As primeiras correntes mouriscas instalaram-se no Río da Prlata durante os séculos XVI e XVII. Entre outras coisas, eles se reuniram entorno da cultura equestre e da origem da palavra gaúcha.

Nossa tese, baseada em extensa e detalhada bibliografia, é que o gaúcho tem sua origem na civilização de Al-Andalus, a Espanha muçulmana (711-1492), berço dos povos ibero-americanos, de onde recebemos legados como a língua castelhana, na sua versão andaluza, com o seseo (pronuncia-se com um s assobiado ao invés do som de ce) e o yeísmo (que consiste em pronunciar tanto ll como y: soando iguais em "tonalidade" ou em "yerba", tão comuns entre os rio-platenses), ambos de origem mourisca.

A palavra mourisco (1) comumente designa os muçulmanos do reino nasrida de Granada – rendidos por Boabdil aos Reis Católicos em 2 de janeiro de 1492 – que, após a rebelião do bairro de Albaicín (1501), foram forçados a se converter ao Cristianismo ( 2).

Este nome também seria aplicado aos mudéjares, do árabe mudayyan: "aqueles que ficaram", ou Ahl ad-Dayn: "pessoas que permanecem, que se dominam"; por extensão, "domesticados", "dominados”. Estes "súditos mouros" gozaram de períodos de tolerância nos reinos hispano-cristãos do século XI, e sob a égide de soberanos como Afonso X o Sábio (1221-1284) e Pedro I el Justiciero (1334-1369). Estes mudéjares desenvolveriam uma arte que transformaria os perfis da Espanha cristã e seriam a base fundamental da chamada "arte colonial espanhola" na América (3).

Após a rebelião malsucedida de 1568 - afogada em sangue por Felipe II e seu meio-irmão João de Austria -, a nobreza da Espanha, mais germânica do que espanhola, obcecada pela "pureza de sangue" e pelo medo de um levante mouro apoiado pelos turcos otomanos (4), pressionou o rei Filipe III a prosseguir com a expulsão em massa dos mouriscos. A operação foi realizada entre 1609 e 1614 (5). Os mouricos fixaram-se então no Norte de África (Marrocos, Argélia e Tunísia). Alguns permaneceram vivendo em Espanha e em Portugal, fingindo-se cristãos-novos ou ciganos, mas mantendo-se fiéis à fé islâmica (6). O restante emigrou para a América em condições clandestinas semelhantes.

Os mouriscos que vieram para a América chegaram camuflados com os conquistadores e fugindo do estigma imposto pelo inquisidor. Aqui, na América, eles forjaram culturas equestres: a dos gaúchos (Argentina, Uruguai e Brasil), huasos (Chile) e llaneros (Colômbia e Venezuela), com múltiplas influências na música, costumes e estilos, do folclore argentino à escola mexicana de Guadalajara. Isso simbolizava sua fé, sua tradição e seu tremendo desejo de independência e liberdade. Também construíram igrejas, catedrais e residências mudéjares que ainda nos impressionam, pequenas Alhambras que tinham como cenário magnífico uma nova e pletora geografia aninhada entre a Cordilheira dos Andes e o Caribe (7).

O tradicionalista e jurista argentino Carlos Molina Massey (1884-1964), que estudou a origem do gaúcho, questiona: “Os oito séculos de conquista moura colocaram sua marca racial característica na população ibérica: oitenta por cento da população peninsular que chegou em nossas praias trazia sangue mourisco. O gaúcho era por isso como um avatar, como uma reencarnação da alma das mourarias fundida com a alma indígena no grande ambiente libertário da América ” (8)

A etimologia da palavra "gaúcho"

A palavra "gaúcho" também aparece no vasto e rico legado andaluz. O jurisconsulto de origem francesa e gauchófilo por excelência Emilio Honorio Daireaux (1843-1916) faz esta reconstrução:

“Na época das primeiras populações na América, o domínio dos árabes na Espanha terminava por expulsão ou submissão; muitos destes derrotados emigraram. Nos pampas encontraram um ambiente onde puderam dar continuidade às tradições da vida pastoril de seus ancestrais. Foram os primeiros a sair das muralhas da cidade para cuidar dos primeiros rebanhos. Isso é tão verdade que muitos costumes e artefatos empregados lá são designados por palavras árabes: el pozo (pt. o poço), palavra espanhola, é chamado de jagüel, uma terminação árabe; e à maneira árabe eles drenam a água. ‘’

Gaúcho é uma palavra árabe desfigurada. É fácil encontrar sua relação com a palavra "chauch", que em árabe significa condutor de gado. Ainda em Sevilha (na Andaluzia), mesmo em Valência, o boiadeiro chama-se “chaucho ”(9). O primeiro grande teórico sobre as origens hispano-árabes do gaúcho, o jurisconsulto, escritor e jornalista Federico Tobal (1840-1898), diz:

“O traje gaúcho nada mais é do que uma degeneração do traje árabe e é até possível confundi-lo, à primeira vista. O chiripá, o poncho, a chaqueta, o tirador, o lenço na cabeça e embaixo do chapéu nada mais são do que modificações das peças do vestuário árabe; mas pequenas modificações e que não constituem um traje à parte, como o nosso na Europa. (...) Tudo no gaúcho é oriental e árabe: sua casa, sua comida, seus trajes, suas paixões, seus vícios e virtudes e até suas crenças. (...) Seria interminável esgotar essa tese. As coisas, os fatos e os acidentes de relacionamento que confirmam a origem são oferecidos em todos os lugares. A semelhança é tão vívida que a menor atenção é suficiente para percebê-la. Ela nos segue como uma sombra ao seu corpo (...) Por mais indolente que o gaúcho se torne, mesmo se sua casa faltar árvores ou pomar, mas nunca lhe faltara o poço que é a cisterna (jagüel ou aljibe) para abluções frequentes, altamente necessários no seu estilo de vida e que é especialmente perceptível entre os povos paraguaios e correntinos, que certamente não é de origem indígena”(10).

Os conceitos reveladores de Lugones

O escritor e político argentino Leopoldo Lugones (1874-1938) é um dos grandes defensores da alma gaúcha, da cultura dos pampas e de seu legado andaluz. Nas citações a seguir resumimos suas reflexões sobre o assunto:

“Ginete por excelência, era impossível concebê-lo desmontado e, portanto, o arreio de montar era a base de seu traje. A sua forma de atrelar o cavalo teve, sem dúvida, origem mourisca. (...) As rédeas e o jáquima (11) ou focinho, muito magros,, iluminavam ao máximo o jaez (12), cujo propósito não era conter ou dominar servilmente o bruto, mas apenas uni-lo com o cavaleiro, permitindo-se grande liberdade de movimentos (...) Ademais, sabe-se que a arte de cavalgar e de lutar a jineta, bem como o seu arreio, foi introduzida em Espanha pelos mouros, cujos zenetes – ou cavaleiros da tribo berbere de Banu Marín – deram-lhe o seu nome específico. Assim, jinete, a pronúncia castelhana de zenete, era por excelência o indivíduo hábil na equitação. (...) As circunferências largas incrustadas (13) com tafiletes coloridos (14) são até hoje mouriscas. (...) Análogos bordados e embutidos usados ​​para enfeitar os portões dos gaúchos da região serrana; aquele avental duplo de couro cru, que amarrado à sela dianteira da sela, abria dos dois lados, protegendo as pernas e o corpo até o peito, nada mais såo do que a adaptação da armadura mourisca (15) para correr cañas, que elas mesmo teriam os mesmos adornos e acabamentos: eram rígidos na metade superior e flexíveis na parte inferior, de modo que podiam se curvar sobre o quadril do animal "(16)

Bombachas gaúchas

 

E assim como a tradição e a herança cavalheiresca eram muçulmanas, as roupas do gaúcho também eram muçulmanas. As mais evidentes delas são as famosas bombachas (as calças por excelência em todas as regiões islâmicas, do Marrocos ao Paquistão) e a faixa à volta da cintura (típica dos mouros para esconder a gumia ou o facón).

É por isso que Lugones diz com razão:

 "Mais tarde perceber-se-ia que aquela bombacha aberta (o chiripá), facilita a cavalgada do cavalo bravo. O calzoncillo adquiriu uma largura análoga; e as franjas e listras que esvoaçavam sobre os pés (...) como os árabes sempre utilizaram  (...) A camiseta larga, a jaqueta andaluza, o sombrero ou o chapéu de meia copa como capacho, o poncho herdado dos vegueros de Valência (18), completavam aquele conjunto de soltura e flexibilidade ”(19).

Assim como Daireaux, Lugones demonstra a origem árabe da palavra "gaucho", mas derivando-a de uahsh ou uahshi, que em árabe significa montanhoso, bravo, ranzinza, carrancudo; da mesma forma, explica como sua variação fonética atinge termos como huaso, guaso, guácharo, guacho, etc (20).

A terminologia gaúcha que deriva do árabe é vasta. Basta nomear a alpargata (ar.: Al-bargat, "o sapato"), o aljibe (ar.: Al-yubb, "o poço"), a guitarra ou violão (ár.: Al-qitar, "a corda "), o moharra (ar. mohárrib," afiado ": o crescente de ferro (21) com uma ponta que era colocada na base das pontas das lanças gaúchas), e o gadual: aquele argentinismo que identifica um terreno que se encharca quando chove e que deriva do árabe uadi ("rio"), termo que deu origem a uma infinidade de topônimos no mundo hispano-americano (Guadalquivir, Guadalajara, Guadalcanal, Guadiana, etc.). Os exemplos não faltam. A especialista espanhola Dolores Oliver Pérez, em artigo, explica a origem de ¡arre!, Arriar, arriero, do árabe harrik, harraka, haraka, harakat, que dá a ideia de mover-se, de movimento, de viajante (22).

Jogos e destrezas hispano-árabes

Os estudos do desportista, camponês e gaúcho Justo P. Saénz (1892-1970) mostraram a enorme influência da escola de cavalaria andaluza (23) na equitação gaúcha, na montada a la jineta e nos juegos de destreza:

"É conhecida a importância que a equitação berbere desenvolveu na Espanha. Sua famosa escola de "la jineta" revolucionou o sul da Europa desde sua adoção. Durante a Conquista da América, esta escola atingiu seu apogeu (...) Dom Leopoldo Lugones dá como etimologia da palavra recado a palavra árabe "rekab" e esta é uma observação que se deve ter em conta (...) O juego de cañas que foi praticado pelos espanhóis desde o tempo da dominação árabe, foi exportado para suas colônias na América como parte de seus costumes ”(24). Os gaúchos do Brasil futuramente seriam agregados às pesquisas comprovando essa linhagem andaluza. Manoelito de Ornellas (1903-1969), por exemplo, etnógrafo e fazendeiro brasileiro, escreveu várias monografias acadêmicas no início da década de 1950 comprovando carismas semelhantes no gaúcho rio-grandense (25).

E o fato é que o gaúcho mouro nunca foi exclusividade do Rio da Prata ou dos pampas da Argentina, Uruguai e Brasil, mas de toda a América: dos vales do Chile às pradarias da Califórnia e do México, passando pelas imensas planícies do Orinoco na Colômbia e Venezuela, com todas as suas denominações relacionadas e convenientes: o huaso (26), o llanero (27) e o charro (28). Assim, como pode ser vista a influência árabe e mourisca nos gaúchos dos pampas argentinos, uruguaios e brasileiros, também se encontra "nas roupas e trajes do huaso chileno, na ornamentação de seus estribos e esporas repletas de arabescos, em seu modo de cavalgar a la jineta, em seus jogos e alegrias, no romance espanhol conhecido como "corrido", como em al-Andaluz.

Uma curiosa "jarcha" da última estrofe de uma muwashshaha (moaxaja) do popular cancioneiro árabe do século IX, encontrado na compilação e restauração feita pelo professor Sayed Ghazi, em sua obra "Diván de Muwashshahas Andaluzas", apresenta-nos a pintura plástica coreográfica do homem e da mulher dançando a cueca ... A importância desta jarcha árabe consiste em fazer parte de um conjunto de cantos e danças populares, o que nos faria supor a origem árabe-andaluza da cueca.

A esse respeito, deve-se notar que a etimologia da palavra cueca indicaria a possibilidade de uma origem árabe desta dança: cueca, zamacueca e sua conexão viável com o termo árabe samakuk que se origina do espanhol zamacuco (29): malicioso , homem rude, nome derivado do verbo árabe Kauka, que indica a ação sedutora realizada pelo galo para conquistar a galinha, que, coincidentemente, carregaria o simbolismo da cueca ... (30) Outro exemplo da marca da cultura árabe na nossa seria uma grande variedade de jogos equestres praticados na colônia, como a corrida de picadeiro, as cañas, o jogo de patos, as corridas, e muitas derivações destas, magnificamente descritas na obra de Don Eugenio Pereira Salas, "Jogos Coloniais e Alegrias no Chile" (31).

É perceptível que al-Andalus foi uma civilização privilegiada, fundada graças à miscigenação de múltiplos povos e tradições. Desde o primeiro momento, os recém-chegados berberes e árabes muçulmanos começaram a se casar com mulheres hispânicas (hispano-romanas, celtiberas, góticas). O resultado é um admirável tipo de cultura que deve ser apropriadamente chamada de andaluza. Quando esses hispano-muçulmanos foram conquistados por seus vizinhos ao norte da Península - primeiro se tornando mudéjares e depois mouriscos - e forçados a emigrar, muitos vieram para a América em condições clandestinas. Ali se daria uma nova e generosa miscigenação, desta vez com mulheres indígenas, cujo ponto culminante é o biótipo do gaúcho, o huaso, o llanero, com seus traços mouriscos, mas também com todas as suas novas aquisições e originalidades típicas da América.

O que queremos assinalar aqui não é que os cavaleiros dos pampas ou das planícies fossem de raça árabe, seria um equívoco tão grande como dizer que os andaluzes também eram árabes (não existem raças, e sim línguas e culturas), ao contrário, os gaúchos, huasos, llaneros ou charros eram portadores de uma herança que - muitas vezes a despeito de si mesmos - marcavam padrões de conduta, costumes e pensamento.

Todas as citações e fragmentos que enumeramos até agora nos mostram com segurança que os imigrantes sírios e libaneses - que chegaram em sua maioria ao Río da Prata a partir de 1900 - não foram os primeiros a apontar os sinais mudéjares desse biótipo dos pampas. - consequência do cruzamento de índios e mouros, ou da imigração de mouros de linhagem pura como os Maragatos (32) - mas dos argentinos de raça pura ou mesmo estrangeiros, na sua maioria europeus, que tiveram a sorte de conhecer pessoalmente os últimos gaúchos que ainda cavalgaram a la jineta e usavam lenços como albornozes debaixo de seus sombreiros.

As limitações deste artigo não nos permitem aprofundar certas questões direta ou indiretamente ligadas às origens hispano-muçulmanas das culturas equestres da América. É o caso dos mouriscos no Peru, como "las tapadas de Lima", mencionadas pelo historiador e filólogo espanhol Américo Castro (1885-1972) (33), que deram origem a uma riquíssima cultura de miscigenação, e em México, onde a influência moura foi projetada de Chiapas até a costa norte da Califórnia (34). Outra é o profundo monoteísmo ligado à mais pura tradição muçulmana que Martín Fierro transpõe, a "Bíblia gaúcha" do poeta José Hernández, e as mil e uma tradições camufladas na cultura argentina que devem ser reveladas mais cedo ou mais tarde.

Bibliografia e Notas:

(1) Parece que a palavra "mourisco" se forma como “berberisco", em um diminutivo, que mais tarde foi usado para identificar o hispano-muçulmano que permaneceu na Península após a queda de Granada.

(2) O responsável por esta medida foi o Inquisidor Geral e confessor da Rainha Isabel la Católica, o Cardeal Francisco Jiménez de Cisneros (1436-1517), o mesmo que em 18 de dezembro de 1499 havia queimado à porta de Bib Rambla em Granada, as livrarias dos mouros; mais de oitenta mil manuscritos árabes da Espanha muçulmana foram perdidos para sempre.

(3) "Se o sentido estrito da palavra "mudéjar "for respeitado, diz o arquiteto e islamólogo espanhol Leopoldo Torres Balbás (1888-1960), esse nome seria dado exclusivamente à arte dos muçulmanos que habitavam o território cristão (Leopoldo Torres Balbás. Arte almóada, arte nasrid, arte mudéjar, Ars Hispaniae -história universal da arte hispânica-, vol. 4, Editorial Plus Ultra, Madrid, 1949, pp. 237-238). Checar vários autores: El arte mudéjar. La estética islámica en el arte cristiano, Museo Sin Fronteras/Electa (Grijalbo Mondadori), Viena, 2001

(4) Apesar das repetidas teorias que falam de conspirações incubadas entre mouriscos e otomanos - como é o caso das teses de vários autores: Andrew C. Hess: Os mouriscos: uma quinta coluna otomana na Espanha do século XVI, The American Historical Review 74 , Nova York, outubro de 1968, pp. 1-25; e Charles Petrie: Don John of Austria, London, 1967 (cap. 4 sobre a rebelião dos mouros) -, os otomanos nunca estiveram em posição de ajudar o sultanato de Granada no século 15 ou os mouros no século 16 porque eles nunca conseguiram estabelecer um poder naval sólido, mesmo no Mediterrâneo oriental. O avanço de uma frota otomana em direção à Espanha teria sido um suicídio em face do poder concentrado dos Habsburgos, do Papado e de Veneza (Solimão, o Magnífico, falhou miseravelmente em sua invasão de Malta em maio-setembro de 1565).

A intenção dos ousados ​​corsários berberes – Jairuddin Barbarroja (m. 1546) e outros – ao aproximarem seus navios da costa peninsular era apenas resgatar os refugiados mouros que buscavam se estabelecer no norte da África. As especulações em torno de uma hipotética ajuda dos mouros aragoneses pelos huguenotes liderados por Henrique IV, rei de Navarra (1562-1610) e da França (1589-1610) foram ampliadas, porém é interessante analisar os contatos entre ambos (cfr . Duc de La Force: Le maréchal de La Force. Un serviteur de sept rois, 1558-1652, Paris, 1950; Louis Cardaillac: Morisques et protestants, Al-Andalus, XXXVI, 1971, pp. 29-63). Para tirar dúvidas e esclarecer o panorama sobre este assunto, recomendamos o estudo de Francisco Márquez Villanueva: "O mito da grande conspiração mourisca", Actes du II Simpósio Internacional do CIEM sobre religião, identidade e fontes documentaires sur les Morisques Andalous, Institut Supérieur de Documentation, Tunis, 1984, 2, pp. 267-284.

(5) Ver Francisco Márquez Villanueva: O problema dos Mouros (De outras encostas), Coleção Al-Quibla, Libertarias, Madrid, 1991; Míkel de Epalza: Os mouros antes e depois da expulsão, Mapfre, Madrid, 1992, Julio Caro Baroja: Os mouros do Reino de Granada, Istmo, Madrid, 1991 (4ª ed.); Anais do III Simpósio Internacional de Estudos Mouros "As práticas muçulmanas dos mouros da Andaluzia (1492-1609)", sob a direção do Professor Abdejelil Temimi, Zaghouan (Tunísia) 1989.

(6) O escritor de Málaga e líder andaluz Blas Infante (1885-1936) – assassinado pelos rebeldes com a eclosão da Guerra Civil Espanhola – aponta que estes "mouros, estes andaluzes ferozmente perseguidos, refugiados em cavernas, alienados da sociedade espanhola, encontravam no território andaluz um meio de legalizar, por assim dizer, a sua existência, evitando a morte ou a expulsão. Alguns bandos errantes, perseguidos ferozmente, mas sobre as quais não pesava o anátema de expulsão e de morte, vagam agora de lugar para lugar, constituindo comunidades organizadas por caudilhos e abertas a todos os peregrinos desesperados (...) Para entrar neles basta realizar um rito de iniciação. Os andaluzes entraram neles em rebanhos, estes últimos descendentes daqueles homens que dominavam as mais belas culturas do mundo, mas que agora não passavam de fazendeiros refugiados (em árabe, trabalhador fugido ou expulso significa "fellahmengu").

Compreende agora por que os ciganos da Andaluzia constituem, segundo os escritores, o povo cigano mais numeroso da Terra? (Blas Infante: El Ideal andaluz, Madrid, 1976, pp. 107-108).

(7) Sobre a preponderante presença da arte islâmico-mudéjar na mal denominada "arte colonial espanhola", ver as obras de J. Mariano Filho: Influençias muçulmanas na architectura tradicional brasileira, A. Noite, Rio de Janeiro, 1943; F. Prat Puig: El prebarroco en Cuba. Una escuela criolla de arquitectura morisca, La Habana, 1947; Varios Autores: El mudéjar iberoamericano. Del Islam al Nuevo Mundo, Lunwerg, Barcelona, 1995; Varios Autores: El Arte Mudéjar, Ediciones UNESCO, Zaragoza, 1996; Rafael López Guzmán: Arquitectura Mudéjar, Manuales Arte Cátedra, Cátedra, Madrid, 2000; Varios Autores: El arte mudéjar. La estética islámica en el arte cristiano, Museo Sin Fronteras, Viena, 2000.

(8) Marcos Estrada: Apuntes sobre el gaucho argentino, Ediciones Culturales Argentinas, Subsecretaría de Cultura, Ministerio de Cultura y Educación, Buenos Aires, 1981, pp. 9-10.

(9) E. Daireaux: Vida y Costumbres en el Plata. Vol I, Cap. II: "Caracteres étnicos de la Nación Argentina", Félix Lajouane Editor, Buenos Aires/París, 1888, p. 32.

(10) F. Tobal: Los libros de Eduardo Gutiérrez: El gaucho y el árabe, artículo publicado en La Nación, Buenos Aires, los días martes 16, jueves 23 y martes 28 de febrero, y el martes 2 y jueves 4 de marzo de 1886.

11) Do árabe sakima, um cocar de corda que funciona como cabresto.

(12) Do árabe yehez, qualquer adorno colocado nos cavaleiros (neste caso, as jaeces).

(13) Do árabe tar'zi, incrustação.

(14) De tafilelt berbere, couro polido e lustroso, muito mais fino que o cordovês.

(15) Do árabe al-darqa, escudo de couro, oval ou em forma de coração.

(16) L. Lugones: The payador, Ayacucho Library, Caracas, 1991, pp. 31-33.

(17) Do árabe çarauil, uma espécie de calça larga com pregas.

(18) Lugones insere a seguinte nota: “Os monges beneditinos usavam na Idade Média, para proteger o hábito do trabalho rural, verdadeiros ponchos de tela cuja memória meramente simbólica persiste nos escapulários e casulas atuais. Vestimentas rudimentares como o poncho, o chiripá e a bota de potro pertencem mais ou menos a todos os povos de pouca civilização. Às vezes, esses retornos, como o chiripá em relação à bombacha mourisca. Acrescento que a clássica aba dos árabes, nada mais é do que uma peça de pano listrado aberto no meio para passar a cabeça. Daí viria a peça análoga dos vegueros valencianos, bem como os mencionados escapulários ". (idem, p. 35).

(19) L. Lugones: El payador, Biblioteca Ayacucho, Caracas, 1991, pp. 34-35.

(20) L. Lugones: Voces americanas de procedencia arábiga, V nota, en La Nación, Buenos Aires, domingo 9 de marzo de 1924, 3ª. sección, p. 8.

(21) A lua hilal ou crescente é um símbolo tradicional entre os muçulmanos que reflete o calendário lunar que regula sua vida religiosa. A lua crescente anuncia o mês sagrado do Ramadã. A tribo árabe Banu Hilal (Filhos do Crescente) ou Hilali, até então estacionada a leste do Nilo, foi enviada pelo califa fatímida al-Mustansir (r. 1036-1094) para espalhar e consolidar o Islã entre os berberes do Norte. Da África. O hilal tornou-se especialmente importante entre os otomanos. A tradição diz que a bandeira turca mostra o crescente com uma estrela no centro porque o sultão Mehmet II Fatih (o conquistador) entrou em Constantinopla (agora Istambul) sob uma lua semelhante na madrugada de 29 de maio de 1453. Foi assim como esta dinastia turca adotou esse símbolo como um emblema oficial. O fato de que por quinhentos anos o Império Otomano conteve numerosas nações muçulmanas dentro de suas fronteiras, bem como sua influência sobre os povos muçulmanos de língua turca da Ásia Central, influenciou a decisão das nações islâmicas que surgiram ao longo do século XX de inserir em suas bandeiras o hilal e a estrela como símbolo de fé e tradição. Assim, podemos citar os da Argélia, Azerbaijão, Comores, Federação da Malásia, Maldivas, Mauritânia, Paquistão, Cingapura, Tunísia, Turcomenistão e Uzbequistão.

(22) D. Oliver Pérez: Dos arabismos nacidos de un imperativo árabe... en la Revista Al-Qantara, vol. XIV, Fasc. 1, Madrid, 1993, pp. 163-176.

(23) Cfr. Varios autores: Al-Ándalus y el caballo, Lunwerg Editores, Barcelona, 1995.

(24) J. P. Saénz: Equitación gaucha en la Pampa y Mesopotamia, Emecé, Buenos Aires, 1997, pp. 15, 50 y 157.

(25) Manoelito de Ornellas: Gaúchos e Beduínos. A origem étnica e a formação social do Rio Grande do Sul, Livraria José Olympio Editôra, Rio de Janeiro, 1948 y 1956; A Filigrana Árabe nas Tradições Gaúchas, Edição "Arte do Livro", Porto Alegre, 1950; A cruz e o alfanje. A expansão da cultura árabe, Livraria Progresso Editora, Bahia, 1960.

(26) "Sua vestimenta e o implemento de seu cavalo são uma mistura de elementos hispano-mouriscos e indígenas (...) ... o huaso descende dos andaluzes ..." René León Echaiz: Interpretacion histórica del huaso chileno, Editorial Francisco de Aguirre, Buenos Aires, 1971, pp. 28 y 32.

(27) Cfr. Daniel Mendoza y José E. Machado: El llanero. Estudio de sociología venezolana con un estudio sobre el gaucho y el llanero, El Ateneo, Buenos Aires, 1944.

(28) Cfr. J. Álvarez del Villar: Historia de la charrería, México, 1941; C. Rincón Gallardo: El libro del charro mexicano, México, 1946.

(29) Zamacuco é também uma pessoa dissimulada, que se cala e faz a sua própria vontade, características dos perseguidos e clandestinos, como os mouros e os gaúchos.

(30) Eugenio Chahuán Chahuán: Presencia Árabe en Chile, Revista Chilena de Humanidades, Nº 1, 1983, Facultad de Filosofía, Humanidades y Educación, Universidad de Chile, Santiago de Chile, pp. 40-41.

(31) Cfr. S. Claro Vilches: Cueca chilena, cueca tradicional, Universidad Católica de Chile, Santiago de Chile, 1986.

(32) Sessenta quilômetros ao sul de Asyut (Egito), a meio caminho entre as cidades de Tahta e Suhaj, está a cidade de al-Maraghat (em árabe: caverna, gruta). No início do século VIII, um grupo de maragatos (maragatún) juntou-se ao contingente de 18 mil homens que o árabe Musa Ibn Nusair (640-714) conduziu à Península Ibérica por volta de 712 para consolidar as posições que o seu tenente berbere Tariq Ibn Ziad (m. 720) havia alcançado no ano anterior. O islamólogo holandês Reinhart Dozy (1820-1883), em sua detalhada obra Recherches sur l'histoire et la littérature des arabes d'Espagne pendant le Moyen Age (3ª ed., Paris, 1881) e o antropólogo espanhol Dr. Aragón e Escacena em sua obra Estudo Antropológico do Povo Maragato (Anales de la Soc. Esp. de HN, XXX, Madrid, 1902) considera os Maragatos descendentes da imigração berbere. Os Maragatos se estabeleceram desde o início nas terras de Leão, em uma área montanhosa que seria chamada de Maragatería (350 km2), localizada entre Astorga e o pico Teleno, a sudoeste da cidade de León. Séculos depois passam para Portugal e depois para os Açores onde uma das aldeias da Ilha do Pico ostenta a marca da sua passagem: Maragaia. Posteriormente, durante os séculos XVII e XVIII, chegaram ao Prata numerosas famílias de maragatos de Leão, do porto da Corunha, e muitas outras dos Açores. Eles estarão assentados principalmente nos departamentos de Soriano e San José de la Banda Oriental. Como os Maragatos sempre se destacaram por serem excelentes artilheiros, em breve irão desenvolver este e outros ofícios no país. No final do século 18 eles serão identificados com os gaúchos da região. Os maragatos impuseram alguns pilchas gaúchos, como o calzoncillo cribado (com franjas).

Ao longo do século XIX, os Maragatos participaram ativamente da política. No sul do Brasil, as forças gaúchas do Rio Grande se unirão na chamada Guerra dos Farrapos e na revolta federalista de 1893-1894. Na República Oriental do Uruguai, eles se juntarão às montoneras do libertador José Gervasio Artigas (1764-1850) e às do Partido Branco dos caudilhos nacionalistas Timóteo Aparicio (1814-1882), Gumersindo Saravia (1852-1894) e Aparicio Saravia (1855 -1904) até a trágica batalha de Masoller (1 de setembro de 1904). Uma anedota que fala claramente dessa identidade é que um desses personagens "encurralado por alguns montoneros, tenta fazer valer sua condição de homem branco mencionando sua origem maragato, já que San José sempre foi um reduto oribista: "nu mi mate qui soy maragato di San Cusé! " (Cf. Abdón Arozteguy: A revolução de 1870, Félix Lajouane Editor, Buenos Aires, 1889, volume 1, página 158; Carlos Machado: Historia de los Orientales, Ediciones de la Banda Oriental, Montevidéu, 1973, p. 252).

Manuel Gálvez (1882-1962), o famoso historiador revisionista argentino, fornece uma informação-chave e esclarece a questão: "Popularmente, cada bando deu ao seu oposto um apelido: para federalistas ou revolucionários, os apoiadores do governo são os "picapãos ", o nome de um pássaro, e eles chamam assim porque, como o picapote ou o carpinteiro, na árvore, eles estão sempre "picando" as pessoas com impostos e taxas, e para eles, os federalistas são os "maragatos". porque há entre eles alguns uruguaios de San José, chamados "maragatos". Na Espanha os habitantes de Las Hurdes recebem esse nome (Las Hurdes é o nome de uma região espanhola natural que se estende pelas províncias de Cáceres e Salamanca), que são considerados descendentes puros dos mouros e muito lutadores" (Manuel Gálvez: Vida de Aparicio Saravia. El gaucho de la libertad, Editorial Tor, Buenos Aires, 1957, p. 62). A longa e lendária peregrinação dos Maragatos produzirá o estabelecimento de uma colônia nos arredores de Carmen de Patagones, às margens do Rio Negro, na província de Buenos Aires. A toponímia da região também fala de sua presença: há uma ilha de Maragatas, no departamento uruguaio de San José, e uma lagoa de Maragato, no distrito de Villarino, na província de Buenos Aires.

(32) Cfr. Américo Castro: España en su historia. Cristianos, moros y judíos, Grijalbo Mondadori, Barcelona, 1996, pp. 82-103. Véase sobre este fenómeno, por ejemplo, la tesis del profesor Ángel Santisteban Mendevil (Universidad de Lima): Sabores hispano-árabes en la tradición culinaria del Perú, Terceras Jornadas de Cultura Árabe "Al-Ándalus allende los Andes", Coloquio Interdisciplinario del Mudéjar Iberoamericano, Centro de Estudios Árabes de la Facultad de Filosofía y Humanidades, Universidad de Chile, (Santiago, agosto de 1999), Santiago, 2001 (en prensa).

(33) Cfr. A. Garrido Aranda: Moriscos e indios. Precedentes hispánicos de la evangelización en México, UNAM, Mexico, 1980; Elizabeth McMillian: Casa California. Spanish-Style Houses from Santa Barbara to San Clemente, Rizzoli, Nueva York, 1996.

Fonte: Raíces de Tradición