O Islã chegou às tribos berberes do Norte da África ainda no século do Profeta, que corresponde, na era comum, ao século VII, através da conquista iniciada pelo Califado Rashidun em 647 e terminada pelo Omíada em 709. Lá, a nova religião se espalhou de maneira rápida e esparsa, mas não de maneira profunda: muitas tribos do inteiro mantinham costumes pagãos e realizavam sincretismos entre as duas coisas, também havendo o mesmo cenário entre os cristãos do litoral; desse modo, podemos dizer que além de gradual, o processo de islamização do Magrebe (a região berbere do Noroeste africano) foi um processo relativo e diversificado.

O Magrebe muçulmano projetou estas diferentes confederações de tribos conhecidas como berberes desde os tempos romanos (mas que se chamavam entre si principalmente de amazigh) para além de sua região de origem, que até então estavam históricamente confinados. O Islã foi o catalizador do expansionismo berbere e, quando se fala de expansionismo nesse contexto, não significa apenas a expansão territorial e política, mas a expansão interna e externa das próprias instituições políticas e tribais da berberia. Juntamente desse expansionismo, é claro que se destacaram muitos grandes generais e líderes religiosos, bem como movimentos também religiosos característicos do contexto cultural e antropológico amazigh.

Um desses generais é, sem dúvida alguma, um dos homens que mudaram o curso da História Mundial e da própria História Islâmica: Tariq ibn Ziyad (ou Tariq ibn Ziyad), um oficial berbere que foi responsável pela conquista do Al-Andalus, a Península Ibérica, numa saga digna de filmes. Suas origens são obscuras, os registros sobre sua vida antes de suas atividades políticas são quase que virtualmente inexistentes, embora seja assumido quase que por consenso entre os estudiosos que ele certamente era da etnia berbere e provavelmente nasceu na região de Tlemcen, onde hoje é a Argélia, tendo lá vivido com sua esposa antes de mudar-se para a Ifriqya (região mais ao Oriente do Maghreb, no entorno da atual Tunísia). Em Ifriqya, Tariq tornou-se o mawla (isto é, braço-direito, como uma espécie de vice-governador ou vizir) do governador da província, Musa ibn Nusayr. Em virtude de seus serviços, foi nomeado governador de Tânger, no atual Marrocos, uma região semelhante a um istmo que aponta na direção da Península Ibérica. Toda essa área, com exceção do enclave visigodo de Ceuta (que é, inclusive, até hoje um enclave espanhol no Marrocos) sendo governada por um conde de nome Juliano.

Enquanto borbulhava o Islã de um lado do Mediterrâneo, do outro, na Ibéria, borbulhavam os conflitos. O Reino Visigótico, dominador da maior parte da Península, passava por uma instabilidade política enorme, desembocando em guerra civil inúmeras vezes. Não que isso fosse novidade ao caótico Reino Visigodo, uma vez que estes conquistadores de origem germânica tinham uma débil, frágil e fratricida estrutura de poder régio, com assassinatos e guerras civil sendo seus métodos eletivos para o trono e rebeliões e conspirações sendo corriqueiras.

Em 710, um golpe palaciano liderado por Rodrigo, que segundo algumas suposisões historiográficas seria um líder militar (um dux), tomou o poder do rei Wittiza, tornando-se então o monarca do Reino Visigodo. Ele seria o último. Depois que Rodrigo chegou ao poder na, Juliano, como era de costume entre a nobreza visigoda, enviou sua filha Florinda para a corte do real em vista de receber educação. É dito que Rodrigo, então, a estuprou. O furioso Juliano, para vingar a honra de sua filha, alinhou-se com os partidários do falecido e deposto rei Wittiza em apoio de seu filho Ágila e, atuando como embaixador da causa anti-Rodrigo, procurou Tariq, seu vizinho, para lhe propor ajuda e aliança se ele invadisse e depusesse Rodrigo de seu trono. Assim, ele entrou em um tratado com Tariq para secretamente transportar o exército muçulmano com sua frota mercante através do Estreito de Gibraltar.

Pouco tempo antes, os berberes, chamados pelos visigodos de mauri (que mais tarde se tornaria “mouro”), já estavam lançando ataques-relâmpago nas cidades costeiras da Hisânia Visigótica com o intuito de obter pilhagem às ordens do governador do Magrebe-Ifriqya, Musa ibn Nusayr, o suserano de Tariq. A oferta dos nobres visigodos rebeldes foi bem-recebida por Tariq em Tânger e por Musa em Kairouan, capital da Ifriqya. Musa, por sua vez, pediu a opinião do Califa omíada Al-Walid I, recebendo como resposta a ordem de cruzar o estreito. Ainda em 710, Tariq conduziu, sem problemas, uma expedição de reconhecimento na costa hispânica, que provou-se largamente indefesa.

Em 711, foi dada a ordem por Musa a Tariq para que realizasse a invasão. Tariq, então, com a colaboração de Juliano, cruzou o estreito e desembarcou no dia 26 de Abril numa baía com um rochedo que, a partir de então, ficou conhecido como Jabal al-Tariq, “o rochedo (ou montanha) de Tariq”, de onde vem o nome do local até hoje, Gibralgtar. Logo após assembleiar seu exército fora dos barcos, Tariq os queimou, indicando que só havia, agora, um caminho para eles: o da conquista. Tariq foi bem recebido pelos nobres da região Sul favoráveis a Ágila e pelos judeus que, enquanto comunidade hispânica, enfrentavam diversas e horrendas perseguições nas mãos dos visigodos católicos; tal aliança entre judeus e muçulmanos valeu a Tariq um comandante nativo em seu exército: Kaula, o judeu. Tariq trouxe consigo numerosas tribos berberes em seus barcos: os masmuda, nafza, wazdadya, malzuza, zanata, miknasa, madyuna, awraba, e os zuwara, que depois viriam a se estabelecer na Península definitivamente.

Apesar do apoio de seus partidários nobres, Ágila, contrariando-os, seguiu as definições dos Concílios de Toledo (feitos entre 397 e 702) que proibiam os partidos opositores dentro do reino de solicitarem ajuda estrangeira; desse modo, Ágila uniu forças com seu adversário Rodrigo para combater o exército estrangeiro que havia chegado à Hispânia.

Tariq, agora em desvantagem, não podia retornar, sem barcos; havia tomado um caminho sem volta. Na verdade, ele nem sequer queria voltar; estava tão determinado e confiante que decidiu marchar, ainda assim, para o interior da península. Rodrigo com seus partidários e os partidários de Ágila marcharam contra Tariq a partir de Córdoba, encontrando o seu exército perto de Xeres de La Frontera e do Lago de Janda, onde teve lugar a fatídica Batalha de Guadalete. Os nobres de Ágila, num determinado momento, abandonaram a batalha, deixando Rodrigo em desvantagem e fadado ao fracasso, vindo a morrer (ou mesmo desaparecer) em meio a luta. A vitória em Guadalete praticamente garantiu à Tariq a primazia sobre a Península toda e marcou o início da derrocada do regime Visigodo, dando voz à firmeza e crença de Tariq que a vitória era seu destino. Uma segunda vitória de Tariq em Écija reafirmou a sua em Guadalete e Ágila foi coroado rei como Ágila II pelo clero em Toledo.

Tariq dividiu seu exército em quatro divisões e, com uma delas, marchou para Toledo, onde foi recebido por Oppas, irmão do falecido rei Wittiza e tio de Ágila. Lá, decidiu aguardar instruções de Musa ibn Nusayr, originando um clima de tensão entre os viticianos (como a historiografia espanhola chama aos partidários de Ágila e Wittiza) e os recém-chegados mouros, que agora ocupavam Toledo, Málaga, Granada e Córdoba. Musa desembarcou e tomou Mérida, e se encontrou com Tariq em Toledo. Tariq, com o aval de seu suserano, avançoua até a localidade de Astorga sem encontrar resistência, e pôs-se a marchar junto de Musa em direção ao Norte, chegando a tomar, além da Catalunha, a Navarra e a Galícia. A região montanhosa das Astúrias, terra pobre e relativamente indiferente, onde haviam refugiado-se os visigodos anti-Tariq, foi ignorada. O destino de Ágila e seus partidários é incerto, mas supõe-se que morreu lutando contra os muçulmanos para não ter seu reino desintegrado. De nada adiantaria, ou adiantou: em 713, Tariq havia tomado a maior parte da Península e lançado o Reino Visigodo no abismo.

Tanto Tariq quanto Musa foram simultaneamente ordenados irem a Damasco pelo califa Al-Walid em 714, onde passaram o resto de suas vidas. Nas muitas histórias árabes escritas sobre a conquista do sul da Espanha, há uma clara divisão de opinião sobre a relação entre Tariq Musa bin Nusayr. Alguns relatam episódios de raiva e inveja por parte de por seu liberto ter conquistado um país inteiro. Outros não mencionam, ou minimizam, essa suposta inimizade ou relação conflituosa, que em algumas obras parece ter sido amigável após reconciliação por ambas as partes.

Tariq passaria os anos antes de sua morte em Damasco, vindo a falecer em 720. Fato é que, poucos homens podem, como Tariq, gabar-se de terem conquistado uma extensão de terra tão grande grande quanto a Península Ibérica, mesmo contra situações adversas. Gênio militar? Convergência de contextos favoráveis? Providência divina? Tudo isso junto? Seja qual for a resposta para a épica conquista-relâmpago de Tariq, uma verdadeira bliztkrieg à cavalo, seu legado é tão grande quanto sua conquista: o Al-Andalus, como foi chamada a Hispânia Muçulmana, se tornaria num dos grandes centros culturais e intelectuais não só do Islã, mas do Judaísmo, agora liberto, providenciando ao Mundo avanços imprescindíveis na Filosofia, Ciência, Teologia, Astronomia, Navegação e tantas outras áreas; tudo isso graças ao homem cujo nome está imortalizado nos antigos “Pilares de Hércules”, hoje o “Estreito de Gibraltar”.

Bibliografia

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MOLINA, Luis “Un relato de la conquista de al-Ándalus”, Al Qantara 19 (1998).