portões. O resultado foi a conversão das tribos do interior e territórios tribais em dependências dos sheikhs costeiros. Nas décadas de 1950 e 1960, os britânicos (como podemos ver anteriormente) ajudaram os governantes costeiros a obter controle total sobre essas dependências, anexando-as, permitindo que uma empresa petrolífera britânica explorasse e perfurasse poços lá.

Pelo menos, assim se deu até o ano de 1968, quando o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido visitou os Estados da Trégua e anunciou a seus governantes que o Reino Unido revogaria seus tratados com eles e pretendia se retirar, definitivamente, da área. Esse movimento britânico se provaria fundamental para Sheikh Zayed ibn Sultan e o futuro Emirados: os britânicos demandaram que, na sua ausência, uma entidade forte e aglutinadora pudesse ser formada a partir dos Estados da Trégua.

Em 1971, após negociações ocasionalmente difíceis com os outros seis governantes dos Estados da Trégua, os Emirados Árabes Unidos foram formados. Zayed foi nomeado para a presidência dos Emirados Árabes Unidos em 1971 e foi reconduzido em mais quatro ocasiões: 1976, 1981, 1986 e 1991. Sheikh Zayed II, ao contrário de seu homônimo Zayed I, era um homem principalmente da paz: sua atitude para com seus vizinhos – mesmo rivais – era de amizade e benevolência. Além disso, durante as negociações entre Abu Dhabi e Dubai que resultaram na formação da União Abu Dhabi-Dubai (que precedeu a formação dos Emirados Árabes Unidos), Sheikh Zayed foi extremamente generoso com o Sheikh Rashid de Dubai.

Ele era considerado um governante relativamente liberal e permitia a mídia privada. A liberdade de culto foi permitida e, até certo ponto, concessões foram feitas para culturas expatriadas, mas isso nem sempre se acomodou confortavelmente aos olhos do mundo árabe em geral com o papel de Zayed como chefe de estado muçulmano. Zayed, sempre muito franco e corajoso em suas opiniões e defesa do certo, não evitou polêmicas na hora de expressar sua opinião sobre os acontecimentos atuais no mundo árabe. Preocupado com o sofrimento dos civis iraquianos, ele assumiu a liderança ao pedir o levantamento das sanções econômicas ao Iraque impostas pelas Nações Unidas após a invasão iraquiana do Kuwait em 1990.

Na época em que os britânicos se retiraram do Golfo Pérsico em 1971, Zayed supervisionou o estabelecimento do Fundo de Abu Dhabi para o Desenvolvimento Econômico Árabe; algumas de suas riquezas de petróleo foram canalizadas para várias nações islâmicas menos afortunadas na Ásia e na África durante as décadas que se seguiram. Usando as enormes receitas do petróleo do país, Zayed construiu instituições como hospitais, escolas e universidades e possibilitou aos cidadãos dos Emirados Árabes Unidos o acesso gratuito a elas, com terras sendo, também, distribuídas gratuitamente. Ele também era conhecido por fazer doações no valor de milhões de libras esterlinas para causas dignas em todo o mundo árabe, bem como nos países vizinhos e no mundo em geral. Em 1976, ele fundou a Abu Dhabi Investment Authority, que se tornou o terceiro maior fundo de investimento soberano do mundo até 2020,om quase um trilhão de dólares americanos em ativos sob gestão.

Sheikh Zayed ibn Sultan e seu filho e sucessor, Sheikh Khalifa ibn Zayed,

A quantidade e magnanimidade de tratados e investimento estrangeiro que atraiu com seu reinado e políticas liberais –  e ao mesmo tempo conservadoras – não pode ser mensurada. A autoridade dos governantes não era mais frágil, vulnerável, quanto antes do petróleo. Não é mais limitada como antes por suas famílias, tribos, comerciantes, governadores, poderes regionais e protetores internacionais (América e Grã-Bretanha). A riqueza do petróleo capacitou os governantes a cumprir as obrigações de governo mais do que nunca, estabelecendo um sistema de estado de bem-estar que fornece generosamente para todos os seus súditos.

Ele foi sucedido por Khalifa ibn Zayed al-Nahyan (2004 – 2022), que herdou uma já pujante Abu Dhabi – e fez questão de melhorá-la e decorá-la ainda mais –. Sendo também o Presidente do Emirados Árabes Unidos, estes tornaram-se uma potência econômica regional e sua economia não-petrolífera cresceu, diversificando-a consideravelmente. Khalifa era visto como um modernizador pró-Ocidente cuja abordagem discreta ajudou a conduzir o país em uma era tensa na política regional e forjou laços mais estreitos com os Estados Unidos e outros países da região, além de sua atitude pacificadora e exemplar, seguindo os padrões islâmicos mais profundos, quanto ao Estado de Israel. Como presidente durante a crise financeira de 2007-2008, ele direcionou o pagamento de bilhões de dólares em fundos de emergência para Dubai. Em 4 de janeiro de 2010, a estrutura artificial mais alta do mundo, originalmente conhecida como Burj Dubai, foi rebatizada de Burj Khalifa em sua homenagem.

O Burj Khalifa, o edifício mais alto do mundo

Foi sucedido por seu irmão Mohamed ibn Zayed al-Nahyan, o atual Emir de Abu Dhabi e Presidente do Emirados Árabes Unidos. Sheikh Mohamad, atual chefe da Casa de al-Nahyan, também, governa o Emirados e Abu Dhabi de maneira também excepcional: cada vez mais a economia emirati está mais diversificada, não dependendo exclusivamente das receitas advindas do petróleo e dos setores ligados à ele. O processo de centralização dos Emirados – ao qual Sheikh Mohamad consideravelmente é adepto e expoente – também avança, com contribuições formidáveis para a economia e para a sociedade emirati. Ao mesmo tempo, Sheikh Mohamad guia externamente (também tendo já sido o Ministro das Relações Exteriores do Emirados) o país de maneira destacada através da diplomacia e do omente das relações com os países regionais e sua integração, bem como a adoção de uma instância intransigente e firme em oposição ao extremismo e terrorismo tanto regional (no Oriente Médio) quanto internacional.

Sheikh Mohamad ibn Zayed al-Nahyan na Conferência de Segurança Nuclear de 2012.

No entanto, a riqueza do petróleo não mudou tudo. Afiliações tribais continuam sendo um fator importante na alocação de poder político e de relações econômicas, e a religião, apesar da “modernização”, permanece intocada, assim como os costumes e tradições dos beduínos costeiros. O governo, como vimos, não é mais flexível, maleável, e facilmente tomado num jogo de tronos e alianças, mas sim altamente centralizado, atuante, com uma burocracia eficiente a seu serviço. Durante todo esse processo, das turbulências e conflitos de sua história antiga até a prosperidade e benevolência de sua história recente, tão intocada quanto a religião e a tradição dos árabes é a história admirável e a glória da Casa de Nahyan.

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