Em 1236, as forças de Fernando III de Castela tomaram a outrora magnífica cidade de Córdoba dos muçulmanos, convertendo a esplendorosa Mesquita da cidade numa igreja católica. A Mesquita de Abdul Rahman I era a maior do mundo islãmico até aquela altura, sendo sem sombra de dúvidas um dos edifícios mais belos do mundo. Deslumbrados com o esplendor da arquitetura islâmica, tanto Fernando quanto seus sucessores decidiram não promover grandes alterações no prédio, visto que, se sempre houve algo que cristãos ibéricos souberam apreciar, era o jeito de construir dos mouros, que sempre buscavam replicar e preservar.
Mas no século XVI em 1523, tudo iria mudar, quando o bispo Alonso de Manrique, numa Espanha no auge da inquisição e perseguição aos muçulmanos, decidiu meter no meio da Mesquita o monstromento conhecido como a ‘’Capilla Mayor’’, uma capela renascentista gigante que se projeta para fora da mesquita no meio de sua estrutura, como se fosse um rosto no estilo Romero Brito na cara da Mona Lisa.
 
Aquela absurdez gerou protestos na cidade. A Cãmara Municipal de Córdoba na época decidiu apelar ao sacro-imperador e também rei da espanha Carlos V, para impedir a sandice de Manrique. Mas no fim, um imperador com problemas demais cedeu ao bispo e seu frankenstein arquitetônico. Mais tarde, quando foi à Córdoba, um Carlos V desgostoso com aquilo teria dito: ‘’Você construiu aqui o que você ou qualquer outra pessoa poderia ter construído em qualquer lugar: com isso você destruiu algo que era único no mundo.’’
 
Para evitar que a Mesquita fosse deformada mais alguma vez por outro bispo megalomaníaco, o Conselho Municipal de Córdoba então estabeleceu:
‘«Que se pregone públicamente que ningún albañil y cantero, ni carpintero, ni peón, ni otra persona alguna no sean osados de tocar en la dicha obra, ni deshazer, ni labrar cosa alguna della fasta tanto que por Su Majestad sea mandado lo que más sea su servicio so pena de muerte e de perdimiento de todos sus bienes... Esto porque la obra que se desfaze es de calidad que no se podrá volver a fazer en la bondad e perfiçión questa fecha».
Entretanto, nos paradoxos da história, o mesmo Monarca que ficou horrorizado em Córdoba com a interferência de uma capela gigante na Mesquita logo depois mandou o arquiteto toledano Pedro Machuca construir um palácio de estilo italiano para ser inserido no conjunto de palácios árabes da cidade Alhambra de Granada.
 
Contudo, os tumores de arquitetura renascentista no meio dos belos edifícios islâmicos não podem ser entregues aos tomates e vaias de todo. Se não fosse pela ação de Alonso de Manrique, grandes obras como a Mesquita, ainda que já convertidas em igrejas em anos anteriores, muito provavelmente teriam sido abandonadas de patrocínio estatal, e para nossos olhos contemporâneos restariam apenas enormes ruínas ou nem isso, como foi o caso da cidade palatina de Medina Azhara nos arredores da mesma Córdoba. O mesmo se deu com a consagração da Basílica de Santa Sofia em Istambul como mesquita. Se não fosse por Mehmet II ter comprado o prédio do patriarca ortodoxo, o local seria abandonado por não ter mais patrocínio de um governo com dinheiro o suficiente para pagar as manutenções de um prédio gigante, e após 500 anos, muito provavelmente nem as ruínas restariam do templo de Justiniano.
 
Bibliografia:
-Apple, Raymond Walter (1986). Apple's Europe, an uncommon guide. Atheneum. p. 186.
-Dodds, Jerrilynn D. (1992). "The Great Mosque of Córdoba". In Dodds, Jerrilynn D. (ed.). Al-Andalus: The Art of Islamic Spain. New York: The Metropolitan Museum of Art.
-"Main Chapel, Transept and Choir | Web Oficial - Mezquita-Catedral de Córdoba". Main Chapel, Transept and Choir | Web Oficial - Mezquita-Catedral de Córdoba.