O movimento almorávida começou como um movimento conservador de reforma islâmica inspirado na escola de jurisprudência islâmica e sunita (madhab) Maliki. Em árabe, "al-Mourabit" significa figurativamente "aquele em retiro espiritual-bélico numa fortaleza" ou ‘’ribat’’, no plural, “aqueles da fortaleza”, ‘’al-murabitun’’, latinizado como almorávidas. Os berberes do Magreb no início da Idade Média podem ser classificados em três grupos principais: os Zenata, ao norte, os Masmuda, concentrados no centro de Marrocos, e os Sanhaja, agrupados na parte ocidental do Saara e nas colinas do Magreb oriental. A partir de 1053, os almorávidas espalharam rapidamente sua influência religiosa e política nas áreas berberes do Saara africano e nas regiões do sul do deserto. Depois de conquistar a tribo berbere Sanhaja, os almorávidas rapidamente assumiram o controle de toda a rota comercial do deserto.

Até recentemente, a historiografia moderna descrevia os almorávidas (e seus sucessores, os almôadas) como pouco mais que "bárbaros africanos intolerantes", "fundamentalistas" ou "puritanos". Essa visão, pautada principalmente na tosca e parcial pseudo-historiografia de escritores andaluzes posteriores, que os difamaram, e optaram por ignorar ou mal interpretar a relação da dinastia com a cultura e da academia nacionalista espanhola, reverberou por muito tempo não apenas a intencional má-compreensão da história, mas também o racismo. Uma das nuances dessa visão foi o suposto maltrato das comunidades de dhimmis - judeus e cristãos - que a dinastia-movimento teria perpetrado.

Yusuf ibn Tashfin (1061–1106) havia levado o que hoje é conhecido como Marrocos, Saara Ocidental e Mauritânia à dominação completa. Em 1086, Yusuf foi convidado pelos príncipes taifas muçulmanos de Al-Andalus, na Península Ibérica, para defender seus territórios da invasão de Alfonso VI (1077–1109), rei de Leão e Castela. Naquele ano, Yusuf ibn Tashfin cruzou o Estreito de Gibraltar para Algeciras e derrotou Castela na Batalha de Az-Zallaqah. Ele voltou para a Península Ibérica em 1090, disposto a anexar o al-Andalus, no que foi apoiado pela maioria do povo ibérico, insatisfeito com a pesada tributação imposta a eles por seus governantes perdulários. Ele estava armado em ação contra os estados muçulmanos pela falta de clérigos muçulmanos proeminentes, que declararam que Yusuf tinha moral sólida e tinha o direito religioso de destronar os governantes das taifas.

Como podemos ver acima, no fato de Yusuf ibn Tashfin apenas lançar-se à conquista de al-Andalus de fato após receber carta branca dos alfaquís (juristas) malikitas, os almorávidas eram dependentes da aprovação oficial dos juristas islâmicos ser imprescindível para aconselhar e legitimar suas ações e decisões; tal fato é melhor categorizado como sendo “legalismo” e não “fanatismo”, como lhes foi atribuído por séculos. Além do mais, apesar de surgirem como um movimento reformista e estrito dentro do sunismo malikita, os berberes que deram origem ao movimento almorávidas detinham alguns costumes até mesmo contrários à interpretação islâmica ortodoxa, como por exemplo o costumes dos homens usarem um turbante cobrindo todo o rosto (chamado de tilham), enquanto as mulheres andavam descobertas, sem nenhum véu. Tais costumes - além de outros motivos, como veremos mais à frente também - foram responsáveis pelo surgimento de críticas aos almorávidas pelo jurista ne místico Abu Abdallah Amghar ibn Tumart (1080–1130), fundador do movimento dos Almôadas, que mais tarde destronaria os “relapsos” almorávidas.

Antes da conquista das taifas de al-Andalus em 1090 por Yusuf ibn Tashfin, a população do Império Almorávida era principalmente muçulmana, com uma pequena e tradicional minoria judaica no Magrebe; no entanto, após a anexação, um grande número de cristãos - e ainda mais judeus - entraram para a conta de seus súditos. As noções pré-concebidas dos almorávidas e a natureza de seu sistema político, bem como seu legalismo estrito, influenciaram, como já sabemos, muitos europeus a apresentá-los como indivíduos sem tolerância religiosa em relação às minorias judaicas e cristãs que viviam sob seu domínio no Magrebe e na Ibéria. Isso dificulta uma avaliação precisa de incidentes e eventos. Por exemplo, alguns estudos europeus discriminatórios criticam os almorávidas e os acusam de maltratar os cristãos.

Com o iluminar de novos estudos, fica-nos claro o contrário: o estabelecimento da Dinastia Almorávida marcou um reconhecimento oficial do Estado das comunidades cristã e judaica, que antes eram mais ignoradas que qualquer outra coisa.

 

A comunidade de cristãos livres na região específica do Magrebe durante a era Almorávida, por exemplo,  consistia principalmente de soldados e mercenários enviados para lá, enquanto as comunidades sedentárias, por outro lado, se limitavam a pequenos grupos estabelecido em Tamsna e Fez, e alguns em Tlemcen.

Por outro lado, prisioneiros de guerra e escravos, por sua vez, também faziam parte da comunidade cristã no Magrebe. Fontes históricas indicam que um grande número de cativos e escravos cristãos foram trazidos para as partes norte-africanas da dinastia almorávida. Muitos deles abraçaram o Islã, enquanto muitos outros permaneceram cristãos.

A deportação dos cristãos da Andaluzia para o Magrebe durante a era de Ali ibn Yusuf, após rebeliões fracassadas e uma conspiração cristã-moçárabe para rebelarem-se contra o Emir coincidentemente quando o rei de Castela estivesse se precipitando sobre o al-Andalus, ao que se juntariam aos rebeldes para acabar com a presença almorávida (e muçulmana) na Ibéria. Este é o incidente mais significativo no que diz respeito ao tratamento dos almorávidas para com os cristãos, mas ele sozinho falha em dar uma noção geral das relações cristãs-almorávidas.

Estima-se, no entanto, que tenha ocorrido por volta de 1126, porque a invasão de Afonso, o Batalhador (que reinou em 1104–1134), só terminou a 6 de março deste mesmo ano (1126). Depois disso, o grande sábio e polímata Ibn Rushd (Averróis) viajou imediatamente para Marrakech para persuadir Ali ibn Tashfin a expulsar os cristãos, concedendo-lhe argumentos e aval jurisprudências para isso. Ele (Ibn Rushd) então voltou para Córdoba, onde faleceu em novembro do mesmo ano. A razão pela qual Ali ibn Yusuf decidiu expulsar os cristãos foi devido à sua conspiração para ajudar Alfonso a conquistar Granada e rebelarem-se no processo, quebrando seu status de dhimmi (protegidos). Seu apoio aos planos de Afonso talvez se devesse ao fato de os cristãos da Andaluzia pertencerem à mesma religião que os castelhanos e aos benefícios esperados dessa traição.

Após a sua expulsão da Andaluzia e chegada no Norte da África, os cristãos não tiveram escolha senão integrar-se no povo do Magreb. Os novos habitantes não se integraram completamente à nova cultura porque os almorávidas lhes forneceram alguns alojamentos isolados dentro da cidade onde os primeiros viviam juntos. Em Marrakesh, eles receberam seus próprios aposentos, que consistiam em uma gama completa de residências e comodidades que sustentam o estilo de vida cristão, como seus próprios mercados, igrejas, bares e açougues suínos. No nível administrativo, os cristãos recebiam tarefas como a cobrança de impostos. Essa foi uma decisão estratégica dos almorávidas para garantir que os impostos fossem cobrados adequadamente, pois eles observaram que os muçulmanos tendiam a ser mais indulgentes com seus correligionários. Desse modo, embora os cristãos do Magrebe tivessem seus próprios bairros e sociedade separada, tornando desnecessária sua integração com a sociedade em geral, eles ainda assim se engajavam nos assuntos da sociedade.

Tais liberdades desfrutadas pelos cristãos eram uma fonte de preocupação para Ibn Tumart (1080–1130) que, antes de sua revolta contra os almorávidas em 1122, expressou sua raiva das autoridades por tal indulgência e queixou-se a um juiz na presença de Ali ibn Yusuf. Os juristas muçulmanos advertiram os muçulmanos a não lidar com os cristãos, especialmente em assuntos delicados como o comércio, mas os muçulmanos não davam lá muita atenção a tais advertências. Isto é, talvez, porque eles sentissem que tais decretos fossem feitos unicamente por alfaquis enfurnados em seus escritórios, sem contato com a realidade da sociedade andaluza e alienados por politicagem; ou talvez simplesmente não estivessem interessados nas fatwas.

Os cristãos não teriam desfrutado de tais liberdades e privilégios e não teriam se integrado à sociedade muçulmana sem a ajuda de Ali ibn Yusuf que, segundo seus críticos, “se preocupava mais com os cristãos do que com seu povo”. Fornecia-lhes ajuda financeira e permitia que se estabelecessem em palácios comunidades separadas, porém bem mantidas e organizadas, não meros guetos. Esta é a principal razão pela qual os cristãos do Magreb, ao contrário de muitos daqueles da Andaluzia, lhe eram leais e nunca pensaram em desobedecê-lo, pois não lhes convinha fazê-lo. Alguns escritores europeus descrevem Ali bin Yusuf como “o amigo dos cristãos”.

Os negócios do Estado continuaram com sua confiança nas minorias cristãs, tanto administrativa quanto militarmente. Além disso, sob a sombra de tal relacionamento, havia uma continuação das relações normais e aceitação popular da existência cristã. Também, as políticas almorávidas em relação aos não-muçulmanos derivaram não tanto de uma animosidade contra os “infiéis”, mas de duas coisas importantes de serem citadas e analisada:

  • A determinação de observar a Shariah de maneira pura, seca, inflexível e exata; lei essa imposta pelo poder agora irrestrito dos juristas malikitas, que se tornaram o baluarte ideológico do regime. Com carta branca na administração judicial de al-Andalus, patrocinada e apoiada pela elite almorávida, muitos juristas importantes desenvolveram uma abordagem intransigente.
  • O caráter daquela época, bem como a natureza dos almorávidas (berberes, com um histórico de rigorismo religioso, mas não de fanatismo) do perigo que Alfonso e o Reino de Castela representavam para a presença muçulmana na Andaluzia, contribuíram para cristalizar a posição intransigente dos alfaquis, dando-lhes, sobretudo, razão.

Fica claro para nós, então, que não houve de nenhum modo uma campanha sistemática ou intencional de perseguição a cristãos ou mesmo judeus no Império Almorávida; antes, o que houve foi o surgimento e avanço de uma tendência de inflexibilidade jurídica e religiosa ocasionada pela origem reformista dos almorávidas e pelas atitudes traiçoeiras de alguns cristãos e atitudes agressivas dos vizinhos cristãos do Norte. Desse modo, a situação que os cristãos desfrutavam no norte da África parece ser um passo civilizado em comparação com as normas medievais, particularmente em comparação com o tratamento do exército castelhano aos muçulmanos em suas terras recuperadas durante a mesma era.

Bibliografia:

  • LADJAL, Tarek (2017) - “The Christian presence in North Africa under Almoravids Rule (1040–1147 CE): Coexistence or eradication?” - Cogent Arts & Humanities.
  • CATLOS, Brian (2018) - ''Kingdoms of Faith: A New History of Islamic Spain''.
  • FARIAS, P. F. de Moraes (1967) - "The Almoravids: Some Questions Concerning the Character of the Movement", Bulletin de l’IFAN, series B, 29: 3–4 (794–878).