Muçulmanos e cristãos têm participado dos festivais uns dos outros desde o advento do Islã.

Durante os períodos omíadas e abássidas, os muçulmanos participavam dos festivais cristãos, algo considerada parte normal da vida social. Celebrações conjuntas não eram um problema para o muçulmano médio. Isso indica um período de séculos de fronteiras imprecisas e aceitação de práticas mútuas dos séculos VIII ao XI.

Celebrações imperiais cristãs

Celebrações cristãs durante o período abássida foram realizadas desde o reinado dos califas al-Mansur e Harun al-Rashid. A Páscoa e o Domingo de Ramos são frequentemente mencionados em uma grande variedade de textos islâmicos. Durante as celebrações palacianas dos abássidas, coroas de oliveira eram colocadas e todos usavam roupas luxuosas.


A Ressurreição de Lázaro e a Entrada em Jerusalém, ca. 1330, da Abadia de Muri, agora no mosteiro Muri-Gries, Tirol do Sul

O poeta al-Reda saudou seu amigo cristão durante um Domingo de Ramos descrevendo o dia como belo e comparando-o às faces das virgens de grandes olhos, pedindo seu amigo para vestir vestes brancos para quebrar o jejum e congratulando-o com rosas.

Dentre os califas abássidas que celebraram o Domingo de Ramos, há o bibliófilo Abdullah al-Ma’mun.

O cantor Ahmad ibn Sadaqa narrou: “Apresentei-me a al-Ma’mun no Domingo de Ramos e, com ele, haviam vinte moças adornadas com brocado romano, usando cruzes de ouro ao redor de seus pescoços e segurando coroas de oliveiras em suas mãos. O califa pediu-lhe para cantar versos em honra ao dia. O Palácio estava com uma atmosfera alegre e, ao fim das celebrações, eles deram presentes e deram mil dinares para o cantor e três mil dinares para as moças”.


O califa abássida Abdullah Al Ma'mun (à esquerda) em conversa com um embaixador bizantino

Festivais públicos compartilhados

A tolerância dos califas árabes e sultões, reis e governadores muçulmanos permitiam que muçulmanos, zoroastristas e cristãos participassem dos festivais uns dos outros.

Na Páscoa, os cristãos abássidas e os muçulmanos se dirigiam a Dayr Salmo (um monastério cercado por fazendas e pomares, próximo do Rio al-Mahdi, construído pelo califa al-Mahdi, perto de Nahrawand). Os muçulmanos participavam das celebrações e faziam piqueniques nos campos.

No Levante Abássida e em Bagdá, os citadinos muçulmanos iam para os monastérios rurais para as festividades da Quaresma. Havia um público muçulmano em festivais cristãos maiores, como a Páscoa e o Domingo de Ramos.

Um dos eventos públicos cristãos mais importantes da Bagdá abássida era o Eid Dayr Shamon, que era celebrado no dia 3 de outubro. Os músicos de Bagdá se reuniam e competiam entre si, vestindo belas roupas e tocando alegres músicas nas ruas.

Os versos do poeta da corte abássida, Abu Nawas, dão um exemplo literário disso. Ele descreve uma procissão em que muçulmanos tinham fácil acesso e até participavam de certa maneira nos festivais da Quaresma e da Páscoa fora do edifício da igreja.

O festival da Quaresma era celebrado em diferentes monastérios. No primeiro Domingo, era realizado em Dayr al-Asiya, perto de Dayr Salmo. No segundo, era em Dayr al-Zurayka. No terceiro, em al-Zandor. No quarto, em Dayr Dar al-Malis. Os cristãos realizavam procissões com padres que usavam suas roupas formais e ostentavam cruzes.

Em seu Livro das Canções, o autor al-Isfahani aponta que os muçulmanos de Bagdá aproveitavam, com alegria, o festival do Domingo de Ramos, especialmente aqueles muçulmanos vindos das elites.

Ele descreve que as escravas da corte abássida se vestiam de maneira especial para este festival e carregavam ramos de oliveira e palmeira. Al-Muqaddasi em al-Taqsim fi Ma’rifat al-Aqailim diz que os muçulmanos conheciam ou estavam “familiarizados” com diversos festivais cristãos, incluindo a Páscoa.

Al-Shabushti em seu Livro dos Monastérios descreve que cidadãos da Bagdá abássida iam para quatro monastérios ao redor da cidade – um para cada festival da Quaresma. O Monastério de Samalu era o local escolhido para a Páscoa:

“Na Páscoa, em Bagdá, há um incrível espetáculo, pois todo cristão vem e comunga nela, e todo muçulmano que ama o prazer a diversão vai até lá para passear. Está entre os locais famosos de Bagdá para realizar excursões e áreas conhecidas de folia.”

O autor melquita Yahya al-Antaki, que viveu sob o califa fatímida al-Hakim, descreveu, no século X, uma procissão do Convento de São Lázaro até a Basílica do Santo Sepulcro no Domingo de Ramos. O governador muçulmano de Jerusalém e toda a sua comitiva lideraram a procissão em homenagem ao dia.

Ibn al-Qass al-Tabari, em sua obra Dala’il al-Qibla, descreveu o Fogo Sagrado na Igreja do Santo Sepulcro na noite de sábado anterior à Páscoa. Ele não pareceu ter um problema com a participação de muçulmanos nos rituais realizados na Tumba de Jesus, dentro do complexo da igreja.

Al-Tabari menciona um Imam que participou dos rituais do Fogo Sagrado na Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém. Os imames e muazins não só participaram da cerimônia, como iluminaram mesquitas com a luz do famoso Fogo Sagrado.

Durante a fase abássida egípcia, o teólogo islâmico Ibn Taymiyya destaca que alguns muçulmanos queimaram incenso e ostentaram cruzes nas portas de suas casas da mesma forma que os cristãos faziam. Ele descreveu um mercado durante a Quinta-feira Santa: uma cena animada em que hinos eram cantados, astrólogos anunciavam seus trabalhos, cruzes estavam penduradas nas portas e pessoas das duas religiões celebravam e desfrutavam.

Os escritos de Ibn Taymiyya mostram que alguns muçulmanos se entregavam a práticas cristãs, como colorir ovos, realizar grandes gastos e vestir as crianças com roupas decorativas.

Ele escreve: “Muitas dessas pessoas estendem suas roupas sob o céu, na esperança fervorosa de que a benção de Maria descerá sobre elas.”

Ele destaca que o teólogo muçulmano Ahmad ibn Hanbal permitiu que os muçulmanos comparecessem no mercado em festivais cristãos. Esta abertura também é comprovada numa variedade de outros contextos sociais.

Mercados Medievais como Centros de Celebração

Durante o período medieval árabe, complexos de igrejas e mesquitas ficavam no centro das cidades e vilas, próximo do mercado local com a finalidade de exibir a grandiosidade da região.

Mercados eram importantes espaços em que os abássidas se reuniam durante o Ramadan, Eid, Natal ou o Mehregan.

Na Síria, os mercados eram comumente associados aos festivais religiosos. Um exemplo é Dayr Ayyub (Monastério de Jó), um festival local em honra ao Profeta Jó realizado em abril ou maio.

A tumba era um local de peregrinação na Antiguidade Tardia e no período medieval, e continua a ser ainda hoje. Dayr Ayyub era a antiga Dennaba, também foi conhecida como Carneas, e é atualmente Sheikh Sa’d, na região de Hawran.

Ela foi transformada num mercado regional no final do período romano. Ela cresceu e se transformou num mercado interregional nos períodos omíadas e abássidas. Depois, se tornou a Mesquita de Jó.

Este local é conhecido por realizar celebrações anuais que contam com a participação de cristãos e muçulmanos.

O teólogo muçulmano Ahmad ibn Hanbal, quando questionado por Muhanna al-Shami, disse que não há mal se os muçulmanos estivessem presentes nos festivais cristãos como Dayr Ayyub, desde que eles apenas frequentassem o mercado e não entrassem na igreja para participar dos ritos religiosos.

Com base em conversas, muçulmanos participavam de feiras cristãs e até levavam gado, ovelhas, trigo, farinha e outras coisas consigo.

No entanto, estes festivais cristãos eram bem confusos. Muitos clérigos cristãos durante a Antiguidade Tardia e o Período Medieval eram conhecidos por reclamar sobre quão turbulento e descontrolado esses festivais religiosos podiam ficar, repletos de comportamentos ruins.

Miguel, o Grande – Patriarca da Igreja Ortodoxa Siríaca – ficou irritado com os cristãos que se entregavam à intemperança, embriaguez, dança e outros tipos de luxúria e libertinagem durante os festivais dos mártires.

Os teólogos muçulmanos Ibn Sirin e Ibn Sha’bi não proibiram os muçulmanos de participar das celebrações cristãs. Ao invés disso, aconselharam-lhes sobre como deviam se comportar se participassem.

Texto original: Abbasid and Fatimid Christian Holidays and Celebrations