Raziya al-Din, também conhecida como Razia Sultana, foi a primeira e única mulher a alcançar a posição de sultana no Sultanato de Delhi, governando entre os anos de 1236 a 1240.

Razia era filha do sultão de Delhi, Shamsuddin Iltutmish, que por sua vez havia sido um escravo turco mameluco do seu predecessor, o sultão Qutb al-Din Aibak. Acontece que Qutb deu a mão de sua filha Turkan Khatun para seu escravo, e desse casamento originou Razia, que mais tarde assumiria o lugar do pai.

Razia nasceu por volta do ano de 1205. Seu pai, Iltutmish, foi um dos maiores governantes da história da Índia islâmica, sendo alguém que realmente solidificou o governo muçulmano no local.

Além disso, sua ascensão de escravo para sultão foi uma propaganda magnífica do Islã para os indianos, que eram dominados por um rígido sistema de castas, sendo muito opressivo, principalmente para aqueles das castas mais baixas.

Portanto, para os membros das classes mais baixas da sociedade, o Islã se apresentava como uma religião igualitária, que havia derrubado a estrutura antiga de castas imposta aos cidadãos indianos através do Hinduísmo.

Não somente, mas também ofereceu a oportunidade para que um indivíduo ou até mesmo grupos sociais pudessem galgar para os postos mais altos da sociedade, desde que tivessem a capacidade para tal, como foi o caso de Iltutmish, que saiu da escravidão para o sultanato.

Ascenção ao Trono

Razia não era a primeira opção de seu pai para legar o sultanato de Delhi, mas sim o filho mais velho de Iltutmish, Nasiruddin Mahmud, porém o mesmo veio a morrer inesperadamente em 1229.

Conforme alguns relatos de historiadores contemporâneos aos ocorridos1, Iltutmish acreditava que seus outros filhos estavam imersos em prazeres mundanos, sendo incapazes de administrar devidamente o sultanato quando ele partisse.

Entretanto, quando o sultão teve de se ausentar para uma campanha militar em Gwalior em 1231, deixou sua filha Razia no comando da administração de Delhi.

Após o retorno do sultão para Delhi de sua expedição, o mesmo viu que Razia havia feito um excelente trabalho na administração da cidade, o que resultou na nomeação de sua filha para sucede-lo após sua morte.

Nesse sentido, Iltutmish mandou que seu oficial mushrif-i-mamlakat2, Tajul Mulk Mahmud Dabir preparar um decreto declarando que agora Razia era sua herdeira aparente3.

Porém, os nobres indagaram a decisão do sultão, já que o mesmo possuía outros filhos vivos que poderiam sucede-lo no trono, mas o sultão lhes respondeu que apesar de ainda ter outros filhos, apenas Razia era competente o suficiente para o cargo.

Em que pese o Iltutmish tenha nomeado sua filha para assumir o controle do Sultanato de Delhi quando ele viesse a faltar, a nobreza indicou unanimemente outro filho do sultão depois de sua morte, Rukn al-Din Firuz.

Existem algumas discussões históricas e até mesmo aspectos lendários em torno dessa história. Um dos motivos pelo qual alguns acreditam que a nomeação de Firuz tenha ocorrido, é porque quando estava já bem doente, o sultão havia chamado seu filho de Lahore para que voltasse para Delhi4.

Desta feita, a história da nomeação de Razia como sultana por parte de seu pai poderia muito bem ter sido uma invenção por parte de seus apoiadores já depois da mesma ascender ao poder5.

Apesar da nomeação de Rukn al-Din Firuz para ser o novo sultão de direito, quem de fato governou o sultanato de Deli foi sua mãe, Shah Turkan. Na verdade, Shah Turkan era impopular diante dos súditos.

Devido à morte de outro filho de Iltutmish, Qutubuddin, muito querido pelo povo, assim como por exercer o poder com mãos de ferro, várias rebeliões ocorreram contra o governo de Shah Turkan, sendo muitas delas lideradas pela própria nobreza e encontrando a participação até mesmo do primeiro ministro de Deli, Nizamul Mulk Junaidi, que se aliou aos rebeldes.

Apesar da situação caótica que havia se instaurado, as coisas ainda iriam piorar quando os oficiais de origem turca e escrava próximos à Rukn al-Din iriam planejar a morte dos outros oficiais do governo que não eram turca (Tazik).

Isso causou a morte de vários oficiais importantes do sultanato, incluindo o filho do primeiro ministro Junaidi, Ziyaul Mulk. Até mesmo Tajul Mahmud que havia redigido o decreto indicando Razia como sucessora de Iltutmish havia sido morto.

Diante disso tudo, Shah Turkan também queria matar Razia, que por sua vez não se curvou e nem se escondeu. Na verdade, a mesma decidiu usar uma das políticas de seu pai como estratégia para angariar apoio popular e conquistar o governo de Delhi. Nessa época, as pessoas comuns costumavam utilizar vestimentas na cor branca.

Portanto, além de instalar um sino em seu palácio para aqueles que se sentiam injustiçados irem procurar ajuda, Iltutmish também decidiu que quem estivesse em apuros usasse roupas coloridas, então se o sultão estivesse por perto e visse alguém com vestimentas distintas das tradicionais roupas brancas, ele saberia que esse indivíduo estaria sendo oprimido ou sofrendo alguma injustiça, indo pessoalmente ouvir o que o cidadão teria a dizer.

Dessa maneira, Razia se vestiu em roupas vermelhas e andou no meio do povo pedindo por ajuda contra o seu meio irmão. Se apresentando como vítima de uma injustiça, acusava também Rukn al-Din em ser o responsável pela morte de outro meio irmão seu, Qutubuddin.

Razia agora apelava para o povo para defende-la contra Rukn al-Din, que agora ameaçava sua vida. Por conta disso, deu prosseguimento no seu plano na oração da sexta feira, quando grande parte dos muçulmanos se reúne na mesquita ou em outros locais públicos, maximizando assim o alcance de seu pedido de ajuda.

Eis que o plano de Razia funcionara. Muitos ouviram seu recado, inclusive membros do exército decidiram apoia-la. Uma multidão atacou o palácio real e detiveram Shah Turkan. Vários nobres ofereceram aliança à Razia, acabando por no fim elege-la ao trono, sendo a primeira mulher a governar o sultanato de Deli.

Porém, a oposição ainda não havia cessado, uma vez que agora Rukn al-Din marchava em sua direção, porém Razia enviou tropas para deter seu meio irmão, sendo ele preso e muito provavelmente executado no dia 19 de novembro de 1236, tendo o seu governo durado menos de 7 meses apenas.

A ascensão de Razia ao poder foi algo único na história do sultanato de Deli, não somente por ser a primeira mulher a ocupar tal cargo, mas também porque sua ascensão não teria sido possível sem o apoio popular. Segundo algumas fontes posteriores, ela teria pedido ao povo que a depusesse caso fosse uma má governante e não cumprisse com as expectativas da população6.

A Queda

Depois de governar por quatro anos o Sultanato de Delhi, vários membros do exército se rebelaram contra Razia e a depuseram, colocando em seu lugar seu outro meio irmão, Bahram Shah.

Existem teorias a respeito do porque a revolta por parte dos militares contra a sultana, porém MERNISSI (1997) argumenta que Razia foi retirada do trono por conta de seu caso amoroso com um escravo etíope que ela havia promovido para um alto cargo muito rapidamente.

Por conta disso, Razia fugiu de Delhi com as tropas que ainda a apoiava, porém foi perseguida pelas forças rebeldes sob a liderança do emir Ikhtiyar al-Din Altuniya, que conseguiu alcançar Razia, gerando assim um confronto armado entre os dois lados. Ocorre que as forças de Razia foram superadas em batalha, sendo ela aprisionada.

Entretanto, Altuniya se apaixonou pela sua prisioneira, oferecendo-lhe ajuda e a liberando de sua prisão. Mais tarde os dois se casariam, unindo forças e marchando em direção à Delhi juntos. Porém, o exército enviado de Deli em direção às tropas do casal acabou vencendo mais essa batalha, sendo esse o fim da sultana Razia.


Notas

[1] Exemplo é Minhaj al-Siraj Juzjani;

[2] O mashrif-i-mamlakat parece ter sido algo como um “inspetor geral” das receitas do Império, um controlador das finanças imperiais;

[3] Um herdeiro aparente é aquele indicado no testamento para o trono de algum país, sendo que só deixará de herdar se outro for nomeado pelo autor do testamento;

[4] Ver NIZAMI (1992, p. 231);

[5] A única fonte contemporânea a narrar essa história foi o historiador Minhaj, porém o mesmo não havia presenciado os fatos;

[6] NIZAMI (1992, p. 237)

Bibliografia

  • Jackson-Laufer, Guida Myrl. Women Rulers Throughout the Ages: An Illustrated Guide. ABC-CLIO. p. 341. 1999;
  • ASIF, Salman & MONTGOMERY, Kate. Razia: Warrior Queen of India. London: Hood Hood Books, 1998;
  • DASGUPTA, Shahana. Razia: The People’s Queen. New Delhi: Rupa & Co, 2001;
  • MERNISSI, Fatima. The Forgotten Queens of Islam. University of Minnesota Pres. 1997;
  • ALI, Adam. Sultana Raziya of Delhi: Pillar of Women and Queen of the Eras. Medievalists Net;
  • NIZANI, Khaliq Ahmed. “The Early Turkish Sultans of Delhi”. In Mohammad Habib; Khaliq Ahmad Nizami (eds.). A Comprehensive History of India: The Delhi Sultanat (A.D. 1206-1526). 5 (Second ed.). The Indian History Congress / People’s Publishing House. 1992;
  • GARG, Sanjay. Studies in Indo-Muslim History by S.H. Hodivala. Volume I. A Critical Commentary on Elliot and Dowson’s History of India as Told by its own Historians (Vols I-IV) & Yule and Burnell’s Hobson-Jobson. Routledge. 2019;