O século XI não era exatamente um momento glorioso para o Islamismo Sunita. Na verdade, esta Era talvez tenha sido o maior ponto de declínio político da tradição sunita em 1400 anos de Islamismo. O antigo Califado Abássida, o último grande califado a governar sobre um Mundo Muçulmano – pelo menos religiosamente – unificado, havia se fragmentado diversos Estados concorrentes.

Na altura do século XI, não só os xiitas formaram seu próprio Califado no Egito, criando uma liderança religiosa e política que em muito excedia o prestígio dos próprios califas abássidas no Sunismo, como o Califado Abássida em si foi conquistado e envassalado em 945 por um emirado xiita. Similar à condição do Papa após a unificação italiana, o Califa Abássida agora era o guia espiritual supremo do Sunismo governando uma cidade-Estado submissa à um governo pouco empático.

O que parecia ser uma mudança de ventos finalmente favorável ao Islamismo Xiita, que passou boa parte de sua história como uma religião reacionária e anti-poder, seria em breve ameaçada e desbancada por um improvável participante. Não mais elites árabes ou persas, como no passado, mas em um povo mais rústico e ainda em fase de islamização: os turcos.

Os Povos Turcos ou Turcomanos constituíam em uma espécie de macro-etnia que se espalhava pelos mais diversos cantos da Ásia, desde as estepes eurasiáticas até partes do Irã e da China. Como outros povos altaicos, tais como hunos, alanos e magiares (estes ancestrais dos atuais húngaros), os turcos eram nômades, ou semi-nômades, que sobreviviam da criação de rebanhos e da caça, sendo bastante conhecidos pelo seu vigor guerreiro e sua habilidade equestre, onde eram bastante valorizados na guerra como arqueiros de cavalaria. Por volta do ano 1000 d.C., os turcos se encontravam em um processo ainda iniciático de islamização; predominavam religiões tradicionais, entre as quais predominava sua religião animista tradicional, o tengrinismo (alguns turcos ainda eram adeptos de religiões proselitistas como o cristianismo nestoriano e o budismo).

Nossa história tem como eixo uma divisão específica dentro dos turcos oguzes: os seljúcidas, também chamados seljuques. Este grupo turco se reunia a partir de uma identidade étnica correspondente a Seljuk Beg (m. 1007/9), um senhor-de-guerra oguz da Ásia Central que exercia o ofício de governante tribal local em um Estado que os turcos oguzes forjaram durante suas migrações e buscas por território.

O Estado turco-oguz de Yagbu, nas estepes do Cazaquistão

Esse pequeno Estado Turco-Oguz de Yagbu se encontrava rodeado de outros Estados turcos tão expansionistas e guerreiros quanto eles mesmos, sendo bastante improvável que daquela terra surgisse algum conquistador capaz de prevalecer contra os Impérios altaicos à sua volta.

Embora a vida e os feitos de Seljuk Beg e até a de seu pai, “o Arco de Ferro”, sejam alvos de algum exagero, seria a partir da identidade de Seljuque que se forjaria um Império, mas de forma bastante inusitada: seria o seu neto quem daria fundaria as bases de um poderio cuja dinastia retiraria o nome daquele senhor de guerra que, de outra forma, poderia ser facilmente esquecido pela história.

Por terem perdido o pai em um estágio mais precoce do que seria ideal, os irmãos Tughril e Chaghri foram criados diretamente por Seljuque, seu avô, recebendo toda a formação que se esperava de um aristocrata turco naquela época; isto é, na guerra e na estratégia. A conversão de Seljuque ao Islamismo – e naturalmente de toda a sua família – teria se dado ainda na primeira década dos anos 1000 d.C. Historiadores debatem a origem religiosa da família antes deste marco, embora curiosamente não pareça que eles eram pagãos: na verdade, e a julgar pelos nomes e genealogia, Arco de Ferro e Seljuque provavelmente eram originalmente ou cristãos nestorianos ou judeus cazares (uma sub-etnia turca que se converteu ao judaísmo entre os séculos IX e X), tornando todo o episódio da conversão mais interessante do que inicialmente pode se parecer; apesar disso, e pelo menos nas fases iniciais, muitos tenham visto a conversão da família ao Islamismo como algo praticamente nominal.

A conversão ao Islamismo proporcionou diversas mudanças à família de Seljuque: ela não só abriu acesso às cortes dos Estados muçulmanos vizinhos – e à todas as suas guerras – como também serviu de justificativa para que Seljuque se rebelasse contra o Estado turco-oguz de Yagbu, se valendo da ideia de que “muçulmanos não pagam tributos à infiéis”. As guerras por campos de pastagem deram lugar às guerras contra os turcos não-muçulmanos de Yagbu e se seguiram as guerras pela causa do Canato Caracânida, um império turco e muçulmano, contra o Sultanato dos Gasnévidas, outro império turco e muçulmano (fundado por mamelucos). Quando Seljuque morreu, Tughril e Chaghri deram continuidade aos esforços do avô, traçando o complexo e contraditório esquema de alianças e inimigos que fez eles servirem e antagonizarem os turcos corásmios. Eventualmente, Tughril e Chaghri utilizaram seus guerreiros para forçar governantes locais a aceitarem sua presença e autoridade onde estavam localizados, eventualmente utilizando dessa posição para dominar cidades e regiões inteiras às custas dos turcos gasnévidas.

Ásia Central antes do estabelecimento do Estado Seljuque

Após uma vitória decisiva e humilhante contra os gasnévidas, na Batalha de Dandanaqan (1040), Tughrul rapidamente se expandiu pela Pérsia, enquanto o próprio sultão gasnévida decidiu abanadonar seu Império e recomeçá-lo a partir da Índia (morrendo na Índia durante a tentativa).

Ásia Central por volta de 1038, dois anos da Batalha de Dandaqanan. O novo Estado Seljuque se encontra indicado em laranja.

Após crescer às custas dos gasnévidas, Tughril se lançou contra vários Estados locais e e tornando-se bastante famoso no Mundo Islâmico. Esse “Império Seljuque” bateu às portas do Império Bizantino à Ocidente começou a forçar caminho pela própria Anatólia.

Tão grande foi a importância súbita de Tughril Beg que o próprio Califa Abássida decidiu torná-lo no campeão sunita que salvaria o “império” Abássida do julgo xiita. E de fato, Tughril subjugou os xiitas do Emirado Buyida: apenas para não devolver nenhuma terra ao Abássidas, que simplesmente mudaram de soberano e que agora, ao contrário do que acontecia sob julgo xiita, eles teriam que se adequar à condição de marionetes da Dinastia Seljúcida e elementos da sua propaganda religiosa-política.

Em 1055, o Califado Fatímida, nêmesis do Califado Abássida, aliciou um irmão adotivo de Tughril para anexar Bagdá, o Vaticano do Califado Abássida, novamente sob domínio xiita, Tughril marchou pessoalmente até Bagdá, sufocou a rebelião e matou seu irmão adotivo usando a corda de seu próprio arco como garrote. Após a vitória e o fraticidio, o califa abássida deu sua própria filha em casamento a Tughril, elevando ainda mais seu prestígio na comunidade sunita e reforçando a dependência dos Abássidas para com os governantes seljuques.

É definitivamente nesta época que o Império Turco-Seljuque se tornou o campeão de excelência da causa sunita, tendo o Califado Xiita dos Fatímidas como um verdadeiro arqui-inimigo. Tughril morreu em 1063, sem filhos, tendo um filho do igualmente falecido Chaghri, Sulayman, como seu sucessor. A sucessão foi contestada pelo primogênito de Chaghri, o famoso Alp Arslan, que terminaria vitorioso e levaria a guerra ainda mais intensamente ao Ocidente, forçando os próprios Fatímidas e se aliarem com os Bizantinos contra a máquina de guerra turca, ainda não introduzida no Oriente Próximo.

Ásia Central e Oriente Próximo, em 1063, na altura da morte de Tughril.

REFERÊNCIAS:

BOSWORTH, C. E. The Early Ghaznavids. In: The Cambridge History of Iran, vol. 4. Cambridge University Press, 1975.

PEACOCK, A. C. S. The Great Seljuk Empire. Edinburgh University Press, 2015.

BROOK, Kevin A. The Jews of Khazaria. Rowman & Littlefield Publishers, Inc.

CAHEN, Claude. The Turkish Invasion: The Selchukids. In: Setton, Kenneth Meyer (ed.). A History of the Crusades: The First Hundred Years. The University of Wisconsin Press, 1969