Em virtude do preconceito religioso, que muitas vezes – e cada vez mais – aliava-se ao preconceito étnico, os judeus estabelecidos na Europa sofreram inúmeras perseguições, caracterizadas principalmente por pogroms (termo que denota linchamentos por populares cristãos do Leste Europeu contra populações de fé e origem judaica e que passou a designar estes tipo de incidentes num geral) e por expulsões. Em 1290, por exemplo, o rei Eduardo I da Inglaterra publicou um édito que expulsava toda a comunidade judaica do país (que não era muito grande, todavia, compreendendo cerca de 3 mil pessoas), com a população judaica apenas retornando à ilha de fato no período republicano britânico de Oliver Cromwell, no século XVII.

Apesar desse não ser o único exemplo, todas as expulsões compreenderam pequenas movimentações de populações, não numerando mais que alguns milhares de pessoas, uma vez que a própria população judaica nos países cristãos do medievo não eram muito numerosas em si. A “Expulsão com ‘E’ maiúsculo” no entanto, ocorreu de fato após a tomada de Granada em Janeiro de 1492 pelos “Reis Católicos” Isabel de Castela e Fernando de Aragão, tirando o último baluarte de segurança dos judeus sefarditas que ainda viviam na Península (a grande maioria).

“Ainda” pois, com o avanço dos reinos cristãos do Norte em direção ao Sul da Península, alguns judeus que já residiam nas áreas tomadas transferiram-se para outros locais, notadamente na Europa do Norte e do Magrebe, em comunidades como Amsterdã, Colônia e Tlemcen – comunidades essas que viriam seus números de sefarditas aumentarem significativamente com a expulsão que se seguiria à tomada de Granada.

Os judeus sefarditas, tanto de Espanha quanto de Portugal, são mais antigos naquela terra que os cristãos – especialmente os cristãos de cristologia calcedoniana –, uma vez que lá estavam desde os tempos romanos. Com a queda de Roma e a conquista da península pelos Visigodos, que seguia um cristianismo cismático das Igrejas “oficiais” (que seguiam as definições do Concílio de Calcedônia), o Arianismo, posição fundada pelo sacerdote Ário, condenado em Calcedônia, a situação judaica não foi tão abalada, apesar de ter se tornado mais difícil. Apesar do intuito dos visigodos de “cristianizarem” a Península, que ainda tinha entre seus habitantes muitos pagãos, os próprios visigodos tinham pagãos entre si, e seus esforços de “cristianização”, que podemos mais coerentemente substituir por “arianização” era mais destinada aos cristãos calcedonianos. Com o abandono do arianismo pelo rei Recaraedo (Ricardo) e a adoção do calcedonianismo, a posição dos judeus, arianos  e pagãos sofreu um baque: o estado tornou-se absolutamente intransigente e inflexível, proselitista, com até mesmo um édito real condenando os judeus à escravidão por suas crenças.

Com sorte, em 711 Tariq ibn Ziyad, a pedido de nobres visigodos rebeldes, e com ajuda do general judeu ibérico Kaula, invadiu e ocupou a Península (essa última parte eles não pediram, não), instaurando o domínio de Al-Andalus para o Califado Omíada, e trazendo liberdade religiosa para todas as minorias da Península, especialmente para os judeus. Durante o domínio muçulmano andaluzo, que quase chegou a um milênio, os judeus prosperaram grandemente e tiveram o que muitos historiadores chamam de “A Idade de Ouro do Judaísmo Hispânico”. Sob os Califas, Emires e Taifas, os judeus prosperaram em todos os âmbitos da sociedade: no comércio, tornaram-se ricos; na política, tornaram-se influentes, com judeus chegando mesmo a cargos que não poderiam ocupar segundo o Pacto de Omar (o Pacto feito entre o Califa Omar ibn al-Khattab e os dhimmis judeus e cristãos, cuja concordância era que, em troca de proteção e cidadania, dentre outras coisas, os dhimmis não poderiam assumir altas posições políticas no governo islâmico); o mais famoso e influente foi sem dúvida o rabino e filósofo Samuel ibn Naghrillah, que ocupou o cargo de Vizir do Emir berbere Habbus al-Muzaffar, assumindo, em virtude disso, o título honorífico de HaNagid (“O Príncipe”). Na área intelectual, a contribuição foi incrível e incomparavelmente maior e mais duradouro: os intelectuais judeus foram responsáveis pela tradução de inúmeros textos clássicos gregos para o árabe, e textos árabes para o latim, fazendo assim um trabalho absurdamente estrondoso de disseminação de conhecimento para ambos os mundos da época: o Ocidente Cristão e o Oriente Muçulmano; o principal centro de tradução e de pensamento filosófico foi a Toledo muçulmana, com uma escola de tradução rabínica trabalhando durante muito tempo nesse esforço.

Por ironia do destino, foi novamente nas mãos dos cristãos calcedonianos que a Era de Ouro da judiaria hispano-sefárdica findaria, depois de séculos de paz, liberdade e tolerância. Seria por outra ironia que quem os socorreria seria outro poder muçulmano. Ainda mais irônico foi o fato de que foi em Alhambra, o palácio dos antigos emires que defendiam os judeus de seu reino, que seria decretado sua expulsão em 1492 pelos Reis Católicos.

Desse modo, assim como na Espanha Visigótica, Isabel e Fernando deram duas opções aos judeus sefarditas de Espanha: a conversão ou o exílio. Quem não se batizasse, deveria fazer as malas e pedir bênção. Portugal foi muito  mais “assertivo” na sua investida contra os “deicidas hebreus”: optou por priorizar a conversão, não a deportação, como assim fizeram os reis católicos. Isso se dá ao fato de que deportar a judiaria portuguesa seria um ato suicida, uma vez que a grande maioria das atividades econômicas de Portugal quando não estavam nas mãos dos mouros, estavam nas mãos dos judeus; o mesmo pode-se dizer, ainda mais, sobre a elite intelectual portuguesa, com a esmagadora maioria dos cristãos sendo analfabeto e a maioria imensa dos letrados sendo mouros ou judeus; em 1487 a coroa portuguesa adotou as mesmas leis de Castela, e ordenou a conversão forçada de todos os judeus do país sob pena de morte aos que recusassem.. A mesma situação se reproduzia na Espanha mas, devido ao seu tamanho geográfico e populacional superior à Portugal, Isabel e Fernando não ligaram muito para as ações que viriam a tomar, querendo apenas “limpar” seu novo país.

Assim, aqueles que tiveram condições partiram, sendo acolhidos, como dito anteriormente, por um poderio muçulmano: o Império Otomano, então sob o governo de Bayezid II, filho de Mehmet II, o Conquistador de Constantinopla. Bayezid, ao saber da expulsão, abriu todas as portas e portos de seu Império, do Magrebe ao Bósforo, para os infortunados judeus, acrescentando, chamando-os, inclusive, de “A riqueza de meu reino.”

Uma vez estabelecidos no Império Otomano, lá os sefarditas viriam a criar um novo período de esplendor para sua comunidade: tornariam-se próximos e fiéis súditos da Sublime porta, ao passo que tinham uma dívida de gratidão pelas galés otomanas que lhes salvaram do relento ao mar ou do exílio em terras hostis da Europa Católica. Entre os muçulmanos e cristãos orientais, o judeus estavam em casa, inclusive entre outros judeus, mizrahim e ashkenazim, cuja autonomia e liberdade religiosa era garantida pelo sistema otomano de millets, que eram basicamente agrupamentos identitários religiosos.

Dentro dessa comunidade sefardita que se originou, podemos destacar famílias e indivíduos portugueses que se sobressaíram chegando a altos postos, como por exemplo a família dos Nasi, que conseguiram grande destaque na cena comercial de Istambul e das ilhas egeias que, para salvar outros irmãos judeus da perseguição na Europa, move todas as suas influências em Istambul e aplica a sua fortuna para fretar barcos e salvar muitos judeus sefarditas. A força motriz dessa empreitada, feita inicialmente sem o conhecimento do Sultão, foi uma judia portuguesa, Grácia Nasi Mendes, que foi ajudada pelo seu sobrinho Josef Nasi. Grácia era portuguesa e, junto de seu sobrinho, haviam falsamente se convertido ao catolicismo para não serem executados antes de conseguirem fugir, naquelas turbulentas décadas entre 1480 e 1500, quando os mais duros golpes foram feitos contra os judeus e mesmo para os convertidos à força, os “marranos”, faltava integração e sobrava preconceito dos “cristãos velhos”, evidenciando que o anti-judaísmo agora tomava também proporções étnicas, “de sangue”. Após encontrar um local seguro no Império Otomano junto de sua família, um dos primeiros atos da dela e de seu sobrinho foi assumir abertamente o judaísmo. Abandonaram seus nomes cristãos e passaram a viver num bairro rico em Istambul, usando sua fortuna, mais tarde, para criar essa rede de “tráfico de pessoas para o bem”, cujas boas intenções levaram o sultão a perdoá-la de seus atos ilegais.

Josef Nasi foi mais tarde, pelos seus serviços e lealdade, bem como conexões, agraciado pelo Sultão com o título de senhor de Tiberíades, na Palestina, na região da antiga Galileia. Ele desenvolveu a área agrícola e colonizou-a com judeus italkim oriundos de Veneza, especialmente os expulsos nas perseguições romanas, feitas pelos Papas Paulo IV e Pio V muitos dos quais chegaram em barcos enviados por Nasi. Era amigo pessoal do Príncipe Selim, que chegou ao poder em 1566, quando seu pai morreu. Ele acabara de ocupar as ilhas de Naxos, Andros, Milos, Paros, Santorini e outras, após depos o Duque católico italiano local. Reforçando o comércio de seus correligionários judeus na região, Nasi enviou um emissário castelhano e católico para tomar parte na administração da região. Logo após, ele mesmo assumiria o Ducado de Naxos, tornando-se o mais poderosos judeu do Império.

Após mais uma guerra entre germânicos e seus aliados contra os otomanos, dentre tantas, o imperador germânico Maximiliano II quis fazer a paz com os otomanos, e foi ao judeu Nasi a quem recorreu, reforçando assim a antiga posição judaico-andaluza dos judeus como “a ponte entre dois mundos”, o ocidental e o oriental. Em 1566, Nasi encorajou os protestantes holandeses a se rebelarem contra os espanhóis, com Guilherme de Orange pediu-lhe conselhos sobre a revolta de 1569 e que influenciasse o novo sultão a declarar guerra à Espanha (o que Nasi não fez). Com o advento de mais uma série de hostilidades entre otomanos e venezianos, Nasi aconselhou seu amigo, o sultão, a aproveitar a ocasião para conquistar o Chipre. Os otomanos tomaram o Chipre em 1571 e os venezianos responderam ocupando a possessão de Nasi em Naxos. Quando o sultão Selim II morreu em 1574, Nasi perdeu sua influência com o novo monarca, mas manteve a posição de duque. Quando ele morreu em Agosto de 1579, sua propriedade foi requerida de volta pelo estado e o ducado judaico do império turco nas ilhas gregas deixou de existir, contudo, os milhares de judeus salvos por José continuaram vivendo e prosperando em suas terras sob a Sublime porta.

Bibliografia

  • O Êxodo Português para o Império Otomano (2018). Muçulmano e Português.

àDisponível em: https://muculmanoeportugues.blogspot.com/2018/03/o-exodo-portugues-para-o-imperio-otomano.html

  • MINDEL, Nissan. Don Joseph Nasi – Duke of Naxos. Chabad.org
  • Doña Gracía Nasi (2007). Morasha.com.br

àDisponível em: http://www.morasha.com.br/biografias/dona-gracia-nasi-1.html