“A característica mais marcante dos persas como uma nação é sua paixão pela especulação metafísica. Essa paixão, longe de estar confinada às classes letradas, perpassa toda a sociedade e manifesta-se desde o dono de bazar até o aleijado, passando também pelo acadêmico e pelo homem-de-letras.”

(Edward Granville Browne, A year amongst the Persians).

A Pérsia, uma sociedade milenar, integrante do seleto grupo de civilizações mais antigas e duradouras do Mundo foi também, por muito tempo, lar de um dos sistemas de religião organizada dentre os mais antigos do mundo: o Zoroastrismo. Como essa grande e reconhecida religião transformou-se na religião de apenas um punhado de iranianos isolados em províncias bucólicas da sua terra natal? É o que tentaremos entender, analisando todo o conjunto que levou a esse dramático eclipse.

Também chamado de Mazdeísmo, sendo o primeiro nome derivado de seu Profeta, Zoroastro (Zarathushtra) e o segundo, do Deus Supremo da religião, Ahura Mazda (O Sábio Senhor). Ao contrário da crença de muitos, a religião zoroastrista, apesar de possivelmente tão ou mais antiga que o Judaísmo, não é monoteísta. Ahura Mazda, apesar de ser o Senhor Supremo (até mesmo sobre o seu adversário, o espírito maligno Angra Mainyu), ele origina através de Si deuses menores, os Spenta Mainiyu e outros bons espíritos, que ajudam na “administração” do Cosmos.

Uma religião organizada e adotada como a religião oficial das sucessivas dinastias persas Aquêmenida (550 AEC–330 AEC), Pártia (247 AEC–224) e Sassânida (224–651), os mobads, sacerdotes do “alto clero” zoroastra acumularam poder e prestígio, adquirindo poder político e social inquestionáveis, atuando também na política imperial. Como toda religião organizada e envolvida no universo pantanoso do poder, o Zoroastrismo acabou sendo abalado muitas vezes por uma série de “heresias” e movimentos político-religiosos que desafiaram a autoridade dos mobads ortodoxos. Duas delas foram muito significativas: a primeira, foi o “Zurvanismo”, uma inovação religiosa que colocava Ahura Mazda e Angra Mainyu como irmãos gêmeos e opostos, filhos de um mesmo Deus anterior a ambos: Zurvan (O Tempo), uma ideia estranha à ortodoxia zoroastra. Adotada como a vertente oficial de vários imperadores sassânidas, ela começou a perder força gradativamente com os últimos imperadores sassânidas sendo aniquilada após a conquista islâmica da Pérsia, quando a ameaça islamo-árabe à sociedade e religião persa levou à uma busca por coesão doutrinária interna, acabando por martelar os últimos pregos no caixão de Zurvan.

A segunda “heresia” não apenas teve apoio imperial do Shahanshah, o “Rei dos Reis”, Imperador persa, como da massas do campo e da cidade, oprimidas pela nobreza, pelos mobads e pelos funcionários públicos com altos impostos e guerras intermináveis contra os Hephtalitas (os “hunos brancos” da Ásia Central) e contra o Império Bizantino. As ideias de Mazdak-ê Bamdhad, um nobre, sacerdote e conselheiro na corte de Ctesifonte, capital sassânida, são chamadas por muitos estudiosos de “proto-socialismo” ou o primeiro estado de bem-estar social da história: vegetarianismo, oposição à religião organizada com direito a destruição de todos os templos do fogo (templos zoroastras, lar do Fogo Sagrado de Ahura Mazda) com exceção daqueles na capital e a demissão dos mobads, economia planificada com o Estado Persa garantindo a alimentação e moradia de todos os súditos da urbe e do campo, redistribuição de riqueza, taxação dos mais ricos e até mesmo “amor livre”, com o compartilhamento de esposas e abolição da instituição do casamento (uma vez que não havia mais sacerdotes nem templos). Também tinham por prática a associação comunal, amplamente praticada (assim como o supracitado “amor livre”) nas zonas rurais e rincões da Pérsia, o que leva a muitos estudiosos a crerem, com evidências, que as ideias de Mazdaki não eram “revolucionárias”, mas sim a tentativa de colocar em prática, numa escala nacional, costumes e um sistema já praticados no campo; tais práticas haviam limitado o poder dos nobres latifundiários no pagus persa, talvez Mazdaki quisesse usar esse mesmo “comunismo” para libertar a urbe e, finalmente, o Império inteiro das elites. Por muito tempo, hordas dos seguidores de Mazdak atacaram e destruíram templos, palacetes e compartilhavam entre si as mulheres dos haréns dos nobres. Coube à Cosrau (Khosrow) I prender e enforcar Mazdak e ordenar a caça a seus seguidores, restaurando a ortodoxia, os mobads e os templos. Apesar do triunfo contra os hereges e de vitórias avassaladoras em guerras (mais uma vez!) contra os bizantinos, a longo prazo a situação toda não ficaria melhor. Toda convulsão social era o sintoma de um Império cada vez mais decadente, ineficiente e que perdia sua legitimidade ante a população.

É nesse contexto de sucessivas guerras e ebulição social que, em 636, o Shah Yazdegerd III enfrentaria os seguidores de uma nova religião em expansão: O Islã. Nas planícies de Al-Qadissiyah, o spabohd persa Rustâm Farrôkhzad enfrentou o sahaba Sai’d ibn Abī Waqqās, sendo este primeiro derrotado e iniciando, assim, a tomada da Pérsia pelos árabes, outrora tributários de Ctesifonte, e pelo Islã.

Derrotados os últimos resquícios da nobreza persa no Leste, na Báctria e Sogdiana, a terra dos Reis de Reis estava nas mãos dos beduínos, ávidos para disseminar a mensagem de seu Profeta, Muhammad, assim como milênios antes Zoroastro disseminara a sua entre os indo-arianos.

Inicialmente, a atitude árabe para com os magi, ou majusi, “adoradores de fogo” como eram chamados, foi benevolente, uma vez que ainda eram a esmagadora maioria dos persas e apenas as elites, alguns curiosos e profissões tabus que envolviam a “poluição” do fogo (sagrado no zoroastrismo) como os ferreiros e ourives estavam dispostos a se converter. Aos zoroastras foi dado o status de dhimmi, comunidade protegida e que, pagando o imposto da jizya, poderiam livremente praticar sua religião. O Islã tinha muito em comum com o zoroastrismo: ambas as religiões tinham cinco orações diárias, praticamente nos mesmos horários, as noções de um paraíso e um lugar de punição, a crença numa vida após a morte e um dualismo prático entre um Deus benevolente e um acusador maligno (exceto que no Islã a figura de Shaytan é simplesmente a de um servo de Allah, porém maligno). Do mesmo modo, o Islã e sua simplicidade fazia-se atrativo àqueles que estavam cansados dos complexos yaznas, rituais diários ante o fogo sagrado de um templo e suas orações domésticas, ritualizadas e complexas. Apesar dessas atrações e conversões iniciais, o grosso da população ainda aderia à fé de seus ancestrais e via no Islam uma religião de árabes e para árabes.

O governo dos quatro primeiros Califas (632-661) foi um período tranquilo e marcado pela convivência pacífica entre os credos, apesar das agitações sócio-políticas e a reorganização da sociedade nacional. Com o califado dos Omíadas (661-750), os senhores árabes assentados em Damasco tentaram unificar seu Império através de políticas de “arabização” e islamização: uma “nova língua persa” (que ficaria conhecida como farsi) fora criada, com caracteres arábicos; a língua oficial foi transformada no árabe; árabes foram enviados para regiões importantes para colonizá-las, num processo lento, todavia, que priorizava o estabelecimento de destacamentos e guarnições militares árabes em regiões estratégicas; todos os livros pré-islâmicos possíveis foram traduzidos para o farsi e para o árabe; coletores de imposto receberam instruções de humilhar e até mesmo dar bofetadas em zoroastras na hora da coleta da jizya, para que, intimidados, cogitassem a conversão. O sistema de latifúndio também fora radicalmente mudado, com as antigas associações comunais abolidas, o que causou um êxodo para as cidades. Também foi criada uma espécie de “propaganda pró-persa”, tentando colocar o Islã como uma religião tanto árabe quanto persa dizendo que o discípulo persa do Profeta Muhammad, Salman al-Farsi (Salman o Persa) era de muita estima e amor pelo Profeta Árabe. Foi criada a lenda, bem popular hoje entre os xiitas que Hussein ibn Ali, o filho do Imam Ali ibn Abu Talib, genro do Profeta Muhammad, teria se casado com uma princesa sassânida capturada chamada Shahrbanu, conhecida pelo epíteto “Dama da Terra”. Essa figura nesta narrativa quase mitológica, com um título que alude ao epíteto da deusa zoroastra da fertilidade e da terra Anahita (uma das Eyzads, oa Doze Deuses Maiores após Ahura Mazda) é dita ter dado a Hussein ibn Ali um filho.

Esse e outros sincretismos, ainda que lançados na dinastia Omíada, vieram a ganhar forma e status canônico apenas com a chegada do xiismo com os Safávidas, dos quais falaremos mais à frente. Apesar da tolerância para com cristãos, judeus e zoroastras ortodoxos, os budistas, mazdakitas e maniqueus (seguidores do Maniqueísmo, uma religião surgida do seio do zoroastrismo sincrético existente na Mesopotâmia) não gozavam da mesma leniência, sendo deles esperada a conversão, o exílio ou a morte. Muitos acabaram se convertendo nominalmente, especialmente os poucos mazdakitas que restaram em bolsões rurais após as perseguições de Cosrau I, formando sociedades secretas e até mesmo novas religiões, sincréticas por natureza, vindo mesmo a gerar rebeliões contra os árabes sunitas ortodoxos, como o caso dos militantes khurramitas, que se rebelaram contra os Abássidas no século X que eram, segundo o historiador árabe Shams al-Maqdisi, “mazdeítas que cobrem a si mesmos com o disfarce do Islam”; os khurramitas teriam um papel importante no que tange a influência no chamado movimento qizilbash, que por sua vez originou os Safávidas, a primeira dinastia xiita da história a governar toda a Pérsia.

O persas, cansados de serem cooptados a falar, agir e rezar como árabes, ajudaram os Abássidas a destronarem os Omíadas, o que se provou um erro fatal, ao menos para os persas zoroastras. Os Abássidas executaram todos os líderes persas independentistas e continuaram com uma política para unificar o Islã, ao mesmo tempo que forjavam alianças com a nobreza persa convertida e arabizada. Construíram Bagdá fora de Ctesifonte em 762, que logo se tornou o coração pulsante da Mesopotâmia. Os Abássidas inicialmente se mostraram inimigos mortais do zoroastrismo: foi-lhes retirado o status de dhimmi, foram declarados ritualmente impuros para os muçulmanos e vários templos e fogos sagrados foram destruídos e apagados e a comunidade foi proibida de ensinar ou exercer cargos públicos. Essa primeira onda de violência é dita, segundo a tradição parsi, isto é, do zoroastras indianos, ter ocasionado o êxodo parsi para o estado indiano do Gujarate. Essa oposição, no entanto, não durou muito e a partir do Califa al-Mutasim, a situação voltou a ficar tranquila e pacífica, com os zoroastras contando com aval do Estado para reconstruir seus templos, cuja existência também era assegurada pela Lei.

Há o curioso caso de um imã chicoteado em praça pública por ter profanado e apagado o fogo sagrado de um templo zoroastra. Essa tolerância permaneceu pelo resto da dinastia Abássida e pelas subconsequentes dinastias dos Safáridas (869–903, não confundir com os Safávidas) e dos Samânidas (819–999). Os Safáridas, de origem humilde, não dominavam o árabe, razão pela qual apoiaram e promoveram a nova língua persa, o farsi; diferentemente dos Abássidas, eram mais lenientes com os zoroastras, empregando-os mesmo nas administração pública; nessa época floresceu o grande cientista muçulmano Ibn Sina (Avicena) e sua escola, com o patrocínio Safárida. Após os Samânidas, a Pérsia enfrentou uma sucessão de invasões estrangeiras e tumultos, acompanhando o progressivo avanço da religião islâmica. As invasões turcas seljúcidas e mongóis molestaram a todos independentemente da sua fé. Neste contexto, cada vez mais zoroastras migravam para a Índia. Nessa época, os textos e a literatura zoroastra (e também islâmica) sofreram perdas irreparáveis frente os exércitos invasores. Nessa mesma época o xiismo, crescendo, às vezes com apoio de pequenas dinastias espalhadas pelo território persa, sofreram um baque e uma grande redução com a invasão dos turcos seljúcidas, sunitas ortodoxos e intolerantes com o xiismo.

Até o século XVI, o Islã praticado na Pérsia era majoritariamente o sunita, com algumas comunidades xiitas ismailitas aqui e acolá. Entre em cena nesta época, no entanto, uma antiga tariqa que se tornara um movimento com um poderoso exército: a ordem Safawiya. Os safawiya, originalmente uma ordem sufi sunita shafi’ita, acabaram entranando na onda xiita do momento, originando o movimento qizilbash. Logo, a ordem e o movimento confundiam-se entre si: xiitas supersticiosos, impregnados de influências não-islâmicas e doutrinas ghulat (exageradoras, os safawiya atribuíam poderes e existência divina ao seus primeiros líderes xiitas Sheykh Junayd e Sheykh Haydar Safavi), além de usarem um chapéu vermelho pontiagudo, que lhes valeu o apelido túrquico “qizilbash”: os “cabeças-vermelhas”. Após o declínio do Império Timúrida, o filho e sucessor de Haydar Safavi, Ismail, tomou a capital cultural da Pérsia na época de Tabriz no ano de 1501, massacrando todos os cachorros e todos os sunitas (não necessariamente nessa ordem) que encontrasse pelas coloridas ruas da cidade, agora pintadas de vermelho, proclamando-se Shah, ou Xá, da Pérsia e declarando o Islã xiita como a religião oficial de seu novo Império.

É dito que após a tomada cidade, ficara exposta a natureza decadente e totalmente supersticiosa da fé xiita dos safávidas: eles não tinham um único livro de jurisprudência ou doutrina xiita consigo. Percebendo o desfalque e que tal falta de conteúdo levava os seus soldados a adorarem ele, agora Shah, como um “Deus na terra”, como fizeram com seu pai e avô, Ismail I tratou de importar uma ulemás xiita para seu novo reino, começando aí o processo de “iranização” do xiismo (Irã é apenas um outro nome para Pérsia). Com o tempo, os clérigos vindos do atual Iraque e Bahrein endireitaram o xiismo dos safávidas, segundo a escola jafa’ari duodecimana, também conhecida como usuli, concedendo ortodoxia à sua linha religiosa, chegando até mesmo a proibir ordens sufis xiitas, marcando o fim da ordem safawiya. É curioso notar que os qizilbash fora do território iraniano, notadamente na Turquia, mantiveram suas crenças heterodoxas e sincretismos, originando entre os turcos uma religião distinta e heterodoxa: o Alevismo.

Apesar do sucesso, Ismail I agora tinha um grande abacaxi nas mãos: governar um país cuja metade era muçulmana e xiita e a outra metade era zoroastra. O Xá, cujo ódio pelo sunismo era profundo e virulento, optou por uma atitude “enérgica”, tendo na mira, primeiramente, estes terríveis inimigos da ahl ul bayt. Ismail perseguiu os sunitas a ferro e fogo, sem piedade: mesquitas e madraças, quando não ocupadas por clérigos xiitas, foram derrubadas, sheykhs foram decapitados, ordens sufis banidas e seus dervixes torturados até maldizer Abu Bakr e os outros califas ou então mortos, sendo sua propriedade confiscada. Foram feitos decretos para tornar mandatória a maledicência pública dos três primeiros califas do sunismo; antes de assumir um cargo público, tal maledicência era obrigatória, por exemplo. Os ulemás sunita tinha de escolher entre a conversão, o exílio ou a morte. Foi instituído um feriado nacional (que não é mais observado, pelo menos não oficialmente) um tanto carnavalesco no dia 26 de Dhu al-Hijjah, comemorando o assassinato do califa sunita Omar pelo seu escravo persa Peroz Nahavandi, mais tarde canonizado como Baba Shujauddin, “Pai e defensor da religião”. Nesse feriado colorido, a atração do dia além da festa era a construção de uma efígie de Omar para ser insultada, amaldiçoada e ritualmente linchada, para depois ser queimada, no melhor estilo malhação de Judas que um contexto islâmico pode oferecer.

Após escorraçar e virtualmente destruir o sunismo na Pérsia, com seus assentos, mesquitas e khaniqas sendo tomados por xiitas, o xá agora mirava na outra parcela substancial da população: os zoroastras. A dinastia Safávida foi um período difícil para a comunidade dos “kaffirs” adoradores de fogo. Os zoroastras foram cada vez mais empurrados para a marginalidade e miséria, sendo obrigados a viverem em guetos, especialmente na capital da Pérsia, Isfahan. Muitos viajantes e diplomatas europeus como Edward G. Browne e Arthur de Gobineau (que também já foi diplomata no Império do Brasil) falam da humildade e medo que circundavam os “gabars” (termo pejorativo usado contra zoroastras) em seus guetos. Proibidos de falar a própria língua sacra, o avestano, criaram um dialeto próprio, o Dari e escondiam o fogo sagrado em compartimentos secretos de suas casas por medo de profanação. Nos templos que ainda restavam, os fogos sagrados eram escondidos: um falso era mantido onde outrora ficava o verdadeiro. O Xá Abbas I, que havia permitido aos zoroastristas habitarem nos guetos e subúrbios da capital, faleceu, e seus sucessores não foram tão gentis com os infiéis. Com o tempo, os zoroastras foram expulsos das cidades e tiveram que permanecer no campo, caso não se convertessem. A dinastia Safávida durou até 1747.

A dinastia que se seguiu aos Safávidas, a dos Zands, pouco durou e sua queda foi prevista por astrólogos zoroastras da cidade de Kerman. Apesar do fato fazer os conquistadores da dinastia Qajar (1796–1925) pouparem os zoroastras da cidade, os Qajar, originalmente uma das tribos turcomenas que compunham a ordem Safawiya e um clã subordinado aos Safávidas, viriam a ser os derradeiros carrascos da fé de Zaratustra. Numericamente reduzidos a uma minoria, os zoroastras eram taxados como intocáveis, ritualmente impuros, assim como sua comida e seus pertences, e forçados a viver em guetos como o da cidade de Kerman, onde viajantes estrangeiros retratam sua situação miserável, vivendo em favelas fora dos muros da cidade, expostos à ataques de invasores e bandidos. Eram proibidos de montar cavalos, sendo sua única montaria autorizada, a da mula e sempre que encontrassem um muçulmano vindo na sua direção, deveriam desmontar em sinônimo de respeito; não podiam usar óculos, nem guarda-chuvas – fizesse chuva ou sol -; também não podiam usar roupas tingidas ou comprar roupas novas; no inverno, eram proibidos de usar casacos grossos; eram proibidos, também, de andar nas calçadas: tinham que caminhar na rua ou na sarjeta.

De acordo com Edward Browne, autor do livro A year amongst the Persians, os muros das casas dos zoroastras tinham de ser menores que os muros das casas de muçulmanos, também sendo-lhes vetada a construção de novas casas e a reparação das já existentes; em outras palavras, os “gabars” tinham que habitar em quase ruínas. Um dos métodos para converter tanto os zoroastras era a lei que previa que se um membro da família se convertesse ao Islã, ele ou ela herdaria todos os pertences da família. Insultos, agressões e até assassinatos eram as normas da vida diária desses intocáveis (na jurisprudência do xiismo, não-crentes são considerados najs ayiniya, ‘’imundice’’, e toca-los quebra a pureza ritual dos crentes. Para os sunitas, tal conceito não existe). Por vezes, garotas zoroastras eram sequestradas e forçosamente convertidas e casadas com homens muçulmanos, uma prática que encontra eco hoje em dia em países como Índia e Paquistão. Além de tudo isso, deveriam pagar uma jizya substancialmente alta. Em resposta a essas políticas segregacionistas, os zoroastras acabaram se tornando uma comunidade extremamente enclausurada, introvertida e estática. Enquanto trabalhava como embaixador na Pérsia, o conde Artur de Gobineau, notável por suas teorias racistas, escreveu: “Apenas resta seis mil deles e apenas um milagre pode salvá-los da extinção. Estes são os descendentes do povo que um dia governou o mundo.” O milagre veio. Na segunda metade do século XIX, uma nova onda migratória levou muitos zoroastras iranianos para a Índia, onde encontraram seus irmãos de outrora. Tocados pela situação de seus irmão-de-fé que permaneceram na sua terra ancestral, a comunidade zoroastra da Índia, os parsis, que haviam se tornado uma poderosa burguesia comercial no estado do Gujarate e em cidades como Bombaim, mobilizaram-se para aliviar o fardo.

A comunidade indiana, então, despachou emissários, dentre eles um filantropista famoso entre os parsis por seu trabalho, Maneckji Limji Hataria. Hataria e outros filantropos parsis aliaram-se às embaixadas europeias, especialmente da Grã-Bretanha e França, e estabeleceram vários locais de adoração para os zoroastras iranianos, junto de escolas e bibliotecas. Uma grande vitória foi alcançada em 1882 quando, junto da pressão da Embaixada Britânica, a jizya foi abolida. A partir daí, o comércio com seus irmãos indianos e a gradual modernização, constitucionalização e ocidentalização da Pérsia, acompanhando o fim da repressão, melhorou exponencialmente a situação dos zoroastras iranianos. As escolas, tanto comunitárias quanto escolas fundadas por missionários e embaixadas estrangeiras, forjaram uma nova gama de intelectuais persas, pró-ocidentais, pró-liberdade e contra o retrocesso que há muito assolava o país. Muitos líderes intelectuais e comunitários zoroastras fizeram seu caminho e, com a Revolução Pahlavi em 1925 e a chegada no poder de uma nova dinastia, comprometida a modernizar o país e dar liberdade a suas populações étnicas e religiosas, arranjaram “um lugar ao Sol”.

Durante a Dinastia Pahlavi (1925 – 1979), o revolucionário Reza Pahlavi tornou-se o novo Xá, depondo a dinastia dos Qajar. O Xá iniciou um processo bem-sucedido de modernização da Pérsia, a qual, oficialmente, renomeou “Irã”, o nome pelo qual os nativos chamavam seu país, inspirado pelo seu contemporâneo turco Mustafá Kemal Atatürk, trazendo assim uma liberdade religiosa inédita para seus súditos. Os zoroastras, já bem educados, passaram a ter participação no governo, no Parlamento e na administração pública no geral; não só isso, passaram a prosperar financeiramente. O novo Xá substituiu o antigo calendário islâmico pelo antigo calendário solar zoroastra, com datas de 1 a 30 ao invés dos nomes dos dias e os meses tinham o nomes pré-islâmicos. O progresso econômico foi também sucedido pelo progresso educacional, com a criação pela primeira vez de uma educação universal, ocidentalizada, pela redução do analfabetismo e da pobreza e também pelo progresso social: mulheres foram proibidas de usar o véu em locais públicos e a sharia foi abandonada como mecanismo legislador na vida pública e privada. Obviamente os ulemás xiitas, perdendo poder e prestígio, viam nisso um ataque às tradições nacionais, mesmo que tais tradições assentassem-se sobre a repressão e miséria do povo. Em 1979, o Xá fugiu do país e o poder foi tomado pelos aiatolás. Homens andaram pelo templo do fogo de Teerã e removeram o retrato do Profeta Zoroastro, colocando em seu lugar um do Aiatolá Khomeini. A Revolução Islâmica estava consolidada.

Logo após a proclamação da República Islâmica do Irã, muitos zoroastras, temendo por suas liberdades e suas vidas, imigraram para o Ocidente e para a Índia. Hoje, os zoroastras praticam sua fé normalmente, assegurados pelo estado, e mantém templos pelo país, especialmente na cidade de Yazd. Apesar de gozarem de uma razoável autonomia, especialmente nas cidades e vilarejos na província de Yazd e serem deixados em paz pelo governo, dispondo até mesmo de um assento reservado no Parlamento para sua comunidade, os zoroastras convivem em apreensão em meio ao governo repressivo e as crises econômicas que castigam o Irã moderno.

Bibliografia usada:

- Browne, Edward Granville (1893), A year amongst the Persians.

- Dr. Rustom Kevala, Religion After the Fall of the Sassanians. (arquivado)

- Price, Massoume (2005), Iran's diverse peoples: a reference sourcebook.

- BBC Religions, Under Persian rule.

- Arnold, Sir Thomas Walker (1896), The preaching of Islam: a history of the propagation of the Muslim Faith.

- HISTORY OF ZOROASTRIANS IN IRAN UNDER THE CALIPHS (642 CE To the 10th Century), Fezana Religious Education (arquivado).

- Culture and Customs of Iran; Elton L. Daniel, Elton L.. Daniel, ʻAlī Akbar Mahdī. (pg. 185) [for the holiday of cursing Omar and his effigy].

- Extremist Shiites The Ghulat Sects, 1988, Matti Moosa.