Certos alimentos em nosso cotidiano são tão comuns que nem paramos para nos indagar a respeito de suas origens ou de como chegaram até nós, dando inclusive a impressão de que “sempre estiveram aí” ou ainda de que surgiu em nosso país. Esse é o caso do iogurte, que pode ser encontrado em todos os mercados e supermercados brasileiros nos mais variados sabores, embalagens, consistências e marcas, e que conquistou tanto adultos quanto crianças.

Pelo fato de ser um alimento extremamente comum em nossas rotinas, por vezes ignoramos a sua origem, ou no máximo sabemos a origem de uma versão ou outra do iogurte, como o caso do “iogurte grego”, que por óbvio presumimos ter origem grega. Porém, quanto ao resto, de fato não nos damos conta de seu surgimento e qual processo foi tomado até que chegasse em nossas mesas.

As origens do iogurte são incertas, porém estima-se que tenha surgido por volta de 5 mil anos antes de Cristo na Mesopotâmia. O iogurte é produzido através de duas culturas de bactérias chamadas Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus e streptococcus thermophilus. Uma vez que o iogurte teria surgido há muitos milênios atrás, é provável que a sua “descoberta” tenha sido através do contato acidental da bactéria com o leite ou formas semelhantes.

Independentemente de como surgiu, temos relatos indianos que adjetivam o iogurte como sendo o “alimento dos deuses”, assim como a tradição persa atribui ao iogurte certas características medicinais muito valiosas, como o aumento da longevidade [1].

Na Grécia antiga uma iguaria muito semelhante ao iogurte já era consumida, e que os gregos chamaram de oxygala. O próprio Galeno, um dos principais nomes da medicina de todos os tempos, cita a oxygala em sua obra. Fato curioso é que essa forma de iogurte era consumida de maneira muito semelhante à como nós consumimos hoje, sendo inclusive misturado com mel. Posteriormente, Plínio, o Velho, influente figura na história do Império Romano, relataria em seu livro História Natural o seguinte:

É um fato notável que as nações bárbaras que subsistem do leite tenham sido por tanto tempo ou ignorantes a respeito dos benefícios do queijo, ou o tenham desconsiderado totalmente; e ainda assim eles sabem como espessa-lo e formar a partir dele uma espécie ácida de leite com um sabor agradável (PLÍNIO, 2004, p. 19).

O iogurte também era conhecido entre os povos islâmicos medievais, sendo mencionado pelo menos em dois livros de autores distintos. Dentre os livros, havia o de Mahmud Kashgari, Diwan Lughat al-Turk, e também o livro de Yusuf Has Hajib do século XI, Kutadgu Bilig. São nessas obras que encontramos a palavra “iogurte”, que tem origem turca da palavra “yoğurt”, que em uma das traduções pode significar “espessar” algo. Não obstante, o iogurte seria ainda citado diversas outras vezes nos territórios islâmicos, como no Império Mogol sob a regência de Akbar, que deixava o alimento ainda mais saboroso ao acrescentar sementes de mostarda e canela.

O iogurte, porém, só chegaria no Ocidente cristão séculos depois, e dessa vez sob influência turca. Uma vez que o iogurte seria introduzido no Ocidente através das relações entre França e o Império Otomano, se faz necessário expor um breve retrospecto da aliança franco-otomana que possibilitou a chegada do iogurte até nós.

A aliança ocorreu em 1536 e duraria mais de dois séculos, tendo seu fim quando Napoleão Bonaparte realizou sua campanha ao Egito otomano em 1798-1801. Anos antes, várias foram as tentativas de aliança entre um Estado e outro, como quando o rei Francisco I da França necessitava de um aliado na Europa Central, principalmente após ser derrotado por Carlos V na batalha de Pavia (1525). A primeira tentativa para estabelecer a aliança entre Francos e Otomanos se deu quando o rei Francisco I ainda estava preso em Madri, sendo uma comissão enviada para Suleiman, o Magnífico logo após a derrota da batalha de Pavia. Entretanto, quem a enviaria não seria Francisco, mas sim sua mãe, Louise de Savoie, porém a missão seria perdida em meio do caminho na Bósnia.

Mais tarde no mesmo ano outras tentativas seriam realizadas, dessa vez pelo enviado João Frangipani, que obteve êxito em alcançar Constantinopla e pedir pela libertação do rei Francisco e ataques contra os Habsburgos. Suleiman, sultão do Império Otomano, respondeu o apelo de Francisco da seguinte maneira:

Eu que sou o Sultão dos Sultões, o soberano dos soberanos, o dispensador de coroas aos monarcas na face da terra, a sombra de Deus na Terra, o Sultão e senhor soberano do Mar Mediterrâneo e do Mar Negro, de Rumelia e da Anatólia, de Karamania, da terra dos romanos, de Dhulkadria, de Diyarbakir, do Curdistão, do Azerbaijão, da Pérsia, de Damasco, de Aleppo, do Cairo, de Meca, de Medina, de Jerusalém, de toda Arábia, do Iêmen e de muitas outras terras que meus nobres antepassados ​​e meus gloriosos ancestrais (que Deus ilumine seus túmulos!) Conquistaram pela força de suas armas e que minha Majestade Augusta sujeitou à minha espada exuberante e à minha vitoriosa lâmina, eu, Sultão Suleiman Khan, filho do Sultão Selim Khan, filho do Sultão Bayezid Khan: Para ti que és Francisco, rei da província da França…Você enviou à minha porta, refúgio dos soberanos, uma carta pela mão de seu fiel servo Frangipani, e você, além disso, confiou a ele uma miscelânea de comunicações verbais. Você me informou que o inimigo invadiu seu país e que você está atualmente na prisão e cativo, e você pediu ajuda e socorros para sua libertação. Todas essas suas palavras foram apresentadas ao pé do meu trono, que controla o mundo. Sua situação ganhou minha compreensão imperial em todos os detalhes, e considerei tudo isso. Não há nada de surpreendente em imperadores serem derrotados e feitos cativos. Então, tenha coragem e não desanime. Nossos gloriosos predecessores e nossos ilustres ancestrais (que Deus ilumine seus túmulos!) nunca cessaram de fazer a guerra para repelir o inimigo e conquistar suas terras. Nós mesmos seguimos seus passos e conquistamos em todos os tempos províncias e cidadelas de grande força e de difícil acesso. Noite e dia nosso cavalo é selado e nosso sabre cingido. Que o Deus nas Alturas promova a justiça! Que tudo o que for de Sua vontade seja realizado! De resto, questione o seu embaixador e fique informado. Saiba que será como foi dito.

E assim foi consolidada a aliança entre otomanos e franceses. E seria graças à essa aliança que o iogurte chegaria até a França e posteriormente se espalharia por todo o Ocidente, chegando hoje ao Brasil e em todos os supermercados.

Uma vez que agora Francisco I da França e o sultão otomano Suleiman, o Magnífico eram aliados, era de se esperar que caso um tivesse algum problema poderia muito bem recorrer ao outro, e isso em assuntos além da esfera militar contra inimigos em comum, como o caso dos Habsburgos de Carlos V. Certa feita, Francisco estava sofrendo de um problema de saúde: uma diarreia extremamente severa. O pior de tudo nessa situação era que absolutamente nenhum médico da corte francesa conseguia curá-lo, até que Suleiman enviasse ao rei francês um de seus médicos, que conforme conta a história, tratou Francisco com iogurte e curou o monarca com a iguaria. Grato por finalmente se ver livre de tal moléstia, Francisco “espalhou as boas novas” a respeito do iogurte, o alimento que além de delicioso o havia curado de um problema grave de saúde.

A aliança de Francisco I e Suleiman, o Magnífico, seria chamada por outros europeus como “sacrílega”, porém foi graças à ela que hoje temos o iogurte em nossas mesas.

NOTAS

[1] Segundo algumas tradições persas, foi graças ao consumo do iogurte que Abraão pôde viver por centenas de anos.

BIBLIOGRAFIA

TENNISON, Patricia. Yogurt: Suleiman’s Magnificent Solution. Paris Cafe Writing. 2012.

YEREBAKAN, Halit. Yogurt the Magnificent!. Daily Sabah. 2014.

MERRIMAN, Roger Bigelow. Suleiman the Magnificent 1520-1566. Read Books. 2007.

GOODY, Jack. Islam in Europe. Polity. 2013

WATSON, William E. Tricolor and Crescent: France and the Islamic World. Greenwood Publishing Group. 2003.

PLÍNIO, O VELHO. Natural History: The Empire in the Encyclopedia. Tradução de Trevor Murphy. Oxford University Press. 2004.