Ibn Rushd (1126 -1198) ou, como é mais conhecido no Ocidente, Averróis, foi um filósofo e pensador muçulmano ibérico que escreveu sobre muitos assuntos, incluindo filosofia, teologia, medicina, astronomia, física, jurisprudência e direito islâmico e linguística.

Além disso, ele serviu como juiz e médico da corte do califado almóada, e foi um grande defensor do aristotelismo. Muitas das obras de Ibn Rushd em árabe não sobreviveram, mas suas traduções para o hebraico ou latim o fizeram.

O pensador escreveu pelo menos 67 trabalhos originais, incluindo 28 tratados sobre filosofia, 20 sobre medicina, 8 sobre direito, 5 sobre teologia e 4 sobre gramática, além de seus comentários sobre a maioria das obras de Aristóteles e seu comentário sobre “A República de Platão”.

Opondo-se às tendências neoplatônicas de pensadores muçulmanos anteriores, como Al-Farabi e Ibn Sina, Averróis tentou restaurar aqueles que considerou como sendo os ensinamentos originais de Aristóteles. Por esse trabalho, o filósofo se tornou conhecido no Ocidente.

Vida e Carreira

Muhammad ibn Ahmad ibn Muhammad Ibn Rushd nasceu em 1126, em Córdoba, na atual Espanha. Sua família era bem conhecida na cidade por seu serviço público, especialmente nos campos legal e religioso.

Seu avô, Abu al-Walid Muhammad (d. 1126), foi o juiz supremo (qadi) de Córdoba e o imã da Grande Mesquita de Córdoba sob os almorávidas. Seu pai, Abu al-Qasim Ahmad, não era tão celebrado quanto seu avô, mas também foi juiz-chefe até que os almorávidas foram substituídos pelos almóadas, em 1146.

Ibn Rushd teve uma educação de excelência para a época. Seus estudos passaram por hadith, tradições do Profeta Muhammad, fiqh (jurisprudência), medicina e teologia. Aprendeu a jurisprudência de Maliki sob al-Hafiz Abu Muhammad ibn Rizq e hadith com Ibn Bashkuwal, um estudante de seu avô.

Seu pai também lhe ensinou sobre jurisprudência, inclusive sobre o magnum opus do Imam Malik, a Muwatta, que Ibn Rushd passou a memorizar. Ele estudou medicina com Abu Jafar Jarim al-Tajail, que também pode ter sido o responsável por apresentá-lo à filosofia.

Ibn Rushd em uma pintura do século XIV de Andrea di Bonaiuto, Reprodução / WikiMedia Commons

É inegável que Ibn Rushd conhecia as obras do filósofo Ibn Bajjah, ou Avempace, mas também há indícios de que eles tenham se conhecido pessoalmente e de que Averróis tenha sido tutelado por ele.

Além dessas relações, é notável o seu envolvimento com um grupo de filósofos, médicos e poetas em Sevilha, com os quais se encontrava regularmente. Alguns nomes importantes dessa reunião são os dos filósofos Ibn Tufayl e Ibn Zuhr, bem como o futuro califa Abu Yusuf Yaqub.

É evidente que seus interesses intelectuais eram vastos. Segundo Ibn al-Abbar, seu biógrafo do século XIII, Averróis se dedicava mais ao estudo do direito e seus princípios (usul) do que dos hadith, e era especialmente competente no campo do khilaf (disputas e controvérsias na jurisprudência islâmica), além de ter dado atenção às “ciências dos antigos”, provavelmente em referência à filosofia e às ciências gregas.

Em sua biografia, ganham especial destaque os seus estudos sobre a escola Ashari, uma vez que Averróis também defendia o estudo da filosofia como forma de oposição às críticas feitas pelos teólogos desse movimento, como Al-Ghazali.

De acordo com ele, a filosofia era permissível no Islã e até compulsória entre certas elites, ademais, argumentava que o texto das escrituras deveria ser interpretado alegoricamente se parecesse contradizer as conclusões alcançadas pela razão e pela filosofia.

Por volta de 1153, Ibn Rushd estava em Marrakesh, atual Marrocos, a capital do califado almóada, para realizar observações astronômicas e apoiar o projeto almóada de construir novas faculdades. Durante a sua estada na cidade, ele provavelmente conheceu Ibn Tufayl, um renomado filósofo e autor de Hayy ibn Yaqdhan, que também era médico da corte. Ibn Rushd e Ibn Tufayl se tornaram amigos, apesar das diferenças em suas filosofias.

Em 1169, Ibn Tufayl introduziu Ibn Rushd ao califa almóada Abu Yaqub Yusuf. Em um relato famoso contado pelo historiador Abdelwahid al-Marrakushi, o califa perguntou a Averróis se os céus existiram desde a eternidade ou se tiveram um começo. Sabendo que essa questão era controversa e uma resposta errada poderia colocá-lo em perigo, o filósofo não respondeu.

O califa então elaborou os pontos de vista de Platão, Aristóteles e filósofos muçulmanos sobre o tema e discutiu com Ibn Tufayl. Essa demonstração de conhecimento deixou Ibn Rushd à vontade para expor suas próprias opiniões sobre o assunto, o que impressionou o califa. Averróis ficou igualmente impressionado com Abu Yaqub e mais tarde disse que o califa tinha “uma profusão de aprendizado que eu suspeitava”.

Após a sua introdução, Ibn Rushd permaneceu em favor de Abu Yaqub até a morte do califa, em 1184. Quando o califa se queixou a Ibn Tufayl sobre a dificuldade de entender o trabalho de Aristóteles, Ibn Tufayl recomendou ao califa que Ibn Rushd trabalhasse para explicá-lo. Esse foi o começo dos comentários maciços de Ibn Rushd sobre Aristóteles, seus primeiros trabalhos sobre o assunto foram escritos em 1169.

Destaque para a representação de Averróis na pintura "Escola de Atenas", de Raphael Sanzio.
Averróis, representado no detalhe do afresco A Escola de Atenas por Raffaello Sanzio Reprodução / WikiMedia Commons

No mesmo ano, Ibn Rushd foi nomeado qadi (juiz) em Sevilha. Em 1171, tornou-se qadi em sua cidade natal, Córdoba. Como qadi, ele decidia casos e dava fatwas (opiniões legais) com base na lei islâmica.

Sua frequência de escrita aumentou durante esse tempo, apesar de outras obrigações e de suas viagens dentro do império almóada. Ele também aproveitou suas viagens para conduzir pesquisas astronômicas. Muitas de suas obras foram produzidas em Sevilha entre 1169 e 1179 e não em Córdoba.

Em 1179, ele foi novamente nomeado qadi em Sevilha. Em 1182, ele sucedeu seu amigo Ibn Tufayl como médico da corte e, mais tarde, no mesmo ano, ele foi nomeado o chefe qadi de Córdoba, um prestigioso posto que outrora fora ocupado por seu avô.

A Queda

Em 1184, o califa Abu Yaqub morreu e foi sucedido por Abu Yusuf Yaqub al-Mansur. Inicialmente, Ibn Rushd permaneceu em favor real, mas em 1195 sua sorte se inverteu. Várias acusações foram feitas contra ele e a algumas de suas doutrinas, o que o levou a ser julgado por um tribunal em Córdoba.

O tribunal condenou seus ensinamentos, pois muitos eram extremamente heréticos do ponto de vista teológico dos eruditos almóadas, que eram “asharis extremistas”. Como pena, foi ordenada a queima de suas obras e seu banimento para a vizinha Lucena. Nada que não tenha acontecido com outros eruditos muçulmanos famosos devido à intrigas políticas.

De acordo com os biógrafos, um dos principais motivos para essa queda seria um possível insulto ao califa em seus escritos, mas os estudiosos modernos a atribuem a razões políticas.

O califa se distanciou de Ibn Rushd para obter apoio dos ulemás mais ortodoxos e extremistas, que se opunham a Averróis e cujo apoio al-Mansur precisava para sua guerra contra os reinos cristãos. Então, dispensar um inimigo filosófico de seus aliados mais úteis era um caminho mais apelativo às necessidades dos almóadas.

Depois de alguns anos, Ibn Rushd retornou à corte em Marrakesh e foi novamente posto a favor do califa. Ele morreu pouco depois, em 11 de dezembro de 1198. Inicialmente enterrado no norte da África, seu corpo foi posteriormente transferido de Córdoba para outro funeral, no qual o futuro místico e filósofo sufi Ibn Arabi (1165-1240) estava presente.

O Legado de Averróis

O triunfo de São Tomás de Aquino sobre Averroes por Benozzo Gozzoli, representando Aquino (centro superior), um dos principais críticos de Averroes, “triunfando” sobre Averroes (abaixo), retratado aos pés de Aquino, , Reprodução / WikiMedia Commons

Por questões geográficas e intelectuais, seu legado ao mundo islâmico pode ser considerado modesto. Ibn Rushd vivia na Ibéria, no extremo oeste da civilização islâmica, longe dos centros das tradições intelectuais mais prolíficos do século XII, que estavam no Oriente islâmico, e geralmente era de lá que as inovações tecnológicas e intelectuais eram importadas para al-Andalus, e não ao contrário.

O pensamento de Ibn Rushd era visto como um conhecimento ultrapassado no mundo muçulmano oriental, que já examinava Aristóteles desde o século IX e agora estava se envolvendo profundamente com novas escolas de pensamento, especialmente a de Ibn Sina (Avicena).

Seu pouco impacto no mundo Islâmico medieval pouco tem haver com as polemicas acusações de heresia dos juristas almóadas, visto que outros pensadores, como ele, al-Ghazali e Ibn Arabi, também foram chamados de hereges e até mesmo apostatas em algumas cortes, contudo, por estarem geograficamente melhor posicionados, suas ideias tiveram impacto maior, e ninguém em sã consciência diria que tais pensadores foram rejeitados pela civilização islâmica inteira por uma acusação de heresia num tribunal local.

O mundo islâmico não tem nem tinha ”vaticano” para unanimemente anatemizar Averróis ou categoriza-lo como apostata, e um veredito jurídico emitido em Marrakesh ou em Córdoba pouca ou nenhuma validade tinha em Bagadá, Cairo, Damasco ou Samarcanda.

No entanto, a filosofia de Averróis se apresentava como uma grande novidade para o Ocidente Cristão, que havia perdido boa parte de seu contato com a filosofia grega há séculos. Nessa região, seus tratados, primeiramente traduzidos por Michael Scott (1175 -1232), geraram controvérsias na cristandade latina e desencadearam um movimento filosófico chamado averroísmo, baseado em seus escritos.

Uma de suas teses que se tornou mais conhecida era também controversa: para ele, o intelecto poderia ser entendido como uma substância única compartilhada entre todos os seres humanos.

Suas obras foram condenadas pela Igreja Católica em 1270 e 1277. Embora enfraquecido pelas condenações e pela crítica sustentada de Tomás de Aquino, o averroísmo latino continuou a atrair seguidores até o século XVI. No contexto judaico, também foi influente, com muitas traduções e comentários de seus trabalhos sendo realizadas por rabinos famosos, como Maimonides.

Bibliografia: