Baybars, Leão do Islã, flagelo de cruzados e mongóis
Autor: Lucas de Oliveira Ralla 14/04/2023Muitos conhecem o grande comandante militar Saladino, seja pela leitura da história ou pela cultura popular - o grande comandante curdo que liderou os muçulmanos à vitória contra as forças dos cruzados europeus. Todavia, poucos conhecem um outro grande general muçulmano que também lutou contra os cruzados e, como Saladino, era um não-árabe governando árabes e outros povos: Baybars (também grafado como Baibars). Ele foi um líder militar e político do Egito, nascido por volta de 1223 provavelmente na região entre os Montes Urais e o atual Cazaquistão. Ele se tornou sultão do Egito e da Síria durante a dinastia mameluca e é lembrado por suas habilidades como comandante militar e por sua vitória na Batalha de Ain Jalut, em 1260, contra os invasores mongóis e por ter fundado uma das mais poderosas dinastias da História Islâmica: os Mamelucos.
Busto de Baybars, no Cairo.
Baybars nasceu em uma família de turcos refugiados da etnia kipchak, que imigraram para terras europeias na atual Bulgária fugindo do expansionismo mongol de Gengis Khan. Ele foi capturado por comerciantes de escravos quando ainda era jovem, após testemunhar o assassinato de seus pais. Ele foi vendido como escravo no mercado de Sivas, no Sultanato turco de Rum, tendo sido depois mandado para um mercado em Hama, na Síria, onde foi vendido para 'Ala al-Din al-Bunduqari, um oficial do governo egípcio que o levou para o Cairo. Em 1247, al-Bunduqari foi preso e o sultão do Egito, As-Salih al-Ayyub, confiscou todos os seus escravos, incluindo Baybars, colocando-os a serviço do Estado.
Treinado como um soldado de elite junto a outros escravos, ele logo ascendeu a cargos mais altos dentro da estrutura militar egípcia, comandando não apenas tropas árabes-egípcias, mas seu “correligionários” de origem turca ou mestiça de árabes e turcos, os mamelucos. Com o advento das cruzadas, em 1250, ele ajudou na derrota da Sétima Cruzada de Luís IX da França em duas grandes batalhas. A primeira foi a Batalha de al-Mansurah, onde empregou uma estratégia engenhosa ao ordenar a abertura de um portão para deixar os cavaleiros cruzados entrarem na cidade; os cruzados correram para a cidade que eles pensavam estar deserta apenas para, na volta, se encontrarem presos lá dentro. Eles ficaram sitiados e cercados por todas as direções pelas forças egípcias e pela população da cidade, sofrendo pesadas perdas. Robert de Artois, que se escondeu em uma casa, e Guilherme de Salisbury foram mortos, junto com a maioria dos Cavaleiros Templários. De lá, apenas cinco Cavaleiros Templários escaparam com vida.
Durante a Sétima Cruzada, Baybars derrotou o rei-cruzado Luís IX da França.
A segunda foi a decisiva Batalha de Fariskur, que essencialmente encerrou a Sétima Cruzada e levou à captura de Luís IX. As forças egípcias foram lideradas pelo Sultão Turanshah, o jovem filho do recém-falecido As-Salih al-Ayyub. Pouco depois da vitória sobre os cruzados, Baybars e um grupo de soldados mamelucos assassinaram Turanshah, fazendo com que a viúva de as-Salih Ayyub, Shajar al-Durr, fosse nomeada Sultana.
Após uma breve disputa e guerra civil pelo poder, Baybars se estabeleceu primeiro na Síria e depois na Palestina, onde negociou seu retorno ao Egito e às suas forças armadas com o novo Sultão, Qutuz. Ele ainda era um comandante do Sultão quando os mongóis - que já haviam destruído a capital cultural do mundo islâmico, Bagdá, começaram a ameaçar o Sultanato do Egito. As ameaças culminaram na invasão pelo líder mongol, Hulegü Khan e na Batalha de Ain Jalut em 1260. Na batalha, Baybars liderou o exército muçulmano e derrotou os mongóis, numa das mais decisivas e importantes batalhas da História Militar Islâmica. Após a batalha, Qutuz foi assassinado durante uma expedição de caça. Foi dito que Baybars estava envolvido no assassinato porque esperava ser recompensado com o governo de Aleppo por seu sucesso militar, mas Qutuz, temendo sua ambição, recusou-se a conceder-lhe o posto.
Baybars sucedeu Qutuz como sultão do Egito, tomando o trono e inaugurando o domínio dos soldados e oficiais mamelucos no Egito.
Representação moderna de cavaleiros mamelucos em Ain Jalut.
Apesar de ter se tornado sultão, a autoridade de Baybars se limitava aos atuais Egito e Palestina: o governador da Síria se recusava a reconhecer a autoridade de Baybars, sendo deposto por isso. Depois de suprimir a revolta na Síria, Baybars conseguiu lidar com os Aiúbidas que se opuseram a ele, como era o caso do senhor da fortaleza de Kerak. Senhores Aiúbidas, como o Emir de Homs e o de Hama, que já haviam conseguido evitar a fúria mongol, foram autorizados a continuar seu governo em troca do reconhecimento da autoridade de Baybars como sultão.
Depois que o Califado Abássida no Iraque foi derrubado pelos mongóis em 1258, no infame episódio conhecido como Saque de Bagdá, o mundo muçulmano sunita ficou sem Califa. Assim, quando o refugiado abássida Abu al-Qasim Ahmad, tio do último Califa abássida al-Musta'sim, chegou ao Cairo em 1261, Baybars se aproveitou a situação para tentar extrair mais poder e influência dela, e proclamou al-Mustansir II como Califa, recebendo dele a investidura como sultão. Pouco tempo depois, todavia, al-Mustansir II foi morto pelos mongóis durante uma expedição quase suicida para recapturar Bagdá dos mongóis no final do mesmo ano.
No ano seguinte, outro abássida, supostamente tataraneto de um Califa, havia sobrevivido à expedição derrotada, sendo proclamado Califa, em seu retorno ao Egito, sob o epíteto de al-Hakim I, inaugurando a linha dos Califas Abássidas do Cairo, que continuaram enquanto o Sultanato Mameluco ficou de pé. Al-Hakim I também recebeu o juramento formal de fidelidade de Baybars e lhe conferiu legitimidade como Sultão. Embora a maior parte do mundo muçulmano não levasse esses Califas apontados pelos mamelucos a sério, eles ainda emprestavam uma certa legitimidade, bem como um elemento decorativo ao seu governo.
Um leão passante era utilizado como brasão heráldico por Baybars.
Um guerreiro nato, Baybars se envolveu em uma luta vitalícia contra os reinos dos Cruzados na Síria e Palestina, em grande parte porque os cristãos haviam ajudado os mongóis em sua luta contra o Islã. Ele começou com o Principado de Antioquia, que havia se tornado um estado vassalo dos mongóis e investido contra alvos islâmicos na Síria. Em 1263, Baybars sitiou Acre, a capital do remanescente do Reino de Jerusalém, embora o cerco tenha sido abandonado quando ele saqueou Nazaré. Ele usou máquinas de cerco para derrotar os cruzados em batalhas como a Queda de Arsuf; depois de invadir a cidade, ele ofereceu passagem gratuita aos defensores Cavaleiros Hospitalários se eles entregassem sua formidável cidadela. Os Cavaleiros aceitaram a oferta de Baybars, mas foram escravizados mesmo assim, e destruiu o castelo.
Em seguida, ele atacou Atlit e Haifa, capturando-as após destruir a resistência dos cruzados, novamente arrasando as cidadelas. No mesmo ano, Baybars sitiou e tomou a fortaleza de Safed, na Palestina, mantida pelos Cavaleiros Templários, que havia sido conquistada por Saladino em 1188, mas retornou ao Reino de Jerusalém em 1240.
Baybars e seus mamelucos foram grandes belicistas no Oriente Médio.
Mais tarde, em 1266, Baybars invadiu o reino cristão da Armênia Cilícia que, sob o rei Hethum I, havia se submetido ao Império Mongol. Após derrotar as forças de Hethum I na Batalha de Mari, Baybars conseguiu devastar as três grandes cidades de Mamistra, Adana e Tarsus, de forma que quando Hethum chegou com as tropas mongóis, o país já estava devastado. Hethum teve que negociar o retorno de seu filho, Leo, entregando o controle das fortalezas fronteiriças da Armênia aos mamelucos. Em 1269, Hethum abdicou em favor de seu filho e tornou-se monge, morrendo um ano depois. Leo ficou na situação embaraçosa de manter a Cilícia como súdito do Império Mongol, enquanto ao mesmo tempo prestava homenagem aos mamelucos.
A situação na Cilícia, que era o ponto de contato dos cruzados com o resto da Cristandade, isolou Antioquia e Trípoli, as últimas grandes fortalezas e cidades cruzadas do Outremer. Depois de conquistar Cilícia com sucesso, Baybars em 1267 resolveu seus negócios inacabados com Acre e continuou o extermínio das guarnições cruzadas remanescentes nos anos seguintes. No ano seguinte, ele chegou ao ponto de levantar cerco contra Antioquia, capturando a cidade em Maio. Baibars havia prometido poupar a vida dos habitantes, mas quebrou sua promessa e mandou arrasar a cidade, provocando a queda do Principado de Antioquia. Então ele rumou para o Sul, em direção a Jaffa, que tomou após doze horas de combate; depois disso, ele conquistou Ashkelon e Cesaréia.
Engana-se quem crê que a ânsia guerreira de Baybars foi direcionada apenas contra o inimigo cruzado: Baybars protagonizou uma grande expedição contra o Reino de Makuria, na Núbia (atual Sudão) e contra os nômades da Líbia.
Em 1277, Baybars invadiu o Sultanato Seljúcida de Rum, então controlado pelos mongóis do Ilkhanato. Ele derrotou um exército mongol na Batalha de Elbistan, onde liderou pessoalmente seu exército contra as tropas mongóis, capturando a cidade de Kayseri. Durante a batalha, Baybars ordenou que uma força do exército reforçasse seu flanco esquerdo, mas o grande número de mamelucos foi incapaz de subjugar a força mongol. Alguns mongóis conseguiram escapar e assumiram posições nas colinas próximas, onde desmontaram e lutaram até a morte. Durante a celebração da vitória, Baybars disse: "Como posso ficar feliz? Antes, pensava que eu e meus servos derrotaríamos os mongóis, mas minha ala esquerda foi derrotada por eles. Apenas Allah nos ajudou".
Representação de um cavalariço mameluco: essa elite militar inaugurada por Baybars viria a dominar a cena política do Egito por séculos.
Tais campanhas militares bem-sucedidas não teriam sido possíveis sem a instituição de reformas militares: Baybars encomendou grandes arsenais para o exército em terra e navios de guerra e cargueiros para o mar. Ele também foi indiscutivelmente o primeiro a empregar “canhões de mão” explosivos na guerra, especialmente na sua decisiva batalha contra os mongóis em Ain Jalut.
Além de suas reformas e campanhas militares, o sultanato de Baybars foi marcado também pelo desenvolvimento econômico e cultural. Baybars foi um eficiente administrador que supervisionou vários projetos de infraestrutura, tais como um sistema de retransmissão de mensagens capaz de ser entregue do Cairo a Damasco em apenas quatro dias. Ele também construiu pontes, canais de irrigação e navegação, melhorou os portos e construiu mesquitas. Ele era um patrono da ciência islâmica, como visto em seu apoio à pesquisa médica de seu médico árabe, Ibn al-Nafis. Como testemunho de uma relação especial entre o Islã e os gatos, Baybars deixou um jardim para felinos no Cairo, fornecendo comida e abrigo aos gatos da cidade.
Ademais, Baybars é lembrado por sua política de tolerância religiosa. Ele permitiu que cristãos e judeus vivessem e praticassem sua fé livremente em seu império, e muitas vezes recrutou soldados dessas comunidades para suas forças armadas. Baybars morreu em 1277 e foi sucedido por seu filho, Baraka Khan. Ele é lembrado como um dos líderes mais importantes da dinastia mameluca e como um dos maiores comandantes militares da história do Oriente Médio. Seu legado inclui sua habilidade em defender sua região contra invasões estrangeiras, sua construção de infraestrutura e promoção das ciências, bem como, principalmente, seu gênio militar ímpar na História.
Bibliografia
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- Humphreys, R. Stephen (1977), From Saladin to the Mongols: The Ayyubids of Damascus, 1193–1260, Albany, New York: State University of New York Press.