A propaganda israelense sobre a “expulsão” dos judeus árabes dos países árabes no fim da década de 1940 e no início da década de 1950, continua sem parar. No início deste mês, o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, informou ao secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, que ele “pretende enviar um rascunho de uma resolução requerendo que o órgão internacional faça uma comemoração anual pelas centenas de milhares de judeus exilados de países árabes por causa da criação do Estado de Israel,” de acordo com uma reportagem do jornal israelense Ynet. 

As fabricações de Israel sobre a imigração de judeus árabes para Israel são tão ultrajantes que o país faz uma comemoração em todo 30 de novembro. Esta data coincide com a limpeza étnica realizada por gangues sionistas na Palestina, que começaram em 30 de novembro de 1947, um dia depois da Assembleia Geral da ONU adotar o Plano de Partição. A escolha da data procura implicar os judeus árabes na conquista da Palestina, quando a maioria deles não teve nenhum papel nela. 

Erdan alega que, após o estabelecimento da colonização israelense, os países árabes “lançaram um amplo ataque contra o Estado de Israel e contra as comunidades judias que prosperavam e viviam no [Mundo Árabe]. As fabricações israelenses, com as quais Israel sempre esperou forçar os países árabes a pagarem bilhões de dólares para si, tem um segundo importante objetivo: exonerar Israel de seu pecado original de ter expulsado os palestinos em 1948 e ter roubado sua terra e sua propriedade. 

ARMADILHAS IDEOLÓGICAS 

Em dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU ordenou que os refugiados palestinos pudessem retornar para casa e que eles fossem compensados pela destruição e pelo roubo de sua propriedade por Israel. Israel não só quer manter todas essas terras, como também quer extorquir os países árabes, querendo que eles paguem bilhões. 

Há mais uma ironia na estratégia israelense: Israel sempre insistiu que a Palestina, mais tarde, Israel, é a pátria dos judeus ao redor do mundo, enquanto, ao mesmo tempo, reivindicava que os judeus árabes que imigraram para Israel eram “refugiados”. A definição legal e internacionalmente aceita de refugiado, no entanto, é de uma pessoa que foi expulsa ou fugiu de sua terra natal, não aquele que “retorna” para sua pátria. 


Presidenta da Comunidade Judaica Egípcia, Magda Shehata Haroun, na Sinagoga Shaar Hashamayim no Cairo, em 3 de outubro de 2013 (AFP).

Deixando estas armadilhas ideológicas de lado, a história da emigração judia-árabe para Israel não se deu por causa de expulsões por regimes árabes, mas por causa das ações criminosas israelenses que forçaram os judeus do Iêmen, Iraque, Marrocos, Egito e outros países a irem para Israel. 

Em 1949, o governo israelense estava trabalhando assiduamente com as autoridades coloniais britânicas em Aden e com oficiais iemenitas para transportar judeus iemenitas para Israel. Enquanto a Liga dos Estados Árabes resolveu banir a emigração de judeus árabes para Israel, o imã do Iêmen permitiu que os judeus saíssem do país em fevereiro de 1949, com a ajuda de emissários sionistas e propinas israelenses dadas a governantes provinciais iemenitas, como relata o livro do proeminente historiador israelense Tom Segev, 1949: The First Israelis. 

Alguns governantes provinciais pediram que ao menos dois mil judeus permanecessem, já que era dever religioso dos muçulmanos protegê-los, mas o emissário dos sionistas insistiu que era uma “ordem” religiosa judaica que eles fossem para a “Terra de Israel”. O fato de o primeiro-ministro de Israel à época ser David Ben Gurion também sugeria a muitos que Israel “era o reino de David,” como relata Segev e outras fontes. Dezenas de milhares de judeus foram instados a deixar suas casas e viajar para Israel. 

DISCRIMINAÇÃO INSTITUCIONALIZADA 

Quanto aos judeus que optaram por ficar, o emissário judeu em Aden, Shlomo Schmidt, pediu permissão para propor que as autoridades iemenitas os expulsassem, mas as autoridades iemenitas não o fizeram. 

Algumas das bagagens dos judeus que partiram, incluindo antigos pergaminhos da Torá, jóias e roupas bordadas, com as quais eles foram encorajados a trazer consigo, desapareceram no caminho e misteriosamente “apareceram em lojas de antiguidade e lembranças em Israel”, de acordo com Segev e outras fontes. 

Cerca de cinquenta mil judeus iemenitas foram essencialmente removidos do Iêmen pelos israelenses em 1949 e 1950 para sofrer uma discriminação institucionalizada pelos asquenazes em Israel. Isto inclui o sequestro de centenas de crianças iemenitas de seus pais, a quem foi contado que seus filhos tinham morrido; as crianças foram, então, supostamente entregues à adoção por casais asquenazes. 

Os sionistas também eram ativos na emigração de judeus do Marrocos para Israel. O Marrocos estava sob ocupação colonial francesa na época, então a Agência Judaica tinha de chegar a um acordo com o governador francês do Marrocos para realizar a emigração de judeus marroquinos, que tinham de encarar condições terríveis nas embarcações israelenses, de acordo com Segev e outras fontes. Cerca de cem mil judeus que saíram do país, de acordo com o emissário da Agência Judaica, tiveram de ser praticamente “levados para as embarcações à força”. 

Enquanto isso, o governo iraquiano de Nuri al-Said, o homem forte da Grã-Bretanha no Leste, foi difamado pela propaganda israelense de que estaria perseguindo judeus, quando, na verdade, eram invenções israelenses. Agentes sionistas foram ativos no Iraque, contrabandeando judeus através do Irã, até Israel, o que levou à perseguição de vários sionistas. 

Então, ataques contra judeus iraquianos começaram, incluindo o ataque na Sinagoga de Masuda Shemtov em Bagdá, matando quatro judeus e ferindo quase dez. Alguns judeus iraquianos acreditaram que isto foi obra de agentes do Mossad, que tentavam aterrorizar os judeus a fim de os convencer a fugir do país. As autoridades iraquianas acusaram e executaram dois ativistas sionistas. 

Em meio à campanha global de Israel para pressionar o Iraque a permitir que os judeus deixassem o país – o que levou a tentativas israelenses de bloquear um empréstimo do Banco Mundial para o Iraque, acompanhada de pressão estadunidense e britânica – o parlamento iraquiano cedeu e emitiu uma lei que permitia a saída dos judeus. Agentes sionistas no Iraque telegrafar ao seu encarregado em Tel Aviv: “Continuamos nossa atividade habitual para fazer a lei ser aprovada mais rapidamente”. Os 120 mil judeus do Iraque logo foram transferidos para Israel. 

VISANDO INTERESSES OCIDENTAIS 

Dentre a pequena comunidade judaica do Egito, havia um número ainda menor de asquenazes (em geral vindos da Alsácia e da Rússia) que chegaram a partir da década de 1880. A maior comunidade era a de judeus sefarditas que chegaram ao país na mesma época que os sefarditas da Turquia, do Iraque e da Síria, além da pequena comunidade de judeus caraítas. Ao todo, eram menos de 70 mil pessoas, metade das quais não possuía nacionalidade egípcia. 

O ativismo sionista dentro da pequena comunidade de judeus asquenazes no Egito fez com que alguns fossem para a Palestina antes de 1948. No entanto, foi após o estabelecimento de Israel que muitos dos judeus do Egito das classes mais altas começaram a partir para a França, não para Israel. Mesmo assim, a comunidade permaneceu essencialmente intacta até Israel ter intervido em 1954, recrutando judeus egípcios para uma célula terrorista israelense que colocou bombas em cinemas egípcios, na estação de trem do Cairo e em instituições e livrarias estadunidenses e britânicas.  

Os israelenses esperavam que, ao atacarem as coisas que interessavam os ocidentais no Egito, azedariam as então amistosas relações entre o presidente do Egito e os estadunidenses. 

A inteligência egípcia descobriu a rede terrorista israelense e julgou os acusados em tribunal aberto. Os israelenses montaram uma campanha internacional contra o Egito e o presidente Gamal Abdel Nasser, que foi apelidado de “Hitler do Nilo” pela imprensa israelense e ocidental, enquanto os agentes israelenses atiravam no consultado egípcio em Nova Iorque, de acordo com o livro de David Hirst, The Gun and the Olive Branch e outras fontes. 

Combinado à nova campanha socialista e nacionalista de “egipcianizar” os investimentos no país, muitos empreendedores ricos começaram a vender seus negócios e partir. 

Durante o período que a nacionalização começou, no fim da década de 1950 e início de 1960, a maioria dos negócios nacionalizados eram, na verdade, propriedade de muçulmanos e cristãos egípcios, não judeus. Foi neste contexto, e no contexto da ira pública contra Israel, que muitos judeus egípcios ficaram assustados e deixaram o país depois de 1954, rumo aos EUA e à França, enquanto os pobres acabaram em Israel (como relatado no livro de Joel Beinin, Dispersion of Egyptian Jewry). 

Quando Israel passou a integrar a conspiração Franco-Britânica para invadir o Egito em 1956 e após sua ocupação militar da Península do Sinai, a ira pública se voltou contra o Estado Sionista. O governo egípcio deteve cerca de mil judeus, metade dos quais eram cidadãos egípcios, de acordo com Beinin, e a pequena comunidade egípcia começou a deixar o país aos milhares. Na véspera da segunda invasão do Egito por Israel em 1967, apenas sete mil judeus restavam no país. 

CONVITES FORMAIS 

Apesar da culpa israelense em provocar o êxodo de judeus árabes de seus países, o governo israelense continua a culpar os governos árabes. Quanto à propriedade dos judeus árabes, de fato, eles deveriam ter todo o direito a ela e/ou a uma compensação – não devido a alguma narrativa de expulsão fabricada que serve aos interesses israelenses, mas devido à sua propriedade real. 

Ao contrário da propaganda israelense, a de que houve uma troca populacional, é notável que, enquanto judeus europeus e árabes que emigraram a Israel receberam a terra roubada e as propriedades dos palestinos expulsos de graça, de acordo com o historiador israelense Benny Morris e outras fontes, os palestinos não receberam a propriedade dos judeus árabes que migraram para Israel. 


Uma foto datada de antes de 1937 durante o Mandato Britânico da Palestina mostra árabes protestando na Cidade Velha de Jerusalém contra a imigração judaica para a Palestina (AFP).
 

De fato, a Organização para a Libertação da Palestina, que foi reconhecida em 1974 pela Liga Árabe e pela ONU como a “única representante legítima do povo palestino”, estava bem consciente desta estratégia israelense. Entendendo que a emigração de judeus árabes para Israel era um trunfo para os sionistas, a OLP exigiu, num memorando bastante famoso de 1975, aos governos árabes cujas populações judias partiram para Israel, que emitissem convites formais e públicos para que os judeus árabes voltassem para sua casa. 

Notavelmente, nenhum dos governos e regimes em poder em 1975 estavam no poder quando os judeus partiram, entre 1949 e 1967. Convites abertos e públicos foram devidamente emitidos pelos governos do Marrocos, Iêmen, Líbia, Sudão, Iraque e Egito para que os judeus árabes regressarem para casa, especialmente à luz da discriminação racista institucionalizada pelos asquenazes a que tinham sido sujeitos em Israel. Nem Israel nem suas comunidades árabes judaicas atenderam aos apelos. 

RECOMPENSANDO CRIMES 

Tudo isso de lado, há a questão das incessantes tentativas de Israel de equiparar as perdas financeiras dos judeus árabes às dos refugiados palestinos. Uma estimativa conservadora oficial israelense, comparando as perdas de propriedade dos palestinos com as perdas de propriedade dos judeus árabes deu uma proporção de 22 para 1 em favor dos palestinos, apesar da grosseira superestimação das perdas dos judeus árabes e da subestimação ainda mais grosseira das perdas palestinas. 

As estimativas conservadoras de pesquisadoras sobre as perdas de refugiados palestinos somam mais de 800 bilhões de dólares nos valores de 2008, excluindo os danos a nível psicológico e o sofrimento causado, que poderiam fazer o valor aumentar substancialmente. Isto exclui as perdas em terras confiscadas e propriedade pelos cidadãos palestinos de Israel desde 1948 e as perdas sofridas pelos palestinos na Cisjordânia Ocupada, Gaza e Jerusalém Oriental desde 1967. 

Embora nenhum dos regimes árabes no poder quando os judeus árabes emigraram para Israel exista hoje, o mesmo regime colonial israelense que expulsou o povo palestino e planejou o êxodo dos judeus árabes dos seus países permanece no poder. 

No entanto, em sua carta, Erdan queixa-se de que “é irritante ver a ONU assinalar um dia especial e dedicar muitos recursos à questão dos ‘refugiados palestinos’, ao mesmo tempo que abandona e ignora centenas de milhares de famílias judias deportadas de países árabes e do Irã”. A ironia da carta de Erdan é que ela exige que o regime israelense seja financeiramente e moralmente recompensada pelos crimes que cometeu nas últimas sete décadas. 

Artigo original: The truth behind Israeli propaganda on the 'expulsion' of Arab Jews