Em julho de 2011, uma sossegada capital europeia foi abalada por um carro bomba terrorista, seguido de relatos confusos que sugeriam ter ocorrido muitas mortes. Quando as primeiras notícias das mortes surgiram, um pequeno grupo de comentadores online reagiram de imediato, apesar de a mídia ter, cuidadosamente, se recusado a identificar os perpetradores do ataque. Eles sabiam, desde o início, o que tinha ocorrido – e quem deveria ser culpabilizado.

“Isso era inevitável”, explicou um dos comentadores anônimos. E era só o começo: “É só uma questão de tempo até que outras nações europeias paguem o preço por sua tolerância multicultural pelo que eles têm feito há décadas”.

“A Europa está infestada com um verme parasita venenoso”, explicou outro. “Tudo e qualquer coisa está ótimo, desde que eles estuprem os nativos e destruam o país, que é o que fazem”, disse um terceiro.

Conforme as notícias pioravam, o grupo ficava mais contente e confidente. O episódio do carro bomba foi seguido por relatos de tiroteios em massa num acampamento para adolescentes que ficava próximo. Um comentador estava “quase chorando de alegria” por estar certo quanto aos perigos do Islã. “O massacre no acampamento das crianças”, outro notou, “é um lembrete doentio de quão maligno e satânico é a seita do Islã”.

Algumas horas depois dos primeiros relatos da explosão da bomba na região central de Oslo, algumas dúvidas começaram a surgir: “Como os alvos do tiroteio eram todos bons esquerdistas, o atirador não seria considerado um extremista de direita, quaisquer que fossem os seus reais motivos?”, uma pessoa perguntou.

Quando emergiu uma informação, sugerindo que o perpetrador do ataque fosse um “alto rapaz nórdico”, um dos comentadores, que se chamava “Fjordman”, percebeu a verdadeira natureza do desastre: “A julgar por algumas das informações recentes, deve ser tratado como uma possibilidade séria de que este seja algum tipo de Timothy McVeigh, e não um muçulmano. É muito cedo para dizer. Se esse for realmente o caso… isso praticamente destruiria o meu país e tornaria as condições de trabalho para pessoas como eu incrivelmente difíceis durante muito tempo, receio.”

A verdade veio a ser pior do que Fjordman imaginava. O massacre em Oslo não foi cometido por muçulmanos. Foi obra de um supremacista branco, Anders Behring Breivik, que detonou uma bomba em Oslo, matando oito pessoas; então atirando em outras sessenta e nove, muitos dos quais eram adolescentes, num acampamento para jovens dirigido pelo Partido Trabalhista da Noruega. E, de acordo com o manifesto que ele publicou online, Breivik foi diretamente inspirado pelo “Gates of Vienna” – o blog onde todos estes comentários surgiram no dia do massacre. Breivik nomeou a ideologia que justificou seus assassinatos como “A Escola de Viena”, em homenagem ao blog.

Fjordman, cujo nome verdadeiro é Peder Are Nøstvold Jensen, agora vive na obscuridade na Noruega provincial. Ele se revelou a um tabloide norueguês como sendo o homem por trás do pseudônimo nas semanas seguintes ao massacre – mas conseguiu evitar ser testemunha no julgamento de Breivik, graças à intervenção de advogados poderosos pagos pelo grupo americano de direita “Middle East Forum” que mais tarde patrocinaria Stephen Yaxley-Lennon, conhecido como “Tommy Robinson”, na Grã-Bretanha. No entanto, a influência de Jensen sobre Breivik, ainda que indireta, foi considerável.

Breivik pegou parte do título de seu manifesto, “Uma Declaração Europeia de Independência”, de um dos posts do blog de Fjordman, e muitos dos capítulos dele eram só reimpressões das postagens de Fjordman em vários blogs, principalmente no Gates of Vienna, mas também num site eurocético de extrema-direita chamado The Brussels Journal.

Gates of Vienna era, e ainda é, comandado por Edward “Ned” May, um programador estadunidense de Washington DC. Ele estava entre os primeiros numa onda de blogs que instigaram os Estados Unidos a irem à guerra após o choque do 11 de setembro, além de ser, quase que certamente, o mais fanático dos antimuçulmanos. O nome do blog vem do Cerco de Viena que ocorreu em 1683, quando um exército otomano foi derrotado por um exército polonês. Sua tese fundamental é a de que esta foi uma única batalha numa grande guerra e que a Europa e sua civilização eram constantemente ameaçadas por uma invasão islâmica.

Num desses vários fóruns online, a narrativa sempre foi a mesma: um grupo liberal está conspirando com potências islâmicas hostis para entregar os trabalhadores de bem ao Islã. Este era o mito animador dos bloggers, que se chamavam de “contra-jihadistas”, que se congregavam no Gates of Vienna e em outros sites parecidos – inspirados tanto pela violência de Breivik, quanto pelos partidos racistas de extrema-direita que transformaram a política europeia na última década.

Mas todas essas recentes teorias da conspiração se inspiraram num mito fundador da islamofobia contemporânea: um plano inventado, conhecido como “Eurábia”, cujo objetivo é destruir a civilização europeia. Esta é a doutrina que Jensen promoveu e sobre a qual Breivik atuou, um sustentáculo oculto de um movimento que mudou o mundo.

Antes uma ideologia confinada aos cantos mais excêntricos da internet, a ideia da Eurábia é agora visível na política cotidiana dos Estados Unidos, da Austrália e da maior parte da Europa: quando Donald Trump faz tweets sobre esfaqueamentos em Londres, e falsamente que este crime está em “ascensão” na Alemanha, ele está invocando o mito eurabiano, tido como fato na Fox News, de que os liberais europeus renderam suas cidades a criminosos muçulmanos.

A difusão da crença de que elites conspiraram para impulsionar a imigração muçulmana sobre sua população nativa também é a história de uma teoria da conspiração que foi alimentada em alguns dos primeiros blogs e fóruns de mensagens, começando a aparecer no discurso dominante depois do 11 de setembro e, depois, ganhou uma vida própria, mesmo quando os supostos fatos por trás dela foram expostos como ridículos. É uma lição sobre o perigo das meias-verdades, que não só são mais poderosas que as verdades, mas muitas vezes mais poderosas que as mentiras.

“Eurábia” é um termo cunhado nos anos 1970 e que ressurgiu com Gisèle Littman, uma judia egípcia que fugiu do Cairo para a Grã-Bretanha após a Crise de Suez e que depois se mudou para a Suíça em 1960, com o marido inglês. Ela escreveu com o pseudônimo de “Bat Ye’or” (Filha do Nilo). Numa série de livros, originalmente escritos em francês e publicados dos anos 1990 em diante, ela desenvolve uma grande teoria da conspiração no qual a União Europeia, liderada por elites francesas, implementaram um plano secreto para vender a Europa para os muçulmanos em troca de petróleo.

O vilão original da história de Littman era o General Charles de Gaulle. É difícil para alguém de fora entender como De Gaulle – que liderou a Resistência Francesa contra os nazistas e foi, provavelmente, o maior estadista conservador da história francesa – poderia ser reinventado como o homem que traiu a civilização ocidental em troca de dinheiro. Mas Littman viveu por vários anos na França e a extrema-direita do país odiava De Gaulle. Na verdade, eles tentaram assassiná-lo por diversas vezes. Não só De Gaulle lutou contra o governo de Vichy, ele também admitiu a derrota na longa e terrivelmente sangrenta guerra de independência da Argélia – cedendo a liberdade a um país árabe-muçulmano às custas da população franco-cristã colonizadora, que tiveram de retornar para a França (e cujos descendentes formaram a espinha dorsal do Front Nacional de Jean-Marie Le Pen).

Concordar com a independência argelina foi entendido pela extrema-direita francesa como um ato de traição. De Gaulle foi retirado de sua aposentadoria e levado novamente ao poder em 1958 porque acreditava-se que ele estaria no lado dos colonos em sua guerra, a qual se opôs grande parte da esquerda. Assim, para a extrema-direita, o Mediterrâneo passou a parecer uma linha de frente numa longa e mutável luta entre colonialismos rivais, cristão e muçulmano, na qual os muçulmanos obtiveram uma grande vitória na Argélia. Onde pararia seu novo avanço?

O argumento de Littman, enquadrado por sua experiência no Egito (o qual uma força francesa, junto aos britânicos e israelenses invadiu em 1956), era a de que o Islã impunha um status de segunda-classe sobre todos os não-muçulmanos, que eles governavam. Este status de “dhimmitude”, uma expressão de Littman, significava a sujeição ao domínio islâmico sob pena de “conversão forçada, escravidão ou morte” – agora seria estendida a toda a Europa.

De acordo com Littman, seus livros descrevem “a evolução da Europa de uma civilização judaico-cristã, com importantes elementos seculares pós-iluministas, numa civilização pós-judaico-cristã que é subserviente à ideologia da jihad e às potências islâmicas que a propagam.

Ela viu os tentáculos da grande conspiração em inocentes comitês tediosos e obscuros, como o Diálogo Euro-Árabe, uma instituição criada pela Comunidade Econômica Europeia e pela Liga Árabe nos anos 1970 para promover mais diálogo entre as regiões. Sua teoria da conspiração foi rejeitada em 2006 pelo historiador israelense Robert Wistrich como sendo um “Protocolo dos Sábios de Bruxelas”, mas o que mais importava foi o local que ele escolheu para desafiar as suas ideias: uma conferência em Jerusalém sobre antissemitismo para a qual ela tinha sido convidada, apesar de sua falta de status acadêmico. O 11 de setembro mudou tudo para Littman, ela disse ao Haaretz após a conferência: “Nos Estados Unidos, estou certa de que o 11 de setembro fez o povo acordar, incluindo a comunidade judaica que, anteriormente, me ignorou, por ter mais conexão com a esquerda”.

Ela explicou ao Haaretz o futuro que via para a Europa: “Estamos rumando a uma mudança total na Europa, que será cada vez mais islamizada e se tornará um satélite político do mundo árabe e muçulmano”.

Foi por esta ideia que o norueguês Jensen se encantou e pelo qual, como Fjordman, transmitiu a Anders Breivik.


Marine Le Pen, presidenta do partido francês de extrema-direita “Reagrupamento Nacional” (antigo Fronte Nacional), aplaude o ex-conselheiro presidencial dos EUA Steve Bannon (à esquerda) após seu discurso no congresso anual do partido em março de 2018. Foto: Philippe Huguen/AFP

Jensen é incomum entre os crentes da Eurábia, pois ele realmente teve alguma experiência com o mundo muçulmano e até fala árabe. Ele é o filho de um político socialista da Noruega e estudou árabe no Cairo – sua educação universitária prévia em Bergen incluía inglês (no qual escreve fluentemente), russo, árabe e história do Oriente Médio. Em 2000, ele foi entrevistado por um jornal local norueguês e falou com entusiasmo sobre seus anfitriões no Egito: “Fora das áreas turísticas, você encontrara pessoas amigáveis, hospitaleiras, curiosas e abertas que querem te conhecer. Fiz parte do dia a dia deles. Fomos convidados para suas casas, conversamos e fumamos juntos”.

Este foi o primeiro encontro de Jensen com o Islã, e ele ainda estava no Cairo na época dos ataques do 11 de setembro. Ele disse que viu que alguns muçulmanos celebraram o massacre, e também percebeu que isso não foi reportado pelos jornais noruegueses. No ano seguinte, ele trabalhou no Conselho de Refugiados Norueguês na cidade disputada de Hebron, na Cisjordânia ocupada. Excepcionalmente entre os escandinavos que trabalharam com os palestinos em Israel, ele se identificou com os israelenses. Ele escapou por pouco de um atentado suicida em Tel Aviv, em um bar onde dois de seus colegas haviam sido mortos em outro ataque no ano anterior. A experiência cimentou o seu crescente medo e ódio pelo Islã.

O fato de a imprensa norueguesa, em geral, ter uma linha pró-Palestina, enquanto seus amigos foram vítimas do terrorismo palestino, ajudaram a convencer Jensen de que o Islã era uma ameaça existencial para a civilização europeia, cujo o establishment politicamente correto estava ignorando deliberadamente. Como Littman, ele parece não reconhecer nenhum elemento de nacionalismo na consciência palestina: são todos árabes ou muçulmanos. Na verdade, a crença de que o Islã é hostil à consciência nacional é amplamente defendida pela direita: o filósofo Roger Scruton levantou-a num controverso discurso sobre nacionalidade na Hungria em 2013, no qual contrastou as nações cristãs europeias com os impérios islâmicos.

Em 2003, Jensen voltou para a Noruega, onde tentou se popularizar como um intelectual público. A princípio, ele era hostil ao feminismo, acusando as feministas de destruírem a masculinidade norueguesa. Mas o foco de suas preocupações logo se voltou para o Islã. Ele começou a escrever sob o pseudônimo de “Kafir Norueguês”, num blog americano chamado Little Green Footballs, que apoiava fervorosamente a invasão ao Iraque. Dali em diante, seus escritos apareceram em inglês, em blogs estadunidenses. Aí, ele moldou a narrativa das elites, especialmente identificadas com a União Europeia, que estão destruindo e traindo a Europa através do encorajamento deliberado da imigração em massa.

Neste momento, a conspiração eurabiana atraiu em grande parte aqueles que há muito tempo percebiam um certo conflito entre o Islã e o Ocidente Judaico-Cristão – com Israel sendo uma espécie um posto avançado dos valores ocidentais, que vivia sitiada e perseguida. Estas pessoas, em grande parte da direita estadunidense, estiveram entre os primeiros expoentes da teoria – mas como nunca pararam de reclamar, sua atitude não era amplamente partilhada na Europa. O que logo forneceria a força emocional da fantasia seria outro conjunto de ideias sobre a migração global, menos conspiratórias em essência, mas muito mais aceitas entre os europeus despolitizados. Estas, também, tiveram origem na França, onde eram conhecidas como a “Grande Substituição”.

 

A ideia da grande substituição teve sua origem num romance francês flagrantemente racista da década de 1970 chamado de “O Campo dos Santos”, no qual a França é derrubada por uma invasão de refugiados indianos famintos e loucos por sexo, em uma ocasião em que o exército francês não está preparado para disparar contra eles. A moral do livro é que a civilização ocidental só pode ser salva através da disposição em massacrar pobres de cor escura. Steve Bannon, um dos fundadores do site de notícias de extrema-direita Breitbart e ex-conselheiro de Donald Trump, se referiu ao livro repetidas vezes.

Ao longo dos anos 1980 e 1990, o racismo escancarado do Campo dos Santos manteve-o fora do debate público. Mas a ascensão do Islã como uma força global permitiu que a problemática fosse lançada novamente. Se as massas ameaçadoras fossem definidas pela religião e não pela cor da pele, então odiá-las poderia ser apresentado como um compromisso intelectual e não algo racista.

E a paranoia tinha uma grande e obscura meia-verdade para se apoiar. A redução demográfica que a Europa enfrenta é real e inegável, e também era óbvia nos primeiros anos deste século. O mesmo ocorre com as elevadas taxas de natalidade na África Subsaariana e no Sul da Ásia. Em 2002, a Rússia e o Paquistão tinham populações de cerca de 145 milhões de pessoas; em 2017, a população da Rússia era de cerca de 144 milhões, enquanto a do Paquistão era de quase 200 milhões.

O próximo estágio no desenvolvimento de uma visão de mundo populista e xenofóbica foi a fusão das duas narrativas, de modo que o Islã e os muçulmanos se tornaram tanto uma conspiração quanto uma ameaça demográfica.

Os ataques do 11 de setembro mudaram as atitudes em relação ao Islã em grande parte da Europa e dos Estados Unidos. Israel e os Estados Unidos agora compartilhavam a sensação de estarem sob ameaça de ataque de muçulmanos. Sem o 11 de setembro, Littman teria permanecido uma excêntrica obscura, e Jensen seria ainda mais obscuro que ela. Mas o ataque às Torres Gêmeas desencadeou uma imensa reação de orgulho ferido e nacionalismo estadunidense, que levou à devastação de dois países inteiros, o Afeganistão e o Iraque, além de inúmeras mortes. Também alimentou uma demanda por explicações. As teorias sobre a malevolência e o perigo únicos do Islã responderam a uma fome popular. George W. Bush declarou, na época, que os EUA não tinham qualquer conflito com o Islam, mas muitos de seus compatriotas discordaram dele.

Um dos muitos maus frutos do 11 de setembro foi um novo movimento ateu, marcado pelo autoelogio mútuo e pela hostilidade inabalável ao Islã. Mesmo que o alvo ostensivo de sua hostilidade fosse o cristianismo, os novos ateus tendem a considerar o Islã como uma religião muito pior e muito mais “religiosa”. O livro “O Fim da Fé”, do escritor estadunidense Sam Harris, mais parece Bat Ye’or, mas sem a inconveniente estruturação de fatos facilmente refutáveis. “Estamos em guerra com o Islã”, ele escreveu. “Pode não servir aos nossos objetivos imediatos na política externa que nossos líderes políticos reconheçam este fato abertamente, mas é assim, inequivocadamente. Não se trata apenas de estarmos em guerra com uma religião pacífica que foi ‘sequestrada’ por extremistas... O conflito armado ‘em defesa do Islã’ é uma obrigação religiosa para todo homem muçulmano... O Islã, mais que qualquer outra religião que os humanos já inventaram, tem os ingredientes de um culto completo à morte”.

No período que antecedeu a guerra do Iraque e após a invasão, a cobertura nos jornais e na televisão estadunidense foi, aos olhos europeus, chauvinista ao extremo. A possibilidade de derrota era impensável. No entanto, uma nova onda de blogueiros começou a usar o termo “MSM” para se referir à “mídia mainstream” de forma depreciativa à pretensa neutralidade das grandes organizações de mídia. Um dos primeiros e mais influentes deles foi o Little Green Footballs, fundado e dirigido por Charles Johnson, um ex-guitarrista de Los Angeles com interesse em web design. Era típico da época que ele fosse um amador obstinado e sem credenciais, cuja verdadeira vantagem era poder construir sites em uma época em que isso exigia certa habilidade em programação.

Jensen, comentando no Little Green Footballs como “Kafir Noruguês”, o transformou num ponto de distribuição das ideias eurabianas. Outro era o próprio Gates of Vienna, dirigido por Ned May sob o apelido de Baron Bodissey, em homenagem a um sábio dos romances de ficção científica de Jack Vance. Depois apareceu o Jihad Watch, dirigido pelo autor estadunidense Robert Spencer. Tanto Spencer quanto seu frequente colaborador, Pam Geller, foram banidos do Reino Unido em 2013 por fazerem declarações capazes de fomentar o ódio e a violência entre diferentes comunidades.

O único blog europeu digno de nota nesta constelação foi o site fanaticamente eurocético “The Brussels Journal”, onde o eurodeputado conservador Daniel Hannan foi colaborador. The Brussels Journal era dirigido por Paul Beliën, um jornalista e autor belga de extrema-direta. Jensen era ativo em todos estes sites, tomando parte em discussões onde as crenças eurabianas deram luz a algo que se intitulava como movimento anti-jihad.

Hoje em dia, quando o Facebook dissemina desinformação ao redor do mundo com pouco esforço, é difícil recapturar o sentimento de revelação e pertencimento que acompanhavam a descoberta de um novo blog. O mundo de pensamento limitado, mas, para seus adeptos, estranhamente reconfortante dos blogs contra-jihad, transformou a política num gigantesco jogo online. Qualquer um poderia jogar e qualquer um poderia encontrá-lo em sua criança interior: “Alguns pensam que sou estranho; outros pensam que eu estou excepcionalmente inteligente”, disse Jensen a um repórter quando ainda era estudante no Cairo.

As fronteiras entre esses blogs e os “MSM” que fingiam desprezar eram porosas. Alguns escritores reproduziram um tom nobre sobre os perigos da imigração muçulmana: o antigo colunista do Financial Times, Christopher Caldwell, publicou em 2009 um livro chamado “Reflections on a Revolution in Europe”, que recapitula a ideia de uma lenta invasão bárbara muçulmana vista de uma posição de desdém olímpico: “Os imigrantes também trazem um monte de desordem, penúria e criminalidade. A cultura muçulmana está invulgarmente repleta de mensagens que expõem as vantagens práticas da procriação... Se você caminhar para o norte, atravessando a Piazza dela Repubblica em Turim, verá, mutatis mutandis, o que os romanos viram. A leste, permanecem duas torres romanas bem preservadas, assim como as muralhas construídas para separar os cidadãos dos bárbaros. Hoje, no espaço de cerca de 60 segundo a pé, você passa de lojas chiques e bares de vinho através de um animado mercado multiétnico até uma das favelas de norte-africanos mais ameaçadoras da Europa”.

Alguns eram menos intelectuais. Em 2004, o Daily Telegraph deu uma coluna ao profeta canadense da grandeza americana, Mark Steyn, que originalmente fez seu nome como um espirituoso crítico do teatro musical. Desgraça e horror foi tudo o que viu no futuro da Europa. Já em 2002, ele disse: “Acho mais fácil ser otimista sobre o futuro do Iraque e do Paquistão do que, digamos, da Holanda ou da Dinamarca” – uma observação que ele citava orgulhosamente aos leitores do Telegraph em 2005, quando o Iraque se tornou um matadouro a céu aberto.

Em temros que anteciparam Jensen, Breivik e o alegado manifesto do homem acusado do massacre de Christchurch, Steyn escreveu (e o Telegraph publicou) esta profecia: “Numa era democrática, não se pode resistir à demografia, senão através da guerra civil. Os iugoslavos entenderam isso. Nos 30 anos anteriores ao colapso, os sérvios bósnios diminuíram de 43% para 31% da população, enquanto os muçulmanos bósnios aumentaram de 26% para 44%”.


‘Europeus, votem pelo AfD, para que a Europa jamais se transforme em “Eurábia”!’, poster de campanha do partido de extrema-direita avistado em Berlim durante as eleições europeias de 2019. Foto: Clemens Bilan/EPA

Compare Steyn em 2005 com o manifesto de Patrick Crusius, que confessou ter assassinado 22 pessoas em El Paso no início deste mês: “Este ataque é uma resposta à invasão hispânica do Texas. Eles são os instigadores, não eu. Eu estou simplesmente defendendo meu país da substituição cultural e étnica trazidas por uma invasão... A América está apodrecendo de dentro para fora e os meios pacíficos para impedir isto parecem ser quase impossíveis”.

Em 2007, os crentes na contra-jihad começaram a se encontrar no mundo real. Depois de um encontro preliminar de blogueiros, comentadores e simpatizantes dinamarqueses e noruegueses em Copenhagem, com a presença de Jensen, uma conferência foi organizada por May e o partido flamengo de extrema-direta, Vlaams Belang, em Bruxelas, em 2007. Isto reuniu a maioria dos ideólogos da Eurábia, na tentativa de transformá-la de uma ideia em um movimento. Littiman foi a principal oradora. Outros presentes eram Geller e Robert Spencer, dos Estados Unidos, e Gerard Batten, mais tarde liderança do UKIP na Grã-Bretanha. Ted Ekeroth, dos nacionalistas e direitistas Democratas Suecos também compareceu.

À medida que tanto o UKIP quando os Democratas Suecos se tornaram forças políticas poderosas, as ansiedades sobre o terrorismo foram subsumidas em ansiedades muito mais amplas sobre a demográfica e sobre o status dentro da velha ordem. O antropólogo estadunidense Scoot Atran realizou uma extensa pesquisa sobre a mentalidade dos jovens que se tornaram terroristas islâmicos: a combinação do orgulho ferido com o prazer de pertencer a um movimento tem um significado global e apocalíptico e uma presença viva em um grupo de amizade é tremendamente importante no recrutamento de jihadistas. A mesma dinâmica opera entre seus inimigos: Breivik era notável principalmente por ser tão solipsista que conseguiu se radicalizar sem a ajuda de quaisquer amigos na vida real, apenas aqueles que ele imaginou na internet. A certa altura, ele abordou seu ídolo intelectual, Jensen, por e-mail, que o considerou “chato como um vendedor de aspiradores de pó”.

Você não precisa ser um jihadista para sentir o impacto dessas compulsões. Os contra-jihadistas, tal qual seus inimigos, acreditavam estar entrando numa batalha apocalíptica entre o bem e o mal. Este é um século de orgulho ferido e ansiedades sobre status para quase todo mundo.

Apesar de tudo isso, haviam alguns sinais, mesmo antes dos assassinatos de Breivik, de que o fronte eurabiano original se partiria. Aqueles que eram contra a imigração em geral começaram a se separar daqueles que odiavam os muçulmanos em particular. Johnson, o fundador do Little Green Footballs, excomungou a maioria de seus seguidores em 2010 por estarem cada vez mais próximos dos partidos da Europa Ocidental que considerava descendentes dos fascistas – o Vlaams Belang na Bélgica e os Democratas Suecos, apesar de também denunciar a English Defence League. Johnson era um genuíno filossemita, e não conseguia perdoar a mancha do antissemitismo.

A direita anti-imigração tinha boas razões para se separam da direita anti-muçulmana. Se a lógica da “Escola de Viena” – Jensen, Spencer e Geller, May e Littman – levava inexoravelmente à guerra civil e ao virtuoso massacre dos muçulmanos e seus facilitadores esquerdistas, então a maior parte da direita recuaria dela. Comentadores como Douglas Murray e Caldwell acreditavam genuinamente que Breivik era louco e que suas ações não tinham relação com as ideias que ele defendia. Pode ter havido nisso um elemento de autoengano, mas é também um testemunho do tipo de decência instintiva e impensada de que todos precisamos às vezes para nos resgatarmos das consequências de nossas ideias. Parecia que algum tipo de pragmatismo irai prevalecer.

A esperança parece agora enganosa. O que mudou isto, acima de tudo, foi a eleição do presidente estadunidense, Donald Trump, cujo então conselheiro, Bannon, era um crente numa “guerra brutal, sangrenta e global” contra o “fascismo islâmico”. Eles mostraram que havia um enorme eleitorado favorável ao ódio racial e ao desespero e – para eles – não havia quaisquer consequências negativas reais, eleitorais ou não, no apoio a este ódio.

Desde o massacre de Breivik, suas crenças se tornaram cada vez mais difundidas. Elas se espalharam na política de todos os países europeus. Na campanha pelas eleições europeias em maio, o partido de extrema-direita alemão, o AfD, lançou posteres mostrando uma mulher branca nua sendo apalpada por homens de pele escura com turbantes árabes. Um deles enfia os dedos na boca dela, sem resistência. “Europeus, votem no AfD, para que a Europa nunca se torne uma ‘Eurábia’, dizia a imagem. Milhões de pessoas que nunca ouviram falar em Bat Ye’or, Fjordman, ou mesmo em Breivik ou Bannon, agora entendiam a mensagem do pôster em um olhar de olhos, e nenhuma evidência abalará sua certeza. Eles agora acreditam que toda a política se resume às palavras de um dos tweets de Trump: “Todos os perdedores querem o que você tem, não dê isso a eles... Seja forte e prospere; seja fraco e morra!”

Mas quem, nesta situação, são os perdedores, e quem são os fortes? Na última semana, numa aparente tentativa de imitar Breivik, um rico e insatisfeito jovem norueguês, Philip Manshaus, abriu caminho pelos portões de entrada de uma mesquita no subúrbio de Oslo, onde vivia, e começou a atirar contra a congregação. Ele foi derrubado no chão por um muçulmano desarmado de 65 anos, Mohammed Rafiq, que o segurou no chão, com a ajuda de outro homem, até a chegada da polícia. No Gates of Vienna, este episódio não foi considerado como digno de ser mencionado. Ao invés disso, seus leitores devotos foram informados de que os muçulmanos tinham sido responsáveis por um recente surto de crueldade contra animais na Suécia.

Fonte: The Guardian