Texto de: Asadullah Ali Al-Andalusi

Resumo:

A análise popular (promulgada pelos Orientalistas) sobre a ascensão e o declínio da produção científica na civilização islâmica, dicotomiza os acontecimentos na história islâmica como um conflito entre religião e razão. Essa análise tem desde então sido cunhada como “Narrativa Clássica”, e sugere que o sucesso científico dos Muçulmanos através da história foram baseados somente em influências estrangeiras, enquanto que os valores Islâmicos e ideais foram responsáveis por seu declínio. Entretanto, estudos recentes mostraram que essa narrativa é inválida devido à inconsistência com os registros históricos. Ao contrário, uma compreensão mais coerente dos registros mostram que a produção científica entre os Muçulmanos foi tanto ativa e passivamente reforçada pelos valores Islâmicos através da rejeição da filosofia natural Aristotélica. Apesar desses desenvolvimentos, os motivos por trás do declínio têm ainda de ser determinados. Portanto, esse artigo oferece um sumário e uma crítica da Narrativa Clássica, assim como uma revisão construída através do entendimento das influências por trás da ascensão e do declínio da produção científica na civilização Islâmica.

Introdução:

Três meses depois dos trágicos eventos de 11 de setembro de 2001, o renomado físico nuclear paquistanês, Pervez Hoodbhoy redigiu um artigo para o The Washington Post intitulado “Como o Islã Perdeu seu Caminho: As Conquistas de Ontem foram Douradas”, tentando explicar os motivos por trás dos ataques de 11/09, assim como o estado opressivo do mundo Muçulmano e do período contemporâneo. Através do artigo, ele menciona a “Idade de Ouro” da civilização Islâmica: um tempo onde a racionalidade e a ciência triunfaram sobre o conservadorismo religioso. Ele conclui sua análise culpando a ortodoxia religiosa pelo fim dessa era gloriosa – mais especificamente, colocando a culpa teólogo do século XI-XII, Abu Hamid Muhammad ibn Muhammad al-Ghazali (m. 1111):

“Mas no século XII, a ortodoxia Islâmica ressurgiu, encabeçada pelo clérigo Árabe, Imam Al-Ghazali. Al-Ghazali sobrepôs a revelação acima da razão, predestinação acima do livre arbítrio. Ele condenou a matemática como sendo contra o Islã, intoxicante para a mente e que enfraquecia a fé…Apertando a ortodoxia com força, o Islã sufocou. Não mais Muçulmano, Cristão ou sábio Judeu se reuniriam nas cortes reais. Era o fim da tolerância, do intelecto e da ciência no mundo Muçulmano.”1

Apesar da curiosa afirmação que Al-Ghazali era Árabe (ele era Persa), Hoodbhoy não explica como um homem foi capaz de destruir uma civilização inteira – menos ainda como a suposta aversão ao livre arbítrio e matemática de tal homem tem algo a ver com o 11 de setembro – mas fica claro que ele acredita que esse ilustre estudioso foi responsável por alimentar uma eterna e debilitante irracionalidade dentro do mundo Muçulmano que resultou no extremismo, terrorismo, tumultos políticos, e uma falta de Prêmios Nobels.

Mais de uma década depois, no Festival Internacional da Criatividade de Cannes Lion, o astrofísico americano e famoso educador científico, Neil deGrasse Tyson, repetiria a mesma história trágica a respeito da outrora iluminada civilização Islâmica e sua queda através da sua versão Muçulmana de Valdemort, que sozinho varreu a racionalidade através de seu aparente desprezo pela utilidade da matemática e a relação necessária entre causa e efeito.2

Mas será mesmo que todos os problemas enfrentados pelo mundo Muçulmano contemporâneo podem ser atribuídos a algum espírito anti-razão e anti-ciência emanado das ideias de um homem? E como é que dois cientistas, de lados e culturas opostas no mundo, não somente concordam com o assunto da ascensão e declínio da produção científica na civilização Islâmica, mas podem espalhar suas opiniões de tal maneira sendo tidas como autoridades no assunto? Porque suas opiniões certamente não têm nada relacionado com suas credenciais de historiadores da ciência. Ao invés, suas opiniões parecem refletir uma popular e longamente impregnada visão que permaneceu sem oposição – pelo menos até bem recentemente.

Durante as últimas décadas, certo número de historiadores da ciência tem colocado essa narrativa sob o microscópio, escrutinando o fundamento de suas suposições e suas incoerências no que diz respeito aos registros históricos: uma projeção inspirada pela própria história ideológica do Ocidente (i.e, o Iluminismo vs a Igreja).3

Com isso dito, como que a ascensão da produção científica na civilização Islâmica ocorreu? Quais foram suas maiores influências? E o subsequente declínio foi resultado de um conservadorismo religioso? Para responder essas questões, vamos precisar analisar os registros históricos e as concepções populares desses registros, enquanto pesquisando as mais recentes teorias alternativas. Antes disso, entretanto, deveríamos começar definindo muitos termos essenciais dessa discussão para adquirir um melhor entendimento do tópico.

Definindo Termos:

A questão inicial que deveria ser feita a respeito da discussão atrás da “ascensão e declínio da produção científica na civilização Islâmica” é como a mesma deveria ser conduzida; ou seja, quais são os termos e conceitos primários que precisam ser estabelecidos antes de examinar o problema em tela? Essa mesma questão se aplica a toda e qualquer investigação intelectual, seja ela na ciência, teologia, filosofia, direito ou história.

Portanto, o primeiro termo que precisa ser definido é a própria “ciência”. Entretanto, apesar do que alguém pode presumir, esse não é um feito simples, uma vez que o termo pode abranger uma variedade de significados diferentes dependendo do contexto em que é utilizado. Para citar de exemplo, o filósofo da ciência, Osman Bakar afirma:

“A ciência não é uma entidade que é óbvia para todo mundo…Para começar, tem discordâncias nos próprios usos terminológicos, seja o domínio do conhecimento de onde o termo “ciência” é aplicado é para ser limitado às ciências naturais, ou para ser ampliado para cobrir as ciências humanas e sociais também. Algumas pessoas usam a palavra das duas maneiras.”4

Falando de maneira geral, “ciência” pode ser simplesmente definida como um “corpo de conhecimento”. Nesse sentido, outro filósofo da ciência, Alparslan Açikgenç sugere que qualquer coisa digna de ser chamada de “ciência” precisa conter quatro características essenciais, a primeira é que deve ter um “assunto” ou um “objeto de estudo” que “exclua todos os assuntos de pesquisa não relacionados”.5 Em seguir, precisa ter um “método” ou “maneira na qual a investigação científica procede”.6 Depois, precisa conter uma “teoria” ou “formulação dada como solução provisória para certo problema”.7 E finalmente,  tem que ter uma “tradição” ou a função de adquirir novas informações que podem ser nomeadas e organizadas, levando a novas formações na comunidade acadêmica.8

Entretanto, apesar dessa definição ser útil em uma análise mais abrangente, discussões contemporâneas envolvendo fenômenos históricos da ascensão e declínio da ciência em alguma sociedade específica requerem um entendimento mais específico de “ciência” como “a prática e atividade intelectual envolvendo o estudo sistemático da estrutura e comportamento do mundo natural e físico através da observação e experimento.”9 e sua aplicação prática (i.e., tecnologia). Dito isso, é também relevante notar que embutido nessa especificação é a concepção popular de que a ciência é de alguma forma de valor neutro e de empreendimento objetivo, totalmente à parte do subjetivismo dos próprios cientistas. Porém, isso está equivocado e será expressamente desafiado através dessa discussão. Como o filósofo da ciência e polímata Ziauddin Sardar observa:

Pode ser argumentado que fatores ideológicos e políticos são externos à ciência. E que dentro da ciência, o método científico garante neutralidade e objetividade ao seguir estritamente a lógica – observação, experimentação, dedução e conclusões livres de valores. Mas cientistas não fazem observações em isolamento. Todas as observações são feitas dentro de uma teoria bem definida. As observações e coletas de dados que vão com eles são designadas ou para refutar uma teoria ou para apoiá-la. E as próprias teorias não são meramente jogadas no ar. Teorias existem dentro de paradigmas – isso é, um conjunto de crenças e dogmas.”10

As implicações de tal visão pode ser contraintuitiva; ao contrário de ser “objetivo”, fatos são completamente dependentes das teorias que cientistas constroem com o objetivo de compreender de maneira coerente suas experiências com o mundo externo. De fato, o conceito de “paradigma” se tornou um entendimento integral da natureza da ciência hoje dentro dos círculos acadêmicos e provê um fundamento no qual determina as motivações, alcance e interesses de pesquisa de uma comunidade científica. Explicando o motivo por trás desse conceito, o filósofo da ciência Thomas Kuhn (m. 1996) – que cunhou o termo em seu Magnum opus, “A Estrutura das Revoluções Científicas11 – explica que enquanto as experiências humanas são de fato universais, nosso entendimento dessas experiências varia de acordo com nossas crenças de fundo:

Se duas pessoas ficam no mesmo local e olham para a mesma direção, nós devemos…concluir que elas recebem estímulos muito semelhantes. (Se ambos pudessem colocar seus olhos no mesmo local, o estímulo seria idêntico). Mas as pessoas não veem o estímulo; nosso conhecimento deles é altamente teórico e abstrato. Ao invés eles têm sensações, e não estamos sob compulsão alguma para supor que as sensações de nossos dois observadores são as mesmas. (Céticos podem lembrar que o fenômeno daltônico não havia sido observado até a descrição de John Dalton em 1794.)”12

Portanto, longe de ser neutra, a prática e aplicação de qualquer ciência é inteiramente dependente de motivações axiológicas e metafísicas dos próprios cientistas.13 Por exemplo, a essência da produção científica dentro de uma sociedade secular pode diferenciar enormemente dos seus objetivos e resultados em uma sociedade mais inclinada para a religiosidade, porque os principais valores e crenças dos cientistas dentro de cada civilização vai certamente diferir. Enquanto o primeiro pode focar nos problemas e objetivos relacionados exclusivamente à preservação e funcionamento de um estado não religioso e seu povo, o segundo será motivado por um conjunto totalmente diferente de crenças e circunstâncias. Em outras palavras, cultura, ou “as ideias, costumes e comportamentos sociais de um povo específico ou sociedade,”14 determinam o que constitui “ciência”, incluindo teorias formadas para interpretar dados empíricos (i.e., “fatos”).15 Assim, o que entendemos como a tradição científica predominante hoje é na verdade “ciência Ocidental”, enquanto esse artigo discute a ascensão e declínio da percepção de ciência por parte das civilizações Islâmicas (i.e., “ciência Islâmica), como algo que ocorre dentro do contexto de uma cultura Islâmica, projetando os valores e crenças de cientistas Muçulmanos em seus trabalhos.16

Mas será que nosso entendimento de ciência também afeta nossa análise da história científica de alguma civilização? Certamente. Por exemplo, se nós formos adotar a supracitada “visão neutra”, a afirmação de que a ciência “ascendeu” e “decaiu” dentro da civilização Islâmica poderia ser nada mais que uma interpretação anacrônica de nossas próprias experiências com a ciência hoje. O resultado de tal visão nos traria à conclusão absurda de que ciência não existe no mundo Muçulmano contemporâneo ou está quase extinta. Longe de isso ser verdade, a ciência está viva e bem entre os muçulmanos – de iPhones até a última tecnologia médica – mas simplesmente não é mais pioneira na perspectiva Islâmica. Portanto, a concepção “carregada de valor” está muito mais alinhada com realidades históricas e contemporâneas. Isso é porque alguns historiadores da ciência, como George Saliba, definem “declínio” dentro do escopo da atividade científica de uma civilização como “uma era na qual a civilização passa a ser consumidora de ideias científicas ao invés de produzi-las.”17

Apesar da lógica, a concepção de ciência como neutra é ainda o mais popular entre os leigos. Assim, pode ser útil reformular certas categorias históricas para melhor refletir os elementos culturais essenciais para sua interpretação. Portanto, eu proponho que as categorias de “ascensão” e “declínio” sejam reconceituadas como “A Era da Produtividade” e “Era da Dependência”, respectivamente. Nenhuma dessas etiquetas supõe uma perspectiva neutra de uma ciência independente de suas influências culturais nem nos coloca em um dilema de ter que explicar como a ciência supostamente “decaiu” na civilização Islâmica apesar dos Muçulmanos contemporâneos possuírem tantos produtos de atividades científicas quanto os Ocidentais. Ao invés, eles representam de maneira mais precisa o presente status da ciência Islâmica como outrora um empreendimento produtivo que agora eclipsou e depende de elementos estrangeiros. Com isso dito, pelo bem da concisão, os termos “ascendeu” e “decaiu” ainda serão referenciados através do texto, mas devem ser vistos como intercaláveis com esses constructos revistos acima.

Finalmente, é necessário saber que aqueles termos representam primeiramente influências por trás da ascensão e declínio de qualquer tradição científica. Essas influências são importantes porque nos ajudam não somente a compreender os motivos por trás da ascensão e queda da ciência Islâmica, mas também nos oferece os meios para estipular quando ocorreram. Dessa maneira, o historiador da ciência, Toby Huff divide essas influências em duas categorias: “influencias internas” e “influências externas”. A primeira representa os “métodos, teorias, paradigmas e instrumentalização da ciência”, enquanto o segundo representa “estruturas culturais e institucionais que oferecem à busca científica um local seguro na vida intelectual da sociedade e da civilização”.18

Em outras palavras, influências internas são simplesmente percepções abstratas e práticas da ciência, enquanto influências externas constituem em fatores mais materiais que facilitam a manifestação e aplicação daquelas percepções (e.g., o governo financiando centros de pesquisa, bibliotecas, universidades etc). Com isso dito, eu também adicionaria na definição de Huff de “influências externas” coisas como guerra, booms e recessões econômicas, desastres naturais, pragas etc, levando em conta que esses fenômenos também cumprem um papel fundamental em determinar quando ou não uma sociedade estará focada em cultivar sua tradição científica e por quais motivos.

Com base na discussão acima, uma análise superficial da história por trás da Era de Produtividade da civilização Islâmica será oferecida. Enquanto não está dentro do escopo desse artigo em elucidar de maneira completa as várias opiniões referentes a esse assunto na história, um sumário das narrativas populares – e os problemas associados com elas – serão dadas para prover um plano de fundo para explicar as maiores influências por trás do desenvolvimento histórico da ciência Islâmica.

A ”Narrativa Clássica” e a Dissidência Acadêmica

Durante o advento do Islã no século VII, a Península Arábica, o poder dos Impérios Bizantino e Sassânida (Persas) estava começando a minguar com o surgimento de falhas internas na administração, expansionismo militar, economia, e os intermináveis conflitos um com o outro. Muçulmanos naquele tempo aproveitaram a vantagem dessas fraquezas e conquistaram ambos os impérios em questão de algumas décadas. Com o equilíbrio do poder mudando, a nova política Islâmica foi capaz de alocar seus recursos e tempo em criar um mundo que serviria para seus interesses. Como Dimitri Gutas diz:

A significância histórica das conquistas Árabes dificilmente pode ser superestimada. Egito e o Crescente Fértil foram reunidos com a Pérsia e Índia politicamente, administrativamente e mais importante, economicamente pela primeira vez desde Alexandre, o Grande…A grande divisão econômica e cultural que separava o mundo civilizado por mil anos antes do surgimento do Islã, a fronteira entre o Oriente e o Ocidente formada pelos dois grandes rios que criavam poderes antagônicos de ambos os lados deixou de existir. Isso permitiu a livre circulação de matérias brutas e bens manufaturados, produtos da agricultura e itens de luxo, pessoas e serviços, técnicas e habilidades, ideias, métodos, modos de pensar”.20

Apesar disso, Muçulmanos iriam eventualmente ser incapazes de sustentar sua dominação e começariam a contar com a dependência de ideias e invenções estrangeiras para competir com seus vizinhos. Como resultado, o equilíbrio de poder iria novamente mudar e Muçulmanos não mais iriam possuir a autonomia e dominação que outrora tiveram. Isso não é melhor evidenciado do que na situação da civilização Islâmica no período contemporâneo, que sofre para sobreviver em face da desunião e aos ataques da militarização Ocidental e sua monopolização da economia e tecnologia global.

Entretanto, quando discutindo a ascensão da produção científica na civilização Islâmica, historiadores tem frequentemente projetado uma narrativa que minimiza as influências internas dos valores Islâmicos, enquanto exagera nas influências externas de geopolítica como os principais fatores motivadores. Por outro lado, esses mesmos pesquisadores não hesitam em creditar o primeiro como sendo o fato de seu declínio. Essa visão Orientalista dos ocorridos,21 outrora referida como “Narrativa Clássica”, tem sido infelizmente a estrutura das análises por séculos dentro da civilização Ocidental, e agora dentre os Muçulmanos também, resultando em décadas de preconceitos e evidências suprimidas sem qualquer desafio. Com isso dito, houveram tentativas nos anos recentes de prover relatos alternativos. Por exemplo, o historiador da ciência George Saliba tem feito passos largos em desconstruir essa teoria e seus preconceitos, resumindo       suas maiores suposições na sua obra monumental, Ciência Islâmica e a Formação da Renascença Europeia:

Essa narrativa parece começar com a suposição de que a civilização Islâmica era uma civilização do deserto, longe da vida urbana, e que tinha poucas chances de desenvolver por si qualquer ciência que poderia ser de interesse de outras culturas. Essa civilização começou a desenvolver o pensamento científico quando entrou em contato com outras civilizações mais antigas, que são presumidas em ser mais avançadas…Essas civilizações vizinhas são normalmente dotadas de considerável antiguidade, com altos graus de produção científica (ao menos em certo período de sua história), e com um grau de vitalidade intelectual que não poderiam ter existido na civilização Islâmica do deserto.

Essa mesma narrativa nunca falha em recontar um empreendimento que foi de fato feito durante a era Islâmica: a ativa apropriação das ciências daquelas civilizações através de um obstinado processo de tradução. E esse movimento de tradução é dito como ter envolvido quase todos os textos filosóficos e científicos que aquelas civilizações antigas já produziram.

Nesse contexto, poucos autores iriam além dessa caracterização da Era de Ouro Islâmica como nada mais que uma reencenação das glórias da Grécia Antiga… Alguns as vezes arriscam dizer que a produção científica Islâmica de fato acrescentou ao corpus acumulado da ciência Grega algumas coisas, mas essa adição é geralmente retratada como nada que os Gregos não pudessem ter feito se lhes fosse concedido mais tempo.

A narrativa clássica, entretanto, persiste em imaginar que a ciência Islâmica que foi estimulada por essas extensivas traduções foi de curta vivência como empreendimento porque logo entrou em conflito com as forças mais tradicionais da sociedade Islâmica, geralmente designando ortodoxias religiosas de um tipo ou de outro. Os ataques anti-científicos que essas mesmas ortodoxias geraram supostamente teriam culminado na famosa obra do teólogo do século XI Abu Hamid al-Ghazali.”22

Saliba continua em negar essa narrativa como uma projeção Ocidental de sua própria história com a Igreja (i.e., uma guerra entre racionalismo e dogmas religiosos e institucionais),23 a primeira indicação do que seria um padrão duplo de atribuir zero créditos para os valores Islâmicos para a ascensão da ciência no mundo Muçulmano, enquanto propõe que seriam os mesmos valores os motivos para sua morte.

O acadêmico Muçulmano Muzaffar Iqbal observa que essa projeção pode ser traçada até o Orientalista Ignáz Goldziher (m. 1921) e seu artigo “A Atitude do Islã Ortodoxia em face das Ciências Antigas”, em que sugere que o declínio ocorreu por conta de atitudes negativas dos sábios muçulmanos a respeito das chamadas “ciências estrangeiras” dos Gregos e dos Persas” devido aos seus ensinos aparentemente antitéticos com a doutrina Islâmica.24 Essa “tese de conflito” iria eventualmente ganhar impulso, infiltrando-se nas obras dos mais populares historiadores do século XX até o período contemporâneo. Por exemplo Huff evidencia essa atitude quando escreve:

Se no longo prazo o pensamento científico e a criatividade intelectual devem ser mantidos vivos e devem avançar em novos domínios de conquista e criatividade, várias esferas de liberdade – o que chamaríamos de zonas neutras – devem existir dentro do qual grandes grupos de pessoas podem seguir um gênio livre de qualquer censura de autoridades políticas e religiosas. Além do mais, certas suposições filosóficas e metafísicas devem acompanhar essa liberdade. A medida em que se refere à ciência, indivíduos devem ser concebidos como dotados de razão, e o mundo deve ser pensado como um todo racional e consistente, e vários níveis de representação universal, participação e discurso devem estar disponíveis. É precisamente aqui que alguém encontra a grande fraqueza da civilização Árabe-Islâmica como uma incubadora da ciência moderna.”25

Huff reflete um evidente preconceito contra o pensamento teológico e as instituições da civilização Islâmica, indo tão longe ao ponto de usar a frase “ciências Árabes”, focando nas características linguistas/étnicas do movimento de tradução ao invés de qualquer influência perceptível da religião. De acordo com essa visão, a única contribuição positiva pelos muçulmanos durante esse período foi a unificação da sociedade através da mesma língua e a apropriação da filosofia Grega – um árduo esforço que paradoxalmente seria mais tarde destruído por um espírito anti-científico inerente ao próprio Islã. Entretanto, isso levanta a pergunta de como tal movimento seria possível se sentimentos anti-científicos existiam antes e durante de seu começo. Em outras palavras, se “ciências estrangeiras” já não fossem bem-vindas devido à sua natureza contrária às doutrinas Islâmicas, então é difícil determinar como elas foram toleradas em primeiro lugar por um período de tempo tão longo.

Apesar do impacto e popularidade da tese em conflito, numerosas anomalias foram encontradas na pesquisa de Goldziher, com alguns historiadores inclusive sugerindo que suas hipóteses só poderiam ser formadas através de frases descontextualizadas dos textos de sábios Muçulmanos.26 Como resultado, Sonja Brentjes27, Dimitri Guntas28, Ahmad Dallal29, e o anteriormente mencionado George Saliba tentaram oferecer perspectivas com maiores nuances e baseado em mais evidências no que tange à ciência Islâmica – o último acredito que tenha fornecido a melhor desconstrução, afirmando que a ascensão da ciência foi menos uma apropriação acidental do pensamento Grego e mais o resultado de preocupações pragmáticas da própria comunidade Muçulmana.

Saliba começa sua crítica da Narrativa Clássica ao primeiro endereçar quando essa ascensão de fato começou, opondo-se a simplesmente assumir que foi estimulada pelo nascimento repentino das traduções durante o reinado do califa abássida, Abu Jafar Abdullah al-Mamum ibn Harun al-Rashid (m. 833) entre 831-833 E.C.

De acordo com a lenda, o desejo de Al-Mamum em traduzir as obras Gregas originou-se de uma experiência mística na qual ele conheceu Aristóteles em um sonho, que o informou que ele deveria começar a adquirir conhecimentos científicos.30 Apesar desse relato não ser confirmado – e muito provavelmente um mito originado como uma explicação post-hoc – isso não dissuadiu os apoiadores da Narrativa Clássica de inclui-lo como evidência de como a produção científica miraculosamente surgiu na civilização Islâmica.

Conhecendo a tênue natureza da história dessa origem, Saliba descobre que o período do surgimento é muito anterior, ironicamente através de exames da fonte por trás da “narrativa do sonho” – o historiador muçulmano persa do século X, Muhammad ibn Abi Yaqub Ishaq al-Nadim (m. 940), que escreveu uma obra de história intelectual da civilização Islâmica em 987/988 E.C chamada Kitab al-Fihrist (Livro do Índice).31 Nessa obra, ele não só encontra a história do sonho de al-Mamum, mas vários outros apócrifos.

Movendo-se entre os numerosos relatos, Saliba conclui que al-Nadim estava simplesmente registrando histórias populares de seu tempo e não tinha a intenção de que todas elas fossem utilizadas para derivar uma narrativa histórica autêntica.32 Após um exame mais aprofundado, o uso do sonho de al-Mamum pelos Orientalistas aparece como sendo falso, já que o próprio al-Nadim via como tendo um impacto na propagação do conhecimento, e não a sua fonte. Isso é especialmente evidenciado pelo fato de que o título desse relato específico é “Menção do Motivo de Porque Livros de Filosofia e Outras Ciências Antigas se Tornaram Numerosos…”, e considera a história como sendo “um dos motivos”  por trás desse fenômeno.33

De maneira semelhante, al-Nadim contradiz a narrativa clássica ao afirmar que os Bizantinos consideravam suas próprias obras antigas como não permitidas de se aprender, já que elas eram “opostas à doutrina [Cristianismo] profética”, e mantiveram esse sentimento até o surgimento do Império Islâmico.34 Em outras palavras, Muçulmanos não desejaram traduzir esses textos por conta de um súbito contato com a cultura Bizantina, mas já estavam inclinados para um certo grau científico antes disso. Como mais eles poderiam saber sobre os textos Gregos e buscado por eles se não soubessem de seu valor? Como Dallal afirma:

Esse movimento de tradução forneceu a base do conhecimento das ciências emergentes. Mas enquanto isso explica parte do quadro, e verdadeiramente uma de suas partes mais importantes, ainda não fornece uma explicação completa de seus começos. Para começo, quais são as condições sociopolíticas e aptidão cultural que motivaram interesse na tradução e na ciência, em primeiro lugar? Segundo, quais são as condições e aptidões culturais que permitiram uma comunidade significativa de interesse em saber como traduzir textos científicos complexos, desenvolver a terminologia técnica necessária para a transferência do conhecimento científico entre as duas línguas, e entender os textos científicos enquanto eram traduzidos, e construtivamente engajar o conhecimento derivado deles? Vendo sob essa ótica, a tradução não é um processo mecânico, mas parte de um complexo processo histórico que não é reduzível à transferência de conhecimento externo; ao invés, envolve forças intrínsecas à cultura acolhedora – mais importante, as condições epistemológicas internas da cultura Islâmica no tempo das traduções.”35

Entretanto, não é surpreendente que acadêmicos adeptos da Narrativa Clássica fossem seletivos na leitura desses relatos – preferindo molda-los de acordo com suas ideias pré-concebidas ao invés de tentar examinar criticamente. Como mencionado anteriormente por Saliba, a projeção da experiência Ocidental com dogmas religiosos e instituições serviu largamente como pano de fundo através do qual outros acontecimentos históricos e outras culturas seriam interpretados. Como consequência, Orientalistas tem ativamente pesquisado apenas por aqueles pontos de evidência que parecem confirmar seu entendimento. Alinhado com isso, o relato do sonho de al-Mamum também serve como um meio conveniente para amarrar em registros históricos adicionais que corroboram com a Narrativa Clássica – como foi durante o seu reinado (813-833 E.C.) uma das maiores controvérsias teológicas dentro da civilização Islâmica: o surgimento dos Mutazilah.

De acordo com o filósofo Muçulmano Seyyed Hossein Nasr, os Mutazilah foram um grupo de teólogos que “dominaram a cena teológica no Iraque por mais de um século e desenvolveram um imponente edifício teológico baseado na ênfase do uso da razão nos assuntos relativos à religião e a importância do livre arbítrio”.36 Sua “abordagem racional” para as doutrinas básicas da fé levou eles a serem considerados heréticos, assim como o completo obscurecimento de Allah para um mero conceito abstrato totalmente incompreensível ao intelecto humano. Isso era oposto à visão mais ortodoxa de que enquanto a Essência Divina não pode ser compreendida em sua totalidade, Seus Atributos – como mencionado nos textos islâmicos – possuía uma realidade que ao menos era relativamente compreensível para o leigo Muçulmano. Entretanto, os Mutazilah obtiveram sua infâmia por um ponto muito mais controverso: de que o Alcorão foi criado e não era a eterna Palavra de Allah.37

Mas por que tal controvérsia teológica foi tão importante para os Orientalistas? Porque foi al-Mamum, tão convencido da veracidade dos Mutazilah durante seu reinado, que sancionou a imposição de suas doutrinas na maioria da comunidade Muçulmana – indo ao ponto de implementa-la como teste decisivo para julgar a autenticidade da fé de um indivíduo.38 Portanto, essa procura por um exemplo óbvio de “guerra” racionalismo e religião pode ser convenientemente traçado do sonho de al-Mamum, o estabelecimento dos Mutazilah e o subsequente surgimento da produção científica na civilização Islâmica. Entretanto, à parte da óbvia má interpretação dos registros de al-Nadim, esse sentimento se baseia em curtas influências (34 anos) de um grupo neutralizado e eventualmente derrubado pelos religiosos mais conservadores da sociedade através da ascensão do califa Abu Fadl Jafar ibn Muhammad al-Mutasim billah al-Mutawakkil (m. 861).39 Em outras palavras, é duvidoso que os chamados “racionalistas” – governando por tão pouco tempo – pudessem ser os precursores dos subsequentes sete séculos de progresso científico e capacidade de invenção, que ficou sob o controle de seus oponentes teológicos e intelectuais.

Como alternativa, Saliba pensa que um relato mais plausível através do qual al-Nadim recorda uma história de como o segundo califa Omíada, Khalid ibn Yazid ibn Muawiya (m. 704) ordenou que alguns filósofos traduzissem obras Gregas de alquimia para o Árabe por motivos desconhecidos. Ele parece conectar esse ocorrido com a tradução posterior de registros de governo (diwans) durante o reinado do quinto califa Omíada, Abd al-Malik ibn Marwan (m. 705), que governou entre 685-705 E.C., juntamente com seu governante no Iraque, Abu Muhammad al-Hajjaj ibn Yusuf (m. 714):

Khalid ibn Yazid ibn Muawiyah era chamado de “O Sábio da Família Marwan”. Ele era inerentemente virtuoso, com um interesse e carinho pelas ciências. Como a Arte [alquimia] chamou sua atenção, ele ordenou que um grupo de filósofos Gregos que estavam vivendo em uma cidade no Egito fossem até ele. Porque estava preocupado com o Árabe literário, mandou que traduzissem os livros sobre a Arte do Grego e Copta para o Árabe. Essa foi a primeira tradução no Islã de uma língua para outra.

Depois, no tempo de al-Hajjaj [Ibn Yusuf] os registros, que estavam em Persa, foram traduzidos para o Árabe.

Os registros em Damasco estavam em Grego…Eles foram traduzidos durante o período de Hisham Abd al-Malik…É [também] dito que os registros foram traduzidos durante o período de Abd al-Malik [ibn Marwan].”40

A primeira parte da história não é explicada de maneira precisa por al-Nadim além da menção do “amor pela ciência” de Khalid. Essa pequena história – pela qual há pouca explicação além do mencionado acima – é considerada por ele como sendo a primeira tentativa de tradução. Entretanto, quando examinamos fontes adicionais dessa história, elas indicam que Khalid tinha motivado um pouco Abd al-Malik para traduzir essas obras com base no desejo de Malik para cunhar moedas exclusivas da política Islâmica. Antes disso, muçulmanos dependiam de moedas Bizantinas e Persas. Isso indica que a motivação primária por trás desse desejo de tradução e aprendizado de obras de alquimia foi simplesmente um assunto relativo ao recém-formado império Islâmico aspirando se tornar independente de seus vizinhos e sendo autossustentável.41

Da mesma maneira, registros governamentais foram simplesmente traduzidos para objetivos pragmáticos, levando em consideração que eles constituíam a fundação da fortaleza operacional do estado. Mas por quais motivos esses registros foram primeiramente traduzidos em Persa e em Grego? Isso tinha a ver com o simples fato de que os Persas e Bizantinas eram reconhecidos em seu tempo por sua aptidão em “manejar operações aritméticas, transferências de frações e afins”, uma habilidade necessária para produzir registros do tipo.42 Assim, Abd al-Malik sentiu a necessidade de “arabizar” os diwans ao ponto de prover um melhor acesso a esses registros dentre seus oficiais, assim como produzir maior eficiência na administração do estado e na circulação interna de riquezas.

Como resultado, esses interesses práticos para a transparência e administração eficiente das finanças do estado levou para não intencionais – mas frutíferas – consequências. Uma vez que os registros dos dinwans não só exigiam habilidades em aritmética, mas também em astronomia (para ser possível precisar o período de coleta de impostos), geometria (levantamento de terras) e o conhecimento de pesos e medidas (para o comércio), isso levou a um desejo de traduzir obras relacionadas com essas áreas, assim como a subsequente educação dos falantes de Árabe nativos que queriam se qualificar para ocupar postos no governo.43 Em outras palavras, um oficial civil dentro do recém formado império muçulmano seria o trampolim pelo qual outros textos científicos seriam buscados, traduzidos e absorvidos. Esse efeito dominó iria eventualmente facilitar questões relacionadas com a prática religiosa (ibadah) também. Por exemplo, astronomia era também necessária para calcular o período específico para os atos de adoração, como a oração (salat), o mês do jejum (Ramadã), feriados (Eid), assim efetivamente organizando e administrando as atividades mais essenciais da comunidade Muçulmana.

O Islã como Valores – A Ciência como Ferramenta

Resumindo a discussão acima, o movimento de tradução não começou repentinamente com os abássidas, mas foi iniciado durante a dinastia Omíada; por razões práticas relacionadas com a política islâmica daquele tempo. Em outras palavras, a influência interna dos valores Islâmicas foi o principal fator motivador por trás da inicial aquisição e utilização da ciência. Embora nunca explicitamente propagado no Alcorão ou nos ditos e ações do Profeta Muhammad ﷺ, uma forma de intelectualismo científico já estava sendo cultivado dentre os Muçulmanos durante o período clássico, guiado pelo desejo de implementar seus valores baseados na própria tradição Islâmica. Por exemplo, o Alcorão claramente provê uma motivação prática para o estudo científico:

E vos submeteu tudo quanto existe nos céus e na terra,
pois tudo d’Ele emana. Em verdade, nisto há sinais para os
que meditam. E vos submeteu tudo quanto existe nos céus e na terra,
pois tudo d’Ele emana. Em verdade, nisto há sinais para os
que meditam.”
(Alcorão, 45:13)

Indo mais além, o Profeta Muhammad ﷺ  incentivou a procura pelo conhecimento da mesma maneira, focando principalmente em sua utilidade:

Um servo de Allah vai permanecer em pé no Dia do Julgamento até que seja questionado sobre seu (tempo na terra) e…sobre seu conhecimento e como o utilizou…” (Al-Tirmidhi, #148)

“Conhecimento do qual benefício algum é derivado é feito um tesouro em que nada é gasto pela causa de Allah.” (Al-Tirmidhi, #108)

“Allah, Seus anjos e todos aqueles nos Céus e na Terra, até mesmo formigas em suas montanhas e peixes na água, clamam bênçãos para aqueles que instruem os outros em conhecimentos benéficos.” (Al-Tirmidhi, #422)

 Esses ahadith ordenam os muçulmanos a buscar conhecimento que seja “benéfico” e para “utiliza-los”, implicando que o seu valor vai além de sua aquisição. Para citar de exemplo, muitas pessoas sabem a diferença de algo que é considerado moralmente virtuoso de algo que é considerado moralmente aberrante, porém esse conhecimento tem valor algum se não é utilizado para encorajar a virtude e se manter distante dos vícios. Da mesma maneira, saber como realizar uma cirurgia cardíaca não tem valor algum a menos que a pessoa de fato a realize ou ensine isso aos demais. Assim, de acordo com o Islã, apenas saber algo não é o suficiente para isso ser considerado “benéfico”.

Sardar observa que foi essa visão pragmática do conhecimento – e da ciência e tecnologia mais especificamente – que os primeiros Muçulmanos praticaram e implementaram:

“Os acadêmicos clássicos do Islã estavam preocupados que com a procura pelo conhecimento as necessidades da comunidade não fossem perdidas de vista, aquele clima não deveria criar efeitos sociais indesejáveis, não devendo chegar a tais níveis de abstração ao ponto de afastar o homem de seu mundo e de seus companheiros, ou a confusão [ao invés] do esclarecimento. Sob esse ponto de vista a ciência é guiada por um caminho do meio. Enquanto deve ser socialmente relevante, a ideia puramente utilitária da ciência é rejeitada. Mais adianta, não tem algo como a ciência pelo bem dela mesma; ainda a busca pelo puro conhecimento para a perfeição do homem é encorajada. Ciência, longe de ser usada como fim em si mesmo, deve ser instrumento para atingir um objetivo maior.”44

Essa percepção deveria eventualmente resultar no estabelecimento de uma tradição científica com base na tradição Islâmica (i.e., motivado pela percepção e prática dos valores Islâmicos). Mas de qual forma essa nova ciência difere de qualquer outra? A respeito disso, o historiador da ciência Jamil Regep – comentando sobre a prática da astronomia durante o período medieval – observa as duas aproximações normalmente adotadas pelos cientistas Muçulmanos até hoje:

De maneira geral, alguém pode identificar duas maneiras distintas em que as influências religiosas se manifestaram na astronomia Islâmica medieval. Primeiro, havia a tentativa de atribuir valor religioso à astronomia…A segunda maneira é como a influência religiosa aparece é na tentativa de transformar a astronomia o mais neutro metafisicamente possível, de maneira a assegurar que ela não desafiasse diretamente a doutrina Islâmica.45

A primeira forma mencionada é o que pode ser considerado de aproximação “ativa” em direção ao estudo do mundo natural, no que cientistas Muçulmanos tentaram associar diretamente seus valores com uma prática científica específica. Um exemplo do gênero foi Ala al Din Ali ibn Ibrahim ibn al-Shatir (m. 1375), um mero muwaqqit (alguém encarregado dos tempos de oração) na Mesquita Omíada de Damasco. Apesar de não ter outra carreira além de simplesmente assegurar que todo mundo soubesse as horas corretas para as orações obrigatórias, isso não o impediu de ter ambições maiores a respeito de sua tarefa.

Durante seu tempo livre – que ele tinha muito – al-Shatir construiu instrumentos mais precisos (e.g., relógios de sol) e realizou estudos teóricos nos movimentos celestes para melhor exercer suas obrigações. Consequentemente, devido às suas atividades complementares, al-Shatir foi capaz de formular um modelo para os planas que foi visivelmente utilizado por Copérnico no seu desenvolvimento da teoria heliocêntrica cerca de dois séculos mais tarde. Isso levou pesquisadores a especular se o anterior pode ter influenciado o pensamento do posterior.46

A outra maneira na qual cientistas Muçulmanos direcionaram seus estudos pode ser visto de forma mais “passiva”; ao invés de associarem seus valores diretamente com sua pesquisa e observações, eles iriam se esquivar de quaisquer ideias ou perguntas tidas como contrárias àqueles valores. Isso não é nenhuma surpresa, uma vez que a própria percepção de ciência como ferramenta de suporte ou pela qual é suportada, os valores poderiam ser minados se alguma pesquisa fosse contrária aos princípios do Islã. Ainda assim, a prática de tal passividade parece contradizer as afirmações anteriores de que o Islã encoraja a aquisição do conhecimento. Entretanto, esse sentimento é desconexo se reflete a antiquada visão de ciência como sendo um empreendimento “neutro” – em primeiro lugar, os tipos de conhecimento adquiridos são determinados pelos valores culturais. Por exemplo, esses limites autoimpostos não são necessariamente prejudiciais. Como exemplo para ilustrar, cientistas Muçulmanos eventualmente foram capazes de desenvolver a área da astronomia em novas e mais progressivas direções ao abandonar os antigos paradigmas de seus predecessores (i.e., filosofia natural aristotélica) na qual sustentava vários conceitos contrários à doutrina Islâmica, como a astrologia. Saliba resume essa revolução científica da seguinte maneira:

Por conta da encruzilhada entre religião e astronomia, e por isso a encruzilhada entre ciência e religião…a nova astronomia de haya foi desenvolvida em conjunto com os requisitos religiosos do Islã inicial. De certa maneira, essa nova astronomia poderia ser definida como religiosamente guiada para longe da astrologia. Com a pressão dos blocos anti-astrologia, geralmente de natureza religiosa ou aliados com forças religiosas, a astronomia tinha que ser reorientada para se tornar mais feito uma disciplina com o foco da descrição fenomenológica do comportamento do mundo físico, desviando-se da investigação das influências que suas esferas exercem na região sublunar como a astrologia requeria.” 47

Um exemplo notável de uma manifestação bem-sucedida dessa aproximação passiva pode ser encontrada em Ala al-din Ali bin Muhammad al-Qushji (m. 1474), o astrônomo do século XV E.C que cresceu nas cortes de Samarqanda – um dos centros científicos daquele tempo – e eventualmente assumiu uma cadeira no ensino de astronomia e matemática na madrassa de Aya Sofia em Istambul durante os últimos anos de sua vida­.48 Comentando sobre a oposição teológica à astronomia durante esse período, Ragep observa as tentativas de al-Qushi de agradar os teólogos enquanto simultaneamente defendia sua prática científica:

“Qushi é claramente sensível à posição Ashari [teólogos] sobre a causalidade, e ele faz observações interessantes de que suas objeções sobre isso, ao menos no que tange à astronomia, tem a ver com a disputa de uma ligação causal entre a posição das orbes e eventos terrestres (especialmente “circunstâncias incomuns”). Para dar a volta sobre tais objeções, Qushi insiste que a astronomia não precisa de filosofia, uma vez que alguém poderia construir um edifício inteiro de esferas se quisesse para fins astronômicos usando apenas geometria, suposições racionais, julgamentos apropriados e hipóteses provisionais. Essas premissas permitem os astrônomos [nas palavras de Qushi]: “conceber {takhayyalu} entre as possíveis aproximações na qual as circunstâncias dos planetas em suas múltiplas irregularidades podem ser colocadas em ordem de tal maneira a facilitar sua determinação de posições e conjunções a qualquer momento que eles desejem para que se conforme com a percepção {hiss} e a visão {iyn}.

O que faz da posição de Qushi fascinante são algumas das repercussões que isso teve para seu trabalho astronômico. Uma vez que ele afirma não estar mais conectado com os princípios da física Aristotélica, ele se sente livre para explorar outras possibilidades, inclusive a rotação da Terra.­­­­49

Como resultado de Al-Qushi ter abandonado a “antiga ordem” do Aristotelismo pelo bem de seus próprios valores, ele não somente foi capaz de desafiar a astronomia de seu tempo através de modelos astronômicos melhor fundamentados, mas também levou aos argumentos de que a rotação da Terra era uma possibilidade, assim pavimentando o caminho em direção à construção do paradigma heliocêntrico de Copérnico menos de um século depois.50 Em outras ­palavras, aqueles limites impostos na mentalidade Muçulmana, quando investigando o funcionamento do mundo natural, também serviu como alternativas libertadoras aos antiquados paradigmas, ajudando a alavancar as ciências de maneira significante e revolucionária.

Entretanto, apenas saber porque os Muçulmanos endereçavam a ciência da maneira que faziam não nos informa necessariamente como essas alternativas foram construídas – é apenas uma parte da equação. Saber a forma é diferente de saber sua substância. Assim, nós também precisamos saber quais eram os valores específicos que definiam a essência do empreendimento científico Islâmico e o que motivou os cientistas Muçulmanos à explorar o mundo natural da maneira que fizeram. Nesse sentido, muitos acadêmicos contemporâneos tem tentado oferecer critérios específicos para o que constitui “valores científicos Islâmicos”. Como um caso em questão, Sardar cita que em 1981 um seminário foi realizado em Estocolmo, Suécia, onde cientistas Muçulmanos ao redor do mundo tentaram construir uma lista daqueles mesmos valores. O que foi concordado na conferência consistiu em uma lista de 10 conceitos.51­ Os quatro primeiros são considerados independentes e também fundamentais para os demais:

1- Tawhid (Unicidade Divina)

“Dize: Ele é Deus, o Único! Deus! O Absoluto! Jamais gerou ou foi gerado! E ninguém é comparável a Ele!” (Alcorão, 112: 1-4)

O conceito da Unicidade de Allah é central para a doutrina Islâmica; até uma surah inteira do Alcorão é dedicada para sua explicação. Assim, Muçulmanos são obrigados não somente a acreditar nesse princípio – e todos os Atributos específicos de Allah – mas também a não acreditar em qualquer coisa que viesse a contradize-lo o mínimo que fosse. A implicação disso é de que o Islã reina supremo em todos os assuntos concernentes ao entendimento da realidade de alguém, juntamente com sua percepção de ciência. Com isso dito, esse conceito também motiva alguém a inferir unidade em todos os aspectos da realidade, assim como com a humanidade (i.e., anti-racismo, anti-xenofobia etc) e a conexão entre conhecimento e valores.

2- Khilafah (Tutela)

“(Recorda-te ó Profeta) de quando teu Senhor disse aos anjos: Vou instituir um legatário na terra! Perguntaram-Lhe: Estabelecerás nela quem alí fará corrupção, derramando sangue, enquanto nós celebramos Teus louvores, glorificando-Te? Disse (o Senhor): Eu sei o que vós ignorais.” (Alcorão, 2:30)

Ó Davi, em verdade, designamos-te como legatário na terra, Julga, pois entre os humanos com equidade e não te entregues à concupiscência, para que não te desvies da senda de Deus! Sabei que aqueles que se desviam da senda de Deus sofrerão um severo castigo, por terem esquecido o Dia da Rendição de Contas.” (Alcorão, 38:26)

O conceito da tutela humana na terra é importante pois dita a maneira em que a humanidade deve ser compreendida em seu local de existência: como responsabilidade e dever no qual o resto da criação foi confiada pelo seu Criador. Porque Allah colocou humanos na Terra para essa tarefa, nós devemos levar com seriedade esse status. As implicações desse conceito se manifestam na preocupação humana pelo meio ambiente, seu impacto na saúde do planeta, animais e outros seres humanos, assim como na finalidade da ciência e tecnologia.

3- Ibadah(Adoração):

“Não criei os gênios e os humanos, senão para Me adorarem” (Alcorão, 51:56)

Em sequência ao conceito de tutela, os Muçulmanos também foram informados pelo Criador que seu propósito na vida é adorar Ele. Nesse sentido, a obrigação de nutrir e preservar a terra e todos os seres vivos e coisas não vivas, é explicitamente visto como um ato de adoração. Portanto, entender o mundo natural e aplicar esse conhecimento é uma questão ética, seja através da biologia, química, física, engenharia, medicina etc, todos são atos que cumprem com o propósito do Muçulmano na vida de acordo com o Islã.

4- Ilm (Conhecimento):

Na criação dos céus e da terra e na alternância do dia e da noite há sinais para os sensatos, que mencionam Deus, estando em pé, sentados ou deitados, e meditam na criação dos céus e da terra, dizendo: Ó Senhor nosso, não criaste isto em vão. Glorificado sejas! Preserva-nos do tormento infernal!” (Alcorão, 3:190-191).

Como mencionado anteriormente, a aquisição de conhecimento benéfico é um dos traços mais proeminentes dos ensinamentos Islâmicos. Os muçulmanos são constantemente questionados através do Alcorão para “refletir” nos sinais da criação e usar sua razão para a averiguação das maravilhas do mundo e na sabedoria por trás de sua existência.

Embora considerado igualmente importante, os seis valores subsequentes dependem dos quatro mencionados acima e funcionam como três pares constratantes:

5-6 – Halal (Permitido) v. Haram (Proibido):

Ó fiéis, as bebidas inebriantes, os jogos de azar, a dedicação às pedras e as adivinhações com setas, são manobras abomináveis de Satanás. Evitai-os, pois, para que prospereis.” (Alcorão, 5:90)

O que o Islã considera “louvável” ou “condenável” é essencial para como os cientistas muçulmanos lidam com suas áreas. Por exemplo, os Muçulmanos são obrigados a desenvolver medicamentos que não envolvam intoxicantes ou certos animais tidos como “impuros” (e.g., porco). Como resultado, médicos oriundos da tradição Islâmica vão procurar ingredientes alternativos que podem oferecer efeitos benéficos para seus pacientes. Mais além, atos infundados e impraticáveis envolvendo adivinhação (e.g., astrologia) são proibidos, permitindo que os Muçulmanos se concentrem em meios mais efetivos e realistas de experimentação e sua subsequente aplicação.

7-8 – Adl (Justiça) v. Zulm (Tirania):

Ó fiéis, sede firmes em observardes a justiça, atuando de testemunhas, por amor a Deus, ainda que o testemunho seja contra vós mesmos, contra os vossos pais ou contra os vossos parentes, seja contra vós mesmos, contra os vossos pais ou contra os vossos parentes, seja o acusado rico ou pobre, porque a Deus incumbe protegê-los. Portanto, não sigais os vossos caprichos, para não serdes injustos; e se falseardes o vosso testemunho ou vos recusardes a prestá-lo, sabei que Deus está bem inteirado de tudo quanto fazeis.” (Alcorão, 4:135)

O estabelecimento da justiça contra a tirania é outro aspecto essencial da cosmovisão dos cientistas Muçulmanos, levando somente para o desenvolvimento de práticas científicas benéficas e não prejudicais. Por exemplo, qualquer abordagem ao mundo natural que leva à injustiça contra as pessoas ou ao meio ambiente deve ser imediatamente evitada; e qualquer ciência realizada para o estrito benefício pessoal sob as custas dos demais é também proibido.

9-10 – Istislah/Maslahah (Interesse Público) v. Israf/Tabdhir (Desperdício)52:

Concede a teu parente o que lhe é devido, bem como ao necessitado e ao viajante, mas não sejas perdulário, porque os perdulários são irmãos dos demônios, e o demônio foi ingrato para com o seu Senhor. Porém, se te absténs (ó Mohammad) de privar com eles com o fim de alcançares a misericórdia de teu Senhor, a qual almejas, fala-lhes afetuosamente.” (Alcorão, 17:26-28)

O último par de conceitos continua a estabelecer uma ética humanitária e ambientalista nos cientistas Muçulmanos, limitando seus objetivos para o melhoramento da humanidade e os restringindo dos excessos que causariam danos desnecessários. Por exemplo, a produção de algum tipo de energia ou combustível, fonte de alimento ou material de construção, devem ser para a facilitação da sobrevivência humana e seu conforto, mas não devem ser superproduzidos ao ponto de criarem poluentes desnecessários que acabem fazendo mal para às pessoas ou ao meio ambiente de onde foram cultivados.

Apesar dessa lista não ser considerada como exaustiva por alguns, tem sido uma das tentativas de construir uma lista definitiva dos valores científicos Islâmicos. Esses construtos também ajudam a exemplificar a essência do empreendimento científico Islâmico, refletindo as realidades históricas das comunidades Muçulmanas iniciais e sua aproximação em direção ao mundo natural. De várias maneiras então, as tentativas de entender a realidade por parte dos cientistas Muçulmanos e se beneficiar disso foram manifestações do estrito seguimento de seu próprio ethos. Então enquanto o Islã não é explícito em construir um entendimento próprio de ciência, certamente pode ser creditado como o paradigma central que motivou os Muçulmanos a formar as práticas e teorias que fizeram – tanto ativa quanto passivamente – e facilitaram as descobertas científicas genuínas fora do pensamento Grego, que havia sido dominante por séculos antes.

Como os cientistas muçulmanos praticaram suas áreas e viam o mundo através de seus próprios valores não é um fenômeno novo na história da ciência, nem é uma anomalia com base em como a ciência é praticada hoje. Pelo contrário, muitos pensadores influentes têm subscrito a essa percepção. Um filósofo nesse sentido, chamado John Dewey (m. 1952) chegou a cunhar o termo “Instrumentalismo” para descrever essa práxis normativa da ciência na história:

“O ofício da ciência da física é o de descobrir aquelas propriedades e relações de coisas nas virtudes na qual são capazes de ser usadas como instrumentalidades; a ciência física faz afirmações para revelar não a natureza interior das coisas, mas apenas aquelas conexões das coisas umas com as outras que determinam o resultado e consequentemente podem ser usados como meios.53

Dewey estava entre os percursores que desafiaram a noção do realismo científico, ou a ideia de que teorias e seus fatos subalternos correspondem inteiramente à realidade.54 Como um antirrealista, ele acreditava que a ciência não era uma medida aproximada a verdade, mas sim limitada pelos seus objetivos e também pelas intenções e desejos dos próprios cientistas. Ninguém possivelmente pode ter uma descrição completa do mundo físico porque ninguém tem uma explicação completa dos dados, nem pode ver além dos contextos culturais pelos quais definem e organizam suas experiências de maneira significativa. Portanto, a construção de teorias é um empreendimento totalmente subjetivo, onde “verdade” não é definida de maneira absoluta, mas sim de acordo com o que funciona em direção ao fim desejado; as melhores teorias são aquelas que produzem os melhores resultados.

A visão de Dewey iria mais adiante e inspiraria outros filósofos da ciência, incluindo Willar Quine (m. 2000) e o já mencionado Thomas Kuhn, formando uma tradição filosófica hoje conhecida como “Pragmatismo”. E apesar desse entendimento de ciência ser particularmente novo – como foi em resposta a um conjunto de problemas emanados do século XX – filósofos oriundos dessa tradição promoveram suas ideias como sendo a mais coerente e funcional maneira de entender a práxis histórico-nomartiva da ciência. Infelizmente, a visão da ciência como sendo “neutra” e “objetiva” é ainda o paradigma dominante entre a comunidade leiga. Isso levanta a pergunta de por que e como uma relação tão distante existe entre esses dois grupos (uma análise que está além do escopo desse artigo). Com aquilo de lado, a concepção dos Pragmáticos parece melhor representar as realidades históricas das práticas científicas Muçulmanas iniciais, porque a Narrativa Clássica – baseada no realismo científico – está tão obviamente errada na sua suposição central de que os valores islâmicos foram irrelevantes ou aversos à produção científica.

Portanto, seria apropriado resumir a ciência Islâmica como um empreendimento no qual adota uma abordagem instrumentalista levando em consideração os valores Islâmicos. Da mesma maneira, nós podemos definir a ciência contemporânea como adotando uma forma secular de instrumentalismo, levando em consideração que o ethos Ocidental é o dominante e mais influente no período contempoêaneo.

Entretanto, agora sabendo das influências internas na ascensão da produção científica, como isso foi correlacionado com aquelas influências externas à civilização Islâmica? Trabalhando em simbiose com os valores Islâmicos, o ambiente que os Muçulmanos viveram na época também cumpriram um papel importante. Em outras palavras, o desejo de funcionar como uma comunidade efetiva através da unificação da língua e protocolos administrativos também foram motivados pela necessidade de sobreviver e competir com outros impérios hostis (i.e., Bizantinos e Sassânidas) que cercavam a política Islâmica. Portanto, a aquisição de ciências e sua subsequente tradução foram estimulados não somente pelos valores em comum da comunidade Muçulmana, mas também pelas condições que provocaram aqueles valores a serem expressados e protegidos.

Al-Ghazali: Vilão ou Bode Expiatório?

Devido à falta de habilidade de Narrativa Clássica em adequadamente representar os registros históricos sobre a ascensão da produtividade científica na civilização Islâmica, também é inadequada em representar seu declínio. Em outras palavras, sugerir que os valores que estimularam a investigação científica e a engenhosidade eram simultaneamente responsáveis pela sua estagnação é nada mais que um arquétipo exemplo de incoerência. Entretanto, por mais simples que possa ser descartar a Narrativa Clássica usando tão somente a lógica, ainda penso que seja necessário tratar de alguns de seus melhores argumentos relacionados ao declínio, apenas para o bem de acentuar a eficácia de uma teoria alternativa.

É normalmente um consenso de que a Era da Dependência começou por volta do século XVI, conforme a produção científica no mundo Muçulmano notavelmente começou a estagnar. As fases iniciais do declínio coincidiram com um aumento da dependência de instituições, tecnologias e teorias emanadas da Europa. Gradualmente, essa dependência se tornou uma característica duradoura da civilização Islâmica, culminando em sua total subserviência intelectual aos poderes estrangeiros nos séculos XIX e XX – uma realidade bem aparente para os Muçulmanos hoje.55 Como isso tudo ocorreu é ainda indefinido pelos historiadores da ciência, muito por conta de um recente ceticismo relacionado às conclusões oferecidas pela Narrativa Clássica. Esse escrutínio não foi sem motivo, sendo o mais proeminente exemplo relacionado ao retrato dos Orientalistas sobre o já mencionado al-Ghazali, o arquétipo antagonista da drama histórica entre “racionalidade” e “religião”.

Embora não tenha sido esclarecido o porquê desse eminente sábio ter sido escolhido como o primeiro culpado, expoentes da Narrativa Clássica sugerem que tem algo a ver com a sua agora famosa refutação da filosofia Aristotélica chamado Tahafut al-Falasifa (A Incoerência dos Filósofos). Como dizem, os Muçulmanos eram cientificamente produtivos pois adotaram a estrutura racoinal da filosofia Grega (leia-se ‘Ocidental’), e então de repente um acadêmico surgiu, expressou suas ideias, e esse foi o fim do pensamento racional como conhecemos. Deixando de lado a curiosa circunstância de uma sociedade supremamente racional sucumbindo para a suposta irracionalidade de um homem, exsitem vários problemas com essa perspectiva; a primeira sendo as intenções abertas de al-Ghazali na abertura de seu tratado.

Logo na introdução do Tahafut, al-Ghazali faz uma lista detalhada das visões que ele deseja refutar, enquanto mostra as ideias que ele não possui qualquer tipo de problema. De maneira particular, ele menciona astronomia e matemática como exemplos do segundo, chegando ao ponto de denunciar qualquer um que tente argumentar contra eles:

“Outro exemplo [do que eu concordo] é a frase deles: “O eclipse solar significa a presença do orbe lunar entre o observador e o sol. Isso ocorre quando o sol e a lua estão simultaneamente em dois nodos em um grau”. Esse tópico também é um dos quais não iremos nos mergulhar, uma vez que não serve à propósito algum. Quem quer que pense que entrar em uma discussão para refutar tal teoria é uma obrigação religiosa, prejudica a religião e a enfraquece. Para esses assuntos que se baseiam em demonstrações – geométricos e aritméticos – não deixam espaço para dúvidas. Entretanto, quando alguém estuda essas demonstrações e verifica suas provas, derivando assim informação sobre o tempo e dois eclipses [e] sua duração e extensão, é dito que isso é contrário à religião, [tal indivíduo] não irá suspeitar dessa [ciência, mas sim] somente a religião. O dano causado na religião por aqueles que a defendem em uma maneira não apropriada para a mesma é maior do que [o dano causado] por aqueles que a atacam de maneira específica. E como foi dito: “Um inimigo racional é melhor que um amigo ignorante”.56

Então, se al-Ghazali não se opunha ao entendimento convencional de ciência, então o que ele estava argumentando contra e como ele foi o responsável por fazer surgir a Era da Dependência? Para responder essa primeira questão, al-Ghazali deixou bem claro que suas críticas aos filósofos concernem a nada mais que suas crenças em abstrações que não são possíveis de ser verificadas empiricamente que vão contra o Islã:

Quando percebi essa veia de loucura pulsante desses idiotas, tomei sobre mim a responsabilidade de escrever esse livro em refutação aos filósofos antigos, para mostrar a incoerência de sua crença e a contradição de sua palavra em assuntos relacionados à metafísica; para revelar os perigos de suas doutrinas e suas falhas, o que em verdade verificável são objetos de risos para o racional e uma lição para o inteligente – me refiro aos tipos de crenças e opiniões que eles mantêm que os coloca à parte da população e o homem comim. [Eu farei isso] descrevendo ao mesmo tempo o que a doutrina deles de fato é, para que fique claro para aqueles que abraçam a descrença através da imitação de que todos os pensadores significativos, do passado ou presente, concordam na crença em Deus e no último dia; que suas diferenças reduzam a meros detalhes alheios aos pontos principais (pelo bem do qual os profetas, sustentados pelos seus milagres, foram enviados); que ninguém tenha negado essas duas [crenças] ao invés do remanescente das mentes perversas que sustentam opiniões assimétricas, que não são nem notados nem levados em consideração nas deliberações de pensadores especulativos, [mas que ao invés] são contados apenas entre os companheiros dos demônios e da multidão dos estúpidos e inexperientes. [Eu farei isso] para que qualquer que acredite que se adornar com descrenças imitadas mostre bom julgamento e induz consciência da sagacidade e inteligência de alguém abandone de suas extravagâncias, como será verificado por ele que aqueles proeminentes filósofos que ele emula são inocentes da imputação de que eles negam as leis religiosas; que [ao contrário] eles acreditam em Deus e Seus mensageiros; mas que eles caíram em confusão em certos detalhes além desses princípios, errantes nisso, extraviados do caminho correto e levando os outros da mesma forma. Nós revelaremos os tipos de imaginação e vaidades nas quais eles foram enganados, mostrando tudo isso como extravagância improdutiva. Deus, que Ele possa ser exaltado, o patrono do sucesso no esforço para mostrar o que pretendemos verificar.57

Essa declaração sozinha já atrai suspeitas em relação à Narrativa Clássica e suas acusações contra al-Ghazali. A respeito da segunda questão, então, é afirmado pelos críticos de que suas visões metafísicass foram o que alteraram a percepção dos Muçulmanos sobre racionalidade e ciência para o pior. Mais especificamente, a ira deles é normalmente direcionada nas três posições que ele adotou em oposição aos filósofos Aristotélicos da época. Essas posições são as seguintes: 1) Nã há conexão necessária entre causas e seus efeitos; 2) O esudo da matemática pode ser prejudicial para a fé de alguém; e 3) Conhecimento deve ser adquirido apenas se possui utilidade (i.e., instumentalismo).

  1. Al-Ghazali e Causalidade

Em ordem para examinar as visões de al-Ghazali sobre causa e efeito, deveríamos começar por olha-las através dos olhos de seus críticos – um deles o supramencionado advogado da Narrativa Clássica, Pervez Hoodbhoy.

Em seu livro, Islã e Ciência: Ortodoxia Religiosa e a Batalha pela Racionalidade, Hoodbhoy tenta explicar o declínio ao simplesmente ecoar a Narrativa Clássica em sua forma completa; seu argumento se vale por completo em vilificar a ortodoxia religiosa Islâmica (a tradição acadêmica estabelecida) ao apontar al-Ghazali como seu aparente arquétipo. Em um capítulo somente dedicado ao erudito, Hoodbhoy começa tanto por resumir e castigar a visão de al-Ghazali sobre a causalidade:

Fogo causa incêncio, raio causa trovão, vento causa ondas, gravidade causa a queda dos corpos. Tais conexões entre um efeito e sua causa formam o pilar do pensamento científico, tanto moderno quanto clássico. Mas essa noção de causalidade é uma das que é especialmente rejeitada pela doutrina Ashari, e o mais articulado e efetivo oponente da causalidade física foi al-Ghazali. De acordo com al-Ghazali, é futilidade entender que o mundo segue de acordo com leis da física. Deus destrói, então recria o mundo depois de cada instante de tempo. Consequentemente não pode haver continuidade entre um momento e o próximo, e alguém não pode supor que uma ação vai definitivamente levar a uma consequência específica. Inversamente, é falso atribuir uma causa física para qualquer acontecimento. Na teologia de al-Ghazali, Deus é diretamente a causa de todos os eventos e fenômenos físicos, e constantemente intervém no mundo.58

Hoodbhoy subsequentemente conclui que a aceitação das perspectivas de al-Ghazali levou para uma “atitude fatalista” que nega a possibilidade de fazer previsões e desmotiva as pessoas a investigar o funcionamento do mundo natural.59 Entretanto, enquanto é certamente o caso de que de fato al-Ghazali acreditava que a conexão entre causas e seus efeitos não era necessariamente uma característica permanente de tais relações – assim como todas as coisas era ultimamente determinadas por Allah – a noção de que tal crença levou par uma letargia intelectual é questionável. A conclusão de Hoodbhoy é especialmente dúbia quando alguém percebe que a mesma falha em endereçar as respostas de al-Ghazali para suas objeções. Em outras palavras, al-Ghazali já havia feito o papel de advogado do diabo e antecipado o criticismo no Tahafut:

[A isso] pode-se dizer [por nossos detratores]: Isso leva ao cometimento de contradições repugnantes. Pois se alguém nega que os efeitos decorrem necessariamente de suas causas e os relaciona com a vontade de seu Criador, a vontade não tendo um curso designado específico, mas [um curso que] pode variar e mudar em espécie, então deixe cada um de nós permitir a possibilidade de haver na frente dele bestas ferozes, fogos violentos, montanhas altas, ou inimigos prontos com suas armas [para matá-lo], mas [também a possibilidade] de que ele não os veja porque Deus não criou para ele [visão deles]. E se alguém deixa um livro em casa, deixe-o permitir tanto quanto possível sua transformação ao voltar para casa em um menino escravo sem barba – inteligente, ocupado com suas tarefas – ou em um animal; ou se ele deixa um menino em sua casa, deixe-o permitir a possibilidade de ele se transformar em cachorro; ou [de novo] se ele deixar cinzas, [permita] a possibilidade de sua transformação em almíscar; e que ele permita a possibilidade de pedra se transformar em ouro e ouro em pedra … Na verdade, se [tal pessoa] olha para um ser humano que ele viu apenas agora e é questionado se tal humano é uma criatura que nasceu, deixe-o hesitar e deixe-o dizer que não é impossível que alguma fruta no mercado tenha se transformado em humano – ou seja, este humano – pois Deus tem poder sobre todas as coisas possíveis, e isso é possível; portanto, deve-se hesitar [neste assunto]. Este é um modo totalmente aberto no escopo para [numerosas] ilustrações, mas isso é suficiente

[Nossa] resposta [a isso] é dizer: Se for estabelecido que o possível é tal que não pode ser criado para o homem o conhecimento de seu não-ser, essas impossibilidades necessariamente ocorreriam. Não ficamos, entretanto, céticos com as ilustrações que você deu porque Deus criou para nós o conhecimento de que Ele não realizou essas possibilidades. Não afirmamos que essas coisas são necessárias. Pelo contrário, são possibilidades que podem ou não ocorrer. Mas o hábito contínuo de sua ocorrência repetidamente, uma vez após a outra, fixa inabalavelmente em nossas mentes a crença em sua ocorrência de acordo com um hábito passado.

Se, então, Deus interrompe o [curso da natureza] habitual, fazendo [o milagre] ocorrer no momento em que as interrupções dos [eventos] habituais ocorrem, essas cognições [da não ocorrência de tais possibilidades incomuns] escapam dos corações [das pessoas ], e [Deus] não os cria. Não há, portanto, nada que impeça que algo seja possível, dentro das capacidades de Deus, [mas] que por Seu conhecimento prévio Ele sabia que não o faria em determinados momentos, apesar de sua possibilidade, e que Ele cria para nós o conhecimento de que Ele não o criará naquele momento. Portanto, em [toda] essa conversa [deles], não há nada além de pura difamação.60

A interpretação de Al-Ghazālī do ridículo de seus críticos inclui uma série de absurdos que podem ser derivados do mal-entendimento de sua posição: desde mudanças dramáticas na percepção até frutas se transformando espontaneamente em um ser humano. Aparentemente, dado que tais possibilidades são infinitas, isso torna inviável esperar qualquer tipo de consistência do mundo observável.

No entanto, Al-Ghazālī responde a seus oponentes fictícios enfatizando o fato de que possibilidades não são realidade; só porque algo poderia ser, não é necessário que o seja. Ele reforça seu ponto, afirmando que há uma natureza habitual nas coisas que Allāh criou, permitindo a aquisição desinibida de conhecimento e quaisquer anomalias potenciais que podem ou não ocorrer. Em outras palavras, independentemente de alguém pensar que não existe uma ligação necessária entre as causas e seus efeitos, sua percepção dessas relações habituais permanecerá a mesma. Ele vai ainda mais longe para apelar à Onisciência de Allāh, sugerindo que Seu Conhecimento prévio limita a ocorrência de todas as possibilidades, impedindo a humanidade de antecipar e subsequentemente ser paralisada por elas.

Mas mesmo que não se considere o raciocínio de Al-Ghazālī válido, é preciso pouco esforço de bom senso para demonstrar que essa acusação contra ele está incorreta. Precisamos apenas lembrar o número de possibilidades conhecidas que podem acontecer conosco em qualquer dia; desde o momento em que acordamos até o momento em que dormimos, as várias maneiras pelas quais podemos ser feridos ou mortos são incomensuráveis. Seja engasgando com a comida, tropeçando e quebrando o pescoço, tendo um ataque cardíaco, sendo atingido por um veículo em movimento, sendo atingido por um raio, sendo atacado por um animal selvagem ou doméstico, tendo um objeto pesado caindo sobre você, afogamento, desidratação, envenenamento, contrair uma doença fatal, ser assassinado, etc. – e as várias formas que tudo isso pode se manifestar – a maioria das pessoas ainda consegue viver suas vidas sem muitas reservas, apesar de saber que todas essas coisas podem acontecer com elas em a qualquer momento. Assim, a alegação de que tal perspectiva nutre uma “atitude fatalista” é completamente injustificada, porque os seres humanos são teimosos demais para se importar. Talvez Hoodbhoy e seus companheiros tivessem tido tempo para ler o Tahafut além de um viés de confirmação de nível superficial,61 e usado um pouco de bom senso, os oponentes fictícios de Al-Ghazālī poderiam ter permanecido no reino da possibilidade.

Evidência ainda mais incriminadora contra os defensores da narrativa clássica é sua hipocrisia com relação à causalidade Ghazaliana. Embora o repudiem por ser “irracional”, eles simultaneamente celebram suas próprias figuras intelectuais que mantinham pontos de vista bastante semelhantes. Por exemplo, Hoodbhoy elogia o filósofo francês Renè Descartes (m. 1650) como sendo o pensador “mais importante” por trás da ciência moderna; por quem aparentemente ainda devemos muito em termos de nossa compreensão da ciência hoje.62 O que é irônico sobre isso é que, embora Descartes acreditasse que havia uma conexão necessária entre as causas e seus efeitos, ele não acreditava que tal relação existisse entre percepção e conhecimento – indiscutivelmente um componente muito mais essencial para o florescimento da ciência.

A fim de mostrar a posição de Descartes sobre esta relação epistêmica, precisamos apenas olhar algumas passagens de sua obra seminal Meditationes de Prima Philosophia (Meditações Sobre Filosofia Primeira), onde ele argumenta que a irrevogabilidade de nossas observações e deduções abstratas só pode ser estabelecida acreditando primeiro em Deus:

O fato de que um ateu pode estar “claramente ciente de que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois ângulos retos” é algo que não discuto. Mas eu sustento que essa consciência dele não é conhecimento verdadeiro, uma vez que nenhum ato de consciência que possa ser tornado duvidoso parece adequado para ser chamado de conhecimento. Agora, uma vez que se supõe que este indivíduo é ateu, ele não pode ter certeza de que não está sendo enganado em questões que lhe parecem muito evidentes … E embora essa dúvida possa não ocorrer a ele, ela ainda pode surgir se outra pessoa levanta a questão ou se ele mesmo examina o assunto. Portanto, ele nunca estará livre de dúvidas até que reconheça que Deus existe.63

Aqui, Descartes é bastante claro ao dizer que os ateus são incapazes de adquirir “conhecimento real” porque não acreditam em Deus. Embora ele forneça muitas razões para esta conclusão, precisamos apenas nos concentrar em como ela revela uma profunda ironia que emana da nomeação de Hoodbhoy do filósofo como uma figura central por trás da ciência moderna; a ideia de que os ateus são cientificamente impotentes não coincide exatamente com uma narrativa que sugere a racionalidade inerente do pensamento anti-religioso.

Mais importante, no entanto, mesmo que se aceitasse o raciocínio de Descartes como válido, sua epistemologia sofre de uma incoerência flagrante que na verdade torna o conhecimento virtualmente inalcançável. Isso é mais evidente em seu capítulo intitulado “Quarta Meditação”, onde ele sugere que somente depois de ter “clara e distintamente” averiguado a existência de Deus outro conhecimento pode ser possível:

Durante os últimos dias, acostumei-me a desviar minha mente dos sentidos; e observei cuidadosamente o fato de que há muito pouco sobre as coisas corporais que são verdadeiramente percebidas, enquanto muito mais se sabe sobre a mente humana e ainda mais sobre Deus. O resultado é que agora não tenho dificuldade em desviar minha mente das coisas imagináveis ​​para coisas que são objetos do intelecto apenas e estão totalmente separadas da matéria … E quando considero o fato de que tenho dúvidas, ou de que sou uma coisa que é incompleta e dependente, surge então em mim uma ideia clara e distinta de um ser que é independente e completo, isto é, uma ideia de Deus. E pelo mero fato de que existe tal ideia dentro de mim, ou de que eu, que possuo essa ideia, existo, eu claramente deduzo que Deus também existe, e que cada momento de minha existência inteira depende dele. Essa conclusão é tão clara que estou confiante de que o intelecto humano não pode saber nada que seja mais evidente ou mais certo. E agora, a partir dessa contemplação do Deus verdadeiro, em quem todos os tesouros da sabedoria e das ciências estão escondidos, acho que posso ver um caminho para o conhecimento de outras coisas.64

Um exame cuidadoso dessa passagem mostra uma inconsistência lógica muito óbvia que torna suspeita toda a argumentação de Descartes: se alguém requer uma crença em Deus para ter certeza, como é possível acreditar em Deus com certeza?

Esse dilema, agora conhecido como “Círculo Cartesiano”, não escapou a Descartes e ele tentou resolver o problema. Apesar disso, no entanto, seus críticos não acharam suas soluções convincentes e sua epistemologia acabaria sendo eclipsada por explicações mais sustentáveis. Tudo isso considerado, parece incrivelmente absurdo para Hoodbhoy acusar Al-Ghazali de promover o “fatalismo” quando ele simultaneamente defende um pensador que argumentou em direção à paralisia intelectual. Em outras palavras, se este último pode ser considerado tão crédulo como um exemplo do pensamento científico moderno, então é bastante ridículo ver o primeiro como seu oposto.

  1. Al-Ghazali e a Matemática

Depois de uma exposição questionável da causalidade Ghazaliana, Hoodbhoy rapidamente muda o foco do Tahafut e passa a examinar as opiniões do estudioso medieval sobre matemática, com base em sua biografia, Al-Munqidh min al-Dalal (Libertação do Erro). Hoodbhoy mais ou menos começa e termina sua análise meramente citando uma passagem de Al-Ghazali e, em seguida, adicionando alguns comentários breves:

[Al-Ghazali afirma:] “Existem duas desvantagens que surgem da matemática. A primeira é que todo estudante de matemática admira sua precisão e a clareza de suas demonstrações. Isso o leva a acreditar nos filósofos e a pensar que todas as suas ciências se assemelham a esta em clareza e poder demonstrativo. Além disso, ele já ouviu os relatos nos lábios de todos sobre sua incredulidade, sua negação dos atributos de Deus e seu desprezo pela verdade revelada; ele se torna um descrente simplesmente por aceitá-los como autoridades. ”

O argumento aqui é claramente que a matemática é potencialmente, mas não necessariamente, perigosa. O perigo existe porque aqueles que estudam o assunto podem ficar inebriados com o poder e a beleza do raciocínio preciso e, assim, abandonar a crença na revelação.66

Apesar do que pode parecer uma rejeição inequívoca do estudo da matemática – devido ao fato de imbuir seus manejadores com o “poder e beleza do raciocínio preciso” – e subsequente rejeição das crenças religiosas, Al-Ghazālī foi claramente mal interpretado. Minha alegação não é sobre uma simples diferença de interpretação, mas sim em contraste com um caso de atenção seletiva. Seja devido ao fato de que ele derivou a citação apenas de uma fonte secundária, [67] ou porque ele não sentiu a necessidade de apresentar todo o contexto da passagem em questão, Hoodbhoy está claramente sendo falso.

Além da aprovação de matemática no Tahafut mencionada por Al-Ghazali, sua oposição ao seu estudo aqui se refere especificamente a um fenômeno durante sua época, onde os filósofos insistiam que o valor da matemática pura repousava exclusivamente na avaliação de doutrinas metafísicas específicas.68 Estes incluíam a doutrina da “pré-eternidade do mundo”, a doutrina da “pós-eternidade do mundo”, a doutrina “que o céu é um animal que se move por vontade” e a doutrina “que a aniquilação é impossível para a alma humana”, entre muitos outros.69 Além disso, a matemática também estava sendo usada como um meio para justificar as ciências subalternas dos filósofos, como determinações astrais (ou seja, astrologia), talismãs e até mesmo magia.70 Em outras palavras, embora a matemática fosse importante para aprender sobre o mundo natural, ela estava sendo utilizada predominantemente para tudo, menos isso.

Como tal, Al-Ghazali alertou sobre o estudo da disciplina, uma vez que ainda não estava totalmente demarcada das superstições dos filósofos. Na verdade, suas preocupações são mencionadas na passagem imediatamente após a referência de Hoodbhoy:

[… ele se torna um descrente meramente por aceitá-los como autoridades], afirmando: “Se a religião fosse verdadeira, isso não seria desconhecido para esses filósofos, dada sua precisão nesta ciência da matemática.” Assim, quando ele aprende por meio de boatos sobre sua descrença e rejeição da religião, ele conclui que é certo rejeitar e repudiar a religião. Quantos homens eu vi que se desviaram do caminho da verdade com este pretexto e por nenhum outro motivo! Pode-se dizer a tal homem: “Uma pessoa hábil em um campo não é necessariamente hábil em todos os campos … Pelo contrário, em cada campo há homens que alcançaram certo grau de habilidade e preeminência, embora possam ser bastante estúpidos e ignorantes sobre outras coisas. O que os antigos tinham a dizer sobre tópicos matemáticos era apodítico, ao passo que seus pontos de vista sobre questões metafísicas eram conjecturais. Mas isso é conhecido apenas por um homem experiente que fez um estudo completo do assunto. ” Quando tal argumento é apresentado contra alguém que se tornou um descrente por mero conformismo, ele o considera inaceitável. Em vez disso, o capricho, a paixão vã e o amor por parecer inteligente o levam a persistir em sua opinião elevada dos filósofos no que diz respeito a todas as suas ciências. Este, então, é um mal muito sério, e por causa dele deve-se advertir qualquer um que embarcar no estudo dessas ciências matemáticas. Pois, embora eles não pertençam ao domínio da religião, ainda, uma vez que estão entre os elementos primários das ciências dos filósofos, o estudante de matemática será insidiosamente afetado pela maldade sinistra dos filósofos. Raros, portanto, são aqueles que estudam matemática sem perder sua religião e se livrando da restrição da piedade.”71

Surpreendentemente, Hoodbhoy não se preocupa em mencionar a outra metade da declaração de Al-Ghazali e infere uma conclusão totalmente diferente daquela que o estudioso estava realmente transmitindo. No entanto, ainda mais contrário às acusações de Hoodbhoy é outra declaração de Al-Ghazali, na qual ele explica uma segunda razão pela qual estudar matemática pode ser problemático:

O segundo mal provavelmente decorrente do estudo das ciências matemáticas deriva do caso de um amigo ignorante do Islã que supõe que nossa religião deve ser defendida pela rejeição de toda ciência atribuída aos filósofos. Assim, ele rejeita todas as suas ciências, alegando que eles exibem ignorância e loucura em todas elas. Ele até nega suas declarações sobre os eclipses do sol e da lua e afirma que seus pontos de vista são contrários à lei revelada. Quando tal afirmação chega aos ouvidos de alguém que conhece essas coisas por meio de demonstração apodítica, ele não duvida da validade de sua prova, mas acredita que o Islã é construído sobre a ignorância e a negação da demonstração apodítica. Assim, ele se torna ainda mais apaixonado pela filosofia e envenenado pelo Islã. Grande, de fato, é o crime contra a religião cometido por qualquer um que supõe que o Islã deve ser defendido pela negação dessas ciências matemáticas.72

Em resumo, Al-Ghazali também passou a criticar o outro extremo daqueles que rejeitam a matemática por completo. Como tal, quando vamos além de uma leitura superficial dos textos, descobrimos que sua preocupação com o estudo da matemática residia não em sua oposição inerente à religião ou ciência, mas na monopolização dela pelo filósofo apenas por causa de suas visões metafísicas infundadas. Assim, ao contrário das afirmações de Hoodbhoy, Al-Ghazali não era contra o estudo da matemática em si; em vez disso, ele tentou facilitá-lo apontando seu uso abusivo por seus oponentes intelectuais.

  1. Al-Ghazali e o Instrumentalismo

Hoodbhoy finaliza sua crítica à ortodoxia religiosa, sugerindo que o instrumentalismo aberto praticado pelos primeiros muçulmanos foi outro fator que levou ao declínio da produtividade científica na civilização islâmica:

Um segundo fator que desencorajou o aprendizado pelo aprendizado foi o caráter cada vez mais utilitário da sociedade islâmica pós-Idade de Ouro. O utilitarismo – a noção de que as únicas coisas desejáveis ​​são aquelas que são úteis – não era uma obsessão da sociedade islâmica nos primeiros dias de seu desenvolvimento intelectual.73

Aqui, Hoodbhoy indiretamente continua seu ataque a Al-Ghazālī por sua oposição aos filósofos aristotélicos, aparentemente sem saber que os últimos confundiam disciplinas científicas com suas doutrinas metafísicas. Apesar de já ter mostrado que o instrumentalismo foi a força motriz do aumento da produtividade científica na civilização islâmica, essa acusação faz pouco sentido. Como tal, devemos examinar a base sobre a qual Hoodbhoy está tirando essa conclusão sem crítica.

Um dos primeiros críticos da Narrativa Clássica foi o historiador da ciência Abdelhamid Ibrahim Sabra (m. 2013), que viu a tese do conflito como inadequada e, alternativamente, postulou que “o declínio da ciência ocorreu, não no contexto de oposição (como geralmente é pensado), mas no contexto de aceitação e assimilação.”74

Apesar de Sabra oferecer uma perspectiva diferente sobre o assunto, sua hipótese é mais uma modificação da Narrativa Clássica do que uma crítica genuína. Por exemplo, embora ele veja o declínio da produtividade científica no mundo muçulmano como não sendo culpa da religião oposta à ciência, ele acredita que ocorreu devido à ciência desempenhando um papel subserviente (ou seja, instrumentalismo).

Dado que a hipótese de Sabra ainda se apóia amplamente na versão dos eventos da Narrativa Clássica, não é surpreendente que sua análise também projete uma visão negativa da influência religiosa na investigação científica. Mais especificamente, ele não resiste à tentação de impugnar as mesmas figuras históricas de seus predecessores. Por exemplo, em seu artigo, “A Apropriação e Subsequente Naturalização da Ciência Grega no Islã Medieval”, Sabra escreve:

Em um capítulo de seu Muqaddima dedicado a uma longa refutação da filosofia, o historiador do século XIV Ibn Khaldun escreveu que: “Os problemas da física [ele se referia à filosofia natural aristotélica] não têm importância para nós em nossos assuntos religiosos ou em nosso sustento. Portanto, devemos deixá-los sozinhos. ” Ele estava ecoando um sentimento já expresso por Ghazali trezentos anos antes… Há apenas um princípio que deve ser consultado sempre que alguém tem que decidir se um determinado ramo de aprendizado é digno de ser perseguido ou não: é a consideração muito importante de que “este mundo é uma sementeira para o próximo”; e Ghazali cita a este respeito a Tradição Profética: “Que Deus nos proteja do conhecimento inútil.” O resultado final de tudo isso é uma visão instrumentalista e religiosamente orientada de todo o conhecimento secular e permitido… [o que] colocaria um freio na investigação teórica.75

Mais uma vez, encontramos Al-Ghazali carregando o fardo do declínio, só que desta vez sua influência foi reinterpretada como tendo limitado a ciência a uma função religiosa, em vez de se opor a ela completamente. Para apoiar sua posição, Sabra faz uma conexão tênue entre as visões do historiador do final do século XV, Abu Zayd Abd ar-Raḥman ibn Muḥammad ibn Khaldūn al-Hadrami (falecido em 1406) e Al-Ghazali, complementado por um único ḥadith. Apesar de Sabra considerar esta “observação fortemente sugestiva”,76 tais evidências escassas certamente não podem constituir dados históricos suficientes para propor uma teoria sobre o declínio de uma tradição científica.77 Isso é ainda mais reforçado pela compreensão de que a rejeição de Al-Ghazali às ‘ciências inúteis’ não pode ser vista como nem um pouco injustificada, especialmente se nos lembrarmos do fato de que a física aristotélica (ou seja, ‘filosofia natural’) incorporou muitos conceitos errôneos, como astrologia, uma Terra estacionária e uma visão incorreta do movimento celestial.78 Para Al-Ghazali, assuntos como astronomia não eram metodologicamente semelhantes à filosofia natural; o primeiro foi definido por sua devoção à observação e ao uso preciso da matemática – muito parecido com a física contemporânea – enquanto o último foi baseado quase inteiramente no raciocínio especulativo. Apesar das conflações dos filósofos, uma forma menor de demarcação realmente existia entre os dois antes do advento da ciência islâmica, e só se tornou mais pronunciada quando os muçulmanos examinaram criticamente os textos gregos em busca de material útil. Como observa Regep:

Os cientistas islâmicos herdaram dos antigos uma astronomia que já havia sido diferenciada em maior ou menor grau da filosofia natural. Astrônomos islâmicos, no entanto, levaram esse processo muito mais longe, e não parece irracional ver isso, pelo menos em parte, como uma resposta às objeções religiosas dirigidas à física e metafísica helenística, por um lado, e à neutralidade religiosa em relação matemática, por outro.79

Como tal, não deve ser uma afronta para os historiadores que Al-Ghazali queira buscar alternativas mais práticas. Aparentemente sem o conhecimento de Sabra, Ibn Khaldun também fez essa distinção. Apenas alguns parágrafos antes de onde o primeiro o cita, ele explica que os “problemas” aos quais ele se referia giravam em torno das suposições dos filósofos sobre a relação inequívoca entre universais abstratos aristotélicos e percepção sensorial:

Os argumentos sobre a ‘existentia corporal’ constituem o que eles [os filósofos] chamam de ciência da física. A insuficiência reside no fato de que a conformidade entre os resultados do pensamento – que, segundo eles, são produzidos por normas racionais e raciocínios – e o mundo exterior, não é inequívoca. Todos os julgamentos da mente são gerais, ao passo que a ‘existentia’ do mundo exterior é individual em suas substâncias. Talvez haja algo nessas substâncias que impeça a conformidade entre o universal (julgamentos) da mente e o individual (substâncias) do mundo exterior. De qualquer forma, tudo o que (conformidade) é atestado pela percepção sensorial tem sua prova no fato de que é observável. (Não tem sua prova) em argumentos (lógicos). Onde, então, está o caráter inequívoco que eles encontram em (seus argumentos)?80

De maneira alguma, Ibn Khaldun também não era um expoente de sentimentos anticientíficos. Dito isso, talvez a maior evidência contra as afirmações de Sabra – e subsequentemente de Hoodbhoy – sejam os numerosos avanços científicos que ocorreram cinco séculos após Al-Ghazali. Embora essas descobertas sejam em nível individual e não pareçam ser provocadas por quaisquer iniciativas institucionalizadas, elas ainda refletem uma mentalidade científica prevalente na sociedade e que não tinha restrições reais. Tais exemplos incluem as realizações de estudiosos como Ala al-Din Abu al-Hasan Ali ibn Abi al-Hazm al-Qarshi Ibn al-Nafis (m. 1288), que descobriu a circulação sanguínea pulmonar, Kamal al-Din al-Farisi (m. 1319), que descobriu como as cores de um arco-íris são formadas,81 Mulla Fatḥallah al-Shirwani (m. 1450) e Shams al-Din al-Khafiri (m. 1550), ambos foram autores de comentários astronômicos críticos do sistema ptolomaico e muitos mais.82 Em outras palavras, a era pós-Ghazali estava cheia de descobertas científicas e tratados que certamente influenciaram os cientistas europeus e abriram o caminho para a revolução científica ocidental.

Resumindo todas as discussões acima, não apenas é evidente que a Narrativa Clássica falha em representar adequadamente os eventos e influências que levaram à Era da Produtividade, mas também deturpou os eventos e influências que levaram ao seu declínio. O arqui-vilão escolhido para exemplificar uma ortodoxia religiosa antagônica à ciência não é apenas inocente dos crimes dos quais é acusado, mas provou ser apenas um bode expiatório para as fábulas dos orientalistas.

Rumo a um novo Entendimento

A análise que fiz até agora sobre o aumento e o declínio da produtividade científica na civilização islâmica não foi meramente para fins de crítica, mas para estabelecer um novo entendimento do assunto. O que foi determinado, até este ponto, é que a Narrativa Clássica não pode mais ser considerada um meio válido e coerente para entender a história científica da civilização islâmica – a tese de que a religião conflitou ou subjugou a ciência à inoperabilidade é simplesmente insustentável. Em vez disso, o que descobrimos é que um instrumentalismo escancarado, liderado pela ortodoxia religiosa, na verdade nutriu a engenhosidade científica por meio da rejeição do paradigma antiquado da filosofia aristotélica. A questão permanece então: o que deu errado?

A ciência islâmica floresceu até o século XVI d.C., só então para declinar a um ponto em que os muçulmanos começaram a depender exclusivamente de ideias e invenções europeias. De alguma forma e em algum lugar antes do final deste período, ocorreram eventos dentro da civilização islâmica que a levou a uma trajetória autodestrutiva; eventos ocasionariam o abandono de seus valores científicos completamente. Como afirma Açikgenç:

… Uma tradição científica é contínua, como tal, não pode ser interrompida. Pois, se houver uma interrupção, ela pode não continuar criativamente como é o caso da tradição científica islâmica hoje. A descontinuidade levará necessariamente os membros dessa tradição para outra civilização onde possam encontrar uma tradição contínua.83

Alinhado com as discussões anteriores, Al-Ghazali e sua prole intelectual certamente não foram culpados por minar a ciência; eles simplesmente acreditavam que o conhecimento racional deveria produzir resultados eficazes e não permanecer no reino do abstrato.84 Assim, ao contrário da Narrativa Clássica, a engenhosidade científica não é limitada pela mera oposição a certas formas de raciocínio especulativo – uma vez que dar a todos os caprichos teóricos o mesmo valor seria irreal e impraticável. Em vez disso, a limitação em questão precisaria ser muito mais restritiva, aprisionando a investigação teórica não por meio da subserviência utilitarista, mas por alguma forma de absolutismo impermeável. Se o instrumentalismo dos primeiros muçulmanos fosse propenso ao último, o resultado teria sido o abandono total da pesquisa científica, dada a natureza supérflua de investigar mais questões já resolvidas. Pelo contrário, encontramos cientistas de mentalidade instrumentalista lutando para tornar suas pesquisas relevantes formulando modelos mais pragmáticos – como no caso de Al-Qushji e outros – tornando possível que soluções alternativas sejam encontradas mais tarde. Portanto, relembrando Dewey, podemos encontrar pistas para revelar o culpado:

A história do desenvolvimento das ciências físicas é a história da posse cada vez maior pela humanidade de instrumentos mais eficazes para lidar com as condições de vida e de ação. Mas quando alguém negligencia a conexão desses objetos científicos com os assuntos da experiência primária, o resultado é uma imagem de um mundo de coisas indiferentes aos interesses humanos porque está totalmente separado da experiência. É mais do que apenas isolado, pois é colocado em oposição. Portanto, quando é visto como fixo e final em si mesmo, é uma fonte de opressão para o coração e paralisia para a imaginação.

Desde o século XVII, esta concepção da experiência como o equivalente da consciência privada subjetiva em oposição à natureza, que consiste inteiramente de objetos físicos, tem causado estragos na filosofia.85

O que é fascinante nessa passagem é que ela parece admitir uma ideologia que conecta intimamente uma civilização islâmica enferma à sua contraparte ocidental agora dominante; o que esta última só começou a experimentar no século XVII d.C., foi o que pode muito bem ter determinado o destino da primeira na mesma época. Foi a partir dessa passagem que comecei minha jornada para descobrir como ocorreu o declínio da produtividade científica na civilização islâmica, e é onde, acredito, a resposta pode ser encontrada.

No próximo artigo, examinaremos as influências reais por trás da Era da Dependência e como os muçulmanos podem reviver a Era da Produtividade.

Notas:

[1] Pervez Hoodbhoy, “How Islam Lost Its Way: Yesterday’s Achievements Were Golden,” The Washington Post, December 30, 2001, accessed October 21, 2016, https://www.washingtonpost.com/archive/opinions/2001/12/30/how-islam-lost-its-way-yesterdays-achievements-were-golden/d325ce2a-146f-4791-b5e7-8e662d991cbb/?utm_term=.08b85096dca1

[2] Stephen Shankland, “Neil DeGrasse Tyson: US need not lose its edge in science,” CNET, June 20, 2014, accessed October 21, 2016, http://www.cnet.com/news/neil-degrasse-tyson-the-us-doesnt-have-to-lose-its-edge-in-science/

[3] Esse é o termo formal para se referir “ao Ocidente” (i.e., Europa, Américas e suas colônias, territórios etc.).

[4] Osman Bakar, preface to Tawhid and Science, 2nd ed. (Shah Alam: Arah Publications, 2008), xxx-xxxi.

[5] Alparslan Açikgenç, Islamic Scientific Tradition in History (Kuala Lumpur: IKIM, 2014), 12.

[6] Ibid, 13.

[7] Ibid, 45.

[8] Ibid, 15.

[9] “Science,” Oxford Dictionaries, accessed December 6, 2016, http://en.oxforddictionaries.com/definition/science

[10] Ziauddin Sardar, How Do We Know? Reading Ziauddin Sardar on Islam, Science and Cultural Relations (London: Pluto Press, 2006), 170.

[11] Como o leitor provavelmente verificará, o trabalho de Kuhn foi a principal influência por trás do título desse artigo.

[12] Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 3rd ed. (Chicago: University of Chicago Press, 1996), 192.

[13] Axiologia é o estudo filosófico dos valores. Valores são geralmente considerados como as crenças editimadas de um povo que o guia em seus afazeres (i.e., moral e ética).

[14] “Culture,” Oxford Dictionaries, accessed December 6, 2016, https://en.oxforddictionaries.com/definition/culture

[15] Para um maior entendimento sobre ciência nesse sentido, ver a obra de Thomas Kuhn The Structure of Scientific Revolutions.

[16] Alparslan Açikgenç, Islamic Scientific Tradition in History (Kuala Lumpur: IKIM, 2012), 27.

[17] George Saliba, Islamic Science and the Making of the European Renaissance (Cambridge: The MIT Press, 2007), 248.

[18] Toby Huff, The Rise of Early Modern Science: Islam, China, and the West, 2nd ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 2003), 19.        

[19] David Deming, Science and Technology in World History, Volume 2: Early Christianity, the Rise of Islam and the Middle Ages (Jefferson: McFarland & Company, Inc., 2010), 81-82.

[20] Dimitri Gutas, Greek Thought, Arabic Culture: The Graeco-Arabic Translation Movement in Baghdad and Early ‘Abbasid Society (2nd-4th/5th-10th c.) (New York: Routledge, 1998), 11.

[21] Um orientalista é amplamente definido como “alguém que estuda o Oriente.” No entanto, está sendo usado especificamente aqui para se referir àqueles que o fazem através das lentes de um viés ocidental, vendo outras culturas e religiões como estáticas, subdesenvolvidas e inferiores.

[22] Saliba, Islamic Science and European Renaissance, 1-2.

[23] Ibid, 234.

[24] Muzaffar Iqbal, The Making of Islamic Science (Kuala Lumpur: Islamic Book Trust, 2009), 73.

[25] Huff, Rise of Early Modern Science, 219.        

[26] Sonja Brentjes, “Reviews: Oversimplifying the Islamic Scientific Tradition”, Metascience 13 (2004): 83-86, accessed October 17, 2016, doi: 10.1023/B:MESC.0000023270.62689.51

[27] Ver, Sonja Brentjes, “On the Location of the Ancient or ‘Rational’ Sciences in Muslim Educational Landscapes (AH 500 – 1100),” Bulletin of the Royal Institute of Inter-Faith Studies 4 (2002): 47-71.

[28] Ver, Gutas, Greek Thought, Arabic Culture.

[29] Ver, Ahmad Dallal, Islam, Science, and the Challenge of History (New Haven: Yale University Press, 2010).

[30] Saliba, Islamic Science and European Renaissance, 13.

[31] Ibid, 28.

[32] Ibid, 40.

[33] Muhammad al-Nadīm, The Fihrist of Al-Nadīm: A Tenth-Century Survey of Muslim Culture, V.2, trans. Bayard Dodge (New York: Columbia University Press, 1970), 583.

[34] Ibid, 579 – 581.

[35] Dallal, Islam, Science, and the Challenge of History, 10-11.

[36] Seyyed Hossein Nasr, Islamic Philosophy from its Origin to its Present: Philosophy in the Land of Prophecy (New York: State University of New York Press, 2006), 121.

[37] Ibid, 122.

[38] Ibid, 124.

[39] Saliba, Islamic Science and European Renaissance, 13-14.

[40] Al-Nadīm, Fihrist, 581-583.

[41] Saliba, Islamic Science and European Renaissance, 50-51.

[42] Ibid, 53.

[43] Ibid, 54-55.

[44] Sardar, How Do You Know?, 137.

[45] F. Jamil Ragep and Alī al-Qūshjī. “Freeing Astronomy from Philosophy: An Aspect of Islamic Influence on Science,” Osiris V. 16, Science in Theistic Contexts: Cognitive Dimensions (2001), 50.

[46] Saliba, Islamic Science and European Renaissance, 189-190.

[47] Ibid, 186.

[48] Ragep, “Freeing Astronomy”, 61.

[49] Ibid, 61-63.

[50] De fato, foi argumentado que Qushji pode ter sido diretamente responsável pelas futuras descobertas de Copérnico. Para mais informações a esse respeito, ver, F. Jamil Ragep, “‘Alī Qushjī and Regiomontanus: Eccentric Transformations and Copernican Revolutions,” Journal for the History of Astronomy 36/4 (2005): 359-371.

[51] Sardar, How Do You Know?, 184.

[52] Sardar traduziu erroneamente aqui a palavra para ‘waste’ (perda, desperdício etc) como ‘dhiya’. Portanto, eu a mudei para melhor refletir a terminologia correta.

[53] John Dewey, preface to Experience and Nature (London: George Allen & Unwin, LTD., 1929), v.

[54] Michael Liston, “Scientific Realism and Antirealism”, Internet Encyclopedia of Philosophy, accessed January 12, 2017, http://www.iep.utm.edu/sci-real/

[55] Saliba, Islamic Science and the European Renaissance, 247.

[56] Muhammad al-Ghazālī, second introduction to The Incoherence of the Philosophers, trans. Michael E. Marmura (Provo, UT: Brigham Young University Press, 2000), 5-6.

[57] Ibid, religious preface, 3.

[58] Pervez Hoodbhoy, Islam and Science: Religious Orthodoxy and the Battle for Rationality (London: Zed Books Ltd., 1991), 105.

[59] Ibid, 120-121.

[60] Ibid, 169-171.

[61] “A tendência de olhar par uma evidência em favor da hipótese controversa de alguém e não para o que não a confirma, ou prestando pouca atenção nisso.” –  Bradley Dowden, “Fallacies,” Internet Encyclopedia of Philosophy, accessed February 21, 2017, http://www.iep.utm.edu/fallacy/#ConfirmationBias

[62] Hoodbhoy, Islam and Science, 11.

[63] René Descartes, Meditations on First Philosophy with Selections from the Objections and Replies, ed. John Cottingham (Cambridge: Cambridge University Press, 1996), 103.

[64] Ibid, 37.

[65] A tentativa de Descartes de reconciliar seu raciocínio circular simplesmente equivale a demarcar entre o conhecimento imediato e o conhecimento recolhido:

“Por último, quanto ao fato de não ser culpado de circularidade quando disse que a única razão que temos para estar certos de que percebemos clara e distintamente é verdade é o fato de que Deus existe, mas temos certeza de que Deus existe apenas porque percebemos isso claramente: já dei uma explicação adequada deste ponto em minha resposta às segundas objeções, onde fiz uma distinção entre o que de fato percebemos claramente e o que nos lembramos de ter percebido claramente em uma ocasião anterior. Para começar, temos certeza de que Deus existe porque atendemos aos argumentos que o provam; mas, posteriormente, é suficiente lembrarmos que percebemos algo claramente para termos certeza de que é verdade. Isso não seria suficiente se não soubéssemos que Deus existe e não é um enganador.” – Ibid, 106.

Em suma, averiguar a existência de Deus pode ser garantido imediatamente, mas a memória de chegar a essa conclusão só pode ser garantida pela crença em Deus. No entanto, a solução é superficial na medida em que presume que a memória de uma pessoa já é confiável o suficiente para lembrar de ter verificado a existência de Deus com certeza antes de crer Nele.

[66] Hoodbhoy, Islam and Science, 105-106.

[67] Hoodbhoy quotes from W. Montgomery Watt, The Faith and Practice of Al-Ghazzali(London: George Allen & Unwin, 1953), 33.

[68] Al-Ghazālī, Incoherence, 8-9.

[69] Ibid, 10-11.

[70] Ibid, 162.

[71] Al-Ghazālī, Deliverance from Error (al-Munqidh min al-Dalāl), trans. Richard J. Mccarthy, S.J. (Boston: Twayne, 1980), 8-9. Accessed February 14, 2017, https://www.aub.edu.lb/fas/cvsp/Documents/reading_selections/CVSP%20202/Al-ghazali.pdf

[72] Ibid, 9.

[73] Hoodbhoy, Islam and Science, 121.

[74] Abdelhamid Ibrahim Sabra, “The Appropriation and Subsequent Naturalization of Greek Science in Medieval Islam: A Preliminary Statement”, History of Science 25 (1987), 240.

[75] Ibid, 239-240.

[76] Ibid, 239.

[77] Talvez isso não deva ser surpreendente, dado que Sabra não pretendia que sua tese fosse vista como abrangente ou que Al-Ghazali assumisse a responsabilidade total pelo declínio. Ele afirma ainda que era apenas “uma observação relevante e possivelmente esclarecedora que pode ajudar em pesquisas futuras, direcionando nossa atenção em uma determinada direção ao invés de outras” – Ibid, 240-24.

[78] Ragep, “Freeing Astronomy,” 59-60.

[79] Ibid, 60.

[80] Ibn Khaldūn, The MuqaddimahV.3, trans. Franz Rosenthal (New Jersey: Princeton University Press, 1967), 251.

[81] Saliba, Islamic Science and European Renaissance, 239.

[82] Ibid, 240.

[83] Açikgenç, Islamic Scientific Tradition in History, 28.

[84] Para uma discussão mais completa sobre o que Al-Ghazālī considera ‘útil’ e ‘censurável’, consulte Che Zarrina Sa’ari, “Classification of Sciences: A Comparative Study of liJyii’ culum aI-din and al-Risiilah al-laduniyyah”, Intellectual Discourse 7(1) (Gombak: IIUM Press, 1999), 53-77.

[85] Dewey, Experience and Nature, 11.

Fonte: t.ly/OsQx