Esse artigo apresenta uma discussão sobre os principais aspectos do conhecimento no sufismo através de uma análise do filme “Bab'Aziz: O Príncipe que Contemplava a sua Alma (Nacer Khemir, 2005)”. A perspetiva ocidental dominante defende a necessidade de uma forma de conhecimento racional e objetiva, baseada em argumentos e preceitos lógicos. Esta perspetiva, no entanto, não reconhece a forma alternativa de conhecimento experiencial que está no cerne da tradição sufi. A este respeito, Bab'Aziz é um filme importante porque o seu conteúdo e a sua técnica narrativa são uma expressão de um conhecimento “certo”, um conhecimento sem dúvida, e “kashf”, revelação ou descoberta. Este artigo compara o conhecimento no Sufismo (Tasawwuf) com o conceito de conhecimento na tradição ocidental, e defende uma reconsideração do significado da filosofia tal como era entendida pelos gregos antigos.

Nacer Khemir, o realizador de Bab'Aziz, nasceu na Tunísia e é escritor, artista visual, contador de histórias e intérprete da cultura contemporânea que prolonga a tradição de “As Mil e Uma Noites”. A sua obra exprime a versatilidade múltipla de ser educado na tradição islâmica numa cultura ocidental contemporânea. A sua obra aclamada inclui “A Flor (La Fleur, 1970)”, “A Mula (Le Mulet, 1972)”, “L'ogresse (1977)”, “Os Andarilhos do Deserto (El-Haimoune, 1984)”, “O Colar Perdido da Pomba (Le Collier Perdu de la Combe, 1991)”, “Bab'Aziz: O Príncipe que Contemplava a sua Alma (Bab'Aziz: Le Prince Qui Contemplait Son Âme, 2005)”, “Sheherazade (2011)”, “Procurando Muhyiddin (2014)” e “Areias Sussurrantes (2016)”, entre outros.

O filme Bab'Aziz é a última parte da sua “Trilogia do Deserto”. Estes três filmes apresentam um elo comum na sua linguagem poética e mítica, tecida com metáforas e símbolos ricos. Todos eles apresentam personagens numa busca apaixonada perdida, num vasto deserto. Nesta trilogia, o deserto aparece como o espaço metafórico da busca interior. Khemir refere-se a este ponto como:

“O deserto é, ao mesmo tempo, um campo literário e um campo de abstração. É um dos raros lugares onde o infinitamente pequeno, isto é, um grão de areia, e o infinitamente grande, isto é, biliões de grãos de areia, se encontram. É também um local onde se pode ter uma verdadeira noção do Universo e da sua escala. O deserto evoca também a língua árabe, que traz a memória das suas origens. Em cada palavra árabe, há um pouco de areia fluida. É também uma das principais fontes da poesia de amor árabe. Em todos os meus três filmes, que formam uma trilogia, “Os Errantes do Deserto”, “O Colar Perdido da Pomba” e, atualmente, “Bab'Aziz: O Príncipe que Contemplava a sua Alma”, o deserto é um personagem em si mesmo.” 

- Khemir, entrevistado por Nawara Omarbacha, 2006.

No primeiro filme, “Andarilhos do Deserto (1984)”, um jovem professor viaja para uma aldeia remota, só de mulheres, onde a comunidade está sob uma antiga maldição que leva as suas crianças a vaguearem, perdidas no deserto. No segundo filme, “O Colar Perdido da Pomba (1991)”, uma estudante tenta compreender o significado do amor com a ajuda da caligrafia árabe. O último filme da trilogia, “Bab'Aziz (2005)”, conta a história de um adepto sufi e da sua neta a caminho de um encontro, que terá lugar num local e tempo desconhecidos.

Esta trilogia representa um aspecto importante da cultura islâmica, que se torna especialmente significativo quando comparada com a imagem dominante do Islã no Ocidente. Os filmes comerciais ocidentais retratam normalmente muçulmanos como vilões (ver “Shaheen”, 1997, 2001 e “Vanhala”, 2011), mas esta trilogia reflete a cultura do Islã de forma positiva. Os dois primeiros filmes centram-se, sobretudo, na cultura andaluza, enquanto o terceiro, “Bab'Aziz”, fala diretamente do núcleo místico do Islã, com suas canções, danças e ensinamentos sufis.

Bab'Aziz apresenta a forma como um adepto sufi persegue e percebe o conhecimento e as experiências por que passa nesta viagem. O ponto significativo aqui é que este conhecimento não pode ser perseguido teoricamente; deve ser experimentado diretamente. Vou discutir o significado desta experiência no contexto do Tasawwuf (outro termo para o sufismo, entendido como misticismo islâmico) e como esta experiência conduz ao conhecimento sufi, com base numa análise de “Bab'Aziz”. Pretendo discutir o tema do conhecimento sufi através deste filme porque uma fonte teórica fundamental para esse conhecimento é a literatura hagiográfica. Analisarei “Bab'Aziz” como uma hagiografia moderna e irei fornecer contexto para que tenhamos uma discussão sobre o conhecimento de Tasawwuf. Aqui, os outros dois filmes da trilogia não serão discutidos porque não refletem a perspetiva sufi de uma forma tão clara como “Bab'Aziz”.

De acordo com a doutrina sufi, a existência só pode ser conhecida por meio do testemunho e da experiência, ou seja, através da presença, do sabor ou da iluminação, que são todos termos sufis importantes. Tasawwuf é um método de educação e um modo de vida que permite ao ser humano aproximar-se de Allah, e o conhecimento sufi só pode ser alcançado como resultado de certas práticas e treinos que visam domar o “nafs”, o ego, ou a alma individual. Os sufis descrevem o conhecimento que lhes é dado com várias palavras, tais como descoberta, encontrar, desfrutar, possuir um estado, saborear e inspiração; “marifa”, “irfan”, “kashf”, “wajd”, “jazba”. No Tasawwuf, o conhecimento é concedido por Allah; uma pessoa não alcança esse conhecimento através do seu esforço pessoal, ele lhe é dado. No entanto, espera-se que se esforcem como se o fossem alcançar por si próprios. Todos esses conceitos apontam para o fato do conhecimento sufi não ser um conhecimento teórico, mas sim uma experiência subjetiva, que não pode ser transmitida a outra pessoa.

 

Bab'Aziz: O Príncipe que Contemplava a Sua Alma

O filme Bab'Aziz começa com um homem idoso, Bab'Aziz (Parviz Shahinkhou) e sua neta, Ishtar (Maryam Hamid), a caminho de uma reunião sufi. Vários outros personagens, a caminho da mesma reunião, se juntam a eles enquanto caminham. O filme se centra mais na viagem que no encontro, e essa viagem é uma clara metáfora da viagem espiritual sufi. Todos os elementos do filme contribuem para a história de uma vida subentendida como um caminho que conduz à verdade interior de cada um. O vasto deserto reflete a imprevisibilidade, a imensidão e o mistério deste caminho. A narrativa abstém-se de uma estrutura clássica de três atos e apresenta várias histórias entrelaçadas umas nas outras através de flashbacks. Os personagens se encontram, compartilham as suas histórias e surgem como diferentes faces de uma grande viagem: a viagem do conhecimento de si próprio. Esta história representa o elo que liga todos os seres humanos em movimentos circulares intemporais e sem limites.

A cena de abertura do filme reflete esse movimento circular. Primeiro, vemos um dervixe rodopiante, com versos do Alcorão recitados ao fundo, e depois segue-se um entreítulo de uma afirmação sufi bem conhecida: "Há tantos caminhos para Allah quanto almas na Terra". Por fim, uma panorâmica circular do vasto deserto revela os personagens do filme à medida que emergem do deserto, um a um. A vastidão do deserto implica na imprevisibilidade da viagem, e o movimento circular da câmara implica na natureza interminável de tais ciclos.

Os personagens fazem uma viagem de duas maneiras. A primeira é física, ao entrarem no território desconhecido do deserto. A segunda é a viagem efetuada para alcançar o conhecimento sufi. "Caminho" (tariq) é um termo sufi muito significativo no Tasawwuf e implica um caminho percorrido para se aproximar de Allah. A “tariqa” é uma escola que transmite o conhecimento sufi através da relação do “murshid” e do “murid”; nomeadamente, o mestre e o aprendiz. O Tasawwuf é, acima de tudo, um caminho espiritual, e o filme apresenta uma metáfora desse caminho.

Somos então apresentados a Bab'Aziz e Ishtar, que saem da areia depois de terem sido enterrados numa tempestade. Ishtar perdeu o seu saco e quer encontrá-lo, mas Bab'Aziz a impede: "Tudo o que precisamos, temos conosco", ele diz. Esta abordagem é importante para todo o filme, uma vez que o caminho interior do sufi só se torna possível na medida em que ele ou ela abdica dos bens exteriores. Os personagens só são capazes de prosseguir no seu caminho até ao encontro se abdicarem dos seus bens físicos: Ishtar liberta uma tartaruga de estimação, um príncipe abandona o seu palácio e outros personagens abdicam dos seus bens. O vazio visual do deserto ilustra esse ascetismo.

Bab'Aziz e Isthar encontram pela primeira vez Hassan (Hessam Hassanipour), que está à procura do dervixe rodopiante vermelho da cena inicial. De repente, uma gazela aparece do nada, mas Bab'Aziz parece conhecer o animal e o apresenta a Isthar. Em seguida, lhe conta a história de um príncipe, que a princípio parece uma diversão, mas que na realidade é a história do filme. De acordo com a história, o Príncipe deixou todos os seus bens mundanos para trás depois de conhecer essa gazela. No Sufismo, esses animais são um símbolo de beleza que conduz à inspiração e à contemplação, divinas.

Novos personagens entram na história: Zaid (Nessim Khaloul) segue os rastros de Nour (Golshifteh Farahani). Depois de ganhar um concurso de recitação do Alcorão, Zaid foi a um banquete onde conheceu e se apaixonou por Nour. Zaid recita um poema escrito pelo pai da moça, mas Nour o abandona e leva as suas roupas quando vai ao encontro do seu pai, há muito desaparecido.

Osman (Mohamed Graïaa) é um comerciante do deserto que deseja ir para um local sem areia. Caiu num poço e conheceu uma mulher chamada Zahra (Emnanaoui), num palácio. Depois de se apaixonar por ela, Zahra mandou Osman procurar uma fogueira e agora ele salta para todos os poços no seu caminho, na esperança de encontrar Zahra e o palácio. Os Sufis o levam consigo na sua viagem para o encontro.

Nenhum dos personagens segue o mesmo caminho pela mesma razão e, à medida que a história se desenrola, cada viajante aprende a seguir em frente, enquanto prossegue no seu caminho único. Todos esses viajantes mudam e crescem à sua maneira. Aprendem uns com os outros, trocam histórias e afetam as viagens uns dos outros, de uma forma ou de outra.

Bab'Aziz está no centro de todos os viajantes e, através da natureza simbólica da gazela, o público compreende que Bab'Aziz é o Príncipe e que todo o filme é a sua meditação. Ninguém, exceto Bab'Aziz, sabe a verdade sobre a viagem e o encontro e é bom que não o saibam porque só podem descobrir a si mesmos através da sua própria viagem. Bab'Aziz é o único que não estará no encontro final porque já completou a sua viagem interior. A luta pelo conhecimento é uma metáfora da essência do conhecimento sufi.

De acordo com a história de Bab'Aziz, o Príncipe renunciou a tudo para conhecer a si mesmo e conhecer Allah, incluindo o palácio que Osman procura ou a mulher que Zaid procura.

Saiba que todas essas ações têm por objetivo conhecer Allah e acreditar, como “yaqin”, que não há outro objetivo senão Ele e que tudo regressará a Ele. Consequentemente, todas as ações passam por esse conhecimento. A forma mais próxima de alcançar esse conhecimento é o caminho do “dhikr”, o “tawhid” e o confronto com o “nafs” sob a orientação de um “murshid al-kamil”.

Nesse sentido, o foco do conhecimento sufi é Allah. Conhecer Allah é conhecer a certeza, e o caminho para alcançar esse conhecimento começa em si mesmo. Quando a pessoa conhece a si mesma, nomeadamente quando faz uma viagem interior, adquire esse conhecimento.

 

Conhecimento do Coração

O Profeta Muhammad diz: "Aquele que conhece o seu nafs (ele próprio), conhece o seu Senhor", e esta frase está no centro do sistema educacional sufi. Aqui, o verbo "conhecer" não se refere ao conhecimento, no sentido intelectual, mas aponta para a palavra árabe “irfan”, que significa experiência direta e conhecimento direto da verdadeira natureza das coisas. Conhecer a si mesmo nesse sentido é um objetivo central do conhecimento sufi. No filme, são levantadas várias questões: Onde é que a reunião vai ter lugar? Porque é que ninguém sabe onde vai ter lugar? Como é que se pode ir a uma reunião sem saber o seu local? É Ishtar quem faz estas perguntas no filme e, para encontrar a reunião, os personagens têm de descobrir um tipo diferente de conhecimento, que vem com a experiência e transcende o conhecimento teórico. No início, Ishtar pergunta ao seu avô:

Ishtar: Mas e se nos perdermos?

Bab'Aziz: Aquele que tem fé nunca se perderá. Aquele que não tem preocupações não se perde.

Ishtar: Mas onde é que é esse encontro?

Bab'Aziz: Não sei, meu anjinho.

Ishtar: Mas os outros sabem?

Bab'Aziz: Não, eles também não sabem.

Ishtar: Como é que se pode ir a uma reunião sem saber onde é?

Bab'Aziz: Basta ir a pé, basta ir a pé. Aqueles que são convidados encontrarão o caminho.

 

Bab'Aziz não responde às perguntas de forma racional, mas o espectador sente que Bab'Aziz e Ishtar vão, apesar de tudo, encontrar o local do encontro, porque o filme defende uma forma diferente de conhecimento.

A fonte desse conhecimento não é a mente, tal como concebida no pensamento racional; é o coração, tal como concebido no Tasawwuf. O significado desse conhecimento não se reflete apenas nas palavras de Bab'Aziz, mas nos desejos de todos os outros personagens, uma vez que esses transcendem as questões físicas. Osman e Zaid vão à estrada porque procuram as mulheres que amam. Nour viaja porque quer encontrar o pai no encontro. No entanto, o significado do conhecimento do coração é expresso de forma mais clara através de Bab'Aziz. Ele é cego, mas o espectador sente que é ele quem vê mais claramente, porque é a alma que é necessária para a visão clara. A visão de sua alma é clara, e essa expressão está enraizada no Tasawwuf: a alma é a fonte da contemplação e da visão. Alguns podem assumir que esse conhecimento não é certo porque não é racional, mas, para o Sufi, esse conhecimento do coração é “yaqin” (certeza).

Os sufis seguem o Alcorão ao considerarem o coração como a casa do “kashf” e da inspiração, como o espelho que reflete as revelações do desconhecido. O coração é um poder oculto que percepciona as verdades divinas de forma clara e precisa, sem dúvidas.

Allah ordenou: "Então, eles não refletem no Alcorão, ou há fechaduras nos seus corações?"

- Alcorão 47: 24.

Em Bab'Aziz, a relação entre o intelecto e o coração é apresentada de várias formas. Numa cena, Bab'Aziz e Ishtar chegam a uma mesquita. Ouvem os cânticos dos dervixes:

As pessoas desse mundo são como as três mariposas à volta da chama de uma vela.

A primeira aproximou-se e disse: Eu sei o que é o amor.

A segunda tocou levemente a chama com as asas e disse: Eu sei como o fogo do amor pode queimar.

O terceiro atirou-se para o coração da chama e se consumiu. Só ele sabe o que é o verdadeiro amor.

 

Nesse caso, são descritos metaforicamente três níveis de conhecimento. “Yaqin” é um conhecimento mencionado no Alcorão que significa conhecimento de certeza sem dúvida:

O “Yaqin” tem três níveis. O primeiro é o “ilmu'l-yaqin”. Isso acontece quando alguém tem a certeza de que o sol existe quando vê a luz e sente o calor. O segundo é o “aynu'l-yaqin”. Isso ocorre quando uma pessoa tem a certeza de que o sol existe quando vê o próprio sol. A terceira é “haqq'al-yaqin”. Isso ocorre quando uma pessoa tem a certeza de que o sol existe quando a visão (a luz) do seu olho fica imersa na luz do sol.

“Ilmu'l-yaqin” é a certeza do intelecto. É uma certeza que pode ser obtida através do raciocínio e a afirmação corânica é que, se utilizarmos a faculdade da razão, podemos ter a certeza do Dia do Juízo Final. “Ilmu'l- yaqin” implica conhecimento teórico e, para os sufis, este é o conhecimento dos eruditos que estudam o conhecimento intelectual e narrado. A este nível, o sufi descobre o conhecimento de que "Não há outro objetivo senão Allah". O apego ao mundo começa a diminuir, mas a certeza ainda permanece no nível do intelecto. O sufi utiliza o seu intelecto para desafiar o seu “nafs” e aproximar-se de Allah. Em Bab'Aziz, esse nível é simbolizado na canção como a traça que se aproxima do fogo e conhece o amor à distância.

O segundo nível, “aynu'l-yaqin”, é descrito como a certeza do olhar. Aqui, o conhecimento vai para além do pensamento; a pessoa "vê" o que sabia implicitamente com “ilmu'l-yaqin”. Com o “aynu'l-yaqin”, os significados divinos recebidos dos textos são testemunhados através de uma forma de “kashf” (desvelamento) e revelação. Embora ver implique ver com os olhos físicos, o verdadeiro vidente é o coração. O conhecimento do coração, nesse sentido, é “aynu'l-yaqin”. Um sufi com este nível de certeza renunciou completamente ao seu amor pelo mundo. O seu desejo é o amor de Allah. Em Bab'Aziz, o “aynu'l-yaqin” é simbolizado pela traça que experimenta o ardor do fogo pelo tato.

Haqqa'l-yaqin é uma forma de conhecimento sem erro, baseada na unidade do sujeito e do objeto. Allah nunca é um objeto e não pode ser um objeto de conhecimento; Allah só pode ser conhecido através de Allah. “Haqqa'l-yaqin” é a realização do conhecimento através da experiência real de algo e depende de ser um com o objeto conhecido. Tal conhecimento só é possível com o desaparecimento de tudo o que diferencia o conhecedor do conhecido. Quando os sufis se referem a esse conhecimento, mencionam a ayat do Alcorão (Alcorão 8:17): "E tu não atiraste, [Ó Muhammad], quando atiraste, mas foi Allah quem atirou".

O objetivo do conhecimento “yaqin” pode ser resumido da seguinte forma: de acordo com o conhecido mestre sufi Muhyiddin Ibn al-Arabi (1240 d.C.), há uma questão essencial a que todos os seres humanos devem procurar responder: "Como é que posso encontrar Allah?" Além disso, tendo encontrado uma resposta a esta pergunta, devem proceder à verificação da verdade da sua resposta, encontrando Allah de fato e não apenas em teoria. Muhyiddin Ibn al-Arabi refere-se àqueles que verificaram com sucesso a verdade da sua resposta como o Povo da Revelação e da Descoberta (ahl al-kashf wa'l-wujūd). De acordo com o Islã ortodoxo [1], os seres humanos não podem alcançar o conhecimento de Allah, uma vez que o conhecimento de Allah só é acessível ao próprio Allah. Os seres humanos só podem ter conhecimento através de textos religiosos (o Corão e Hadith, os ditos do Profeta Muhammad) e através da repetição de certas práticas (Sunnah, as práticas do Profeta Muhammad). No entanto, para os sufis, o verdadeiro conhecimento pode ser descoberto e aqueles que alcançaram esse verdadeiro conhecimento são chamados de amigos de Allah. O filme “Bab'Aziz” aponta para os níveis pelos quais as pessoas passam enquanto estão em sua jornada para encontrar Allah, e o personagem Bab'Aziz simboliza um amigo de Allah que encontra e revela o verdadeiro conhecimento através do “haqqa'l-yaqin”. Por conseguinte, o cego Bab'Aziz não vê o mundo material, mas vê a verdade com o seu coração.

Apenas Aqueles que Não Estão Apaixonado Veem Seu Próprio Reflexo

A viagem de Bab'Aziz a “haqqa'l-yaqin” é narrada por ele como uma história para Ishtar. A história é a de um príncipe que é abençoado com todo o tipo de riquezas mas que, apesar disso, é infeliz. Ele se desinteressa dos prazeres mundanos porque suspeita de outra verdade através da experiência de primeiro nível do “ilmu'l-yaqin”. Ele precisa agir de acordo com o que pensa que sabe e precisa deixar o mundo. Por outras palavras, precisa libertar o seu amor pelo mundo e domar o seu “nafs”, a sua individualidade. Um dia, o Príncipe vê uma gazela e começa a persegui-la e a sua viagem começa quando deixa para trás tudo o que possui na realidade material. A seguir, vemos o Príncipe junto a um poço de água. Ele olha para a água e está completamente desinteressado de todo o resto. Parece olhar para o seu reflexo, mas está implícito que vê outra coisa. Racionalmente, isso não pode ser verdade, mas para o Príncipe que passa do “ilmu'l-yaqin” para o “aynu'l-yaqin”, do primeiro para o segundo nível, o conhecimento não depende inteiramente da racionalidade, mas está ligado a ela. Por isso, o Príncipe não vê a sua imagem e está em contemplação.

 

Ishtar: Até parece que ele está contemplando a sua imagem no fundo da água.

Bab'Aziz: Se calhar não é a imagem dele. Só os que não estão apaixonados é que vêem o seu próprio reflexo.

Ishtar: Então, o que é que ele vê?

Bab'Aziz: Ele está a contemplar a sua alma.

 

Aqueles que não estão apaixonados vêem o seu próprio reflexo, mas e aqueles que estão apaixonados? O príncipe vê a verdade através do “aynu'l-yaqin” e o seu coração se volta para o amor a Allah. Não vemos se o príncipe alcança o “haqqa'l-yaqin” depois do “aynu'l-yaqin”, mas isso está implícito. Ishtar pergunta a Bab'Aziz:

Ishtar: Então, o que é que aconteceu ao Príncipe?

Bab'Aziz: O Príncipe contemplou tanto a sua alma que trocou o mundo visível pelo invisível.

 

Isso implica que o Príncipe tinha efetivamente alcançado “haqqa'l-yaqin”. Mais significativamente, é também sugerido no filme que o Príncipe é o próprio Bab'Aziz. Bab'Aziz é um amigo de Allah, porque se libertou do seu “nafs”; conheceu, viu e tornou-se a verdade. Por conseguinte, todas as personagens que procuram o mesmo conhecimento irão cruzar com Bab'Aziz. O filme pode, portanto, ser lido como um símbolo do “yaqin”. Esses personagens que abandonam as coisas materiais e, por conseguinte, transcendem o conhecimento material, representam diferentes níveis de conhecimento procurados no caminho sufi. Os desejos materiais do “nafs” são libertados e o conhecimento do coração se torna gradualmente proeminente. Assim, o filme apresenta uma perspetiva diferente da visão secular do mundo, que dá prioridade ao pensamento racional dependente do intelecto. No entanto, não seria justo afirmar que o pensamento ocidental se baseia apenas no conhecimento racional. A filosofia de muitas religiões do mundo oferece afirmações significativas sobre fontes alternativas de conhecimento e a questão da experiência religiosa ou mística continua a ser importante para as ideias sobre o conhecimento religioso. No entanto, é verdade que, no Ocidente e no mundo secular, em geral, o pensamento racional tem precedência sobre essas fontes de conhecimento. As novas linhas de pensamento surgem apenas como reações contra essa tendência dominante e, nesse sentido, podemos dizer que a filosofia ocidental se baseia em métodos de análise abstrata. No entanto, é também importante refletir sobre o significado da filosofia para o modo de vida de um filósofo. Será a filosofia um ramo das ciências sociais que tem de se manter dentro dos limites da discussão acadêmica? Ou será que as suas afirmações podem ser levadas de um nível abstrato para o nível experimental? Thomas W. Morris salienta que muitos filósofos têm fé em Deus e acreditam que a verdade última é Deus, no entanto, é questionável se esses filósofos podem apoiar as suas afirmações espirituais através dos seus argumentos filosóficos. O filósofo racional não consegue exprimir as suas ideias espirituais com os seus métodos de filosofia. Num contexto moderno, não se espera que um filósofo escreva com o coração. Os filósofos têm mais prática na discussão intelectual e utilizam a análise abstrata e o debate rigoroso para aprofundar o conhecimento.

Essa perspetiva pode trazer uma nova luz para a compreensão da filosofia da Grécia Antiga. É geralmente aceito que, na Grécia Antiga, o pensamento mítico diminuiu gradualmente para ser substituído pelo pensamento racional. Nessa discriminação entre mito e filosofia, a filosofia é geralmente descrita como explicação racional, mas é possível ver a tradição da Grécia Antiga de outra perspetiva. Muitos sufis, incluindo Sadr al-Din al-Qunawi (1274 d.C.), afirmam que, na tradição grega até Aristóteles, um modo de conhecer semelhante ao “kashf”, o desvelamento, era mais significativo do que outras formas de conhecimento. Uma interpretação semelhante pode ser vista nos trabalhos de Pierre Hadot. Hadot afirma que, na tradição grega, a filosofia não era um estudo teórico baseado em análises abstratas, mas um trabalho de exercício espiritual que transformava a vida de uma pessoa. Ele ressalta que a visão moderna tem dificuldade em compreender a tradição grega antiga e que essa dificuldade faz com que atribuamos a essa tradição certas premissas que não existiam na época. Passo agora a abordar a relação entre a tradição grega antiga e o conhecimento do “kashf”.

 

As Fundações do “Kashf” no Pensamento Ocidental

A ideia da certeza do conhecimento e a afirmação de que o intelecto é a fonte desse conhecimento tem as suas raízes na Grécia Antiga. O padrão, tão fortemente impresso nas mentes ocidentais através do surgimento da ciência moderna, era a concepção do conhecimento como completamente impessoal, explícito e permanente: o ideal da objetividade total. O otimismo do século XVII e o Iluminismo atribuíram proeminência ao intelecto e contribuíram para esse ideal. Na filosofia do Iluminismo, Immanuel Kant atribuiu o domínio ao intelecto e aplicou os seus métodos à ciência, às artes, à moral, à política e à religião. Ao longo do tempo, no pensamento ocidental, foi traçada uma linha entre Platão, Aristóteles, Descartes e Kant. Esses filósofos defendiam que o intelecto é a fonte do conhecimento, e o pensamento ocidental, em sentido lato, sempre abordou o conhecimento desta forma.

Por outro lado, Bertrand Russell, em "Mysticism and Logic (1910)”, afirma que os grandes filósofos sempre sentiram a necessidade de equilibrar o discernimento e a razão. Esse equilíbrio eleva a filosofia metafísica a um nível acima da competição entre ciência e religião. Nesse sentido, existem dois impulsos diferentes; o impulso para abordar o conhecimento cientificamente e o impulso para o abordar através do misticismo. Por exemplo, para David Hume, o impulso científico é dominante; enquanto para o poeta William Blake, o misticismo domina a tal ponto que cria hostilidade em relação à ciência. De acordo com Russell, os grandes filósofos, incluindo Platão, cumpriram os contextos tanto da ciência como do pensamento místico. Para Platão, há sempre uma competição entre os impulsos científicos e místicos, mas sempre que há uma batalha entre os dois, o conhecimento místico tem precedência. Compreender Platão em termos de conhecimento místico é um caminho alternativo no pensamento ocidental, mas abordar Platão dessa forma não significa necessariamente que ele seja um místico, mas implica que o seu modo de filosofia pode ser entendido de forma diferente.

Hadot analisa exaustivamente a forma como vários conceitos eram entendidos pelos gregos antigos e a sua afirmação básica é que a mente moderna não consegue compreender suficientemente a tradição grega antiga. Segundo Hadot, a filosofia na Grécia Antiga não era uma busca intelectual que dava origem a pressupostos abstratos, mas a filosofia era um modo de vida que transformava o ser humano, e o conhecimento surge como resultado desse modo de vida. O ato filosófico não se situa apenas no plano cognitivo, mas no plano do eu e do ser. Para Hadot, os filósofos estavam ligados a escolas de pensamento que representavam modos de vida, visando uma mudança total de estilo de vida e uma transformação completa do indivíduo. O objetivo é alcançar a sabedoria, e a filosofia é apenas um exercício preparatório para a sabedoria. Hadot afirma que a mente moderna pode compreender melhor o sistema da Grécia Antiga se o designarmos por "exercício espiritual" em vez de "filosofia". Ele escolhe deliberadamente a palavra "espiritual", porque palavras como "psíquico", "moral", "ético", "intelectual", "do pensamento" ou "da alma" não podem abranger todos os aspectos da realidade. Esse esclarecimento é necessário porque, no sistema grego antigo, o conhecimento das virtudes não têm qualquer valor se não for acompanhado de um esforço para ser virtuoso na vida. A natureza, o objetivo e o resultado desse esforço requerem uma forma de exercício espiritual.

Um sistema de conhecimento baseado na transformação espiritual também pode ser encontrado nos ensinamentos do pensador sufi Sadr al-Din al-Qunawi (1207-1274 d.C.). Al-Qunawi descreve a importância do “kashf”, não como um filósofo, mas como um sufi que alcançou esse conhecimento através de sua própria experiência. Al-Qunawi estudou a Grécia Antiga e abordou esses filósofos antigos na perspetiva de um sufi e explica a diferença entre o conhecimento teórico e o “kashf”, salientando que o intelecto teórico tem uma capacidade limitada para essa forma de conhecimento. Segundo ele, se a prova pela razão e o pensamento racional fossem suficientes, então os profetas e os amigos de Allah, os herdeiros dos profetas, não se afastariam destes métodos. Al-Qunawi segue os passos de Muhyiddin Ibn al-Arabi (1165-1240 d.C.), que foi seu mentor e padrasto. Ibn Arabi classifica os que procuram o conhecimento em dois grupos: o primeiro caminha para Allah com pensamento e racionalidade, mas engana-se porque acredita que o seu conhecimento é completo e correto. O segundo grupo é o dos mensageiros e profetas e dos santos escolhidos. Este grupo é o detentor do verdadeiro conhecimento. Ibn Arabi argumenta que os pensadores racionais não podem ir além da realidade material, mas que os seres humanos têm a capacidade de compreender um conhecimento mais honrado, superior, mais forte e mais transcendental.

Segundo al-Qunawi, a verdadeira localização do conhecimento é o coração, entendido como um órgão metafísico. No entanto, esse coração tem de ser limpo e purificado. No Tasawwuf, essa clareza ou purificação está diretamente relacionada com a domesticação do “nafs”, e a transformação do coração num estado que pode receber o conhecimento de “kashf” exige que se viva num sistema que se assenta na domesticação do “nafs”. Esse sistema chama-se Tasawwuf e esse processo de domar o “nafs” não se processa de forma racional. Um sufi leva uma vida de acordo com as necessidades de domar os “nafs”. Como o pensamento racional não é um método eficaz para domar o “nafs”, os sufis não baseiam os seus processos de aquisição de conhecimento na racionalidade.

Al-Qunawi afirma que o verdadeiro conhecimento é o conhecimento dado por Allah aos Sufis que se voltam para Allah e que domam seu “nafs”, sua individualidade, e purificam seus corações seguindo o caminho dos mensageiros, profetas e santos. Al-Qunawi fala sobre os primeiros filósofos da Grécia Antiga até Aristóteles. Segundo ele, embora esses filósofos tivessem empregado o pensamento racional, eles buscavam um modo de vida diferente para o conhecimento, assim como Hadot afirma. De acordo com al-Qunawi, esses filósofos viviam de acordo com os seus princípios, por vezes em “halwat” (reclusão para praticar a contemplação e o culto) e em “riyazat” (abstinência para domar o “nafs”. Hadot salienta que quase todas as escolas filosóficas oferecem práticas de sofrimento voluntário e de auto-restrição. Na escola de Platão, por exemplo, espera-se que o indivíduo renuncie aos prazeres sensuais e cumpra uma dieta especial, jejum e privação de sono que permitiriam o desenvolvimento espiritual. Al-Qunawi afirma que o sistema de conhecimento na Grécia Antiga se baseava numa relação mestre-discípulo, tal como acontece no Tasawwuf, e salienta que se um discípulo na Grécia Antiga discordasse do seu mestre, era aconselhado a domar o seu “nafs” e a limpar o seu coração até atingir a certeza do conhecimento ao nível divino.

Seguindo Hadot e al-Qunawi, é possível dizer que a tradição da Grécia Antiga até Aristóteles se assenta no conhecimento de “kashf”. O conhecimento depende de um modo de vida que tem por objetivo domar o “nafs”. Alcançar o conhecimento é um objetivo, mas ser virtuoso, ter um bom caráter e ser uma boa pessoa é crucial para a busca do conhecimento. Hadot salienta que Sócrates é um excelente exemplo deste fato. Através de Sócrates, o pensamento ocidental se familiarizou com os exercícios espirituais que conduzem ao conhecimento. Sócrates viveu toda a sua vida de acordo com a verdade que recitava; convidava as pessoas a estudar a sua consciência e a analisar o seu processo interior. Os diálogos eram exercícios espirituais em que o indivíduo devia cumprir a máxima: "Conhece-te a ti mesmo". Também no Tasawwuf, o conhecimento depende do conhecimento de si mesmo. Esse conhecimento exige que o indivíduo se veja a si próprio para se conhecer ontologicamente. Ao mesmo tempo, conhecer-se a si mesmo implica em conhecer os seus traços mais obscuros e libertar-se deles. Sócrates tem a mesma visão. O seu objetivo é levar o indivíduo a questionar a si mesmo, o que conduzirá a uma comunidade que se questiona. O filósofo não sabe nada, mas tem consciência disso. O seu método filosófico não consiste em transmitir conhecimentos, mas em se fazer de parteiro, levando os seus alunos a questionarem-se. Segundo Hadot, Sócrates representa uma posição em que o saber se encontra com o ser. O conhecimento só é possível se criar uma certa transformação na pessoa. Por isso, é extremamente difícil separar o saber do ser virtuoso. O saber e o não saber não têm a ver com conceitos, mas com valores: por exemplo, o valor do bem moral e do mal moral. O conteúdo do conhecimento socrático é, portanto, essencialmente "o valor absoluto da intenção moral". Hadot compreende que esse conhecimento só é possível através da descoberta interior (kashf).

 

Conhecimento Sufi

Bab'Aziz pode ser visto como a história de um velho e de uma moça a caminho de um encontro num local desconhecido. Também pode ser interpretado como a história de um príncipe que deixou o seu palácio e encontrou a sua verdade através da contemplação. Ambas serão verdadeiras, porque o filme é sobre a viagem para encontrar o conhecimento sufi. Na cena de abertura de Bab'Aziz, vemos o dervixe ruivo, que diz: "Varre com a tua alma a porta da tua amada. Só então te tornarás o amante". Ele está rodeado de areia e, por isso, é evidente que, por mais que varra, haverá mais areia. Essa cena está carregada de símbolos sobre o verdadeiro significado do conhecimento. A areia no deserto cobre o caminho e torna-o incerto. No caminho que conduz à verdade, haverá incerteza e obstáculos inesperados. Na verdade, a fonte desses obstáculos é uma só; é o “nafs”. O “nafs” é um véu entre o ser humano e Allah, e o objetivo do sufi é levantar esse véu. No entanto, esse objetivo não é causado por um desejo de alcançar o conhecimento no sentido moderno. Por outras palavras, não se trata de uma busca para conhecer algo que não é conhecido. Aqui, há um esforço para compreender a nossa própria verdade, o propósito de sermos criados, e para nos transformarmos num ser humano que age de acordo com esse propósito.

Voltamos aqui aos três níveis de conhecimento. No “ilmu'l-yaqin”, a pessoa compreende esse conhecimento através do intelecto. “Aynu'l-yaqin” define um conhecimento em que é possível testemunhar ou ver. “Haqqa'l-yaqin”, finalmente, define um conhecimento no qual a distinção entre o conhecedor e o conhecido desaparece. O dervixe ruivo se dedica a lutar por esse conhecimento e o objeto do seu amor é Allah (ilmu'l-yaqin). Depois quer ser o objeto do amor de Allah (aynu'l-yaqin) e depois quer tornar-se o amante (haqqa'l-yaqin). Por conseguinte, o dervixe varre constantemente o amor do mundo que se acumula no seu coração. Por outras palavras, ele está domando o seu “nafs”. Bab'Aziz é intencionalmente zombeteiro em questões de causa e efeito e isso é uma escolha para exprimir “kashf”, o conhecimento do coração. Esse é um conhecimento que causa a transformação do ser humano e traz o reconhecimento da sua verdade, baseado num esforço que é o modo de vida Sufi.

Essa forma de conhecimento, kashf, difere significativamente do processo de raciocínio que se baseia em argumentos abstratos apoiados em fontes teóricas. No Tasawwuf, o conhecimento só pode ser alcançado através da experiência e o pensamento ocidental pode, de fato, estar enraizado exatamente nesta forma de conhecimento. Para alargar essa afirmação, na segunda parte deste artigo, discuti Sadr al-Din al-Qunawi e Pierre Hadot para argumentar que a filosofia da Grécia Antiga está enraizada num conhecimento de “kashf”. Os primeiros filósofos viam a filosofia como um modo de vida e o seu objetivo último era ser um ser humano virtuoso, e a filosofia servia esse propósito. Nessa perspetiva, a filosofia grega antiga não se baseia apenas no intelecto e é, portanto, um instrumento de autotransformação, cujo resultado é o conhecimento de “kashf”. Embora não esteja a fazer afirmações sobre uma relação direta entre o sufismo e a filosofia grega, as suas correspondências são notáveis.

O filme Bab'Aziz apresenta uma reflexão sobre o sistema de conhecimento do Tasawwuf e, para o filósofo, o filme é um meio de análise; para o sufi, é uma história na qual ele pode ver a si próprio. Este é um aspeto essencial do conhecimento de kashf. A diferença entre experienciar “kashf” e estudar “kashf” é crucial, porque no Tasawwuf, o verdadeiro conhecimento significa experimentar “kashf”. Nesse sentido, Tasawwuf é um caminho que só pode adquirir significado ao percorrê-lo. Como diz o sufi Abd al-Qadir al-Gilani (1078-1166 d.C.): "A viagem do sufi termina na terra de haqqa'l-yaqin", e talvez possamos entender a experiência de ver o filme Bab'Aziz como, pelo menos metaforicamente, uma viagem para kashf.

NOTA DO TRADUTOR

1 - “Islã Ortodoxo” aqui, ao qual o autor se refere, na verdade diz respeito à corrente salafista, nascida no séc. XVIII. 

Fonte: Edinburgh University Press