Após a Conquista de Meca, o Profeta Muhammad protegeu os ícones de Jesus e Maria na Caaba

26/02/2021

O tema da iconografia religiosa sempre foi um tabu na maioria das expressões discursivas do Islã, sendo atenuado ao longo da história, particularmente desde o período mongol, no século XIII.

Em algumas tradiçõe,s como o xiismo duodecimano na era safávida e pós-safávida, a iconografia dos imames xiitas e do próprio Profeta Muhammad ganhou ímpeto e aceitação comum. Em expressões sunitas, principalmente na arte otomana, a tendência era  retratar o Profeta com o rosto velado.

Apesar dessa aceitação mais generalizada dentre xiitas e alguns sunitas, a maioria dos discursos muçulmanos sempre foram reprovadores em relação a iconografias de Jesus e Maria, por tais expressões artísticas estarem associadas à sua divinização cristã, anátema para o Islã.

Isso foi especialmente verdadeiro para o islamismo sunita, formalizado desde o século XI. Entretanto, expressões artísticas islâmicas retratando Jesus e Maria existiram, contudo, sem a mesma conotação que no cristianismo.

Curiosamente, em um exemplo dos primórdios da religião, o tradicionalista da escola shafi’i, Shams al-Dīn al-Dhahabī (1274-1348), narra tradições do Profeta Muhammad que parecem contrapor-se a esta atitude histórica, geralmente referente a iconografia religiosa cristã.

Após a conquista de Meca, em 630, com a remoção de todos os ídolos pagãos da Caaba, o Profeta parece ter prestado um respeito especial pelas imagens de Jesus e Maria, tentando preserva-las dignamente, ainda que não fossem sacras da perspectiva islâmica:

وفي الحديث عن ابن أبي نجيح، عن أبيه، عن حويطب بن عبد العزّى وغيره: فلما كان يوم الفتح دخل رسول الله ، صلى اله عليه وسلم ، إلى البيت، فأمر بثوب فبلّ بماء وأمر بطمس تلك الصّور، ووضع كفّيه على صورة عيسى وأمّه وقال: امحوا الجميع إلاّ ما تحت يدي. رواه الأزرقي

No Hadith de Ibn Abī Najīh, de seu pai, de Ḥuwayṭab b. ʿAbd al-ʿUzzā e além dele, [é narrado que]: quando foi o dia da conquista de Meca, o Mensageiro de Allah entrou na Casa de Allah  [a Caaba] e ordenou [que lhe fosse dada] uma cobertura. Ele a molhou com água e ordenou que as imagens [dentro da Caaba] fossem apagadas, mas ele colocou as mãos na imagem (ṣūrah) de Jesus e sua Mãe e disse: apague tudo, exceto o que está sob minhas mãos.

Narrado por Al-Azraqī. [1]

Esta tradição, e outras semelhantes, pode ser rastreada até o oitavo século, se não antes, com Abū al-Walīd al-Azraqī (d. 837), uma das principais fontes dela, a tendo compilado por volta do século nono. O texto é significativo, pois demonstra a atitude respeitosa do Profeta com relação, não só a membros do cristianismo como visto ao longo de sua vida, mas também aos símbolos desta religião.

Há também, na mesma fonte, a menção da imagem de um “velho homem” que foi identificado como Abraão, que também foi poupada. Os detalhes do destino das imagens é incerto, pois não é sabido se permaneceram no local até uma natural deterioração ou se foram entregues aos cristãos mais próximos.

Ainda assim, não deixa de ser um grande contraste com expressões modernas ditas “islâmicas” que tendem, cada vez mais, a intolerância religiosa, como visto nas ações do ISIS após a invasão de igrejas na Síria e Iraque, onde ícones cristãos foram profanados.

[1] Shams al-Dīn b. Muḥammad al-Dhahabī, Siyār Aʿlām al-Nubalāʾ, 21 vols., ed. Bashshār Maʿrūf (Beirut: Muʾassasat al-Risālah, 1981-1988), I, 68.

 

Fonte: Berkeley Institute