Na Alta Idade Média duas “populações” em particular devastaram o continente europeu, tornando-se um pesadelo para seus habitantes com suas frequentes incursões, pilhagens e destruição: os vikings e os sarracenos. Coloquei a definição de população entre aspas, pois é impróprio defini-las dessa forma, sobretudo a segunda, mas por convenção linguística tive que fazê-lo para não criar uma confusão posteriormente.

Embora seja correto definir as populações vikings como todas aquelas que se estabeleceram na Escandinávia e na Dinamarca atual, estas também assumiram denominações diversas nos tempos posteriores com base nos lugares de origem e assentamento, e de como foram identificadas pelos povos dominados e com os quais com o tempo se amalgamaram, não é o mesmo no que diz respeito aos sarracenos, já que muitas populações foram definidas assim independentemente de sua etnia e origem, prevalentemente árabes, mas também berberes, bascos, andaluzes... chegando aos turcos na Idade Média plena.

Sobre os vikings que assolaram principalmente o norte da Europa (referindo-se sempre à Alta Idade Média) deixo de lado, já que é minha intenção dedicar-me à sua extraordinária epopeia num próximo artigo, ainda em preparação.

Os sarracenos, por outro lado, atuaram no Mediterrâneo, em particular nas ilhas gregas, no norte da África, na Sicília, na Sardenha e no sul da Itália, na Península Ibérica e na França, e no que nos diz respeito, na Ligúria e em Piemonte.

É necessário admitir que, do ponto de vista cultural, embora tenham sido realizados precisos estudos acerca de Provença, dos Alpes Ocidentais e da Ligúria, a respeito do período das invasões sarracenas, no que se refere a Piemonte e Monferrato, em particular, os estudos são escassos, são pistas disponíveis majoritariamente em alguns artigos, ensaios curtos e livros informativos, muitas vezes datados e limitados a localidades únicas.

Destarte do ponto de vista historiográfico tempos poucas fontes de estudo, das quais são consideradas pouco confiáveis e imprecisas do ponto de vista cronológico, e dispomos de documentação e elaborações historiográficas escassas, em contraste gritante e paradoxal com a quantidade considerável de tradições, lendas, mitos, histórias e folclore popular acerca da presença sarracena em localidades múltiplas, que resultam em publicações de pouco valor histórico, todavia mais ricas do ponto de vista antropológico.

Com o termo “sarracenos” os autores antigos designavam uma população árabe estabelecida na parte meridional da península do Sinai, com o epicentro na cidade de Saraka, com o tempo terminou por designar os árabes e muçulmanos no geral.

Num sentido mais estrito e historicamente aceitável, se entendem por sarracenos aqueles núcleos de árabes provenientes do norte da África que após a ocupação da Sicília na Alta Idade Média realizaram numerosas expedições fundando pontos de comércio e bases militares ao longo da costa do sul da Itália, na Ligúria e em Provença, de onde planejaram incursões profundas no interior, até as passagens alpinas piemontesas nos confins da fronteira com a atual Suíça.

As incursões no interior da França e na Ligúria foram planejadas principalmente na base de Fraxineto na Provença (Fraxinetum Saracenorum), onde se estabeleceram ao fim do séc. IX, de onde partia a maior parte das expedições.

Fraxineto corresponde geograficamente à atual La Garde-Freinet no Golfo de Saint-Tropez, cujo nome é derivado da antiga vila de Fraxinetum, do latim “fraxinus” (freixo), local que magnificamente se prestava ao desembarque do mar e que era defendido pela paisagem natural adequada e integrada por diversas estruturas artificiais defensivas.

O topônimo e a etimologia são idênticos da localidade próxima de Casale Monferrato, que domina o rio Pó, e de muitas outras que certa historiografia gostaria de derivar do assentamento sarraceno na Provença. Hipótese sustentada pelo fato de que em todas as localidades denominadas Fraxineto houve presença significativa do freixo, que justificava o topônimo. Também é verdade que muitas destas localizações estão em locais onde nunca houve presença de sarracenos, podendo-se encontrar correlações e conexões, portanto o problema permanece em aberto.

Não foram somente pequenas incursões com o intuito de saquear e capturar escravos: em muitos casos penetraram profundamente no território interior, como em Piemonte, onde saquearam e destruíram numerosas aldeias e mosteiros, mesmo a centenas de quilômetros da costa, e constituíram alguns redutos para responder a eventuais contra-ataques e represálias (que nunca ocorreram), e para repreender melhor as poucas cidades existentes que evitaram saquear e destruir para impor pesadas taxas (causa posterior de abandono territorial por parte dos nativos), assim como impuseram pedágios nas passagens a todos os viajantes.

Tal como na França, ao longo de suas rotas de penetração construíram guarnições militares (castra Saracenorum) para fins de observação e defesa, consolidando suas posições de conquista e não apenas de invasão, que duraram cerca de setenta anos durante o séc. X no que diz respeito à Ligúria e ao Piemonte e um século e meio na França, se considerarmos que Marselha foi invadida em 838, muitas décadas antes do assentamento em Fraxineto.

Eles se tornaram tão poderosos e temidos que na segunda metade do séc. X houve até tentativas de construir alianças militares com os mesmos por parte de Adalberto II de Ivrea, filho do rei Berengário II e co-governante do reino da Itália (devemos lembrar que na época incluía apenas o norte da Itália e a atual Toscana), que agia também em nome e por conta do Papa e dos Bizantinos, em uma aliança anti-imperial.

Todavia, mesmo antes dele, foi Hugo de Provença (marquês e depois rei da Provença e da Itália de 926 a 947 d. C) quem utilizou os sarracenos para combater os objetivos expansionistas de seu rival mais ferrenho, Berengário II da Ivrea (marquês da Ivrea e depois rei da Itália de 950 a 961 d. C), os enviando como mercenários para lutar contra ele, estratégia que prolongou a permanência dos sarracenos em Provença e acentuou a devastação das terras de Piemonte e da Ligúria. Da série “se você não pode derrotar o inimigo, faça dele um aliado”, a custo obviamente de novas e futuras vítimas.

Deve-se reconhecer também que entre os aliados dos sarracenos haviam, sobretudo, expoentes da baixa nobreza rural (do feudalismo menor), cansados dos assédios sofridos pela alta nobreza então dominante, eclesiástica, que se juntaram a eles para serem capazes de saquear seus bens. Isto explicaria o ódio em particular contra as igrejas, mosteiros, abadias... ou seja, propriedades episcopais e abadias, bem como o rico espólio provável que consideravam que deveriam ter e manter.

Algumas vilas e monastérios destruídos foram reconstruídos, mesmo que depois de muito tempo, e é por este motivo que sabemos que foram os sarracenos que as devastaram, porque foi relatado nas suas crônicas e escrituras notariais para outros que sabiam de sua existência e atividade, sendo desconhecido seu destino, uma vez que todos os vestígios a partir deste período foram perdidos, é bastante provável que o evento nada auspicioso seja atribuível a ataques sarracenos, mesmo que não tenhamos documentação histórica que apure o evento.

Muitas vezes, de fato, se lia em livros da história local de vilas, mosteiros, abadias e igrejas, até o séc. X, que repentinamente desapareceram, permanecendo apenas o topônimo e a tradição oral local, não sabendo os historiadores locais a causa exata, a atribuem a eventos desconhecidos ou desastres naturais, como terremotos. Contudo é improvável que sejam estas as causas, porque quem fica vivo após uma catástrofe natural, por mais destrutiva que seja, volta a trabalhar e reconstrói, porém quando não há mais pessoas vivas porque foram mortas ou escravizadas, ou porque os poucos sobreviventes fugiram aterrorizados, torna-se improvável que se retorne ao local da destruição para reconstruir até muitos anos depois, e somente caso se tenha certeza que o perigo desapareceu e se houver disposição de recursos para fazê-lo.

Uma das repercussões das incursões sarracenas foi o deslocamento de sobreviventes, como por exemplo na França, onde há indicações de que Hugo de Provença, sentindo-se ameaçado também por Berengário II de Ivrea, mandou algumas populações costeiras serem transferidas para o vale alpino que tomou o próprio nome da ameaça sarracena, a Moriana, que mais tarde se tornou um condado atribuído a Humberto I de Saboia, progenitor da dinastia, que nasceu de fato em Moriana por volta de 980 d. C, motivo pelo qual eram conhecidos historicamente, no início de sua epopeia, como os Moriana. 

Outra repercussão foi o abandono temporário de alguns monastérios e abadias, mesmo que de grande dimensão e prestígio, como a antiga abadia beneditina de Novalesa, em Val di Susa, que veio a ser destruída pelos sarracenos em 906 d. C, segundo as fontes mais utilizadas: “Chronicon Novalicense” de um autor anônimo dentro da abadia de Novalesa, e “Antapodosis” de Liutprando de Cremona. Contudo alguns historiadores duvidam que tal data seja confiável, pois acreditam que as primeiras invasões e incursões duradouras dos sarracenos em Piemonte ocorreram muitos anos depois, a partir de 921 d.C, passando pelo Delfinato em Val di Susa e pela Ligúria cruzando os Apeninos.

Presume-se em específico que tenham passado ao longo do vale do rio Tanaro, em cujo vale superior parecem ter se estabelecido, afincando a base para as suas incursões em Piemonte. A segunda e posterior data atribuída à incursão dos sarracenos em Val Susa, que resultou na destruição da Abadia de Novalesa parece a mais lógica, pois o longuíssimo período de inação, antes da “reação” com algumas iniciativas significativas, não poderia ser explicado de outra forma, como melhor ilustrado nos parágrafos seguintes.

De acordo com a crônica do escritor anônimo da Abadia de Novalesa, bem como de Liutprando de Cremona, a maioria dos frades de Novalesa, avisados previamente do perigo iminente, fugiram para Turim sob a proteção de Adalberto II (pai de Berengário II que se tornou rei da Itália), que lhes deu a igreja de Sant’Andrea para se instalarem, bem como alguns edifícios na cidade, e posteriormente alguns “tribunais” externos, incluindo o de Breme, atualmente em Lomellina, todavia há séculos pertencendo ao marquesado de Monferrato, ao ponto de que ainda no século XIX alguns viajantes relataram em seus diários de viagem terem visitado a bela cidade de Breme em Monferrato...

Contudo se questiona historicamente esta versão por possuir pouco sentido lógico. Por qual motivo todos os monges de Novalesa não fugiram para Turim? Porque alguns devem ter permanecido sob o risco iminente de serem mortos ou capturados como escravos? A transferência para Turim em 906 d. C, pelo contrário, parece bem planejada e organizada, não apressada, portanto não correlacionada com o ataque sarraceno e a devastação, que deve ter ocorrido mais tarde. Pode ser que os sarracenos tenham sido a causa indireta e que a transferência foi causada por uma espécie de planejamento preventivo para evitar o perigo, para salvar certa quantidade de bens e relíquias do risco de pilhagem.

Estando a corte de Breme numa posição estratégica, na confluência entre o rio Pó e o Sesia, o abade Domniverto, em 929 d. C, decidiu transferir grande parte da comunidade monástica sobrevivente, fundando um novo monastério, que veio a se tornar um dos mais importantes da Europa naquela época. A abadia de Breme era de fato “livre”, ou seja, sujeita apenas ao Papa e ao Imperador, livre da interferência dos senhores locais e do bispo.

No último quarto do século X, superado o perigo sarraceno, o abade Gezone fez restaurar os edifícios de Novalesa e os dois complexos se tornaram uma única instituição, de fato desde então os abades nomeados possuíam jurisdição sobre os dois assentamentos religiosos.

As incursões ferozes e frequentes dos sarracenos foram uma das razões pelas quais o rei Berengário II e seu filho co-regente Adalberto II, em Dezembro de 950 d. C, decidiram estabelecer as três novas Marcas do Oeste, para reorganizar política e militarmente o poder sobre a região numa aliança anti-sarracena: a comarca Arduinica, Aleramica e Obertenega, todas com ampla saída ao mar, a primeira possuindo Ventimiglia como porto principal, a segunda Savona e a terceira Genova, sendo a central a menor, Aleramica, sinalada precisamente ao Conde Aleramo, progenitor da Dinastia Aleramici, da qual posteriormente descenderia o famoso Marquesado de Monferrato.

As outras razões eram obviamente políticas, seguindo o caminho traçado por seu antecessor, Hugo de Provença, tentou redimensionar o poder excessivo dos marqueses da Ivrea (Anscáridas), cujas posses eram tão extensas que incluíam quase toda a Lombardia, que naquele momento correspondiam ao Noroeste da Itália. De fato, como você pode ver no mapa abaixo, mesmo após a intervenção de Berengário II, o território Anscárida ainda possuía tamanho considerável, em área quase igual às três comarcas juntas.

Quanto às outras duas, para a comarca Aleramica também se tratou principalmente de uma operação de fusão das comissões (municípios) anteriores, em particular as de Acqui, Loreto, Savona-Vado e sucessivamente de Alba e de Asti, escolha perfeitamente adequada em um quadro de referência feudal hierárquico e descendente, visando uma maior coerência político-militar e econômico-comercial da comarca inteira. 

A marca que ao longo do tempo assumiu geograficamente a formação geométrica de um “quadrilátero” de extrema importância estratégica, pela presença de vias de comunicação terrestre essenciais entre o vale do Pó e o mar, todavia também pela presença de rios, que eram justamente definidos como as “estradas” da Idade Média, vias primárias de comunicação e transporte de mercadorias. Fatores que por séculos contribuíram para vivificar Monferrato, a tornando atraente para os vizinhos regionais e continentais poderosos.

O perigo das incursões sarracenas durou até que Guilherme I de Provença (filho do Conde de Arles), conhecido como Guilherme o Libertador ou o Pai da Pátria, em 973-75, com uma progressiva expedição militar, deu fim à presença sarracena em Fraxineto e em toda a Provença, graças à coalizão de toda a aristocracia provençal, ocorrida após o sequestro com pedido de resgate de um personagem da mais alta importância e categoria, Maiolo (que mais tarde viria a ser santo), em 972 d.C, quarto abade de Cluny, o mais poderoso entre os abades, sendo a abadia da Borgonha presidida por ele a mais rica do continente inteiro, com posse e jurisdição sobre cerca de mil aldeias e uma multiplicidade de assentamentos religiosos satélites, um pequeno império político e econômico com ramificações, privilégios e proteções bastante extensas. O evento causou tanta comoção e ultraje que induziu toda a aristocracia a se unir no objetivo comum de derrotar definitivamente os perigosos sarracenos, o conseguindo.

Se aos sarracenos somarmos ainda as incursões dos húngaros oriundos do Oriente, o banditismo e o brigantaggio* endêmicos, em particular nas atuais Monferrato e Langhe, todos esses fatores contribuíram para justificar o título “século de ferro”, referente ao séc. X, ao qual devemos acrescentar também “fogo e sangue”, como lembranças materiais e evocativos realistas do que comumente ocorria naqueles tempos, para além do risco de acabar na escravatura. Um século de violência, imposição e sofrimento contínuo que causaram empobrecimento demográfico grave, degradações territoriais e instabilidade econômica. Foram os motivos pelos quais muitas terras foram abandonadas e definidas como “desertas” (desertis loci) nos documentos da época, entre elas, sobretudo, as sinaladas aos Aleramici, tanto ao patriarca Aleramo como posteriormente aos Del Vasto, cujo nome se refere propriamente a “vastus” – que está despovoado, deserto.

Quanto ao interior de Piemonte, aproximadamente no mesmo período em que os franceses agiram militarmente contra os sarracenos, Arduino Glabrio, o primeiro marquês da comarca de Arduinica, foi quem contra-atacou seu avanço e infligiu as primeiras derrotas.

Anteriormente também houve alguns episódios bélicos não favoráveis aos sarracenos, como a ataque à cidade de Acqui em 936 d. C, onde a reação da nobreza local e da população, que estava organizada como em poucas outras localidades para reagir de forma efetiva e coletivamente para a formação de uma frente militar coesa (uma organização de defesa que hoje poderíamos definir como de “intervenção coletiva imediata”), conseguiu derrotá-los e levá-los ao recuo.

Não sabemos se estes sarracenos vieram de Fraxineto, todavia como as crônicas da época se referem a um grande exército, é bastante difícil que fossem os sarracenos estacionados em Provença, mas poderiam ter sido os mesmos que haviam recentemente atacado e saqueado Genova, oriundos do norte da África com muitos navios e, portanto, devia se tratar de uma poderosa expedição militar com fins de invasão.

Sabe-se factualmente que a expedição naval a Genova partiu do Norte da África, pelos Fatímidas do Magrebe comandados pelo almirante Safian Bem-Casim, e foi composta por outros 200 navios oriundos de ambas as bases, na Sicília e na Tunísia. Tratava-se, portanto, sem sombra de dúvidas, de uma poderosa expedição militar com um grande exército a bordo.

Pelo contrário, os sarracenos estacionados por muitas décadas em Provença, além de possuírem dificuldade para formar um exército estando agora dispersos em muitas localidades, destacamentos e guarnições militares, não tiveram facilidade para fazê-lo e em devastar as cidades, visto que as forçaram ao pagamento de pesados impostos.

Além disso se sabia que sua violência na guerra compensava os números escassos, ou seja, contavam muito com o medo e o terror que instigavam, pois não foram nunca mais numerosos; de fato as primeiras derrotas que sofreram derivavam precisamente da capacidade reativa finalmente organizada e da coesão das populações locais, que intervieram de todas as direções, em clara superioridade numérica em face aos agressores que, por mais ferozes e determinados que fossem, sucumbiram à força dos números e do cerco.

Muitos sarracenos após os eventos descritos acima, especialmente aqueles finais e decisivos no último quarto de século, foram capturados e escravizados, outros convertidos e seus descendentes primeiro viveram em áreas marginais na forma de clãs autônomos chamados “berberes”, depois gradualmente se integrando com os nativos, como esboça a onomástica, por uma multiplicidade de nomes de origem e derivação sarracena que progressivamente se difundiram no Piemonte.

Eles assim também contribuíram para a criação das tradições locais sobre os sarracenos, fruto do folclore, da fantasia, de mitos e lendas, que chegaram até nós e são alimentados por muitos clichês, estudos e pesquisas aproximadas, realizados sobretudos nos anos 700 e 800 por historiadores locais (retomados, retrabalhados e publicados novamente há algumas décadas por outros historiadores, perpetuando o erro inicial), para os quais bastava que um topônimo se referisse aos sarracenos, ainda que indiretamente, e que no local os agricultores lavrando a terra encontrassem ossos humanos ou de “valas comuns”, ou dos cemitérios, para se convencerem de que havia ocorrido uma batalha contra os sarracenos.

É o caso, por exemplo, de algumas localidades no território de Vinchio, na área de Asti, em particular no Bricco dei Sarraceni, em Contrada dei Sarraceni e no vale vizinho Morte di Cortiglione, além da atual vila de Belveglio que aparece numa localidade que na Alta Idade Média se chamava “Malamorte”, lugares onde segundo alguns escritos de estudiosos locais dos séculos referidos ficamos convencidos, sem qualquer confirmação minimamente objetiva, que haviam se travado batalhas contra os sarracenos, invariavelmente lideradas pelo conde Aleramo (na época em que ainda não era marquês).

Na verdade tanto os topônimos quanto os achados ósseos possuíam uma explicação completamente diversa, a que só recentemente se chegou quando alguns historiadores qualificados dedicaram-se a interpretar os dados disponíveis. Começaram por referir que na zona haviam ocorrido duas batalhas, mas na Alta Idade Média, portanto séculos mais tarde, entre Monferrato e Asti e depois entre Savoiardi e Monferrato, portanto que as ossadas poderiam ter sido consequência destas, e não imputáveis aos sarracenos.

Quanto aos topônimos se descobriu que no “Codex Astensis”, que já mencionei diversas vezes em artigos anteriores, consistindo numa coletânea de crônicas e documentos medievais do séc. XIV a respeito da cidade de Asti, em 1211 d. C. aparece um ato de cessão de direitos jurisdicionais que se refere a um sarraceno de Malamorte, que possuía direitos de senhorio sobre esta localidade, portanto é provável que os topônimos derivassem de um antropônimo, ou seja, que os lugares assumissem o nome do senhorio local. De fato a existência de um vilarejo denominado “Malamorte” está atestada num documento já em 1.165 d. C. Seria um dos tantos casos de sarracenos que foram integrados às comunidades locais, alcançando também posições notáveis.

Outros exemplos de tradições folclóricas locais com relevância histórica são as famosas cavernas ou “Grutas dos Sarracenos”, de Otigglio na área de Monferrato, mais precisamente na colina de San Germano (Valle dei Guaraldi), entre a aldeia de Ottiglio e a sugestiva povoação de Moleto, na fronteira com as regiões de Frassinello e Oliva, às quais várias dezenas de estudiosos e investigadores (alguns até improvisadamente arqueólogos e espeleólogos) se dedicaram nos últimos séculos, escrevendo miríades de páginas a partir do final do século XVI até os dias atuais, em que graças à tecnologia alguns vídeos também foram disponibilizados na internet e filmados em emissoras de TV.  

Mapa das conquistas territoriais e incursões islâmicas na Itália do século IX, que formaram dois estados, o Emirado de Bari na própria península e o Emirado da Sicília.

As mais antigas origens das cavidades subterrâneas de Ottigliese remontam à existência de um Mitreo, ou seja, um local destinado ao culto de Mitra, ainda da época romana. Posteriormente, na Alta Idade Média, teriam sido ocupadas por piratas sarracenos, como constam nas crônicas locais do município de Frassinello Monferrato, e depois durante as guerras de Monferrato (Guerras de Sucessão de Monferrato, a primeira iniciada em 1612 d. C. e a segunda em 1627 d. C), tornaram-se refúgio de desertores e descamisados que, tornando-se bandidos e uma ameaça à segurança pública, o Senado Ducal de Monferrato ordenou que fossem seladas, tendo a tradição local repassado que por causa deste procedimento alguns indivíduos foram murados vivos com seus cavalos. 

Hipótese sem sentido, pois não parece que a intervenção tenha sido feita de modo repentino e com recurso de explosivos, mas sim com operações prolongadas de movimentação e descarga de terra nas entradas das cavernas, que se supõem ser pelo menos meia dúzia, sendo o sítio hipógeo da época agora ainda intacto e muito extenso, portanto sendo as possibilidades de fuga vastas.

Precisa-se que as cavidades não foram integralmente exploradas em épocas recentes (se presume que a tecnologia disponível possa favorecer as sondagens), bem como pelas intervenções historicamente documentadas acima, é por razões geológicas, tratando-se de cavidades de tufo, ou seja, arenitos calcários, nas quais se extraia e trabalhava. A famosa “pedra dos cantões”, popularmente e indevidamente denominadas como “blocos de tufo”, com as quais foram construídas as típicas quintas e casas na área de Monferrato, e para as quais foi criado o Ecomuseu homônimo, localizado em Cellamonte, uma sugestiva vila de Monferrato onde as casas de pedra dos cantões são dominantes e bem conservadas. 

Estas cavidades descritas acima são produzidas pelos aquíferos de água potável e sulfurosa, sujeitas por isso às frequentes infiltrações de água, deslizamentos, desmoronamentos e à abertura de caminhos de ventilação que as tornam também perigosas, estreitas e muitas vezes obstruídas, de conformação irregular e instável.

Por agora as vias de acesso restantes são apenas duas aberturas no interior do hipogeu e os desmoronamentos nos últimos séculos devem ter sido numerosos, de prejuízos incalculáveis causados pelos seus utilizadores que referirei no próximo parágrafo, que complicaram ainda mais a situação.

De forma técnica é considerado extremamente perigoso entrar nessas cavidades e quem o faz coloca certamente a vida em risco, é melhor especificar isso caso alguém se sinta tentado a fazê-lo.

Apesar destes riscos para a segurança de quem se aventura nestes hipogeus, entre o final do séc. XIX e o século passado perdemos as contas de quantos indivíduos, grupos e famílias inteiras se dedicaram à exploração, mas sobretudo a cavar, muitas vezes de maneira aproximativa e ilógica (dificultando e frustrando trabalhos de escavação precedentes), para encontrar novos acessos e conexões entre as galerias bloqueadas, em busca de tesouros fantasmas ali enterrados, despendendo também enormes quantias de dinheiro para realizar tais operações e pesquisas. Intervenções em sua maioria vãs e desajeitadas, efetuadas por dezenas de arqueólogos improvisados, que para não terem de se esforçar a revelar o material resultante, descarregavam-no em locais internos considerando-o inútil para os seus fins.

Sem contar os conflitos que surgiram, as querelas, advertências e processos judiciais causados pela violação da propriedade privada e pelas rivalidades recíprocas. Muito provavelmente estes arqueólogos e mineiros improvisados devem ter se baseado em alguns escritos encontrados e considerados críveis, ou em memórias orais recebidas de modo considerado exclusivo e confidencial. Fontes que não se sabe com certeza a quem podem ser imputadas de maneira original, de cuja seriedade e fiabilidade é legítimo duvidar, que se referiam a sarracenos (berberes) que permaneceram presos no interior das grutas com suas pilhagens, na sequência do desmoronamento da entrada e de algumas galerias.

Faça referência ainda que, sobretudo na segunda metade do século passado, alguns Grupos Espeleológicos oriundos de várias localidades do norte da Itália se revezaram na exploração dos túneis, sem nunca chegarem, todavia, a resultados significativos, confirmando as dificuldades objetivas relacionadas ao local, que não se presta à exploração fácil.

De impacto maior psicológico e sugestão é a lenda ligada às cavernas e que são obviamente atribuídas aos tempos imemoriais, das aparições na noite de Natal a cada ano (ou no Solstício de Inverno), de uma “bruxa” vestida de branco, fosforescente, que com uma bacia na mão sai das cavernas do Valle dei Guaraldi, semelhante a como um nobre local nos anos 1600 contou que os sacerdotes oficiavam os ritos do culto de Mitra, que se supõe terem ocorrido nas grutas mencionadas. A túnica branca típica dos clérigos mitraicos poderia ter levado qualquer testemunha a crer que se tratava de uma figura feminina, ou poderia referir-se ao “Culto das Mães” da religião dos celtas e da Ligúria. 

A hipótese de que em tempos remotos o local pudesse ter sido usado como templo para a realização de antigos ritos pagãos (como o exposto acima) não é de todo defasada, pois já há algum tempo se sabe que locais com energias geotelúricas particulares foram escolhidos para estes assentamentos, sobre os quais ao longo dos séculos e milênios, de fato, sempre foram construídos novos templos e locais de culto, por cima dos pré-existentes, por ser uma posição de interesse. São infinitos os locais de culto, atualmente sendo de forma prevalente Santuários Marianos (alguns com uma notável tradição milagrosa), nos quais foram encontrados vestígios de dois, três ou às vezes até quatro templos de épocas antecedentes.

Nesse sentido o Valle dei Guaraldi se prestaria, sendo caracterizado pela passagem de duas falhas compressivas que geram energias telúricas medidas cientificamente, variando de 700 a 2500 nanômetros, tornando o local certamente interessante e atraente, ainda hoje, para todos aqueles que buscam este tipo de emissão, consideradas particularmente nas últimas décadas em abordagens científicas multidisciplinares nos campos da biogeologia, geobiofísica, da construção verde, terapias alternativas etc.

Voltando à lenda local, a aparição de uma figura de túnica branca era sempre precedida e seguida de uma luminescência potente e duradoura, visível em todo o vale e que aterrorizava os habitantes, que tinham o cuidado de não irem longe demais, limitando-se à observação do fenômeno de uma distância segura. Se houvessem “ufólogos” no local antes teriam interpretado o fenômeno de uma maneira muito diferente. Motivo pelo qual se deve ser sempre muito cauteloso nas interpretações dos fenômenos e eventos investigados, controlando a emotividade.

Obviamente a história foi transmitida oralmente de geração em geração, com uma garantia incorporada de veracidade absoluta, sustentada pelo espanto com que até algumas décadas os anciãos recontavam esses acontecimentos, reminiscências do que por sua vez ouviram dos anciãos de famílias e aldeias vizinhas.

Alguma perplexidade pode suscitar a referência à luminescência, já que algumas testemunhas locais foram bastante fidedignas, na década de 50, tendo penetrado nas grutas cerca de quarenta metros e permanecido no escuro em virtude do esgotamento do combustível da lamparina, testemunharam uma ligeira, todavia bem visível luminescência no teto da cavidade em que estavam, que nenhum levantamento com amostras de rocha e testes realizados na época poderia explicar.

Entre os estudiosos dedicados às Grutas dos Sarracenos, se destaca pelo rigor e a exaustividade de seus estudos o historiador e erudito conde Aldo di Ricaldone, que durante mais de trinta anos após a guerra conduziu escrupulosas pesquisas acerca desta questão, documentais, com vistorias e visitas ao local, favorecido por haver residido há muito próximo ao local.

À luz do que foi referido creio que simplificar e forçar a mão é compreensivelmente uma forte tentação na qual caímos facilmente, mas escrever sobre história (mesmo que para fins informativos), para que o conteúdo seja crível e confiável, requer muito empenho, prudência e acima de tudo objetividade, para que possamos ao menos propor hipóteses verossímeis de interpretação dos acontecimentos e das circunstâncias sobre as quais se realiza a pesquisa, que deve ser tão rigorosa quanto possível, e nem sempre aqueles que se dedicam a escrever sobre a história assumem estas atitudes, caracterizada por uma abordagem científica ou, pelo menos, baseada em um mínimo de autodisciplina e autocrítica.

Por exemplo, no épico anti-sarraceno do Marquês Aleramo não há nada absolutamente que seja apurado historicamente e, portanto, tudo o que lemos a respeito de seu eventual heroísmo na batalha contra os sarracenos é pura imaginação e/ou fruto de invenções instrumentais e literárias muito póstumas (principalmente de cronistas e pesquisadores de vários séculos depois), com o objetivo de enobrecer a linhagem e as localidades afetadas pelos supostos eventos históricos.

Todavia em muitas publicações locais, mesmo de qualidade editorial elevada, sejam estas informativas, sintéticas, promocionais... lemos muitas bobagens acerca do suposto comportamento e méritos de Aleramo e as origens de Monferrato, que com arrogância fideísta são perpetuadas de um autor para outro, favorecidos pela tecnologia que permite “copiar e colar” de forma rápida e deletéria.

A única fonte disponível que correlaciona os Aleramici com os sarracenos está na escritura da fundação da Abadia de San Quintino di Spigno Monferrato, na qual se menciona a Abadia di San Salvatore di Giusvalla “pela pérfida gente sarracena destruída”, como se completamente destruída pelos sarracenos em meados do séc. X e da qual se perderam os vestígios, tendo os bens e os direitos sido transferidos para a Abadia de Spigno. Na mesma inscrição fica claro que os Aleramici passaram a possuir aquelas terras, tendo-as trocado com o arcebispo de Milão.

Por muito tempo, com as consequências ainda atuais, muitos estavam convencidos de que as origens do Marquesado de Monferrato seriam colocadas em Acqui, onde presumiram que Aleramo havia se coberto de glória contra os sarracenos e acreditavam, com interpretações forçadas e tendenciosas, que as partes omitidas, como ilegíveis, num documento histórico encontrado (o diploma dos reis Ugo e Lotário em 933 d. C) precisamente se referiam aos tribunais de Acqui, concedidos a ele por supostos méritos militares anti-sarracenos, por este motivo se acreditou que Aleramo era conde de Acqui, além de um corajoso líder.

A historiografia nega totalmente estas colocações, desde 1924, graças a uma revisão exata do documento realizada por Schiapparelli, mas alguns teimosamente ainda se apegam a estas. Aliás, ainda recentemente alguns políticos regionais nas províncias têm feito afirmações fideístas sobre as origens de Acqui e do marquesado, e acerca da validade da cavalgada aleramica com a qual o progenitor teria determinado os limites do seu vasto feudo, que é pura lenda desprovida de qualquer fundamentação, acerca das origens tardio-medievais com remodelação na época romântica já escrevi várias vezes em artigos anteriores. Seu álibi pretensioso é que sempre há um grão de verdade nas lendas, pelo menos desde que sirvam aos seus propósitos. 

Entendo que no escopo do turismo cultural se faz necessário recorrer a qualquer expediente para despertar interesse e suscitar fascínio no turista em potencial, todavia pessoalmente creio que o partidarismo e o provincianismo histórico são apenas nocivos e desrespeitosos para com os potenciais usuários e residentes de um território, enquanto o estudo sério e aprofundado da história é por si só mais que suficiente para conseguir extrair notícias interessantes e eficazes para a promoção da sua imagem, bem como fomentar o sentimento de pertencimento e identidade de uma comunidade local, sem ter que inventar enfeites inúteis.

Claro que é necessário como pré-requisito se dedicar à leitura e ao estudo dos livros de história, possivelmente de uma pluralidade de autores, mantendo-se sempre atualizado, atividade que exige algum sacrifício e empenho, todavia recompensadora.

Aproveito também para falar acerca do mal-entendido que se espalhou e consolidou no imaginário coletivo do povo de Monferrato, de que o Marquesado de Monferrato se inicia historicamente em março de 967 d. C, fazendo referência ao diploma do Sacro Imperador Romano Otão I da Saxônia, que em Ravenna, por intervenção da Imperatriz Adelaide, confirmou as cortes já em posse de Aleramo e lhe atribuiu outras dezesseis, expandindo suas posses muito além das fronteiras do que é atualmente Piemonte, porém principalmente inseridas no estratégico “quadrilátero” geográfico ao qual fiz referência anteriormente.  

Tema que muitas vezes se perpetua ainda nas simplificações midiáticas, de fato reli recentemente a publicação oficial da Região do Piemonte referindo-se a uma reconstituição histórica comemorativa que ocorreu nos aniversário dos mil anos da suposta fundação, ou seja, em 1967. Desde então transcorreram quase cinquenta anos, meio século, e os estudos e publicações acerca da história de Monferrato, entretanto, aumentaram exponencialmente, sobretudo nos últimos anos (ainda que em quantidade, alguns falham em qualidade e falta de atualização do conteúdo, sobretudo os “compêndios”, que pretendiam resumir toda a complexa e vasta História de Monferrato em um único volume), e sabemos com certeza que a primeira vez que o Marquesado de Monferrato é citado se encontra num documento histórico de apenas 1111 d. C. sobre o então Marquês Ranieri.

Historiadores abalizados, alguns ainda pranteados por terem morrido recentemente, consideram bastante plausível que o marquesado já existisse algumas décadas antes do documento encontrado, fazendo-o remontar no mínimo ao Marquês Guglielmo IV (1084-1110 d. C, anos em que governou o seu “principado”), outros atribuem as origens do marquesado aos tempos do Marquês Oddone II (1042-1084 d. C), todavia ninguém cruza estas datas, da época em o marquesado ainda não existia, fazendo parte das posses que a dinastia alerâmica geria de forma consorciada, com dezenas e dezenas de cortes espalhadas pela então Lombardia.

Em 967 d. C. sabemos apenas que há mais ou menos quinze anos Aleramo foi elevado do posto de conde a marquês, lhe atribuindo uma das três marcas do Ocidente, a menor e mais central (ver cartografia), o marquesato de Monferrato, não existia ainda e provavelmente se formou muito tempo depois, após a divisão dos vários feudos na posse do patriarca (provavelmente falecido antes de 991 d. C e, segundo a tradição historicamente duvidosa, sepultado na Abadia de Grazzano fundada por ele mesmo em 961 d. C), entre os dois ramos Aleramici, descendentes dos dois filhos sobreviventes, Oddone e Anselmo (Guglielmo, o filho mais velho e único de sua primeira esposa desconhecida, faleceu sem deixar herdeiros), que se crê terem administrado as numerosas e vastas posses dinásticas em consórcio até o final do séc. XI, quando pactuaram uma divisão consensual, a partir da qual os marqueses de Monferrato se estabeleceram nos territórios mais setentrionais.

Os Oddonianos então estabeleceram os marquesados de Monferrato e Occimiano, e os Anselmianos se tornariam marqueses de Sezzé (Sezzadio), Incisa, Bosco, Ponzone e os mais poderosos e famosos, Del Vasto, que ainda se subdividiram em Saluzzo, Busca, Clavesana, Ceva, Savona, Del Carretto (Carretto) e Cortemilia.

Em um dos poucos mapas disponíveis acerca da situação político-geográfica da Itália Medieval, que anexo abaixo, é possível encontrar a realidade extremamente fracionada do norte da Itália no fim do Medievo. Pode-se notar, embora nem todos estejam indicados com suas respectivas denominações, os pequenos feudos ainda em posse da dinastia Alerâmica em Piemonte e na Ligúria, além dos marquesados bastante visíveis de Monferrato, Saluzzo e Del Carretto, há aqueles mais fragmentados e de pequenas dimensões contíguas ao marquesado de Saluzzo, atualmente na província de Cuneo.

Memore-se que na época da cartografia representada aqui uma parcela da dezena inicial de marquesados Aleramici “Anselmianos” havia sido extinta e/ou tragada por seus vizinhos. 

É interessante notar como o posicionamento do marquesado de Monferrato não possui quase nada da conformação original da Marca Aleramica de 950/51 d.C. (ver outro mapa), com a qual não deve nunca ser confundido, como geralmente ocorre num ambiente não histórico e em muitas publicações que relatam torpe e passivamente indícios da história de Monferrato.

Pode-se notar como Monferrato se expandiu ao noroeste na Alta Idade Média, por exemplo, incorporando Canavese. Tenha-se em mente que as fronteiras variavam continuamente de acordo com o marquês em regência, se era um líder e estrategista habilidoso, se era um político ou um diplomata astuto, e eu acrescentaria também “sortudo”. Fronteiras eram sempre disputadas e nebulosas, sujeitas a variações frequentes. 

A fragmentação ou o parcelamento da Marca Alerâmica provavelmente se devem à ação desintegradora da lei lombarda, que igualava todos os descendentes, ou seja, lhes atribuía direitos sucessórios iguais, bem como ao exaurimento das funções dos nobres consorciados dentro da dinastia, não mais aceitos por seus membros, além da forte interferência das instituições eclesiásticas que, na época, dividiam o poder com a nobreza. Lembremos que alguns bispos foram príncipes regentes em suas dioceses-feudos, como o poderoso bispo Vercelli na Itália, que exerceu jurisdição sobre grandes porções do marquesado de Monferrato durante a Idade Média.

Concluo me referindo ao conceito já expresso acima: a era descrita foi, sem sombra de dúvidas, de “ferro, fogo e sangue”, de medo e de miséria, o que contribuiu para tornar ainda mais sombria e deprimente a expectativa milenarista, alimentada pelo terror supersticioso no temido fim do mundo, que paradoxalmente foi seguida por um período de expansão e prosperidade do Ocidente no que veio a ser definido como a “Renascença”, na qual novas energias, ideias e invenções melhoraram a produção agrícola, o comércio e a qualidade de vida, sempre obviamente com as diferentes crônicas de status.

N.T.:

*: Brigantaggio é um termo pelo qual são chamados, na Itália, os fenômenos do banditismo político, unidos a um fundo 

Fonte: www.italiamedievale.org