Desde a antiguidade os armênios foram um importante componente do mundo do Oriente Próximo. Juntamente de outros grupos etno-linguísticos como os judeus, persas,árabes, turcos, gregos e curdos (dentre outros), eles tiveram um papel importante na forja da história política e social da região. Ainda que as regiões que os armênios residissem na Idade Média cobrisse um vasto território, indo das praias do Mar Cáspio até o Delta do Nilo, a maioria dos armênios estavam concentrados nas regiões conhecidas como Anatólia Oriental  (em grego Aνατολή) e no Levante (em árabe al-Sham). O período entre os séculos XI e XIII – uma fração de tempo cobrindo a Era das Cruzadas e as Invasões Mongóis – deve ser entendido como uma distinta fase na história não apenas armênia, mas próximo-oriental também, uma vez que ela foi testemunha da mais aparente manifestação de uma política de realpolitik armênia, que foi um mecanismo para a sobrevivência dessa comunidade minoritária em um mundo de crescente turbulência.

Ainda que não fosse uma novidade para o período e certamente não fosse também um fenômeno restrito aos armênios, o desenvolvimento dessa estratégia pelos armênios os possibilitou renegociarem sua posição na Ásia Menor durante as significantes transformações políticas entre os séculos XI e XIII, que incluíam a chegada dos Turcos Seljúcidas, o estabelecimento dos Estados Cruzados e as Invasões Mongóis. Houveram múltiplas interações entre os armênios, seu ambiente, os novos conquistadores, e mudanças de lealdade/alianças na medida que os armênios buscaram preservar sua distinta identidade etno-cultural enquanto mantinham certo nível de poder político. Desse modo, é difícil, se não impossível, falar sobre “armênios” em termos monolíticos durante esse período, pois não havia de fato uma “experiência armênia” que pode ser claramente discernida. Antes, os armênios da Ásia Menor medieval executaram uma variedade de papéis como guerreiros, vizires, mercadores, príncipes, e até figuras religiosas  (tanto cristãs como muçulmanas).

Apesar de ser uma breve discussão de historiografica recente, este artigo tenta sublinhar que a relidade geopolítica na qual não havia autoridade representativa armênia centralizada, e a existência de armênios como uma comunidade dispersa através do Oriente Próximo, possibilitou-os vários tipos de interações entre armênios e seus vizinhos na região. Este texto particularmente considera quatro quatro categorias de armênios durante a época das Cruzadas: o Principado e Reino Armênio da Cilícia, os armênios sujeitos à soberania turca-curda e cruzada, os guerreiros armênios tanto nos exércitos Cruzados quanto nos Zênguidas-Aiúbidas e Mongóis e, finalemente, os armênios que alcançaram um considerável grau de independência e poderio político no contexto islâmico (especialmente como primeiros-ministros/vizires). De acordo com muitos acadêmicos recentes, a versatilidade dos armênios e as subconsequentes interações que surgiram neste período entre os armênios e outros do Oriente Próximo foi produto de uma estratégia de realpolitik, que subordinou a ideologia/religiosidade ao pragmatismo político e o desejo de vários grupos armênios em questão de sobreviverem no cada vez mais competitivo ambiente do Oriente Próximo entre os séculos XI e XIII.

O desenho historiográfico irá demonstrar que, durante o período das Cruzadas, os armênios do Oriente Próximo comseguiram trancender os limites de classe, política, confessionalidade e classificações, apresentando aos historiadores o problema de como classificar a “experiência armênia” durante o período. Ainda que muitos acadêmicos contribuíram imensuravelmente para o entendimento da História Armênia durante o período, a falta de trabalhos de referência teorética ou paradigmática para análise legou uma narrativa onde os armênios são meramente parte do plano de fundo, mas não explicando suficientemente como e porquê os armênios durante este período se comportaram como fizeram. Destarte, em para adquirir uma imagem mais coerente da História Armênia entre os séculos XI e XIII é necessário proceder com um corte teorético específicode análise em mente. Como Seta Dadoyan sugeriu em seu livro, o Armenians and Islam: Paradigms of Medieval Interactions, isto pode ser melhor feito através da observação da política e história armênia durante o período como sendo produto dessa estratégia de realpolitik.

Para melhor apreciarmos a significância da condição armênia nos ´seculos XI ao XIII, é essencial entender os variados eventos políticos que transformaram a paisagem da pátria armênia no final dos séculos X e XI. Desde as conquistas árabes no século VII, quando os exércitos muçulmanos da Península Arábica conquistaram muitas províncias do Império Bizantino, incluíndo a Síria, Egito, África do Norte e Armênia, Bizâncio esteve na defensiva. Apesar do maior perigo ter tido lugar em 717-718, quando os Omíadas cercaram Constantinopla sem sucesso pela segunda vez, a ascensão dos Abássidas e o estabelecimento da thughūr, ou ‘fortes de fronteira’,  no final do século VIII e início do IX, tornou-se uma perigosa  ameaça militar ao Império Bizantino. Consequentemente, o século IX foi um dos períodos mais turbulentos para Bizâncio, á medida que assistiam a intensificação dos ataques-relâmpago dos árabes na Anatólia, culminando na destruição de Amorion em 838 e da captura muçulmana de Creta em 827, além da conquista da ilha da Sicília pelos Aglábidas entre 827 e 902, ponto importante estrategicamente e economicamente.

No começo do século X, entretanto, a sorte do Império gradualmente mudou graças ao enfraquecimento do Califado Abássida e às reformas militares e políticas que Bizâncio internamente fez, possibilitando-os a melhor lidar com a ameaça árabe do Leste. Muitos escolares consideram a derrota do ghāzī-amīr de Melitene, ‘Umar al-Aqta, por Bizâncio em 863 como o ponto de virada das Guerras Árabe-Bizantinas. De qualquer modo, foi somente durante o reinado de Nicéforo Focas (963 – 969) e João Tzimiskes (969 – 976), ambos homens-de-armas, o último sendo de origem armênia, quando os bizantinos conseguiram virar o jogo contra o Islã. Durante o reinado deses imperadores, e do sucessor deles Basílio II (976-1025), Bizâncio obteve êxito em conquistar significantes fortalezas no Leste, extendendo as fronteiras do Império até o Norte da Síria e à Anatólia Oriental, trazendo a maioria dos armênios para o direto controle imperial pela primeira vez em três séculos.

Durante esse período, a Anatólia Oriental foi dominada pelos naxarars, nobres armênios que nominalmente reconheciam a autoridade dos Abássidas mas que eram, na realidade, largamente independentes. O reavivamento do poderio político e militar bizantino no Leste, no entanto, comprometeu essa soberania e forçou os armênios a serem vassalos do imperador em Constantinopla, por bem ou por mal. As especificidades desta relação estão além do escopo desta pequena visão-geral, mas é crucial notar que durante as campanhas de João Tzimiskes na Cilícia e no Norte da Síria, milhares de armênios participaram nas conquistas militares e foram mais tarde realocados nessas áreas, levando a uma distribuição da população armênia pelo Sul e pelo Oeste. Na realidade, armênios viviam nas regiões conhecidas como Síria, Palestina e Cilícia desde os tempos romanos, mas os eventos dos finais do século IX levaram a uma situação na qual os armênios não mais se concentravam apenas na região denominada “Armênia histórica”, perpassando as regiões da Capadócia, Lago Van e a moderna República da Armênia.

Esses desenvolvimentos foram agravados por outro evento político significativo no final do século XI: a chegada dos turcos seljúcidas. Pouco depois de sua chegada ao Oriente Próximo, os seljúcidas e seus aliados turcomanos subordinaram os califas Abássidas ao seu comando, derrotaram o exército imperial bizantino em Manzikert, em 1071, desfazendo assim mais de um século de poder político e militar bizantino no Oriente, e eliminando o poder político dos reinos armênios encabeçados pelos naxarars, simbolizados pela destruição de Ani, a capital do Reino Bagratúnida. A chegada dos turcos e o colapso de qualquer forma de estabelecimento político centralizado, além das migrações em larga escala de armênios para o Sul e para o Oeste significavam que a condição armênia no final do século XI poderia ser melhor descrita como uma diáspora, que era unida por sua cultura e língua, mas que não mantinha nenhuma forma de unidade ideológica ou política e não estava vinculada a um espaço geográfico específico.

O enfraquecimento do poder bizantino no Leste após a expansão seljúcida na Anatólia e no Norte da Síria, e a subsequente fragmentação da política seljúcida em vários pequenos estados, cada um liderado por um atabek, levou a um vácuo de poder significativo no sul da Anatólia e na Síria. Embora alguns elementos dissidentes, incluindo vários armênios, tenham se aproveitado disso e estabelecido seu poder, incluindo o armênio Filareto, que esculpiu um principado no Norte da Síria, e Toros, que governou Edessa, seriam os cruzados latinos que mais se beneficiariam com as circunstâncias, que conseguiram conquistar Jerusalém em 1099 e estabelecer quatro grandes estados ao longo da costa siro-palestina. Foi assim que, em 1100, os armênios estavam situados em uma região disputada entre turcos seljúcidas no Norte, bizantinos no Oeste e cruzados latinos no Sul e, como tal, buscavam renegociar sua posição à frente desses poderes para se adaptarem a essa nova realidade política. De fato, é impossível entender a história social e política dos armênios durante as Cruzadas sem antes ter uma apreciação desse ambiente do Oriente Próximo.

 

Armênios no Oriente Próximo: camponeses, sacerdotes, guerreiros

Surpreendentemente, a maioria dos estudiosos das Cruzadas não está preocupada com os armênios no Oriente Próximo em si. Em vez disso, suas análises e estudos do período tendem a se concentrar nos armênios da região na medida em que formavam parte integrante do ambiente e contexto do Oriente Próximo. O foco acadêmico se concentra em três categorias de armênios: os armênios que vivem sob o domínio dos cruzados, aqueles sujeitos aos vários principados muçulmanos na Síria e na Anatólia e os vários bandos de mercenários armênios que ofereceram seus serviços militares aos cristãos ou aos muçulmanos.

Os estudos sobre os armênios que viviam sob o domínio cruzado contextualizam amplamente essa questão em relação à questão mais ampla da composição denominacional e étnica dos estados latinos. Em um estudo recente sobre a Jerusalém Cruzada, por exemplo, Adrian Boas se refere aos armênios como meramente uma das “seitas monofisitas que falavam árabe e usavam siríaco em sua liturgia”. Ele ainda explica que os ar~enios, como uma comunidade etno-religiosa, se saiu melhor do que a maioria dos outros cristãos orientais sob o domínio dos cruzados devido em parte à "sua classe nobre forte e independente que foi tratada pelos francos como iguais", bem como devido aos casamentos mistos entre a nobreza armênia e franca. No geral, Boas tende a ver os armênios na Síria, Jerusalém e Cilícia como uma comunidade monolítica e assume que a dinâmica que rege o relacionamento franco-armênio era idêntica para os armênios em todas essas regiões. Uma de suas suposições orientadoras é que as ações de muitos armênios foram motivadas por seu desejo de se filiar aos cruzados latinos, embora as razões pelas quais os armênios tentariam promover laços estreitos com os francos não sejam totalmente explicadas.

Outro importante trabalho acadêmico que trata da comunidade armênia em Jerusalém ecoa a abordagem de Boas e enfatiza a estreita relação entre o Reino Latino de Jerusalém e os armênios. Como tal, Pahlitsch e Baraz afirmam que os armênios em Jerusalém, Cilícia e até Capadócia se afiliaram aos cruzados latinos, citando vários episódios - incluindo os laços estreitos com o príncipe armênio Thoros II, o suposto empoderamento da Igreja Armênia em Jerusalém pelos francos, e as lamentações de Nerses Shnorhali e Grigor Tghay sobre a queda da Edessa latina e Jerusalém para os muçulmanos no século XII - como sendo evidência dos sentimentos pró-latinos dos armênios no Oriente Próximo. Em essência, o argumento é que os armênios da região durante a Era das Cruzadas tomaram uma decisão política concreta de se aliar aos cruzados latinos, já que os armênios eram supostamente “aliados naturais” dos francos contra o “Islã” (que também é visto como um monólito) e que esta era a base da relação entre os dois grupos. No cerne dessa narrativa, portanto, estão duas suposições: que os armênios eram uma comunidade unificada cujas atitudes em relação aos latinos eram semelhantes, quer residissem em Jerusalém ou nas margens do Lago Van, e que os armênios eram motivados ideológica ou religiosamente em suas alianças. Embora essas duas noções sejam problemáticas para os historiadores das Cruzadas e do Oriente Próximo, a última ideia representa um obstáculo mais sério para a compreensão da história dos armênios durante as Cruzadas, pois limita os armênios a uma categoria confessional específica.

Além dos trabalhos acadêmicos que fazem referência aos armênios sob domínio cruzado, também existem trabalhos que tratam da situação dos armênios vivendo sob domínio islâmico entre os séculos XI e XIV, abrangendo aproximadamente o período das invasões turcas às conquistas mongóis. Surpreendentemente, esses estudiosos estão preocupados com a existência de armênios na Anatólia sob os Seljúcidas de Rum, os Danishmândidas da Capadócia e os mongóisdo Ilkhanato. Um dos estudiosos mais importantes a esse respeito foi Claude Cahen, cuja obra Pre-Ottoman Turkey ou The Formation of Turkey formou a base para a compreensão moderna da política, economia e sociedade da Anatólia seljúcida. Embora não se preocupe primariamente com os armênios, Cahen faz referência passageira a essa comunidade etno-religiosa ao longo de sua obra. De fato, sua pesquisa da Anatólia pré-otomana deixa claro que os armênios eram parte integrante da paisagem social, religiosa e econômica e desempenhavam uma variedade de papéis sob o domínio islâmico turco. Ao longo da discussão de Cahen, desde as incursões turcas iniciais que culminaram na Batalha de Manzikert em 1071 até as invasões mongóis no século XIII, ele deixa claro que a história social e política dos armênios estava profundamente ligada aos vários desenvolvimentos ocorridos no Oriente Próximo. , e que é necessário entender tanto a história armênia quanto esses desenvolvimentos (as invasões turcas, as cruzadas, as conquistas mongóis) como uma totalidade.

Mais significativamente, Cahen explica que a realidade geopolítica possibilitou vários modos de interação entre os armênios da Anatólia e seus vizinhos muçulmanos (e cristãos), explicando que a relação entre armênios, seljúcidas, bizantinos, danishmândidas e francos era extremamente multifacetada. Como tal, ele diferencia os armênios em diferentes regiões da Anatólia, e entre as comunidades na Anatólia e os armênios na Cilícia e os reinos latinos, explicando que a experiência de cada grupo diferia imensamente, apesar da herança linguística e cultural comum dos armênios. nestas regiões. A esse respeito, o trabalho de Cahen é importante para desafiar a tese acadêmica tradicional que apresenta os armênios como uma comunidade monolítica com simpatias “naturalmente” pró-ocidentais/cristãs. Ele o faz apresentando uma narrativa em que guerreiros, sacerdotes e arquitetos armênios eram uma parte essencial da Anatólia seljúcida, onde os armênios viviam frequentemente próximos de seus vizinhos muçulmanos, uma experiência pontuada por tolerância e perseguição, mas que era principalmente caracterizada por uma experiência armênia diversificada que é difícil de simplificar ou essencializar. A principal contribuição desta categoria de escolares foi contextualizar a história armênia dentro do ambiente mais amplo do Oriente Próximo. No entanto, com exceção de Cahen, a maior parte da historiografia tradicionalista limitou-se a uma breve descrição ou etnografia, muitas vezes simplificando demais a realidade histórica, e falhou em enfatizar a diversidade da experiência armênia e a dinâmica, e muitas vezes multifacetada relação entre os armênios e seus vizinhos no Oriente Próximo.

 

Percepções culturais e atitudes políticas: os armênios e seus vizinhos

As mais recentes teses acadêmicas visaram integrar um entendimento compreensivo da diversidade dos armênios no Oriente Próximo com as transformações políticas do período de uma maneira que busca explicar os vários modos de interações que ocorreram entre armênios e seus vizinhos durante o período das cruzadas. Esses acadêmicos observaram especificamente as percepções mútuas de armênios e francos, bizantinos e turcos entre os séculos XI e XIV e as mudanças nas atitudes políticas dos armênios em relação a cada um deles, a fim de explicar mais adequadamente as várias trajetórias culturais e políticas de história armênia neste período. Ao fazê-lo, esses estudiosos se afastaram de suposições básicas sobre os armênios durante as Cruzadas e procuraram explicar que os diversos modos de interação que definiram a experiência armênia durante esse período foram possibilitados pelas várias motivações e percepções dos atores históricos envolvidos.

Em vez de assumir que foi essencialmente a fé cristã dos armênios que os levou a alinhar sua sorte com a dos cruzados, vários estudiosos indicaram que era, em essência, uma estratégia mais ampla de realpolitik que facilitou a decisão consciente de uma determinada facção de armênios a aliar-se aos recém-chegados francos. Esses historiadores explicam que havia um desejo de um grupo específico de armênios, especialmente aqueles na Cilícia, mas também grupos específicos em Jerusalém, que procuravam contrabalançar a hegemonia eclesiástica e política bizantina (assim como militar) e o poder político islâmico, associando-se aos cruzados latinos. De fato, parece que a aliança armênia com os latinos trouxe certos privilégios e empoderou grandemente um grupo específico de armênios que até então estavam subordinados aos bizantinos, turcos ou outros armênios.

A atenção também foi dedicada a como a Igreja Armênia também viu certos benefícios de seu relacionamento com os latinos e procurou explorar a aliança política para extrair certos direitos sobre Jerusalém às custas de outros cristãos nativos. Além disso, um estudo recente demonstrou que os latinos estavam cientes das várias distinções entre os cristãos nativos, mas a conveniência política, juntamente com outras considerações, os encorajou a se aliar a facções específicas de cristãos armênios, ressaltando assim a ideia de realpolitik e benefícios mútuos como um aspecto fundamental da relação franco-armênia. Portanto, a motivação subjacente para os armênios que entraram em alianças com os cruzados foi identificada como sendo abertamente política, em vez de explicitamente ideológica ou religiosa, por esses historiadores, e explicando que, em vez de ser dirigida exclusivamente contra os muçulmanos, essa relação política visava empoderar os armênios em detrimento de outros cristãos na região.

Mais significativamente, estes historiadores incidaram que as crescentes relações amigáveis entre armênios e francos, a integração armênia de vários costumes francos e a adoção de alguns aspectos litúrgicos católicos, deveria ser interpretado como uma forma de acomodação pelos armênios dos latinos em ordem de reforçar a sua aliança política, ao invés de uma tentativa de assimilarem-se. Em outras palavras, rejeitando a visão de que os armênios da Cilícia e os armênios de Jerusalém foram latinizados seja culturalmente ou religiosamente, ou assim desejaram ser, vários historiadores pontuaram que o intercâmbios cultural, diálogo ecumênico e casamento misto entre os armênios e os francos  deveria ser interpretado dentro do maior escopo da realpolitk. A respeito disso, alguns estudiosos analisaram as atitudes dos armênios em relação à queda de Jerusalém em 1187, como é evidente dentro da poesia de Nerses Snorhali e Grigor Tghay, como reflexo de uma percepção de perda de poder político e não como representante de qualquer oposição teológica ou ideológica subjacente à idéia do Islã governando a Cidade Santa. Afinal, argumentam esses historiadores, muitos dos direitos e privilégios dos armênios foram garantidos pelo texto dos juramentos de Saladino após sua conquista de Jerusalém em 1187, embora esses historiadores afirmem que o zênite da autoridade eclesiástica armênia na cidade tenha sido enquanto esteve sob domínio latino direto. Isso não quer dizer que esses estudiosos neguem que a religião ou a ideologia tenham desempenhado um papel na oposição de certas facções dos armênios a Bizâncio ou ao Islã, mas essas considerações tendiam a ser secundárias à questão da sobrevivência política e da manutenção da soberania. Pelo menos um historiador, no entanto, procurou explicar o alinhamento dos armênios com os cruzados investigando a percepção dos francos pelos armênios em termos culturais e teológicos, e enfatizando que a visão favorável dos latinos entre certos armênios encorajava e legitimava o desenvolvimento de uma relação estreita entre os dois lados.

Além de explicar a aliança entre os francos e os armênios em termos de realpolitik, alguns estudiosos também procuraram ressaltar as várias dimensões da relação para demonstrar que, mesmo para os armênios que se alinharam com os cruzados, houve um atrito considerável. Em um estudo recente sobre a renegociação de sua posição entre Oriente e Ocidente durante as Cruzadas, James D. Ryan indica que, embora a aliança entre os reinos latinos e certos armênios tenha sido mutuamente benéfica e tenha levado ao desenvolvimento de laços culturais estreitos, casamentos e outras relações amistosas, a questão da teologia e do ecumenismo foi um obstáculo fundamental que acabou levando ao desmoronamento do relacionamento. Ryan explica que as tentativas dos latinos de subjugar a Igreja Armênia à sua autoridade e interferir na teologia armênia levaram a uma resistência feroz do estabelecimento eclesiástico armênio, e afirma que à medida que os francos e armênios se familiarizam mais com as doutrinas e práticas uns dos outros, a suspeita e a hostilidade mútua entre eles aumentou. Seu estudo é essencial para iluminar a dinâmica do relacionamento franco-armênio durante a era das Cruzadas (e invasões mongóis), examinando as razões para o desenvolvimento de tal aliança e, mais significativamente, explicando por que ela falhou. Ao fazer isso, Ryan demonstra a diversidade dos armênios no Oriente Próximo durante as Cruzadas e destaca que mesmo os armênios que buscaram ativamente se alinhar com os latinos (a facção pró-Ocidente) estavam amargamente divididos entre si e parecem foram motivados em grande parte pela realpolitik.

Uma outra importante contribuição acadêmica que promoveu o debate sobre as dinâmicas das realções armeno-latinas foi sem dúvida o The Crusades and the Christian World of the East: Rough Tolerance de christopher MacEvitt. Examinando a interação entre os cruzados francos e os cristãos indígenas em Outremer, MacEvitt demonstra que, além de alianças estreitas entre armênios e latinos, havia também uma tensão real entre os dois grupos, que muitas vezes culminava em violência. Para isso, ele destaca o episódio de Balduíno em Edessa e a resistência que encontrou por parte dos armênios locais após o assassinato de Toros, o que levou muitos da comunidade armênia a buscarem a ajuda dos turcos contra os latinos, ressaltando assim a complexidade as políticas regionais armênias. Um dos aspectos mais interessantes do livro de MacEvitt é sua ênfase na Edessa franco-armênia no século XII como um estudo de caso demonstrativo da realpolitik dos armênios em que eles renegociaram sua posição entre os francos, os bizantinos e as várias políticas muçulmanas na região, e destacando o dinamismo que caracterizou a relação entre os armênios e seus vizinhos. Além disso, ele investiga o diálogo ecumênico entre latinos, armênios e bizantinos no contexto desta realpolitik. Claramente, portanto, estudos mais recentes demonstraram os variados modos de interação entre os armênios e seus vizinhos durante as Cruzadas, colocando crescente ênfase na realpolitik e examinando a diversidade dentro da comunidade armênia.

 

Armênios entre o Oriente e o Ocidente: Principados Armênios no Oriente Próximo, 1100 – 1300

Embora muitos historiadores tenham discutido os armênios durante as Cruzadas no contexto do ambiente do Oriente Próximo ou no contexto do intercâmbio cultural entre os francos e os cristãos nativos, há também um corpo significativo de estudos dedicados aos estabelecimentos políticos armênios entre os séculos XI e XIV. Embora o período dos reinos ou naxarars tenha terminado no século XI após o renascimento bizantino e as conquistas seljúcidas, o período das Cruzadas testemunhou o surgimento de vários principados armênios em todo o Oriente Próximo, em regiões tão distantes como Cilícia, Capadócia, Síria e Egito, que desempenhou um papel importante na geopolítica da época e que foram representativos de grandes transformações sociais e políticas no mesmo período. Infelizmente, a maior parte desse conhecimento se limitou a uma discussão da história política dessas entidades, em vez de analisar o significado de sua ascensão e queda como estados viáveis ​​e como isso é uma demonstração da experiência armênia durante as Cruzadas. Um dos episódios mais discutidos dos armênios durante as Cruzadas foi, sem dúvida, o estabelecimento do principado armênio e do Reino da Cilícia. Embora a Cilícia Armênia forme uma fase distinta na história da Armênia e do Oriente Próximo por várias razões, muitos estudiosos limitaram suas discussões desta fase única a fornecer uma história política descritiva dos armênios na Cilícia, em vez de uma análise abrangente que busca integrar uma compreensão da Cilícia armênia nos desenvolvimentos mais amplos no Oriente Médio medieval. Como tal, grande parte desses estudos limita-se a uma narrativa da história política dos armênios na Cilícia e lida com a relação entre a Cilícia armênia em seus vizinhos, reciclando muitos dos estereótipos essencializantes predominantes na academia tradicionalista sobre os armênios durante as Cruzadas. A contribuição do corpo de estudiosos sobre a Cilícia armênia foi narrar a história política e as várias fases do principado na Cilícia, enquanto os armênios procuravam renegociar sua posição entre os bizantinos, os francos e os turcos.

Um episódio da história da Cilícia Armênia, conforme discutido na historiografia, é de particular relevância: a ascensão de Mleh como força política. Mleh (falecido em 1175) era irmão de Toros, o governante armênio da Cilícia, e assumiu o poder após a morte deste último. Buscando fortalecer sua posição, ele se aliou a Nur al-Din Zangi da Síria. Embora este seja um episódio aparentemente menor dentro da vasta história das Cruzadas, durante a qual a aliança política e militar muçulmana-cristã não era incomum, muitos estudiosos enfatizaram que as ações de Mleh deveriam ser entendidas especificamente dentro da política armênia de realpolitik na qual eles buscavam assegurar a sua sobrevivência política na Cilícia através de um complexo sistema de casamentos e alianças. Mais significativamente, argumentam esses estudiosos, é que a decisão de Mleh de se aliar a um governante muçulmano (especialmente um campeão da jihad, como Nur al-Din) desafia a ideia de que havia um consenso entre os armênios na Cilícia para se aliar aos cruzados por razões ideológicas ou religiosas, e ressalta as dimensões estratégicas de tal decisão. Além disso, de acordo com essa escola de pensamento, as alianças de Mleh com Nur al-Din mostram que a orientação pró-ocidental da Cilícia armênia estava longe de ser inevitável e, antes, era produto da convergência de vários interesses dentro do principado.

Vários estudiosos, notadamente Seta Dadoyan, tentaram argumentar que a aliança de Mleh envolvia uma conversão nominal ao Islã; ela afirma que, longe de ser uma anomalia, tal ato pode ser entendido como parte de um contexto sócio-político mais amplo de conversão de armênios ao Islã para facilitar seu sucesso político. De fato, ela argumentou ainda que vários principados no Oriente Médio medieval eram de origem muçulmana armênia. Sua contribuição mais significativa, no entanto, foi reconstruir a história do domínio viziriano armênio no Egito fatímida e apresentar uma narrativa que integra a história dos armênios muçulmanos entre os séculos XI e XIV dentro de uma compreensão mais ampla da realpolitik armênia durante as Cruzadas. Dadoyan demonstrou, através de sua pesquisa original, que é possível conceituar as ações dos armênios durante as Cruzadas dentro de um quadro teórico de análise, e não como uma série aparentemente aleatória de eventos e decisões. Ao fazê-lo, ela mostrou que, em vez de ver as várias trajetórias dentro da história armênia entre os séculos XI e XIV como sendo impulsionadas por motivos ideológicos ou religiosos, a noção de realpolitik é de fato uma maneira útil de pensar sobre a história política e social armênia durante este período da história medieval. Além do próprio trabalho de Dadoyan, a tese acadêmica que trouxe as carreiras fascinantes de indivíduos como Mleh, Badr al-Jamali, Bahram Pahlavuni (e muitos outros armênios que exerciam poder político dentro do contexto islâmico) em foco também desempenhou um papel imensamente importante. papel em ilustrar a complexidade da realidade social e política armênia entre os séculos XI e XIV.

 

Conclusão: Rumo a um novo quadro interpretativo]

Neste breve artigo, procurei esboçar brevemente o estado da historiografia e sugerir que, embora tenha havido trabalhos notáveis nos últimos anos, o campo ainda é dominado por várias suposições sobre a experiência armênia durante a Idade Média. Apesar dos desenvolvimentos no campo, muitos historiadores continuam a ver os armênios durante as Cruzadas como meros componentes étnicos do ambiente do Oriente Próximo, sem entender completamente sua atuação nos processos sociais e políticos que ocorreram entre os séculos XI e XIV. Uma suposição prevalente foi que os armênios eram uma comunidade monolítica unida por uma religião comum, bem como por sua fidelidade política ao Ocidente Latino. Embora essa visão tenha sido contestada por estudiosos que insistem no dinamismo da condição armênia durante as Cruzadas, na importância da realpolitik e nas alianças e concepções mutáveis entre os armênios e seus vizinhos, várias dessas suposições e categorizações permaneceram. É somente entendendo que os armênios durante as Cruzadas estavam trabalhando dentro da estrutura da realpolitik, eram incrivelmente diversos e conseguiram transcender as fronteiras confessionais, de classe, sociais e políticas, que o significado desse período como uma fase importante no Oriente Próximo e da história armênia pode ser plenamente apreciada.

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Fonte: Armenian Realpolitik during the Era of the Crusades, 1099–1291: A Historiographical Overview. Ballandalus (August 24, 2014)