No Islã, taqiyah ( literalmente “prudência”, ”temor” ou ”cobertura”) é uma dissimulação preventiva ou negação da crença e prática religiosas em face da perseguição. Outro termo para este conceito, kitman (lit. “ação de cobertura, dissimulação”), tem um significado mais específico de dissimulação por silêncio ou omissão.

Essa prática é enfatizada no Islã minoritário xiita, por meio do qual os adeptos têm permissão para ocultar sua religião quando estão sob ameaça de perseguição ou compulsão. No entanto, também é permitido no Islã sunita sob certas circunstâncias. 

A taqiyah foi inicialmente praticada sob coação por alguns dos Companheiros do profeta Muhammad devido as perseguições religiosas que sofreram durante 12 anos em Meca. Mais tarde, tornou-se particularmente importante para os xiitas devido à sua experiência como minoria religiosa perseguida. De acordo com a doutrina xiita, taqiyah é permissível em situações em que há um perigo esmagador de perda de vidas ou propriedades e onde nenhum perigo para a religião ocorreria por meio disso. A taqiyah também foi politicamente legitimada, particularmente entre xiitas duodecimanos, a fim de manter a unidade entre os muçulmanos e a fraternidade entre os clérigos xiitas.

Taqiyah é um termo jurídico islâmico cujo significado cambiante se refere a quando um muçulmano é permitido, sob a jurisprudência islâmica, a mentir para salvar sua vida. Um conceito cujo significado variou significativamente entre seitas, acadêmicos, países, e os regimes políticos, no entanto, é um dos termos-chave usados pelos recentes militantes antimuçulmanos, como se houvesse uma conspiração islâmica global para domínio e “matança de infiéis” na qual qualquer muçulmano que não demonstre isso abertamente logo será acusado de praticante de taqiyah, como se a religião permitisse a pratica de forma inflacionada.

O termo taqiyah (em árabe: تقیة /taqīyah) é derivado da raiz triliteral árabe wāw-qāf-yā, denotando literalmente cautela, temor, prudência, proteção contra (um perigo) e cuidado. No sentido de “prudência, temor”, pode ser usado como sinônimo dos termos tuqa , tuqāt, taqwā e ittiqāʾ, derivados da mesma raiz. Esses termos também possuem outros significados. Por exemplo, o termo taqwa geralmente significa “piedade” (lit. “temor [de Deus]”) em um contexto islâmico. Um termo alternativo para dissimulação religiosa é kitmān “ação de cobertura, dissimulação”. Os termos taqiyah e kitman podem ser usados como sinônimos, embora o primeiro tenha o significado mais abrangente de “dissimulação” em geral, enquanto o segundo se refira à “ocultação” das convicções de alguém pelo silêncio ou omissão.

O significado técnico do termo taqiyya é derivado da referência do Alcorão à dissimulação religiosa na Surah 3:28:

”Que os fiéis não tomem por confidentes os incrédulos, em detrimento de outros fiéis. Aqueles que assim procedem, de maneira alguma terão o auxílio de Deus, salvo se for para vos precaverdes e vos resguardardes (illā an tattaqū minhum tuqāt).”

As duas palavras tattaqū (“para vos precaverdes”) e tuqāt ” vos resguardardes” são derivadas da mesma raiz que taqiya, e o uso do substantivo abstrato taqiya em referência ao princípio geral descrito nesta passagem é registrado pela primeira vez em um glossário corânico por Muhammad ibn Ismail al-Bukhari (século IX).

A respeito do versículo 3:28, o exegeta corânico e historiador medieval Ismail ibn Kathir (1300 – 1373) escreve, “significando, exceto aqueles crentes que em algumas áreas ou tempos temem por sua segurança dos descrentes. Neste caso, tais crentes podem mostrar amizade aos incrédulos externamente, mas nunca interiormente”. Ele cita o companheiro de Muhammad, Abu Ad-Darda ‘, que disse “nós sorrimos na cara de algumas pessoas embora nossos corações as amaldiçoem”, e Al-Hasan que disse que “a taqiyah é aceitável até o Dia da Ressurreição”.

Um exemplo semelhante do Alcorão permitindo a dissimulação sob compulsão é encontrado na Sura 16: 106. Comentaristas sunitas e xiitas observam que o verso 16: 106 se refere ao caso de Ammar b. Yasir, que foi forçado a renunciar às suas crenças sob coação física e tortura, e após testemunhar seus pais serem martirizados por não jurarem fidelidade aos ídolos dos pagãos de Meca.

Na concepção xiita duodecimana, a doutrina da taqiyah foi desenvolvida na época de Ja’far al-Sadiq (702–765), considerado seu sexto imã, porém reconhecido como autoridade espiritual e religiosa por sunitas também. Ela serviu para proteger os xiitas quando Al-Mansur, o califa abássida, conduziu uma campanha brutal e opressiva contra alidas e seus partidários. A dissimulação religiosa ou taqiyya, embora mantendo reservas mentais, é considerada legítima no xiismo “em situações em que há um perigo imenso de perda de vidas ou propriedades e onde nenhum perigo para a fé possa ocorrer”. Os xiitas viviam principalmente como uma minoria entre uma maioria sunita freqüentemente hostil até a ascensão da dinastia fatímida no século X, e posteriormente safávida no século XV. Essa condição tornou a doutrina taqiyah importante para os xiitas.

A taqiyah ocupa um lugar central no islamismo xiita duodecimano. Isso às vezes é explicado pela posição minoritária que os xiitas tinham sob o domínio político dos muçulmanos sunitas, exigindo que eles se protegessem por meio de ocultação e dissimulação. Na literatura jurídica xiita, existe uma variedade de situações em que a taqiyah pode ser usada ou mesmo requerida. Para os muçulmanos xiitas, taqiyah é ocultar sua associação com sua fé quando revelar que isso resultaria em perigo. A taqiyah é feita por razões de segurança. Por exemplo, uma pessoa pode temer que ele possa ser morto ou ferido se não observar taqiyah. Neste caso, taqiyah é permitido. No entanto, em algumas circunstâncias, a taqiyah pode levar à morte de uma pessoa inocente; se assim for, não é permissível; é haram (proibido) matar um ser humano para salvar a própria vida. Alguns xiitas, no entanto, interpretam a taqiyah como uma forma de jihad, uma espécie de luta contra seus adversários.

Outros relacionam isso com a natureza esotérica do início do Islã xiita. O conhecimento (‘Ilm) dado aos Imames por Deus tinha que ser protegido e a verdade teria que ser escondida diante dos não iniciados ou seus adversários até a vinda do Décimo Segundo Imã, quando este conhecimento e significado final podem se tornar conhecidos de todos.

As decisões religiosas dos imames xiitas também foram influenciadas pela taqiyah. Sem isso, os artigos básicos do xiismo primitivo não fazem sentido e perdem a coerência devido às contradições. Algumas das tradições dos imames fazem da taqiyah um elemento central do xiismo: “Aquele que não tem taqiyah não tem fé”; “aquele que abandona a taqiyah é como aquele que abandona a oração”; “taqiyah é o escudo dos crentes, mas se não pela taqiyah, Deus não teria sido adorado”. Não está claro se essas tradições se referem apenas a taqiyah sob risco ou também taqiyah para ocultar as doutrinas esotéricas do xiismo. Muitos xiitas de hoje negam que taqiyah tenha algum significado em sua religião além do normativo de proteção a vida.

O princípio básico da taqiyah é concordado também pelos estudiosos sunitas, embora eles tendem a restringi-lo a lidar com não-muçulmanos hostis e quando sob compulsão (ikrāh), enquanto os juristas xiitas também o permitem em interações com os muçulmanos e em todos os assuntos necessários (ḍarūriyāt). Na jurisprudência sunita, proteger a crença de alguém durante circunstâncias extremas ou exigentes é chamado de idtirar (إضطرار), que se traduz como “forçado” ou “coagido”, e essa palavra não é específica para esconder a fé; por exemplo, sob a jurisprudência do idtirar, é permitido consumir comida proibida (porco, outros animais proibidos ou carniça) para evitar morrer de fome. Além disso, negar a fé sob coação é “somente no máximo permitido, e não em todas as circunstâncias, obrigatório”. O exegeta, historiador e erudito muçulmano Abū Jaʿfar Muḥammad ibn Jarīr al-Ṭabarī (839–923) comenta sobre a sura 16, verso 106 (Tafsir, Bulak 1323, xxiv, 122): “Se alguém é compelido e professa descrença com sua língua, enquanto seu coração o contradiz, a fim de escapar de seus inimigos, nenhuma culpa cai sobre ele, porque Deus considera seus servos como seus corações acreditam “. Este verso foi registrado depois que Ammar Ibn Yasir foi forçado pelos idólatras de Meca a retratar sua fé e denunciar o profeta Muhammad. Al-Tabari explica que esconder a fé só é justificado se a pessoa está em perigo mortal, e mesmo assim o martírio é considerado uma alternativa nobre. Se ameaçado, seria preferível para um muçulmano migrar para um lugar mais pacífico, onde uma pessoa pode praticar sua fé abertamente, “pois a terra de Allah é ampla”. Neste hadith da história de Ammar, no comentário sunita de Sahih al-Bukhari, conhecido como o Fath al-Bari, afirma-se que:

”Existe um consenso de que quem for forçado a apostasia e escolher a morte tem uma recompensa maior do que a pessoa que aceita a licença [para negar a fé sob coação], mas se uma pessoa for forçada a comer carne de porco ou a beber vinho, faça isso [em vez de escolher a morte].”

Quando al-Mamun se tornou califa do abássidas em 813, ele tentou impor suas opiniões religiosas sobre o status do Alcorão sobre todos os seus súditos, aderindo a seita teológica muatazilita, em impôs uma inquisição chamada ”mihna”. Seus pontos de vista foram contestados, e muitos dos que se recusaram a seguir seus pontos de vista foram presos, torturados ou ameaçados com a espada. Alguns estudiosos sunitas escolheram afirmar a visão de Mamun de que o Alcorão foi criado apesar de suas crenças, embora uma notável exceção a isso foi o notável erudito e teólogo Ahmad ibn Hanbal, que preferiu suportar a tortura em vez de mentir.

Após o fim da Reconquista da Península Ibérica em 1492, os muçulmanos foram perseguidos pelos reis católicos e forçados a se converter ao cristianismo ou enfrentar a expulsão. O princípio da taqiyya tornou-se muito importante para os muçulmanos sunitas durante a Inquisição na Espanha do século XVI, pois permitiu que eles se convertessem ao cristianismo enquanto permaneciam cripto-muçulmanos, praticando o Islã em segredo. Em 1504, Ubayd Allah al-Wahrani, um mufti sunita da escola Maliki em Oran, emitiu uma fatwā permitindo que os muçulmanos fizessem o uso extensivo de ocultação, a fim de manter sua fé. Isso é visto como um caso excepcional, já que a lei islâmica proíbe a conversão, exceto em casos de perigo mortal, e mesmo assim exige retratação o mais rápido possível, e o posicionamento de al-Wahrani divergiu do da maioria dos eruditos Malikis anteriores.

Para os xiitas ismaelitas após a investida mongol contra a fortaleza dos hashashins de Alamut em 1256, a necessidade de praticar taqiyah tornou-se obrigatória, não apenas para a proteção da própria comunidade, que agora era apátrida, mas também para salvaguardar a linhagem do imamato nizari durante este período de inquietação.Na verdade, para os ismaelitas, a persistência e prosperidade da comunidade hoje deve-se em grande parte à salvaguarda cuidadosa das crenças e ensinamentos dos imãs durante o Ilcanato mongol que posteriormente adotou o sunismo, bem como a dinastia safávida no século XV que adotou o xiismo duodecimano, considerando o xiismo ismaelita como herético, e outros períodos de perseguição. Por causa da origem xiita ismaelita dos drusos, eles também foram associados à taqiyah. Quando os drusos eram uma minoria sendo perseguidos, eles assumiam a aparência de outra religião externamente, geralmente a religião dominante na área, e na maior parte aderiram aos costumes muçulmanos por meio dessa prática.

Dentro do contexto wahhabi-salafista a prática de taqiyah também é extremamente abrangente, porém num sentido mais bélico global através de uma perversão pós-moderna do conceito. Seus membros procuram geralmente passar uma aura de Islã ”moderado” enquanto ocultam suas crenças e doutrinas extremistas, principalmente quando em minoria dentro de países não-muçulmanos, geralmente para fins políticos sem qualquer ameaça de perseguição real, diferente dos demais ramos islâmicos. Intentando assim recrutar militantes para determinados grupos extremistas dentre os não-muçulmanos a serem convertidos e muçulmanos a principio não-religiosos.