Na região da Apúlia no sul da Itália, banhada pelo mar Adriático, encontra-se a cidade de Bari. A cidade é conhecida pela sua relação com as relíquias de São Nicolau de Mira, possuindo uma grande basílica que foi erguida em homenagem ao santo em 1197, que atrai fiéis tanto católicos como ortodoxos.

Contudo, outro legado religioso um tanto surpreendente também está presente na história desta cidade mediterrânea: pois Bari foi, durante décadas, um emirado islâmico. O Emirado de Bari ( 847- 871) foi um pequeno potentado muçulmano de central importância na história da presença islâmica no sul da Península Italiana.

De acordo com o historiador muçulmano do século IX, Al-Baladhuri, a história do emirado se inicia em 847, quando um líder militar bérbere independente, cujo nome era Khalfun (provavelmente vindo da Sicília aglábida), tomou a cidade das mãos bizantinas, enquanto a região passava por turbulências politicas e constantes trocas de controle entre bizantinos e lombardos.

A proeza militar de Khalfun no entanto não foi vista como de grande importância na época, pois, ao contrário de outras incursões contemporâneas contra os bizantinos, a conquista de Bari não foi atingida com o auxilio ou sob ordens de nenhuma das potências islâmicas circundantes.

Não foi até a sucessão de Mufarrag ibn Sallam, em 852, quando pedidos por apoio militar ao novo estado de fronteira foram enviados ao califa abássida al-Mutawakkill em Bagdá, através de seu governador no Egito, para o reconhecimento do emirado como estado vassalo ao controle abássida.

Sob o governo de Mufarrag, a influencia muçulmana do emirado na região foi expandida, assim como suas fronteiras. Por volta de 857, após o assassinato de Mufarrag Ibn Sallam, o controle do Emirado de Bari passou paras as mãos de Sawdan.

Sawdan lançou uma campanha contra os lombardos do Principado de Benevento. Vencendo a guerra, o emir colocou o Principado cristão e seu líder, o príncipe Adelchis, em posição de vassalagem, o taxando com tributos. Em 864, Sawdan finalmente conseguiu a investidura califal requisitada pelo seu antecessor Mufarrag, e Bari passou a estar sob controle abássida.

Em 859, Lembert de Spoleto uniu-se a Gerard, conde dos Marsi, Maielpoto, gastaldo de Telese, e Wandelbert, gastaldo de Boiano para impedir que Sawdan retornasse a Bari após uma campanha contra Cápua. Apesar da batalha sangrenta, o vitorioso emir conseguiu entrar em sua capital.

Um cronista cristão dos idos de 860, um certo monge franco de nome Bernard a caminho da Terra Santa, passou com seus dois companheiros de viagem pelo Emirado de Bari. Em seu ”Itinerarium Bernardi”, o frade descreve como conseguiu com sucesso uma carta de salvo conduto do emir Sawdan para que pudesse seguir rumo a Jerusalém pelo Egito em segurança.

Nas Crônicas hebraicas de Ahimaaz, Sawdan é descrito como um líder sábio e bom governante, que tinha boas relações com o estudioso judeu local, o rabino Abu Aaron. Há evidências de uma fase de grande prosperidade e avanço civilizacional neste ponto.

Sob o governo de Sawdan, a cidade de Bari foi embelezada com uma mesquita, palácios e obras públicas. Historiadores sugerem que o emirado proporcionou uma larga expansão na economia regional. Movimentada principalmente pelo comércio de vinho, cerâmica e claro, escravos.

A cidade Bari era um ponto importante no comércio de escravos eslavos capturados na Europa, principalmente por Veneza na Dalmácia, no Sacro Império Romano, no que hoje é Alemanha e Polônia, e pelos bizantinos nos Bálcãs.

Tanto antes como após o período de controle muçulmano, o comércio de escravos brancos era um “negócio inter-religioso” em Bari. O destino destes escravos capturados por escravagistas (cristãos, judeus e muçulmanos) era o Império Bizantino e (mais frequentemente) os grandes estados muçulmanos do mediterrâneo: Califado Abássida de Bagdá, Califado Omíada de Córdoba, Emirado da Sicília e o Califado Fatímida.

Estes califados dependiam da compra de eslavos no mercado de Bari para formar suas legiões de soldados “saqalibas” ou “mamelucos”, a elite militar da época.

O emirado de Bari durou tempo o suficiente para construir relações mais positivas com seus vizinhos cristãos, havendo trocas de embaixadas diplomáticas e refugio a rivais políticos. Em 865, talvez pressionado pela Igreja sempre desconfortável com a presença de um estado muçulmano no meio da Itália (e eventuais razias), o sacro imperador Luís II emitiu uma capitulação, convocando todos os homens de armas do norte da Itália a se reunirem em Lucera, na primavera de 866 para um assalto a Bari.

Entretanto, não é sabido se esta força conjunta sequer chegou a fazer cerco a cidade. Não foi até a primavera de 867 que Luís tomou medidas contra o emirado. Ele imediatamente sitiou as cidades de Matera e Oria. Sendo benevolente com a segunda e devastando a primeira.

Isso pode ter interrompido as comunicações entre Bari e Taranto, o outro polo do poder muçulmano no sul da Itália que durou por 40 anos. Luis estabeleceu uma guarnição em Canosa na fronteira entre Benevento e Bari, mas se retirou para a primeira, em março de 868.

Provavelmente, naquela época, Luis iniciou negociações com o novo imperador bizantino, Basílio I, um casamento entre a filha de Luis e o filho mais velho de Basílio, Constantino, que eventualmente foi discutido em troca da assistência naval bizantina na tomada de Bari. Assistência esta não recebida.

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O sacro imperador romano Luís II na conquista de Bari numa ilustração do Atlas Universel Historique et Geographique, publicado em 1850.

Em 870, os muçulmanos de Bari intensificaram suas incursões, chegando a espreitar a Península de Gargano, incluindo o Santuário de Monte Sant’Angelo. O imperador Luis organizou uma resposta, lutando de maneira implacável em Apúlia e Calabria, porém, contornando grandes centros populacionais como Bari ou Taranto, onde as guarnições muçulmanas eram mais fortes.

Algumas cidades foram, aparentemente, libertas do controle islâmico, e os vários muçulmanos encontrados foram universalmente derrotados. Provavelmente encorajado por esses sucessos, Luis atacou Bari com uma força terrestre de francos, alemães e lombardos, auxiliado por uma frota croata.

Em fevereiro de 871, a cidadela caiu, e o poderoso emir Sawdan foi finalmente derrotado, capturado e levado a Benevento acorrentado, pondo, assim, fim a história do Emirado de Bari.

Bibliografias

  • Musca, Giosuè (1964). L’emirato di Bari, 847—871. Bari: Università degli Studi di Bari Istituto di Storia Medievale e Moderna. Dedalo Litostampa
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  • Michele Amari, Storia dei musulmani di Sicilia, Catania, Romeo Prampolini, 1933-39 
  • Umberto Rizzitano, “Gli Arabi in Italia”, in: L’Occidente e l’islam nell’Alto Medioevo (Settimane di studio del Centro italiano di studi sull’alto medioevo, XII), Spoleto, 1965, pp. 93–114.