Se na porção oriental do mundo islâmico o contato com os homens do norte se deu através do comércio e diplomacia, como vemos por exemplo nos escritos de Ahmad Ibn Fadlan do século IX sobre suas viagens no rio Volga, na porção mais ocidental da Morada do Islã, al-Andalus, como era chamada a Península Ibérica pelos muçulmanos, a chegada dos vikings viu o choque entre a saif árabe e o machado nórdico.

Chamados nas crônicas árabes de rus, majus ou al-lawdhaāna, estes invasores liderados por Hastein e Björn Flancos de Ferro aportaram nas terras ibéricas primeiramente em 844, onde vindos da França pelo Rio Garona chegaram à região da Galícia, saqueando o que podiam pelo caminho. Pareciam imbativeis até serem derrotados por Ramiro I das Asturias e as orações do bispo Gonzalo, que segundo lendas cristãs orou até que Deus enviasse uma tempestade que afundou os dracares vikings, e os forçou a rumar para Lisboa, no sul islâmico da península, aonde também promoveram saques e ocuparam a cidade durante 13 dias.

O alcaide de Lisboa, Wahballah ibn Hazm, escreveu sobre o ataque ao emir Abdul Rahman II de Córdoba, soberano mais poderoso da Ibéria, suplicando que enviasse reforço para combater a pandemia de ataques nórdicos que pareciam intermináveis. Depois de deixar Lisboa saqueada, os vikings navegaram mais para o sul e invadiram as cidades de Cádiz, Medina Sidonia e Algeciras, e possivelmente a cidade de Asilah controlada pelos abássidas no Marrocos.

Em 25 de setembro daquele sangrento 844, os vikings chegaram perto de Sevilha depois de navegar pelo Guadalquivir. Estabeleceram sua base em Isla Menor, uma ilha defensável nos pântanos que cercam o rio. Em 29 de setembro, as forças muçulmanas locais marcharam contra os invasores mas foram derrotadas. Os vikings tomaram Sevilha como um enxame em 1 ou 3 de outubro, após um breve cerco e combates pesados.

Eles saquearam e pilharam a cidade e, de acordo com historiadores muçulmanos, deram aos seus habitantes os “terrores da captura ou da morte” e não pouparam “nem mesmo os animais de carga”. Embora a cidade sem muros de Sevilha tenha sido tomada, sua cidadela permaneceu em mãos muçulmanas. O nórdicos tentaram, porém sem sucesso, destruir a recém construída mesquita central da cidade incendiando-a.

Quando soube da queda de Sevilha, Abddul Rahman II mobilizou suas forças sob a liderança de seu hajib/vizir Issa Ibn Shuhayd. Ele convocou governadores próximos para reunir seus homens, que se juntaram em Córdoba e, em seguida, marcharam para Axarafe, uma colina perto de Sevilha, onde Issa estabeleceu seu quartel-general. Um contingente liderado por Musa Ibn Musa al-Qasi, o líder do principado semi-independente dos Banu Qasi ao norte, juntou-se a este exército apesar da rivalidade política de Musa com o emir Abdul Rahman, e desempenhou um papel importante na campanha.

Nos dias seguintes, os dois lados se enfrentaram várias vezes, com resultados variados. Finalmente, os muçulmanos obtiveram uma grande vitória em 11 ou 17 de novembro em Talyata. De acordo com fontes muçulmanas, de 500 a 1000 vikings foram mortos e 30 navios foram destruídos com o uso de fogo-grego disparado de catapultas. As cronicas islâmicas também relataram que os comandantes vikings foram mortos e pelo menos 400 capturados, muitos dos quais foram pendurado nas palmeiras de Talyata para servir de aviso a quaisquer novas incursões nórdicas.

Os que ainda restaram, retiraram-se para os seus navios e navegaram rio abaixo enquanto os habitantes da zona rural circundante atiravam-lhes pedras. Logo, os vikings se ofereceram para negociar o saque e os prisioneiros que haviam feito em troca de roupas, comida e jornada rio abaixo sem mais obstáculos. Depois disso, eles se juntaram ao resto da frota na costa. A frota enfraquecida, perseguida pelos navios de Abdul Rahman, deixou a Península Ibérica após uma breve incursão no Algarve.

A cidade de Sevilha e seus subúrbios ficaram arrasados. A destruição causada pelos invasores aterrorizou o povo de al-Andalus e Abdul Rahman II ordenou novas medidas de proteção contra futuros ataques. Ele estabeleceu um arsenal naval (chamado ”dar al-sina’a”) em Sevilha e construiu muros ao redor da cidade e outros assentamentos. Novos navios e armamentos foram construídos, marinheiros e tropas foram recrutados, e redes de mensageiros foram estabelecidas para sinalizar sobre quaisquer ataques futuros. Essas medidas tiveram sucesso em frustrar ataques vikings posteriores no al-Andalus em 859 e 966, mas as invasões continuaram até o século XI, porém direcionados aos reinos cristãos do Norte da Ibéria, mais pobres e menos defendidos, que tiveram que lidar com o mesmo problema de seus correligionários anglo-saxões e carolíngios por mais tempo.

No ano seguinte a sua esmagadora derrota pelo emir, os nórdicos enviaram uma embaixada à corte de Abdul Rahman II, que então enviou o poeta e diplomata Yahya ibn al-Hakam, ou Al-Ghazal, como embaixador às cortes dos homens do norte. Mais tarde, fontes islâmicas relataram que alguns dos invasores permaneceram e se estabeleceram na área próxima de Sevilha, se converteram ao Islã e se tornaram comerciantes de queijo, mesclando mais uma etnia ao caldeirão de raças que era al-Andalus.

Bibliografia:

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