Uma mourisca de Almería, nascida na área do Alto Almanzora, provavelmente no distrito de Reul Bajo, perto da cidade de Laroya, desempenhou um papel de liderança na conquista do Peru, país nascido após a incursão de Francisco de Pizarro e Almagro (1535).

Seu nome verdadeiro é um completo mistério porque a maioria das mulheres mouriscas que participaram de alguma forma nas expedições costumavam mudar seus nomes para não revelar sua origem muçulmana. Nos livros das conquistas ela aparece diretamente como Beatriz, e posteriormente Beatriz de Salcedo depois de se casar com o capataz García de Salcedo, capataz do Peru nomeado por Pizarro.

Uma vida difícil

Beatriz não teve uma vida fácil. Eram tempos em que a convivência com os cristãos se tornava perigosa. Ela viu seus pais e a maioria de seus sete irmãos morrerem em uma incursão das tropas dos Reis de Castela e teve que lutar por sua sobrevivência.

Embora não esteja documentado, é certo que conseguiu embarcar nos navios da expedição comandada por Pizarro e Almagro que tinha a missão de chegar aos Andes e conquistar aquelas terras para a Coroa espanhola.

Na longa travessia, se inscreveu como '’soldadesca’', uma das mulheres que faziam parte das expedições, e viajavam como prostitutas a serviço dos conquistadores e eram conhecidas como “escravas brancas”.

Anteriormente, ela teria sido capturada como escrava nas montanhas do Reino de Granada, na área do norte de Almería ou do sul de Granada.

A conquista

A viagem ao Peru, as vicissitudes da conquista, e depois de ser libertada de sua condição de escrava, mostraram a verdadeira força de uma mulher que foi definida como "de excepcional beleza que, usando sua inteligência e um caráter forte, tornou-se mulher mais poderosa do novo país.’’

O capataz García de Salcedo decidiu torná-la sua sócia e dividiu com ela o controle dessas terras. Seu papel nessa conquista e na colonização do Peru foi de tal importância que finalmente García de Salcedo decidiu se casar com ela, dando-lhe seu sobrenome e colocando em suas mãos a enorme fortuna acumulada ao longo dos anos naquelas terras.

Cumplicidade

Vindo de uma situação de exclusão em sua terra natal, Laroya, ele compreendeu e simpatizou com os índios que povoavam o território conquistado, convivendo com as mulheres do imperador inca Atahuelpa após sua captura e posterior assassinato.

Essa proximidade permitiu-lhe compreender a fundo os segredos e costumes dos habitantes do protetorado e, portanto, transformá-los em aliados em vez de inimigos.

É mais um exemplo da inteligência de Beatriz de Salcedo, que assim foi conquistando posições tanto entre os conquistadores e novos senhores do Peru, quanto entre os habitantes do novo mundo. Beatriz era uma mulher de caráter forte, forjada por contratempos; e foi esse personagem que fez dela uma das pessoas mais poderosas e respeitadas da época.

O Poder

A mourisca almeriense ali se convertia na mulher com mais poder daquele século XVI de certa forma graças as normas que regiam a conquista do Novo Mundo, já que a lei impedia aos oficiais reais (como era seu marido) comercializar ou dispor de empresas.

Assim Beatriz de Salcedo assumiu o negócio de seu marido, García de Salcedo, e soube montar empresas e empreendimentos que lhe permitiram controlar o comércio e o poder daquele vasto império, mesmo com o apoio explícito e implícito do imperador Carlos V ele mesmo. , , como registrado em seu romance Carlos Ballesta, narrador da história da bela Morisca de Laroya.

Um caso único

O caso de Beatriz de Salcedo é provavelmente único na conquista da América, pois, apesar de sua condição de mourisca (como muitos dos espanhóis que chegaram nas primeiras expedições a apelidaram), ela recebeu o título de '’doña’' e esteve presente em eventos históricos que compõem o nascimento do Peru como nação.

Na verdade, ela foi a primeira '’ouvidora’' espanhola da Cordilheira dos Andes, a única mulher que esteve presente em 18 de janeiro de 1535 na fundação da Cidade dos Reis, que mais tarde seria renomeada como Lima, capital do Peru. O historiador norte-americano James Lockhart afirma que o caso de Beatriz é paradigmático, "um claro exemplo da participação de escravos brancos, de origem mourisca, na verdadeira conquista do Peru".

O fato de que no ano de 1534, já detentora de grande poder, Beatriz de Salcedo viajou para a cidade de Jauja, capital da província de Pizarro, fala de sua posição muito proeminente naqueles tempos, para ser madrinha da filha que Francisco Pizarro teve com a índia Inés, de quem tornou-se sócia. A menina chamava-se Francisca e os documentos da época indicam a almeriense como madrinha.

O Legado

Mas a influência de Beatriz de Salcedo perdurou ao longo dos séculos e até hoje. No Peru, o "trigo beatriz de Salcedo" ainda hoje é comercializado, para identificar a mais alta qualidade, e é atribuído à mulher almeriense como a responsável por introduzir o cultivo do trigo naquelas terras a partir de algumas sementes que chegaram à América.

A moda também foi influenciada por Beatriz e sua origem muçulmana; Desde então, em Lima, tem sido popular uma indumentária conhecida como “as capas de Lima”, uma espécie de hábito que cobria até a cabeça, revelando apenas um olho, uma moda com um claro estilo muçulmano.

Essa influência sobrevive em outros elementos como pátios, corredores, grades, varandas e outras decorações que remontam ao século XVI e que são claramente inspiradas nos costumes árabes.

A conquista do Peru definitivamente não foi apenas uma questão de homens.

Fonte: www.lavozdealmeria.com