Em meados do primeiro milênio do calendário cristão, a Península Ibérica estava nas garras dos visigodos, uma tribo germanica particularmente brutal que cruzou os Pirineus no século V e invadiu as províncias ibéricas do Império Romano violando o pacto de foederati. Ousados ​​e ferozes, estes assim chamados bárbaros cristianizaram-se ao longo do tempo, adotando o arianismo como doutrina. Porém, apesar de herderem em parte uma cultura romanizada, seu domínio era um modelo de tirania: uma pequena aristocracia, em aliança com o clero, possuía vastas propriedades de terra e dependia de escravos miseráveis ​​para lavrar o solo e satisfazer os apetites vorazes dos nobres, enquanto a classe média, tal como era, suportava um pesado fardo de impostos cada vez mais altos. Vivendo numa especie de monarquia eletiva darwinista, as sussões de reis visigodos eram geralmente bastante traumáticas, pois envolvia a eleição de novos reis pela facção de nobres mais imponente, que nem sempre tinha o apoio da maioria, oque por vezes gerava crises sucessórias (sem contar nas guerras com outros grupos que lutavam contra seu dominio, como bascos, suevos, etc…).
 
Um grupo especialmente oprimido dentro do Reino Visigodo de Toledo eram os judeus. Estando na Ibéria desde o governo do imperador romano Tito entre 79 e 81 da era cristã, este grupo basicamente sem defesa contra a elite visigoda vivia a propria sorte. Contudo, o peso da opressão tornaria-se pior após a conversão de Recaredo em 587 do arianismo ao catolicismo. Em seu desejo de consolidar o reino sob a nova religião, os visigodos adotaram uma política agressiva em relação aos judeus. Como o rei e a igreja agiam em um único interesse, a situação para os judeus piorou. Recaredo aprovou a mudança do Terceiro Concílio de Toledo em 589 para batizar à força os filhos de casamentos mistos entre judeus e cristãos. Toledo III também proibiu os judeus de ocupar cargos públicos, de ter relações sexuais com mulheres cristãs e de realizar circuncisões em escravos ou cristãos (i.e converte-los). Mesmo assim, Recaredo não foi totalmente bem-sucedido em suas campanhas: nem todos os visigodos arianos se converteram ao catolicismo; os não convertidos eram verdadeiros aliados dos judeus, oprimidos como eles próprios, e os judeus recebiam alguma proteção dos bispos arianos e da nobreza visigótica independente.
 
Embora as políticas dos subsequentes Reis Liuva II (601-604), Witteric (603-610) e Gundemar (610-612) sejam desconhecidas para nós, Sisebuto (612-620) embarcou na campanha de Recaredo com vigor renovado. Logo depois de manter o édito do batismo obrigatório para filhos de casamentos mistos entre judeus e cristãos, Sisebuto instituiu o que se tornaria um fenômeno recorrente na política oficial espanhola, ao emitir os primeiros éditos de expulsão de judeus da Ibéria. Após seu decreto 613 de que os judeus se convertessem ou fossem expulsos, alguns fugiram para a Gália e para o norte da África, enquanto cerca de 90.000 se converteram. Muitos desses conversos, como os de períodos posteriores, mantiveram suas identidades judaicas em segredo. Durante o reinado mais tolerante de Suintila (621-631), entretanto, a maioria dos conversos retornou ao Judaísmo, e vários exilados retornaram à Espanha.
 
Em 633, o Quarto Concílio de Toledo, embora se posicionasse contra o batismo obrigatório, se reuniu para resolver o problema do cripto-judaísmo. Foi decidido que, se um cristão professo estivesse determinado a ser um judeu praticante, seus filhos seriam raptados para serem criados em mosteiros ou famílias cristãs. O conselho ainda determinou que todos os que haviam voltado ao judaísmo durante o reinado de Suintila deveriam retornar ao cristianismo. A tendência para a intolerância continuou com a ascensão de Chintila (636-639). Ele instruiu o Sexto Concílio de Toledo a ordenar que apenas os católicos pudessem permanecer no reino e, dando um passo incomum adiante, Chintila excomungou "antecipadamente" qualquer um de seus sucessores que não agissem de acordo com seus éditos antijudaicos. Novamente, muitos se converteram, enquanto outros escolheram o exílio.
 
E ainda assim o "problema" continuou. O Oitavo Concílio de Toledo em 653 novamente abordou a questão dos judeus dentro do reino. Outras medidas nessa época incluíam a proibição de todos os ritos judaicos (incluindo a circuncisão e a observação do Shabat), e todos os judeus convertidos tinham que prometer matar, seja por queima ou apedrejamento, qualquer um de seus irmãos que tivessem uma recaída ao judaísmo. O conselho estava ciente de que esforços anteriores haviam sido frustrados pela falta de conformidade entre as autoridades em nível local: portanto, qualquer um - incluindo nobres e clérigos - descoberto por ter ajudado judeus na prática do judaísmo seria punido com apreensão de um quarto de sua propriedade e excomunhão.
 
Esses esforços novamente fracassaram. A população judaica permaneceu suficientemente grande para levar Wamba (672-680) a emitir ordens de expulsão limitadas contra eles, e o reinado de Ervigio (680-687) também parecia aborrecido com a questão. O Décimo Segundo Concílio de Toledo novamente convocou o batismo forçado e, para aqueles que desobedeceram, confisco de propriedade, punição corporal, exílio e escravidão. Crianças judias com mais de sete anos de idade foram tiradas de seus pais e tratadas de forma semelhante em 694. Ervigio também tomou medidas para garantir que simpatizantes católicos não estivessem inclinados a ajudar os judeus em seus esforços para subverter as decisões do conselho. Pesadas multas aguardavam quaisquer nobres que agissem em favor dos judeus, e os membros do clero que fossem negligentes na aplicação estavam sujeitos a uma série de punições.
 
Egica (687–702), reconhecendo o erro do batismo forçado, relaxou a pressão sobre os conversos, mas continuou com os judeus praticantes. As dificuldades econômicas incluíam o aumento de impostos e a venda forçada, a um preço fixo, de todas as propriedades já adquiridas de cristãos. Isso efetivamente encerrou todas as atividades agrícolas dos judeus da Hispania. Além disso, os judeus não deveriam se envolver no comércio com os cristãos do reino, nem conduzir negócios com os cristãos no exterior. As medidas de Egica foram confirmadas pelo Décimo Sexto Concílio de Toledo em 693.
 
Tendo em mente a vida nesta proto-alemanha nazista na qual bárbaros germânicos faziam o possível para extermina-los de uma terra na qual já viviam há séculos antes do primeiro deles chegar, não é surpresa que a comunidade judia ibérica aliou-se a Tariq Ibn Ziyad e o exército muçulmano omíada quando estes, a convide de nobres visigodos envolvidos em mais uma crise sucessória, os chamaram para a Península. O líder militar judeu sefardita que levou suas tropas junto as forças muçulmanas foi Kaula al-Yahudi (685 - 718), ou Kuala, ‘’o Judeu’’, que em 711 na fatidica Batalha de Guadalete perto de Xeres de la Frontera, ajudou os guerreiros de Allah a inflingirem uma humilhante derrota sobre Rodrigo, o último rei visigodo. Em fim livres da opressão que lhes inflingiam os católicos, os judeus apoiaram Tariq em várias batalhas. Depois que cada uma das cidades sob domínio visigodo foi conquistada, os judeus receberam várias posições de salvaguarda dos interesses muçulmanos, criando uma tradição que seguiria por séculos de oficiais judeus em altas posições nas cortes muçulmanas. Este periodo marcou o inicio do que seria conhecido como “Idade de Ouro’’ do judaísmo medieval.

Bibliografia:

-Katz, Solomon. Monographs of the Mediaeval Academy of America No. 12: The Jews in the Visigothic and Frankish Kingdoms of Spain and Gaul, Cambridge, Massachusetts: The Mediaeval Society of America, 1937.
 
-Assis, Yom Tov. The Jews of Spain: From Settlement to Expulsion, Jerusalem: The Hebrew University of Jerusalem, 1988
-Encyclopaedica Judaica, p. 221.
 
-Roth, Norman (1994), Jews, Visigoths and Muslims in medieval Spain : cooperation and conflict, pp.79–90, Leiden: Brill,