No Ocidente atual, estamos acostumados às infames “despedidas de solteiro” quando um noivo ou noiva vai a uma festa com seus amigos ou amigas para “despedir-se” da “solteirice”. A Festa – e que festa – de comemoração dos 2500 anos do Império Persa Aquêmenida, não menos infame, teve um signifcado póstumo parecido: ao invés de despedir-se da “solteirice”, o Xá Mohammed Reza Pahlevi, junto de sua família real e seus ‘amigos’ chefes de estado de todo o mundo, despedia-se de sua própria coroa.

O xá Reza Pahlavi e sua esposa.

O Irã foi milenarmente uma monarquia: entre dominações e devastações estrangeiras, sua tradição imperial e monárquica remonta à desde a Dinastia Aquêmenida do Império Persa, fundado por Ciro, o Grande em 550 AEC. Em 1921, o General Reza Khan, mais tarde referido como Reza Shah Pahlevi, deu um golpe de estado e tomou a capital das mãos de Ahmed Shah Qajar. Em 1925, o majlis, uma espécie de “assembleia nacional” iraniana composta da nobreza, militares e clérigos oficialmente depuseram Ahmed Shah e a Dinastia Qajar, de origem turcomena, que governava a Pérsia desde 1789.

Reza Shah iniciou, então, um programa agressivo de modernização do país, nas áreas econômica e principalmente social. Inspirido pelo fundador da República Turca Mustafa Kemal Atatürk, Reza Shah secularizou as instituições políticas e sociais iranianas, chegando até mesmo a banir o uso do véu islâmico (hijab) em qualquer instância. Seu filho e sucessor, Mohammed Reza Pahlevi, continuou as políticas de seu pai, embora de maneira menos agressiva. Sob seu governo, mudou o nome do país oficialmente para “Irã” (que significa “terra dos arianos”) e alinhou-se com os Estados Unidos e tornou-se grande fornecedor de petróleo aos países ocidentais, ao mesmo tempo que implacavelmente sequestrava, torturava e matava seus opositores políticos e críticos de seu regime através da sua polícia secreta, a SAVAK.

O mausoléu de Ciro durante as comemorações. 

O governo de Mohammed Reza, que sempre sofreu duras críticas dos marjas e ulemas xiitas, isto é, dos clérigos islâmicos de sua nação por suas medidas progressistas, seculares e ocidentalizantes, vistas como detrimentais à nação iraniana e à religião islâmica, sofreria ainda mais pelo que estava por vir. Na realidade, segundo muitos estudiosos, o que viria pode ser considerado uma fatalidade para não tão popular Xá.

Aproximava-se, em 1971, o aniversário de 2.500 anos do primeiro Império Persa – a Dinastia Aquêmenida –, e o Xá Reza Pahlevi, como sempre uma figura de muita soberba e vaidade, não queria deixar isto passar: ao contrário, queria fazer a data entrar para a história. E ele conseguiria. O plano do governo do Xá era ambicioso: convidar todos os chefes de estado de países amigos, aliados e relevantes, especialmente as monarquias europeias e árabes, para celebrações e jantares ao longo de três dias no meio do deserto. Inicialmente, a verba foi declarada ilimitada, mas logo viu-se a grande sandice que isto era e fez-se uma estimativa, altíssima, que teve que ser reduzida a ¼ de seu valor original, que até hoje é matéria de debate.

Parada militar com soldados trajados à antiga moda militar persa.

As preparações ficaram a cargo Chefe da Corte Real, Asadullah Alam, que, demonstrando a maneira pahlavista de lidar com o andamento das coisas, reuniu os fornecedores e contratados e disse: “Se não terminarem o trabalho a tempo e com o maior nível possível de qualidade, eu vou atirar em todos vocês usando minha própria arma, e depois vou atirar em mim.”

A área escolhida para o evento foi o berço da Civilização e Império Persa: a cidade de Persépolis, no Sul do país, hoje ruínas no meio de um deserto localizado a 70 km da cidade de Shiraz. O aeroporto de Shiraz foi aumentado e renovado e uma rodovia foi construída ligando a mesma cidade com Persépolis, além de uma outra para ligar Persépolis à capital Teerã. Além disso, Alam viu que era necessário “abrandar” a aridez do local: foram importadas e plantadas 15.000 árvores da França (é curioso notar que quase nada na festa foi feito no Irã), aviões carregados de pesticidas derramaram os produtos químicos num raio de 30 km para matar cobras, escorpiões e outros animais perigosos. Um campo de golfe também foi preparado.

Um atendente em frenta de uma das luxuosas tendas.

Quanto às habitações dos convidados, Alam inspirou-se nas historicamente famosas tendas luxuosas que Henrique VIII ficou quando este foi hóspede de Francisco I da França, na chamada “cidade das tendas” no Norte da França, no século XVI. Foram constuídas tendas de material específico e resistente ao calor e ao frio, que foram equipadas com aparelgos de última geração para a época, como telefones e ar-condicionados.

Uma enorme fonte d’água central foi erigida no centro, onde desembocavam todas as tendas.  Para dar mais “naturalidade” a esse óasis artificial, foi necessário importar da França cerca de 50 mil pássaros (que foram colocados no dia do início do evento e morreram três dias depois, ao término do mesmo, devido ao clima extremo). A tenda principal, lar dos jantares e almoços de gala ao longo dos três dias de evento, tinha 68x24 metros, com a “cidade” inteira utilizando nada mais nada menos que 37 km de seda na sua composição. Foram contratadas 250 limosines luxuosas para ficarem à disposição dos quase 600 convidados. A mesa dos convidados de honra da Tenda Maior tinha 70 metros de comprimento e sua toalha, costurada à mão por 125 mulheres, demorou 6 meses para ficar pronta. Como disse a ex-Imperatriz (Sharbanu), Farah Diba, esposa do Xá, em suas memórias: “era necessário mostrar a Era Pahlavi como um período de renascença para a civilização iraniana.”

Visão das ruínas de Persépolis ao lado da ''Cidade de Tendas''.

Entre os convidados, estavam diversos chefes de estado republicanos, como o presidente brasileiro Emílio Garrastazu Médici e o vice-presidente americano Spiro Agnew, uma vez que Richard Nixon supostamente considerou o evento “uma perda de tempo”; o presidente da França, Georges Pompidou confirmou sua presença inicialmente, mas cancelou sua ida, enviando em seu lugar o premiê Jacques Chaban-Delmas, o que irritou o Xá; o Vaticano, por sua vez, enviou o Cardeal Maximilien von Fürstenberg. O grande alvo do Xá Reza, no entanto, eram os monarcas europeus e árabes. Reis e rainhas da Suécia, Dinamarca, Países-Baixos, Bélgica, e até mesmo Constantino, o ex-rei da Grécia, assim como o Príncipe e a Princesa do Mônaco e a Duquesa de Luxemburgo. Em questão de “nível” nobiliárquico, além do próprio Xá, que se conclamou na cerimônia de início da festa a 12 de Outubro como o “Shahanshah”, ou “Rei dos Reis”, era Haile Selassie, Imperador da Etiópia, que foi acompanhado de sua esposa e seu cãozinho de estimação, ambos adornados com diamantes. Também estavam presentes o rei do Nepal, o rei Hussein da Jordânia, o Sultão do Omã, o rei da Malásia e os sheiks do que hoje são o Emirados Árabes Unidos, além do rei do Bahrein, todos juntos ao ditador da Iugoslávia Josip Broz Tito, e também o ditador das Filipinas, Ferdinand Marcos e sua esposa, além de outros quase 600 convidados. A rainha Elizabeth II, no entanto, não sentiu-se à vontade de ir ao evento, fato esse que quase causou uma crise diplomática entre o Reino Unido e o Irã (à época, o Reino Unido, e sempre foi, um grande parceiro comercial do Irã, com a Companhia de Petróleo Anglo-Iraniana sendo ainda uma das maiores do país, tendo sido a primeira a operar por lá). A situação só foi resolvida quando a Família Real concordou em enviar o Príncipe Phillip e a Princesa Anne.

Para alimentar tantos chefes de estado, representantes e outros ilustres convidados, o Alam contratou todo o time de do Restarante Maxim, de Paris, à época considerado o melhor do mundo. Às vésperas do início das celebrações, o aparato de cozinha do Maxim, junto de seus cozinheiros, ajudantes e diversas garrafas de vinhos, conhaques e mantimentos (toda a comida, exceto o caviar, foi trazida de fora, a esmagadora maioria da França) eram levados por aviões militares até Shiraz, que de lá seguiam para Persépolis. Émil Real, que fazia parte do time dedicado às preparações gastronômicas da festa e sua logística, relatou que três dias antes do dia 12 de Outubro, 18 toneladas de comida chegaram à Persépolis, incluindo 2.700 kg de bife, porco e cordeiro, além de 1.280 kg de aves diversas, indo de frangos e perdizes até pavão, e a única comida iraniana: 150 kg de caviar.
 

Interior de um jantar numa das luxuosas tendas.

O Evento

“Ó Ciro, ó Grande Rei, Rei dos Reis, Heroi da Histporia do Irã e do Mundo, eu, o Imperador do Irã, lhe apresento as saudações e homenagens do povo iraniano. Descanse em paz, ó grande Ciro, pois a bandeira triunfante do Irã está tremulando tão alta hoje quanto tremulava em sua era. Estamos despertos, e despertos permaneceremos.”

Com estas palavras, o Xá Reza Pahlevi, diante dos já presentes chefes de estado do mundo todo, políticos e militares da nação iraniana, iniciou as celebrações de 2.500 anos do Império Persa. A homenagem, diante do túmulo de Ciro I, foi seguida de uma para militar, com soldados vestidos como os soldados persas dos diferentes Impérios Persas até hoje, desde os Aquêmenidas, Partas e Sassânidas até os Safávidas, Qajars e, finalmente, os presentes Pahlavis.

As coisas não prosseguiram tão bem quanto o esperado, pois, durante um discurso do Xá aos chefes de estado, uma pequena tempestado de areia soprou sobre os que lá estavam, forçando o Xá a parar e esperar a ventania passar. Talvez Ciro não tenha gostado da homenagem ou de ter sido perturbado, ou talvez tenha sido apenas um mau agouro da temepstado que viria 8 anos depois.

Depois parada militar e do discurso, seguiu-se de um almoço suntuoso na tenda principal, onde algumas personalidades convidadas deram o que falar: o Marechal Tito da Iugoslávio comeu um pobre peru inteiro sozinho, enquanto o Imperador Haile Selassie, da Etiópia, devorou um ganso, também inteiro e sozinho. Os jantares, sempre espalhafatosos e recheados de iguarias, como carne de pavão temperada e pratos recheados de caviar. Os funcionários com uniformes desenhados por uma famosa estilista francesa trabalhavam duro para servir os 600 convidados, e a cozinha, mesmo munida de materiais, aparatos e peças de cozinha novas compradas para a ocasião, lutava em meio a um calor enorme para conseguir deixar os pratos prontos na melhor perfeição possível.

Foram trazidas da França 2.500 garrafas de champagne, 1.000 garrafas de vinho Bordeaux e 1.000 garrafas de vinho Burgúndia e 12.000 garrafas de whiskey, além da vodka que os convidados soviéticos trouxeram de casa. Apesar disso, haviam apenas 12 garrafas de conhaque 1860 para os 600 convidados. O staff, então, teve uma ideia: encheram duas garrafas vazias do mesmo conhaque com um Courvoisier, menos “nobre”. Ninguém notou. Um outro problema foi a máquina de café expresso; isso mesmo, a máquina de café expresso, apenas uma, fazendo no máximo dois expressos por vez, para 600 convidados. Uma tragédia anunciada, se o chef Max Bleu não tivesse trazido consigo 30 kh de Nescafé, feitos ‘à moda antiga’ para os convidados.

Fila de convidados notáveis.

Enquanto isso, nas confraternizações, ninguém dava-se a distrações ou perdia tempo: negócios eram a pauta do momento entre os diversos líderes mundiais, e, dentre todos, o Xá era a estrela; todos queriam achegar-se a ele para lhe falar, alguns até mesmo tendo oferecido dinheiro ao mestre-de-cerimônias, o único a usar roupa de gala, não uniforme, para apresentar o requerente ao Xá. Ele, naturalmente, não aceitou.

A natureza opulenta da festa era exposta a cada almoço e jantar que se findava: quase ¾ da comida sobrava, e nem os funcionários conseguiam dar conta de tudo, com a maioria indo para o lixo. Após os três dias de festa, sobraram centenas de garrafas de vinho fino e caro, que os soldados, agora com a tarefa de limpar tudo e desmanchar parte das coisas, por serem muçulmanos e não beberem, simplesmente usavam os vinhos bordeaux e burgúndia para aliviar o calor de suas cabeças e nucas. O staff francês e suíço, horrorizado, tentou salvar quantas garrafas puderam das mãos dos soldados do Xá, não obtendo tanto sucesso quanto gostariam.

Após o término das celebrações, os planos para a “cidades das tendas” do Xá era que o local fosse usado como atração turística, para hospedar turistas que fossem visitar persépolis. A situação, no entanto, não permitiu que se levasse a cabo o plano, uma vez que a cidade-tenda agora estava suja, inóspita, com seu verde findando, lotada de pássaros mortos e numa localização nada agradável.

A reação do clero muçulmano do xiita foi contundente: num país onde havia ainda pobreza, fome e analfabetismo, gastar milhões para celebrar um passado distante, não-islâmico, em meio a estrangeiros de costumes blasfemos renderam à festa a alcunha de “A Festa de Satã”. Até o Aiatolá Ruhollah Khomeini, futuro líder supremo do Irã, não deixou de tecer suas firmes críticas a todos os líderes envolvidos.

A comemoração, que foi planejada, também, para ser usada como propaganda pelo governo do Xá, acabou saindo pela culatra, com a celebração tendo se tornado extremamente impopular entre os iranianos, que, acima de tudo, não participaram: os únicos iranianos presentes na extravagância eram uns funcionários, militares, membros do governo e a própria família imperial dos Pahlevi (além de, é claro, os mortos enterrados bem ao lado). Há um grande debate sobre quanto a custou a festa, em estimativas que variam de 12 a 150 milhões de dólares. Independente do valor, o fato é que foi muito mais cara que o Xá poderia pagar: a festa foi uma das gota d’água para o povo iraniano e alavancou o descontentamento e revolta que culminariam, anos depois, na Revolução Islâmica, com o exílio dos Pahlevi e a instiuição de uma teocracia liderada pelo Aiatolá Khomeini.

Referências: