Califado, do árabe “khilafah”, significa “sucessão”, e se refere a ideia construída ao longo da história islâmica da necessidade de um sucessor legitimado por diferentes meios para governar os muçulmanos do mundo, após a morte do Profeta Muhammad, pois este nunca criou um ”estado” ou meio de ascensão ao poder, por assim dizer.

A autoridade máxima dentro de um califado é a do califa, que possui poderes seculares legislativos, porém não teocráticos como na figura de um papa, exceto para as correntes xiitas.

Ao contrário do que muitos pensam, o Islã não enseja uma teocracia, e sim um governo que paute suas próprias leis em princípios derivados de fontes religiosas. Ao longo da história do Islã houveram diversos califados, das mais diversas etnias, porém, com geralmente duas orientações religiosas: sunitas e xiitas.

A compreensão do Califado

Para os xiitas, o califa precisa necessariamente ser um descendente direto do profeta através da linhagem de seus netos Hassan e Hussein, já os sunitas, nunca estabeleceram uma linha de como ou o que legitimaria um califa, tendo elegido ao longo da história aquele com mais poder e mais justo se possível, com linhagem contando bem pouco ou nada.

Durante o período medieval, três califados principais se sucederam: o Califado Rashidun (632-661) formado de forma eletiva pelos discípulos imediatos do profeta (Abu Bakr, Omar, Osman e Ali), o Califado Omíada (661-750) que foi a primeira monarquia islâmica surgindo após as longas guerras civis após a morte de Osman, e o Califado Abássida (750-1258).

No quarto califado principal, o califado otomano, os governantes do Império Otomano reivindicaram autoridade califal a partir de 1517. Durante a história do Islã, alguns outros estados muçulmanos, quase todos monarquias hereditárias, alegaram ser califados.

O primeiro califado, o Califado Rashidun, foi estabelecido imediatamente após a morte de Muhammad, em 632. Os quatro califas Rashidun, ou “Corretamente Guiados”, que sucederam diretamente a Muhammad como líderes da comunidade muçulmana, foram escolhidos através de ”shura”, um processo de consulta comunitária que alguns consideram uma forma inicial da democracia islâmica, contudo, não ao modelo ocidental.

O quarto califa, Ali, que, ao contrário dos três anteriores, era do mesmo clã que Muhammad, Banu Hashim, é considerado pelos muçulmanos xiitas como o primeiro califa legítimo e imã após Muhammad.

Ali reinou durante a Primeira Fitna, entre 656 e 661, uma guerra civil entre apoiantes de Ali e partidários do califa anterior assassinado por rebeldes aos quais Ali se recusou a punir, Osman, dos omíadas. A guerra levou ao estabelecimento do califado omíada sob Muawiyah I, em 661.

O segundo califado, o Califado Omíada, foi governado pelos omíadas, um clã de Meca com descendência do bisavô de Muhammad. O califado continuou as conquistas árabes, incorporando o Cáucaso, a Transoxiana, Sindh, o Magrebe e a Península Ibérica (Al-Andalus) no mundo muçulmano.

O califado teve uma aceitação considerável dos cristãos no seu território, exigido por seus grandes números, especialmente na região da Síria, onde localizava-se a capital do califado, Damasco. Após a Revolução Abássida de 746-750, que surgiu principalmente devido a privação de direitos islâmicos a não- árabes, o Califado Abássida foi estabelecido em 750.

O terceiro califado, o Califado Abássida, foi governado pelos abássidas, uma dinastia também de Meca, que descendia de Abbas, tio do profeta, fazendo-os parte dos Banu Hashim, clã ao qual pertencia o profeta.

O califa al-Mansur fundou sua segunda capital, Bagdá, em 762, que se tornou um importante centro científico, cultural e de arte, assim como o território como um todo, durante um período conhecido como a Era de Ouro Islâmica. A partir do século X, o governo abássida ficou confinado a uma área em torno de Bagdá.

De 945 a 1157, o califa era confinado a seu palácio, enquanto quem regia de fato era uma dinastia persa, os buídas xiitas, e posteriormente os turcos recém convertidos, na figura dos seljúcidas, que tornaram-se os campeões do sunismo, combatendo todas as dinastias xiitas ao alcance de suas espadas e da língua de seus eruditos.

Em 1250, outro exército de escravos não árabes criado pelos abássidas conhecido como mamelucos chegaram ao poder no Egito. Em 1258, o Império Mongol invadiu Bagdá, terminando o califa abássida, e em 1261 os mamelucos no Egito restabeleceram o califado abássida no Cairo.

Embora faltasse no poder político, a dinastia abássida continuou a reivindicar a autoridade em questões religiosas até a conquista otomana do Egito mameluco, em 1517, sob Selim, I que tornou-se o primeiro califa turco.

A conquista deu aos otomanos o controle sobre as cidades sagradas de Meca e Medina, anteriormente controladas pelos mamelucos. Os otomanos gradualmente passaram a ser vistos como líderes de fato e representantes do mundo islâmico.

Após sua derrota na Primeira Guerra Mundial, seu império foi dividido pela Grã-Bretanha e pela França, e em 3 de março de 1924, o primeiro presidente da República Turca, Mustafa Kemal, como parte de suas reformas, aboliu constitucionalmente a instituição do califado.

Alguns outros estados que existiram através da história reivindicaram ser califados, incluindo o califado fatímida xiita ismaelita do Egito (909-1171), o califado omíada de Córdoba na Ibéria (929-1031), o califado berbere almóada do Marrocos (1121-1269) e o Califado de Sokoto no atual norte da Nigéria (1804-1903).

No início da segunda década do século XXI, o mundo islâmico viu o surgimento de um grupo criminoso que ficou mundialmente conhecido como o “Estado Islâmico”, que ensejava conquistar o planeta terra, começando pelas próprias terras islâmicas, passando a faca ou fuzil a todo muçulmano que não aderisse a doutrina salafista do grupo.

O clamor de califado de Abu Bakr al-Baghdadi encontrou um apelo irrisório nos muçulmanos de modo geral, tendo suas fileiras engrossadas por jovens já aderentes ao salafismo antes do surgimento do grupo.

Os Califas na história

Abaixo uma lista de califas sunitas e imãs xiitas que constituíram califados ao longo da história (a figura de Ali é compartilhada por ambas as correntes):

Califado Rashidun

  • Abu Bakr as Siddiq (r) (632-634)
  • Omar Ibn al Khattab (r) (634-644)
  • Osman ibn Affan (r) (644-656)
  • Ali ibn Abu Talib (r) (656-661)

Imãs xiitas duodecimanos

  • Ali ibn Abu Talib (r) (656-661)
  • Hassan ibn Ali (661-669)
  • Hussain ibn Ali (669-680)
  • Zain ul Abedin (680-712)
  • Al Baqir (712-731)
  • Ja’afar as Saadiq (731-765)
  • Musa al Kazim (765-799)
  • Ali al Rida (799-818)
  • Al Jawad (818-835)
  • Al Hadi (835-868)
  • Al Askari (868-874)
  • Al Muntazar (874-878)

Imãs xiitas Fatímidas Ismaelitas

  • Ali ibn Abu Talib (r) (656-661)
  • Hassan ibn Ali (661-669)
  • Hussain ibn Ali (669-680)
  • Zain ul Abedin (680-712)
  • Al Baqir (712-731)
  • Ja’afar as Saadiq (731-765)
  • Ismail (760)

Califas Omíadas de Damasco

  • Muawiya bin Abu Sufyan (661-680)
  • Yazid (680-683)
  • Muawiya II (683-684)
  • Marwan I (684-685)
  • Abdul Malik (685-705)
  • Al Walid I (705-715)
  • Suleyman (715-717)
  • Omar bin Abdul Azeez (717-720)
  • Yazid II (720-724)
  • Hisham (724-743)
  • Al Walid II (743-744)
  • Yazid III (744)
  • Ibrahim (744)
  • Marwan II (744-750)

Califas Abássidas de Bagdá

  • Al Saffah (750-754)
  • Al Mansur (754-775)
  • Al Mahdi (775-785)
  • Al Hadi (785-786)
  • Harun Ar Rashid (786-809)
  • Al Amin (809-813)
  • Al Mamun (813-833)
  • Al Mu’tasim (833-842)
  • Al Wathiq (842-847)
  • Al Mutawakkil (847-861)
  • Al Musta’in (862-866)
  • Al Mu’taz (866-869)
  • Al Muhtadi (869-870)
  • Al Mu’tamid (870-892)
  • Al Mu’tadid (892-902)
  • Al Muktafi (902-908)
  • Al Muqtadir (908-932)
  • Al Qahir (932-934)
  • Al Radi (934-940)
  • Al Muttaqi (940-944)
  • Al Mustakfi (944-946)
  • Al Muti’ (946-974)
  • Al Ta’i (974-991)
  • Al Qadir (991-1031)
  • Al Qa’im (1031-1075)
  • Al Muqtadi (1075-1094)
  • Al Mustazhir (1094-1118)
  • Al Mustarshid (1118-1135)
  • Al Rashid (1135-1136)
  • Al Muqtafi (1136-1160)
  • Al Mustanjid (1160-1170)
  • Al Mustadi’ (1170-1180)
  • Al Nasir (1180-1225)
  • Al Zahir (1226-1242)
  • Al Mustansir (1226-1242)
  • Al Musta’sim (1242-1258)

Califas Otomanos de Istambul

  • Selim I (1517-1520)
  • Suleyman I (1520-1566)
  • Selim II (1566-1574)
  • Murad III (1574-1595)
  • Mehmet III (1595-1603)
  • Ahmet I (1603-1617)
  • Mustafa I (1617-1618)
  • Osman II (1618-1622)
  • Mustafa I (1622-1623)
  • Murad IV (1623-1640)
  • Ibrahim (1640-1648)
  • Mehmet IV (1648-1687)
  • Suleyman II (1687-1691)
  • Ahmed II (1691-1695)
  • Mustafa II (1695-1703)
  • Ahmed III (1703-1730)
  • Mahmut I (1730-1754)
  • Osman III (1754-1757)
  • Mustafa III (1757-74)
  • Abul Hamid I (1774-1789)
  • Selim III (1789-1807)
  • Mustafa IV (1807-1808)
  • Mehmet II (1808-1839)
  • Abdulmecit I (1839-1861)
  • Abdul Aziz (1861-1876)
  • Murad IV (1876)
  • Abdul Hamid II (1876-1909)
  • Mehmet Reshat (1909-1918)
  • MehmetVI Vaheeduddin (1918-1922)
  • Abdulmecit II (1922-1923)

Para um estudo mais profundo, recomendo o livro “Caliphate: The History of an Idea” do professor Hugh Kennedy, e o documentário “The Caliph”, da tv Al Jazeera, disponível em 3 capítulos no Youtube.