Embora se diga que o Sultão Murad III estava sob a influência das mulheres de seu harém e de seus cortesãos, o seu reinado, que viu longas guerras contra o Irã, foi um período glorioso. A deterioração social e econômica dentro do Estado Otomano começou após a morte do governante bondoso.

Sultão Murad III foi o décimo segundo soberano otomano e o septuagésimo sétimo califa do Islã. Ele era o filho do Sultão Selim II e de Nurbanu Sultan. Murad nasceu em Manisa (Magnésia do Sípilo) durante o governo de seu pai.

Quando seu pai se tornou governador de Karaman (Caramânia/Laranda), seu avô, Suleiman I, também conhecido como Suleiman, o Magnífico, tornou-lhe governador de Akşehir (Filomélio). Quando seu avô morreu e seu pai se tornou o sultão, ele se tornou governador de Manisa. Ele foi educado e criado por seu professor, o famoso erudito e historiador Sadeddin Efendi.


Tughra do Sultão Murad III. (Wikimedia)

De acordo com o relato de 1571 de Jacopo Ragazzoni, o então embaixador veneziano em Constantinopla, Murad II era um şehzade (príncipe) talentoso, bem educado e devoto à religião, amado por seu pai e outras pessoas notáveis. Ele ascendeu ao trono quando tinha 29 anos, em 1574.

Portugal apagado da história

O Sultão Murad III deixou a administração nas mãos de seu cunhado, o Grão Vizir Sokollu (Sokullu) Mehmed Pasha, a princípio. O evento mais importante que afetou a política mundial neste período foi a vitória da Batalha de Alcácer Quibir, também conhecida como a Batalha dos Três Reis ou a Batalha de Wadi al-Makhazin, contra os portugueses. Os otomanos sempre estiveram em competição contra os portugueses no Oceano Índico. Murad III se aproveitou da intervenção portuguesa no Marrocos e do pedido de ajuda do sultão marroquino.

O governador da Argélia, Ramazan Pasha, derrotou o exército português de 80 mil homens com seu exército de 20 mil pessoas em 1578. Em sua luta, uma das mais destrutivas batalhas da história, 20 mil soldados portugueses morreram, enquanto o resto do exército português foi capturado ou fugiu.


Esta ilustração amplamente utilizada, pintada por Konstantin Kapıdağlı, mostra o Sultão Murad III. (Wikimedia Commons)

O Marrocos passou a ficar debaixo do patrocínio político otomano. No entanto, esta não era uma conquista, pois o Marrocos já era um país muçulmano. O sultão marroquino embarcou numa ampla reforma em seu país e utilizou o sistema otomano como exemplo. Os otomanos desceram até o Chade e colocaram o Sultanato de Bornu sob sua proteção política.

Depois desta derrota, os espanhóis ocuparam Portugal. O Estado Português desapareceu do palco da história naquele momento, o que abriu a rota comercial para a Inglaterra. O governo otomano decidiu que era adequado apoiar os nacionalistas portugueses em sua luta contra o arqui-inimigo espanhol. Portugal reapareceu no palco da história depois de sessenta anos de ocupação espanhol.

Batalha das Tochas

As relações com Veneza eram boas já há muito tempo. A esposa do sultão, Safiye, era parte dos Baffas, uma das grandes famílias de Veneza. Ela foi mantida em cativeiro e criada como muçulmana no palácio real. No entanto, a embarcação que trazia a família e a riqueza do falecido governador da Argélia para Constantinopla foi capturada por piratas venezianos, e aqueles que estavam dentro da embarcação foram brutalmente assassinados.


Representação do Sultão Murad III. (Wikimedia)

Os piratas não deixaram uma testemunha sequer para trás. Mas Constantinopla soube do incidente em detalhes e ameaçou Veneza severamente. Os venezianos, que entraram em pânico e pediram desculpas, encontram os culpados imediatamente e os executaram em frente ao embaixador otomano. Eles também pagaram compensações por todo o dano. Assim, talvez tenha sido evitada uma guerra que faria com que Veneza perdesse a ilha de Creta.

Em 1577, a Polônia e a Lituânia, que eram reinos ainda mais importantes que a Rússia naquela época, ficaram sob a suserania otomana. Portanto, o domínio otomano se expandiu para o Mar Báltico. Estados vassalos pagavam impostos para Constantinopla, a entronização de seus monarcas deveria ser confirmada pelos otomanos e eles seguiam as instruções otomanas na política externa. O fato de o Marrocos e a Polônia, dois grandes estados em seu tempo, ficarem sob a suserania otomana por meio século demonstra a majestade dos otomanos.

No mesmo ano, o exército otomano marchou sobre a Geórgia, que era oprimida pelo Irã. Özdemiroğlu Osman Pasha derrotou o exército safávida entre Shirvan e o Daguestão em 1583. Esta guerra é chamada de Batalha das Tochas porque ocorreu num local à noite, à luz de tochas. A Geórgia, o Cáucaso e o Daguestão ficaram sob a suserania otomana. Um estaleiro foi estabelecido no Mar Cáspio. O Sultão Murad III aceitou Osman Pasha no palácio e elogiou-o.


Representação do Sultão Murad III. (Wikimedia)

A gratidão da Inglaterra

As guerras iranianas colocaram muita pressão sobre as finanças otomanas. O valor de compra do salário dado aos militares diminuiu. Em seguida, os janízaros se revoltaram em 1589 e invadiram o palácio real pela primeira vez na história. A revolta foi suprimida, mas os corpos janízaros começaram a penetrar a administração do estado nesta ocasião.

Um grupo de artistas, que demonstrou grande talento na cerimônia de circuncisão do Şehzade Mehmed em 1582, considerada a cerimônia mais incrível da história turca, pediu para ser inscrita no corpo de janízaros como forma de recompensa. O rei aceitou esta oferta. Assim, uma das regras básicas do corpo de janízaros foi quebrada. Os historiadores registraram esta mudança como um erro dos otomanos.

Durante este período, as relações comerciais com o povo inglês começaram e Londres enviou seu primeiro embaixador permanente para Constantinopla. O embaixador inglês para o Império Otomano, William Harborne, quase suplicou ao Sultão Murad III para conseguir a ajuda da marinha otomana contra a Armada Espanhola. A Rainha Elizabeth I escreveu cartas amigáveis para o sultão, estadistas e até mesmo para a esposa do sultão, Safiye Sultan, além de enviar presentes. Em uma carta que escreveu para o sultão, a rainha disse que os ingleses não adoravam ídolos com os católicos, a quem ela chamou de pagãos. O Sultão Murad III queria que 60 a 70 galés fossem enviadas contra a Armada Espanhola, desde que as despesas fossem cobertas pela Inglaterra.


Uma miniatura retrata Özdemiroğlu Osman Pasha e o exército otomano em uma batalha. (Wikimedia)

Em uma carta enviada à rainha, o Sultão Murad III diz: “A Rainha da Inglaterra será tratada da mesma maneira que aqueles que eram amigos dos sultões otomanos no passado foram protegidos.” Em 1587, graças às manobras de primavera da marinha otomana no Mediterrâneo, a armada espanhola foi dividida em duas. Como resultado, os ingleses foram capazes de derrotas os espanhóis, e a Espanha jamais reconquistara seu antigo poder e posição no cenário marítimo. A Inglaterra, a França e a Holanda devem sua existência a este evento. Na verdade, há alguns anos, o jornal The Guardian mencionou isso com um artigo intitulado “Por que devemos agradecer aos turcos, e não a Drake, por derrotar a Armada”.

O sino turco

Em 1592, o então governador bósnio atravessou a fronteira austríaca e derrotou Nadasdy, o governador da Áustria, na fronteira com a Croácia, devido à agitação por ele causada. O Imperador Rudolf II ficou aterrorizado com este incidente. Ele iniciou a tradição do sino turco, que continuaria por séculos. Os sinos turcos tocavam três vezes ao dia: pela manhã, ao meio-dia e à noite em todas as igrejas do império, convocando os cristãos a orarem contra os turcos.

No entanto, as tensões se intensificaram e eclodiu a guerra entre os dois países. As batalhas eram longas e o número de casualidades eram altas graças aos equívocos do comandante otomano. Aproveitando-se desta oportunidade, os voivodas de Erdel (Transilvânia), Eflak (Valáquia) e Boğdan (Moldávia) se revoltaram. Ainda nesta época, em 1595, o Sultão Murad III faleceu. Ele foi enterrado num túmulo próximo à mesquita de Hagia Sophia.

Antes de sua morte, o Sultão Murad III foi para sua mansão na costa do país e viu as embarcações no Bósforo. As janelas da mansão foram quebradas devido aos tiros de canhão de saudação de duas galeras egípcias. O sultão disse: “No passado, se toda a marinha tivesse disparado um canhão, o vidro não teria partido. Vejo que minha mansão da vida está em ruínas,” ele considerou este como um sinal de sua morte. Ele morreu na noite seguinte, com 49 anos, vítima de uma doença da próstata. Sua morte foi muito repentina, devido a um resfriado que durou 4 dias.


Tumba do Sultão Murad III no lado sul da Mesquita de Hagia Sophia, Istambul, Turquia, 10 de julho de 2018. (Shutterstock)

Era de grandes pessoas

O Sultão Murad III era um dos sábios mais intelectuais dentre os sultões otomanos. Ele escreveu uma obra religiosa chamada “Futuhat-ı Siyam.” Ele era um grande poeta e escreveu poemas sob o pseudônimo de “Muradi”. Ele tem quatro diwans (uma coleção de poemas feitos por um autor em específico), dois dos quais foram escritos em turco, enquanto um foi escrito em árabe e o outro em persa. Ele amava as belas-artes e apoiava vários artistas. Ele também era um mestre em caligrafia.

Murad emitiu um decreto que permitia que livros árabes, persas e turcos publicados na Europa fossem vendidos livremente no país otomano em 1587. Em sua época viveram e faleceram grandes personalidades. Sua era é um período raro em termos de ter as maiores personalidades da história, incluindo soldados, burocratas, arquitetos, acadêmicos, poetas e músicos.

Murad III gostava muito de construções, por isso, encomendou muitas obras de caridade. Ele fez com que o grande arquiteto da corte otomana, Mimar Sinan, construísse entre 1586 e 1592 o Complexo Muradiye, que consistia em uma mesquita, uma madraça, um hospital e um refeitório. Ele mandou cobrir as paredes da Caaba com mármore e limpar os cursos de água do Haram. Ele mandou construir uma madraça, uma escola, uma zawiya e uma grande soparia em Meca e em Medina. Ele enviou um púlpito de mármore de 12 degraus de Constantinopla para a Mesquita do Profeta em 1591.


A Mesquita Muradiye, encomendada pelo Sultão Murad III e projetada por Mimar Sinan, em Manisa, Turquia, 22 de dezembro de 2015. (Shutterstock)

Ele mandou construir a Mesquita do Castelo Modon e a Mesquita Navarino no Peloponeso. O mimbar, o púlpito, o mahfil (uma plataforma especial elevada numa mesquita, em frente ao mimbar, onde o muezim desempenha suas funções de chamar à oração) e a fonte da Mesquita de Hagia Sophia são algumas das coisas encomendadas por ele. Ele converteu a Igreja Pammakaristos, também conhecida como Igreja de Theotokos Pammakaristos, na Mesquita Fethiye, em Istambul. Ele mandou construir o Túmulo e Alojamento Yahya Efendi no distrito de Beşiktaş, em Istambul. O harém do Palácio de Topkapi também foi estabelecido durante seu reinado.

Xá iraniano dominado

O Sultão Murad III era piedoso. Em 1588, ele ordenou que os minaretes fossem equipados com lamparinas a óleo chamadas de kandil durante o Mawlid an-Nabawi, a celebração do nascimento do Profeta Muhammad, da mesma forma que eram decoradas durante a Noite de Baraat (Laylat al-Baraat), uma noite de caráter religioso em que muçulmanos pedem perdão por seus pecados e pelos pecados de seus ancestrais e como eram decoradas na Noite dos Desejos (Laylat ar-Raghaib). Ele era um apoiador de Hüsameddin Uşşaki, um sheikh da ordem sufi Khalwatiyya. Depois, ele se juntou ao sheikh naqshbandi Hace Ahmed Sadik Kabili, da Transoxiana.


Uma pintura em miniatura retrata um desfile de dois Ghazi (soldados veteranos) montados na frente do Sultão Murat III. (Wikimídia)

Durante o acordo de paz com o Irã, o Sultão Murad III tentou eliminar os danos dos conflitos sectários e assegurar a unidade dos muçulmanos. A pedido do Sultão, o Xá concordou em demonstrar respeito aos súditos sunitas no Irã e proibiu o insulto aos companheiros do Profeta Muhammad.

Quando Abbas, o Grande, o quinto xá safávida do Irã, pediu pela paz, ele disse que ele era um servo do Sultão Murad III. Este foi o ponto mais alto da majestade otomana, pois todos os governantes europeus aceitavam que o sultão otomano era superior aos iranianos naquele período. O Irã, que não aceitou isto por muito tempo – mesmo Suleiman, o Magnífico considerava o xá iraniano como seu igual – aceitou colocar-se em um patamar de inferioridade durante o reinado do Sultão Murad III.

Uma mesquita no mar

O Império Otomano viu suas maiores fronteiras neste período. Durante sua morte, o império tinha alcançado 15 milhões de quilômetros quadrados, 2 milhões dos quais estavam na Europa, 4 milhões na Ásia e 9 milhões na África. O orientalista austríaco Joseph von Hammer-Purgstall disse que o Sultão Murad III, após sua morte, deixou um enorme império que ia do Oceano Atlântico até as Montanhas do Cáucaso, das costas do Danúbio até a Abissínia, e que estava dividida em 40 províncias com um sistema administrativo bem-ordenado.

Murad III foi descrito como sendo de média estatura, magro, bonito, tendo uma face oval e pálida, nariz aquilino e cabelo castanho. Sua aparência, diz-se, era agradável. Ele também era representado com negras sobrancelhas curvadas, como um arco iraniano e uma esparsa barba ruiva. Ele gostava de se vestir bem e se assemelhava ao seu avô, Suleiman, o Magnífico. Ele era um mestre na escolha de homens, encontrando e designando sempre a pessoa mais qualificada. Dizia-se que ele tinha uma personalidade gentil, compassiva, de coração terno, justa, generosa e alegre. Era raro ele dizer “não” a alguma coisa.

Ele amava contar piadas. Quando o grande marinheiro turco Kılıç Ali Pasha expressou seu desejo de construir uma mesquita para o sultão, ele disse, brincando: “Você é o mestre dos mares. Vá e construa sua mesquita no mar!” Após isso, Kılıç Ali Pasha encheu o mar em Constantinopla e construiu uma mesquita e um complexo nele. O Sultão lhe enviou uma mensagem, dizendo: “Meu objetivo era contar uma piada, deixe-o construir sua mesquita onde quiser, para que ele não tenha que se dar a todo esse trabalho!” Apesar da mensagem do Sultão, Ali Pasha não desistiu de cumprir a primeira ordem do sultão.


Mesquita Kılıç Ali Pasha em Istambul. (Foto de arquivo do Daily Sabah)

O Sultão tinha interesse em livros, história mundial e astronomia. Ele tinha livros traduzidos do espanhol sobre a descoberta da América. Um observatório independente foi construído em sua época. Ele gostava de estar com os estudiosos, consultava seu professor sobre todos os assuntos e costumava trocar de roupa e sair à rua para fazer inspeções.

Em algumas fontes modernas, é mencionado seu gosto pelas mulheres, o que não é verdade. Ele viveu com sua única esposa, Safiye Sultan, até os 30 anos. Teve muitos filhos, a maioria dos quais faleceu na infância e Şehzade Mehmed ascendeu ao trono como seu sucessor.

O início do fim

Durante o reinado do Sultão Murad III, o Império Otomano alcançou seu ápice em poder, mas sinais de enfraquecimento também surgiram neste período. Como reação ao governo autoritário de Sokollu Mehmed Pasha, que foi vizir de três sultões e foi assassinado por um louco em 1579, o palácio começou a intervir nos assuntos governamentais de forma sem precedentes. Também foi dito que o palácio respirou, aliviado, com a sua morte. Por exemplo, em 1586, Mesih Mehmed Pasha escreveu seu memorando sobre a troca do secretário-chefe do conselho imperial para o Sultão Murad III. No entanto, após a recusa do sultão, ele resignou.

O sultão reinou, mas não governou. Estas intervenções diminuíram o prestígio da dinastia otomana, e as pessoas começaram a responsabilizar os sultões por todo erro. Por esta razão, foi dito que o Sultão Murad III estava sob a influência das mulheres do palácio, especialmente sua mãe e sua esposa, ou sua comitiva mais próxima. A suavidade e a hesitação de seu temperamento também lançaram as bases para essas afirmações. Os erros de alguns de sua comitiva foram atribuídas ao sultão. Ele tomou conhecimento dessas coisas e expulsou todos de seu lado quando estava prestes a morrer. A rivalidade entre as facções políticas foi atribuída ao sultão.


O interior do túmulo do Sultão Murad III, do final do século XVI, próximo à Mesquita de Hagia Sophia, Istambul, Turquia, 5 de setembro de 2019.

Poderosos governadores que permaneceram em seu cargo por muito tempo foram trocados por governadores menos qualificados que eram trocados frequentemente. Depois deste período, poucos grandes homens começaram a ser treinados em todos os campos: gênios militares e burocráticos se tornaram cada vez mais difíceis de serem encontrados. Por causa dos rebeldes conhecidos como Celali, a ordem e a paz pública foram maculadas na Anatólia. Da mesma forma, a agricultura, a indústria e o comércio perderam sua antiga vitalidade. Isso, por sua vez, enfraqueceu o tesouro nacional ao reduzir as receitas fiscais.

O número de janízaros aumentou em 100% e alcançou o número de 26 mil. Os corpos de janízaros ganharam muita importância em relação às outras classes militares durante o reinado de 20 anos do Sultão Murad III. Isto se tornaria muito danoso no futuro. Os soldados que treinavam e ficavam nos quartéis perderam a qualidade e a disciplina e saíram às ruas para lidar com a política.

Os historiadores consideram o ano de 1579, quando Sokollu morreu, como o início do período de estagnação do Império Otomano. No entanto, é mais aceito que este tenha se iniciado com a morte do Sultão Murad III.

Fonte: Daily Sabah